Em 1787, a “Constituição
dos Estados Unidos da América” e suas Emendas limitavam o poder estatal
na medida em que estabeleciam a separação dos poderes e consagrava
diversos Direitos Humanos fundamentais, tais como: a liberdade religiosa; a
inviolabilidade de domicílio; o devido processo legal; o julgamento pelo
Tribunal do Júri; a ampla defesa; bem como a proibição da aplicação de
penas cruéis ou aberrantes.
“A Constituição dos EUA
aprovada na Convenção de Filadélfia, em 17.09.1787. não continha
inicialmente uma declaração dos direitos fundamentais do homem. Sua
entrada em vigor, contudo, dependia da ratificação de pelo menos nove dos
treze Estados independentes, ex-colônias inglesas na América, com que. então,
tais Estados soberanos se uniriam num Estado Federal. passando a simples
Estados-membros deste. Alguns, entretanto, somente concordaram em aderir a
este pacto se se introduzisse na Constituição uma Carta de Direitos, em
que se garantissem os direitos fundamentais do homem. Isso foi feito,
segundo enunciados elaborados por Thomas Jefferson e James Madison, dando
origem às dez primeiras Emendas à Constituição de Filadélfia, aprovadas
em 1791, às quais se acrescentaram outras até 1795, que constituem o BilI
of Rights do povo americano.”
(José Afonso da Silva —
Curso de Direito Constitucional Positivo)
O BilI of Rights americano, ou
Carta de Direitos, redigida pelo Congresso Americano em 1789, se constituiu
em um resumo dos direitos fundamentais e privilégios garantidos ao povo
contra violações praticadas pelo próprio Estado, normas posteriormente
incorporadas ô Constituição através das dez primeiras Emendas, sendo
ratificada pelo 3 Estados em 15 de dezembro de 1791.
Entretanto, alguns autores
entendem que a precedência desses diplomas legais americanos de forma
alguma reduziu a importância da carta francesa.
“A declaração de independência
americana fora lançada num tom de justificação e assemelhava-se à
comunicação dum comerciante que faz saber aos seus fregueses que se tornou
independente. Revelava em todos os termos um caráter másculo. como cumpria
a puritanos que exerciam severo controle pessoal e honravam suas mulheres
sem resquícios de erotismo. A declaração francesa dos direitos civis é
produto de estado de alma diverso, O entusiasmo gera-se de energias que
desconhecem o controle humano. Os homens que realizaram o 4 de agosto foram
arrebatados pelo delírio criador.”
(Otto Flake - A Revolução
Francesa)
“Os autores costumam
ressaltar a influência que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
adotada pela Assembléia Constituinte francesa em 27.08.1789, sofreu da
Revolução Americana, especialmente da Declaração de Virgínia, já que
ela precedeu a Carta dos Direitos contida nas dez primeiras emendas à
Constituição norte-americana, que foi apresentada em setembro de 1789. Na
verdade, não foi assim, pois os revolucionários franceses já vinham
preparando o advento do Estado Liberal ao longo de todo o século XVIII. As
fontes filosóficas e ideológicas das declarações de direitos americanas
como da francesa são européias, como bem assinalou Mirkine Guetzévitch.
admitindo que os franceses de 1789 somente tomaram de empréstimo a técnica
das declarações americanas, mas estas não eram, por seu turno, senão o
reflexo do pensamento político europeu e internacional do século XVIII -
desta corrente da filosofia humanitária cujo objetivo era a liberação do
homem esmagado pelas regras caducas do absolutismo e do regime feudal. E
porque esta corrente era geral, comum a todas as Nações, aos pensadores de
todos os países, a discussão sobre as origens intelectuais das Declarações
de Direitos americanas e francesas não têm, a bem da verdade, objeto. Não
se trata de demonstrar que as primeiras Declarações provêm’ de Locke ou
de Rousseau. Elas provêm de Rousseau, e de Locke, e de Montesquieu, de
todos os teóricos e de todos os filósofos. As Declarações são obra do
pensamento político, moral e social de todo o século XVIII’.”
“O que diferenciou a Declaração
de 1789 das proclamadas na América do Norte foi sua vocação
universalizante. Sua visão universal dos direitos do homem constituiu uma
de suas características marcantes, que já assinalamos com o significado de
seu mundialismo.”
(José Afonso da Silva —
Curso de Direito Constitucional Positivo)
“A chamada Revolução
Americana foi essencialmente, no mesmo espírito da Glorious Revolution
inglesa, uma restauração das antigas franquias e dos tradicionais direitos
de cidadania, diante dos abusos e usurpações do poder monárquico. Na
Revolução Francesa, bem ao contrário, todo o ímpeto do movimento político
tendeu ao futuro e representou uma tentativa de mudança radical das condições
de vida em sociedade. O que se quis foi apagar completamente o passado e
recomeçar a História do marco zero — reinicio muito bem simbolizado pela
mudança de calendário.
Ademais, enquanto os
norte-americanos mostraram-se mais interessados em firmar sua independência
em relação à coroa britânica do que em estimular igual movimento em
outras colônias européias, os franceses consideraram-se investidos de uma
missão universal de libertação dos povos.”
(Fábio Konder Comparato — A
Afirmação Histórica dos Direitos Humanos)
A Revolução Francesa teve
origem no Iluminismo, teoria filosófica que, entre outros propósitos,
invocava a razão para debilitar a autoridade da igreja e os fundamentos da
monarquia.
Esse movimento social posto em
prática pelas massas populares, proporcionou à humanidade um legado
fundamentado na obra de Jean-Jacques Rousseau (Genebra! Suíça 1712— 1778
Ermenonville/Franca), primordialmente no “Contrato Social”, através da
qual pretende “estabelecer os meios para atalhar as usurpações do
governo”, partindo do principio que o homem, naturalmente bom, vai sendo
progressivamente corrompido pela sociedade, onde viceja e prospera o cultivo
à ociosidade. Esta, por sua vez, promoveria a decadência moral e
deterioraria os costumes.
Como critico implacável da
organização social de então, Rousseau fazia a apologia da supremacia do
instinto e da natureza em oposição ao racionalismo progressista, exaltando
a emoção e o sentimento,
Para Rousseau, a desigualdade
entre os homens teria surgido com a noção de propriedade, a qual, por sua
vez, teria gerado o Estado despótico através da sucessiva e descontrolada
acumulação de bens.
Em contraposição, afirmava,
em linhas gerais, que o Estado ideal deveria ser resultante de um pacto
entre os indivíduos, que cederiam alguns de seus direitos até então
consagrados, em prol de se tornarem verdadeiros cidadãos.
O fundamento desse acordo,
desse contrato social, seria a vontade geral, identificada com a
coletividade, em conseqüência, soberana.
“0 pensador francês
Rousseau propõe o deslocamento da soberania, que estava depositada nas mãos
do monarca, para o direito do povo, mudando o conceito de vontade singular
do príncipe para o de vontade geral do povo. No sistema de contrato social
imaginado por Rousseau, não há lugar para a democracia indireta, para a
representação e delegação de poderes. A soberania é a vontade geral, e
a vontade não se representa. Essa idéia pode ser encontrada intacta na
corrente jacobina da Revolução Francesa.”
(Liszt Vieira — Cidadania e
Globalização)
O “Contrato Social” de
fato transformou-se efetivamente na cartilha revolucionária e na bíblia
jurídico-política paro todos quantos buscavam afirmações e
justificativas para os seus anseios de justiça e de liberdade.
Paralelamente, a obra “Espírito
das Leis” de Montesquieu - reivindicado pelos constituintes franceses como
seu mestre - também foi considerada um dos pontos de referência para a
elaboração da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”.
“Os princípios igualitários
do homem já haviam sido concebidos pelos grandes pensadores da humanidade e
não constituíram criações ou expressões inéditas no século XVIII.
Montesquieu e Rousseau
despertaram, mais que outros filósofos, o espirito universal para a proposição
e a realidade dessas idéias.”
Desde então, a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão começou a exercer penetrante influência
nas legislações do mundo.
A maioria das constituições
modernas, após 1918, adotou, ‘inlittera’, os postulados de maior
culminância na Declaração francesa.
Nenhuma outra expressão jurídica
alcançou, até os nossos dias. uma aura de popularidade tão enternecida,
uma consagração tão acentuada e uma universalidade tão consciente.”
(Jayme de Altavila - Origem
dos direitos dos povos)
Todavia, a continuidade da
consciência universal em prol dos Direitos Humanos se projeta efetivamente
com Rousseau. Ninguém anteriormente havia se debruçado para proclamar e
exigir de modo tão eloqüente os direitos e as liberdades do ser humano.
Nesse ambiente libertário do
final do século XVIII, se erigiu a famosa “Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão” votada definitivamente em 2 de outubro de 1789,
ampliada pela Convenção Nacional em 1793, oferecendo, nesta última versão,
entre outras disposições, que: “Todos os homens são iguais por natureza
e perante a lei.” e ainda, que “O fim da sociedade é a felicidade
comum.”
“A Revolução Francesa de
1789 é um marco simbólico da inauguração da sociedade industrial
burguesa, do Estado moderno e do Direito moderno. Os ideais do iluminismo e
da modernidade são incorporados pelo Direito. A necessidade dos pensadores
da época de romper com o ancião regime — o absolutismo — os impeliu a
construir um ordenamento novo. Era preciso romper com o jusnaturalismo e
implementar o positivismo jurídico. Nessa esteira, pode-se entender o
processo de codificação pelo qual passou o Direito.”
(Alexandre Luiz Ramos —
Direitos Humanos, Neoliberalismo e Globalização in: Direitos Humanos como
Educação para a Justiça)
Além dos aspectos jurídicos
e libertários tão propalados, a própria Revolução Francesa fizera de si
mesma uma imagem romântica e transcendental, ao menos com relação àquela
primeira fase de 1789, capaz de cativar a todos de seu tempo, e mesmo após.
“(...) o tempo de juvenil
entusiasmo, de orgulho, de paixões generosas e sinceras, tempo do qual,
apesar de todos os erros. os homens iriam conservar eterna memória, e que,
por muito tempo ainda, perturbará o sono dos que querem subjugar ou
corromper os homens.”
(Alexis de Tocqueville - O
Antigo Regime e a Revolução)
Dentre as mais importantes
normas estabelecidas pela “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”
em prol dos Direitos Humanos, destacam-se a garantia da igualdade, da
liberdade, da propriedade, da segurança, da resistência à opressão, da
liberdade de associação política, bem como o respeito ao princípio da
legalidade, da reserva legal e anterioridade em matéria penal, da presunção
de inocência, assim também a liberdade religiosa e a livre manifestação
do pensamento.
A partir daí, a burguesia
passou a reivindicar uma participação cada vez mais efetiva no poder de
gestão do Estado, através de um processo que teve seu marco inicial com a
“Queda da Bastilha” e culminou com a execução dos monarcas,
acompanhando grande parte da aristocracia francesa que sucumbia ã
guilhotina.
Em prol da introdução de
novas concepções e definições no campo do Direito Penal com o objetivo
de humanizá-lo, Cesare Bonesana Beccaria (Milão 1738-1794), produziu a
obra denominada “Dos delitos e das penas” ( Dei
deli/ti e de//e pene) , que passou a se constituir no alicerce teórico
do Direito Penal em todo o mundo, manifestando-se contra o processo secreto,
a tortura, a desigualdade dos castigos segundo as pessoas, a atrocidade dos
suplícios, bem como se constituía em feroz crítico da pena capital.
Porque, em verdade, teremos de
reconhecer que Beccaria foi um revolucionário; um renovador pacifista, que
se impôs pela ordem de seus conceitos, pela convicção resultante de sua
crítica, pelo ineditismo de seu postulado.
Foi, pois, nesse caráter que
ele depôs do trono o velho direito penal eivado de medievalismo,
constituindo-se imprevistamente ditador de um direito subjetivo e outorgando
ao mundo, em nome da humanidade, um novo sistema de justiça penal que não
se apagará nunca na bibliografia de juristas e na memória dos homens.
(Jayme de Altavila - Origem
dos direitos dos povos)
Desde então, diversas
constituições foram elaboradas a partir dos princípios alinhados na Carta
Francesa, tais como a “Constituição Espanhola” de 1812 (Constituição
de Códis) e a “Constituição Portuguesa” de 1822. Esta última,
ergueu-se como um grande marco de proclamação dos direitos individuais,
consagrando a igualdade, a liberdade, a segurança, a propriedade, a
desapropriação somente mediante prévia e justa indenização, a
inviolabilidade de domicílio, a livre comunicação de pensamentos, a
liberdade de imprensa, a proporcionalidade entre o delito e a pena, o
principio da reserva legal, a proibição da aplicação de penas cruéis ou
infamantes, o livre acesso aos cargos públicos, bem como a inviolabilidade
da comunicação e da correspondência.
Pode-se mencionar ainda a
“Constituição Belga” de 1831, bem assim a “Constituição Alemã”
de Weimar, de 1919, e a “Constituição Mexicana” de 1917, esta última
precursora na sistematização do conjunto dos direitos sociais do homem,
mantendo-se no contexto de um regime capitalista, todos diplomas que
identicamente proclamaram aqueles direitos fundamentais que emergiram com as
cartas americana e francesa.
No final do século XIX, o
pensamento de Karl Marx (Trier 1818- 1883 Londres) acerca da economia do
mundo contemporâneo, bem como dos fenômenos da relação de trabalho e
capital, influenciou decisivamente na formulação dos direitos sociais que
então se configuravam e emergiam, proporcionando, o partir de então, uma
visão diferenciada de uma realidade liberal extremamente arraigada.
“A doutrina francesa indica
o pensamento cristão e a concepção dos direitos naturais como as
principais fontes de inspiração das declarações de direitos.
Essas novas fontes de inspiração
dos direitos fundamentais são: (1) o Manifesto Comunista e as doutrinas
marxistas, com sua crítica ao capitalismo burguês e ao sentido puramente
formal dos direitos do homem proclamados no século XVIII, postulando
liberdade e igualdade materiais num regime socialista; (2) a doutrina social
da Igreja, a partir do Papa Leão XIII, que teve especialmente o sentido de
fundamentar uma ordem mais justa, mas ainda dentro do regime capitalista,
evoluindo, no entanto, mais recentemente, para uma Igreja dos pobres que
aceita os postulados sociais marxistas; (3) o intervencionismo estatal, que
reconhece que o Estado deve atuar no meio econômico e social, a fim de
cumprir uma missão protetora das classes menos favorecidas, mediante prestações
positivas, o que é ainda manter-se no campo capitalista com sua inerente
ideologia de desigualdades, injustiças e até crueldades.”