“Artigo
IV
Ninguém
será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico
de escravos serão proibidos em todas as suas formas.”
Retorne
ao Artigo 5.o da Constituição da República Federativa do Brasil,
Os
princípios da liberdade como premissa, e da legalidade, ambos
abrigados em outros incisos do Artigo 50 da Constituição Federal,
servem aqui para justificar a preocupante ausência de uma menção
expressa no dispositivo constitucional brasileiro, à questão da
escravatura, possivelmente vista pelo legislador como simples letra
morta, em virtude do advento da Lei Áurea.
“A
escravidão é o estado ou a condição a que é submetido um ser
humano para a utilização de sua força em proveito econômico de
outrem.”
“Em
senso comum, a servidão implica numa relação de dependência de uma
pessoa sobre outra que é o servo ou escravo. Sociologicamente. o vocábulo
é empregado para traduzir a relação de dependência entre um grupo
ou camada social sobre outra como ocorre na aristocracia e que é
submetida ao pagamento de tributos e a obrigação de prestar serviços.”
(René
Ariel Dotti — Declaração Universal dos Direitos do Homem e notas
da legislação brasileira)
Certamente
se ampara a Constituição Federal, com a ausência de expressa previsão
de restrição legal na órbita constitucional, recorrendo à proibição
legal das penas impostas de modo mais peculiar aos escravos.
Além
disso, se ocupa o Artigo 149 do Código Penal, de tipificar como crime
a redução de alguém a condição análoga à de escravo.
“A
escravidão é incompatível com os princípios cristãos da dignidade
igual dos homens perante Deus e com os direitos do homem que surgiram
no século XVIII no bojo das Revoluções Americana e Francesa.”
(Liszt
Vieira - Cidadania e Globalização)
Redobra
a preocupação com a não inclusão da questão da escravidão de
forma expressa no Artigo 50 da Constituição Federal, quando se sabe
que o trabalho em condições similares às da escravidão, inclusive
a exploração do trabalho infantil e infanto-juvenil, ainda é
largamente praticado no Brasil, com grande complacência da população
e condescendência das autoridades, apesar da fiscalização
governamental formal, que se mostra simplesmente ineficaz.
“Há.
nas sociedades humanas, três tipos de escravidão: a escravidão
legal, a escravidão de fato e a escravidão indireta.
A
primeira hipótese parece que não ocorre mais no mundo moderno
civilizado. Em nenhum pais de vida legalizada, a escravidão - isto é,
a posse total de um homem pelo outro - é reconhecida por lei. Ou
mesmo pelo costume confessado. O que ainda subsiste é a escravidão
de fato. Em certas regiões africanas subsiste um comércio regular de
escravos, de que se tem notícias imprecisas e contraditórias. Mas em
nosso próprio país essa escravidão de fato, de trabalhadores
aliciados por traficantes no Nordeste para fazendas em Mato Grosso, não
só foi denunciada como confirmada pela prisão e confissão de alguns
desses aliciadores. Representa. entretanto, um fenômeno residual,
ligado às diferenciações sociológicas do quadro demográfico
nacional, por zonas e planos de civilização, típico dos países de
desenvolvimento inorgânico como o nosso e de toda a América Latina.
O
terceiro tipo de escravidão, a que chamamos de escravidão indireta.
já não é típico, como os demais, de países não-civilizados ou em
estado, total ou parcial. de subdesenvolvimento. Existe em qualquer
pais, desenvolvido ou em estado de desenvolvimento, sempre que a situação
econômica ou política de determinados grupos de cidadãos não lhes
permita, de fato, o pleno exercício dos seus direitos. Gozam de
direitos teóricos, geralmente reconhecidos por lei, mas são
incapazes de exercê-los em virtude das condições sociais de fato.
Pensemos, por exemplo, no problema do alto custo da Justiça ou na
falta de independência do Poder Judiciário. O povo já consagrou
esse fenômeno na velha sentença popular de que mais vale um mau
acordo do que uma boa demanda. Esse fatalismo da injustiça condena os
fracos e os pobres. em geral, a um estado de escravidão inconfessada
que representa um abastardamento coletivo do caráter, isto é, a
corrupção secreta de um povo.