Direitos
Humanos e Cidadania
Sociedade
Catarinense de Direitos Humanos
XVIII
Vejamos
o que estabelece o Artigo XVIII da Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
Artigo
XVIII
Toda
pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;
este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a
liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática,
pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente. em público ou
em particular.”
Retome
o Artigo 50 da Constituição da República Federativa do Brasil.
O
presente dispositivo declaratório consagra, num primeiro instante, a
liberdade de
pensamento
e de consciência, e, subsequentemente, a liberdade de religião,
direitos vinculados ao principio da liberdade, todos absorvidos, mesmo
que parcialmente, pelo texto constitucional brasileiro.
“A
liberdade de pensamento - segundo Sampaio Dona - ‘é o direito de
exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência. religião,
arte, ou o que for’. Trata-se de liberdade de conteúdo intelectual e
supõe o contato do indivíduo com seus semelhantes. pela qual ‘o
homem tenda . por exemplo, a participar a outros suas crenças, seus
conhecimentos, sua concepção do mundo, suas opiniões políticas ou
religiosas, seus trabalhos científicos’.”
(José
Afonso da Silva — Curso de Direito Constitucional Positivo)
A
Constituição Federal não explicita a liberdade de pensamento como
objeto de proteção, utilizando-a como pressuposto de sua manifestação,
esta sim expressamente garantida pelo texto constitucional.
O
exercício e a manifestação do pensamento gozam de plena liberdade,
como fundamento de uma sociedade democrática, compreendendo, como
decorrência lógica, a liberdade de expressão.
“Proibir
a livre manifestação do pensamento é pretender a proibição do
pensamento e. consequentemente. obter a unanimidade autoritária. arbitrária
e irreal.”
(Alexandre
de Moraes — Direitos Humanos Fundamentais)
A
sacralização da liberdade de pensamento, se justifica como essencial
ao pleno desenvolvimento intelectual dos indivíduos, não cabendo ao
Estado, ou a qualquer um, invadir este espaço privativo do ser ou
restringi-lo de algum modo, caso contrário se caracterizaria a servidão
absoluta, a extinção da pluralidade, das discordâncias e das contradições,
redundando em uma famigerado homogeneização compulsório das consciências.
Muito
a propósito, cabe lembrar as célebres palavras do Juiz Jackson, a
respeito da liberdade de pensamento e opinião:
“Quem
começa a eliminar coercitivamente as discordâncias. logo a seguir
estará exterminando os que discordam.”
(in
Leda Boechat Rodrigues - A Corte Suprema e o Direito Constitucional
Americano)
A
vedação do anonimato consignada na Constituição Federal, se
apresenta como uma limitação a sua plena manifestação, alimentando
controvertida discussão acerca do paradoxo existente entre a corrente
que defende a plenitude do pensamento e suas múltiplas modalidades de
manifestação, sem qualquer tipo de restrição, e outra que pretende
ver protegida a intimidade e a privacidade dos cidadãos.
Por
sua vez, a liberdade religiosa, ou seja, o direito de acreditar, ter fé
e professar qualquer crença de origem mística ou transcendental,
participando de seus cultos e liturgias, bem como das ações sociais
que lhes são pertinentes, constitui-se em um desdobramento da liberdade
de pensamento e manifestação, e vem acompanhada da garantia da
liberdade de consciência consignada no texto constitucional brasileiro.
“A
Bíblia não é demonstrável nem refutável; portanto, ou se crê nela,
ou se tolera que se creia nela.”
(André
Comte-Sponville - Pequeno Tratado das Grandes Virtudes)
“A
Religião foi um fator importante para favorecer ou obstaculizar o
desenvolvimento da cidadania. A versão calvinista do protestantismo
reforçou o individualismo e favoreceu a cidadania, colocando ênfase na
sociedade, e não no Estado.”
(Liszt
Vieira - Cidadania e Globalização)
Entretanto,
a liberdade religiosa, como as demais liberdades públicas, vem sendo
restringidas pelo entendimento de que a proteção constitucional não
se manifesta em grau absoluto, encontrando severas limitações na
esfera do Poder Judiciário, que interpreta a Constituição Federal,
nesse particular, sob a seguinte ótica:
“A
Constituição Federal assegura o livre exercício do culto religioso,
enquanto não forem contrários à ordem, tranqüilidade e sossego públicos,
bem como compatíveis com os bons costumes.”
(Supremo
Tribunal Federal — RTJ51/344)
“Dessa
forma, a questão das pregações e curas religiosas devem ser
analisadas de forma a não obstaculizar a liberdade religiosa garantida
constitucionalmente, nem tampouco acobertar praticas ilícitas.”
(Superior
Tribunal de Justiça — RT699/376)
Tais
ressalvas, restringem perigosamente a amplitude do comando
constitucional e ensejam sua subordinação a conceitos morais maleáveis
e subjetivos, tais como “ordem”, “bons costumes”, “tranqüilidade
e sossego públicos” etc.
Outro
aspecto relevante, é que a “liberdade de ateísmo”, direito que
emerge como corolário lógico e equivalente, não foi sequer cogitada
pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, muito menos
expressamente garantida pela Constituição Federal.
O
principio da liberdade de expressão religiosa, tem como pressuposto a
crença individual e coletiva, desenvolvendo-se através da manifestação
das suas variadas liturgias, realizadas em locais públicos ou não.
“Ela
se inclui entre as liberdades espirituais. Sua exteriorização é forma
de manifestação do pensamento. Mas, sem dúvida, é de conteúdo mais
complexo pelas implicações que suscita. Ela compreende três formas de
expressão (três liberdades): (a) a liberdade de crença; (b) a
liberdade de culto; (c) e a liberdade de organização religiosa.”
“Assim
como o magistrado não tem poder para impor por suas leis o uso de
quaisquer ritos ou cerimônias em qualquer igreja, também não tem
qualquer poder para proibir o uso de tais ritos e cerimônias já
aceitas. aprovadas e praticadas por qualquer igreja; porque, se assim o
fizesse, destruiria a própria igreja: o objetivo daquela instituição
é apenas cultuar a Deus com liberdade, segundo a sua própria
maneira.”
“Que
poder pode ser dado ao magistrado para a supressão de uma igreja idólatra
que, em tempo e lugar, não possa ser igualmente usado para a destruição
de uma igreja ortodoxa? Deve ser lembrado que o poder civil é o mesmo
em toda parte, e a religião de todo príncipe é ortodoxa para ele próprio.”
(John
Locke - Carta Sobre a Tolerância)
A
partir da liberdade de crença e expressão religiosa, se impõe, pelas
mesmas razões, a liberdade de convicção filosófica, que pode ou não
estar vinculada a uma ou várias crenças, ou a nenhuma delas, mas que,
de todo modo, se constitui na orientação moral e intelectual eleita
pela individual cama matriz para o correto desenvolvimento de suas ações,
daí resultando a direito de escusa de consciência.
“Da
liberdade de consciência, de crença religiosa e de convicção filosófica
deriva o direito individual de escusa de consciência, ou seja. o
direito de recusar prestar determinadas imposições que contrariem as
convicções religiosas ou filosóficas do interessado.”
(José
Afonso da Silva — Curso de Direito Constitucional Positivo)
O
papel das igrejas em todo o mundo, seu compromisso de evangelização
dos povos, e sua repercussão na evolução que as Direitas Humanas tem
sofrido na cursa da História, justificam plenamente essa pretenção.
“Houve
um momento na história universal em que os direitos humanos foram
negados pela Igreja. Nos últimos anos ela reconheceu isto, descobriu os
fundamentos da defesa desses direitos e hoje, especialmente no Brasil.
é a voz mais forte em favor dos oprimidos e marginalizados.
A
partir das encíclicas, a Igreja se abriu ao mundo. Foi uma mentalização
que começou lentamente. Na encíclica Pacem
in Terris e mais recentemente na Gaudium
ei Spes a Igreja começou a definir o que para ela é Direito
Humano. Alguns desses direitos apontados pela Igreja estão além
daqueles apontados pela própria Declaração da ONU.
O
direito de discordar da ideologia de seu grupo. Não obedecer à lei
civil nos casos de opressão. Resistência moral à injustiça
qualificada. Direito à imagem como pessoa e como grupo. Direito ã
intimidade etc.
Estes
documentos se constituem uma atitude firme em favor dos cristãos e da
própria libertação da humanidade.”
(D.
Afonso Hiehues - A Igreja e os Direitos Humanos in Direitos Humanos:
Estudos e Debates)
“Por
influência dos podres católicos, sobretudo dos adeptos da Teologia da
Libertação, começou a ganhar maior volume no Brasil a discussão
sobre problemas sociais, discriminação, grandes distâncias entre
ricos e pobres. necessidade de reforma agrária, justiça no mundo do
trabalho e outros temas dessa natureza. Essa mudança de atitude foi
recebida com muita reserva pelos Bispos e por muitos católicos, que
representam cerca de 80% do povo brasileiro, pois a discussão desses
assuntos era considerada manifestação de comunista.”
(Dalmo
de Abreu Dallari - Direitos Humanos no Brasil: uma Conquista Difícil)
Pa
re e reflita 10
Qual
é, a seu ver, a importância das igrejas no processo de divulgação
dos Direitos Humanos?
Quais
identificações você encontra entre os discursos religiosos e as
concepções/princípios de Direitos Humanos?
|