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A Incorporação dos Direitos Humanos no
Direito Constitucional Brasileiro

Geovanna Patrícia Rêgo

Sumário

I. Introdução

II. Conceito de Constituição

III. A constituição de 1924

 III.A.) Antecedentes históricos
 III.B.) Os Direitos Humanos e a Constituição Imperial

IV. A Constituição de 1891

IV.A) Antecedentes históricos
IV.B) Os Direitos Humanos e a 1a Constituição Republicana

V. A Constituição de 1934

V.A) Antecedentes históricos
V.B) A Constituição de 1934 e os Direitos Humanos

VI. A Constituição de 1937

VI.A) Antecedentes históricos
VI.B) A constituição de 1937 e os Direitos Humanos

VII. A Constituição de 1946

VII.A) Antecedentes históricos
VII.B) 1946 e a volta do Estado de Direito: recuperação da idéia de Direitos Humanos.

VIII. A Constituição de 1967

VIII.A) Antecedentes históricos
VIII.B) Os Direitos Humanos e a Constituição de 1967

IX. A constituição de 1988

IX. A) Antecedentes históricos
IX. B) A constituição ‘’Cidadã ‘’ e os Direitos Humanos

X. Conclusão

XI. Bibliografia

I. Introdução

 

A Constituição de um país tem importância fundamental em sua estruturação político-administrativa, na organização do Poder Estatal, como também no reconhecimento  dos direitos fundamentais do homem.

Devido à grande relevância dos direitos humanos, este tema não poderia deixar de constar nas diversas Constituições brasileiras. Insere-se este trabalho, na tentativa de visualizar a progressiva aceitação e incorporação dos direitos humanos nas Constituições de nosso país, desde a Constituição de 1824 até a nossa Constituição atual, vigente a partir de 1988.

Seria interessante também relatar o contexto histórico que ensejou o surgimento das Constituições brasileiras, a fim de que se torne mais fácil a compreensão de mudanças e inovações que surgiram posteriormente.

Ressalta-se novamente que este breve estudo deter-se-á apenas à análise das Constituições sob o âmbito de interseção com os direitos humanos, já que não  faz parte da matéria Direito Constitucional, não englobando, assim, os demais aspectos

II. Conceito de Constituição

Pode se dizer que Constituição, lato sensu, é o ato de constituir, o modo  pelo qual se constitui uma coisa, um ser vivo, um grupo de pessoas; organização.[1] No sentido jurídico, porém, a constituição pode ser definida como a lei fundamental e suprema do Estado, produto do Poder Constituinte Originário, um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e exercício do poder, a distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos.

Um dos principais objetivos do constitucionalismo é, indubitavelmente, a proteção dos direitos fundamentais do ser humano. Isto, que já era verdade no final do século XVII, quando se estabeleceram as primeiras constituições escritas, continua válido neste final do século XX, quando o arbítrio e o autoritarismo ainda os ameaçam.

III. A Constituição de 1824

III.A) Antecedentes históricos[2]

A convocação de uma Assembléia Constituinte com a finalidade de elaborar a primeira Constituição do Brasil antecede à própria proclamação formal de Independência do País, em 7 de Setembro de 1822. Dom Pedro, devido à grande agitação política a favor do fim da subordinação a Portugal, convocou a Assembléia Constituinte, que se instalou em 3 de Maio de 1823. Considerando o projeto Constitucional ultraliberal e revolucionário, D. Pedro dissolve a Constituinte, e o conselho de Estado se encarrega do novo projeto, que é outorgado pelo imperador em 25 de Março de 1824. A dissolução da Assembléia Constituinte ensejou o surgimento de uma revolta, em diversos Estados brasileiros, que ficou conhecida como Confederação do Equador, com a importante participação de Frei Caneca, em Pernambuco.

Seu governo era monárquico, hereditário, constitucional e representativo (art.3o). Havia quatro poderes distintos: Judiciário, Executivo, Legislador e Moderador. (art.10) Este era exercido exclusivamente pelo Imperador e, devido às imensas faculdades que lhe dava, sobrepunha-se ao demais poderes, interferindo em suas atuações. Como dissera Itaboraí, aqui o Rei reinava, governava e administrava, contrariamente ao sistema inglês, em que o Rei reina, mas não governa.[3] As autonomias regionais foram bastante sufocadas pelo poder central.

Em seu artigo 179, esta Constituição traz uma declaração de direitos individuais e garantias que, nos seus fundamentos, permaneceu nas constituições posteriores.

III.B)Os direitos Humanos e a Constituição Imperial.

As primeiras Constituições brasileiras versaram, basicamente, sobre os direitos de 1a geração (Direitos civis e políticos), que são aqueles que exigem uma atuação negativa por parte do Estado.

Pode-se dizer que a Constituição imperial consagrou os principais Direitos Humanos, como então eram reconhecidos. Por um lado, foi uma Constituição liberal, no reconhecimento de direitos; por outro, porém, foi bastante autoritária, devido à concentração de poderes nas mãos do Imperador, resultante do Poder Moderador.

Seguindo os passos da Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, decretada pela Assembléia Nacional Francesa em 1789, a Constituição imperial brasileira afirmou que a inviolabilidade dos direitos civis e políticos tinha por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade (art.179). Omitiu, contudo o quarto direito natural e imprescritível, proclamado, ao lado desses três, pelo artigo segundo da Declaração francesa: o direito de resistência à opressão.

Do Constitucionalismo inglês herdou a vedação da destituição de magistrados pelo rei (Act of Settlement, 1701), o direito de petição, as imunidades parlamentares, a proibição de penas cruéis (Bill of rights, 1689) e o direito do homem a julgamento legal (Magna Carta, 1215).

Diferindo um pouco dos documentos norte-americanos, coerente com a opção pela forma monárquica de Governo, a Constituição de 1924 evitou mencionar a idéia de estrita vinculação de todo governo ao consentimento dos governados Baseando-se na ideologia de Locke, a propriedade e a renda mostram-se como condições fundamentais para o exercício do poder político, nesta Constituição.

As principais conquistas asseguradas pela Constituição de 1824 foram as seguintes: liberdade de expressão do pensamento, inclusive pela imprensa, independente de censura; liberdade de convicção religiosa e de culto privado, contanto que fosse respeitado a religião do Estado; igualdade de todos perante a lei; abolição dos açoites, tortura, marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis; exigência de lei anterior e autoridade competente, para sentenciar alguém; direito de prioridade; liberdade de trabalho; instrução primária gratuita; direito de petição e de queixa, inclusive o de promover a responsabilidade dos infratores da Constituição.

IV. Constituição de 1891

IV.A) Antecedentes Históricos

Assumindo o poder, os republicanos, civis e militares, cuidaram da transformação do regime. Proclamado a República em 15 de Novembro de 1889, o Governo Provisório, por meio de Decreto no 510, de 22 de Junho de 1890, convocou eleições para a formação do Congresso Nacional e deu publicidade a projeto de texto constitucional elaborado por uma comissão composta por cinco lideranças do movimento republicano: Saldanha Marinho, Rangel Pestana, Antônio Luiz dos Santos Weeneck, Américo Brasiliense de Almeida Mello e José Antônio Pedreira de Magalhães Castro - e revisado por Rui Barbosa, Ministro da Fazenda Coube ao Congresso apreciar e votar o texto definitivo da Constituição da república dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de Fevereiro de 1891.

Conforme afirma Pinto Ferreira, a Constituição de 1891 foi moldada segundo o estilo da Constituição norte-americana, com as idéias diretoras do presidencialismo, do federalismo, da triparticipação do poder , do liberalismo político, e da democracia burguesa.[4]

José Afonso da Silva, assinalando que ‘’o sistema constitucional implantado enfraquecera o poder central e reacendera os poderes regionais e locais, adormecidos sob o guante do mecanismo unitário e centralizador do Império’’, ressalta a emergência do federalismo, não só como derivação da estrutura formal de organização do Estado, mas muito mais como resultante de um quadro real de relações políticas, econômicas e sociais caracterizadas pela prevalência dos interesses do poder oligárquico, fenômeno conhecido como coronelismo.[5]

IV.B) Os Direitos Humanos e a 1a Constituição Republicana                                                                                                                    

           

            Uma inovação da Constituição Republicana foi a instituição do sufrágio direto para a eleição dos deputados, senadores, presidentes e vice-presidente da República. Estendeu, implicitamente, esse preceito aos cargos eletivos estaduais.

            A partir dela, o poder político poderia ser exercido independentemente do poder financeiro do indivíduos. Seriam eleitores os cidadãos maiores de 21 anos, excluindo desse alistamento os mendigos, os analfabetos, as praças de pré, os religiosos sujeitos a voto de obediência e as mulheres. O voto continuava, porém, a ser aberto e os fortes economicamente continuavam detendo a política local.

            Não obstante essa realidade, que restringia o poder a camadas privilegiadas, a primeira Constituição republicana ampliou os Direitos Humanos, além de manter as franquias já reconhecidas no Império: separou-se a Igreja do Estado e estabeleceu-se a plena liberdade religiosa; consagrou-se a liberdade de associação sem armas; assegurou-se aos acusados a mais ampla defesa; aboliram-se as penas de galés, banimento judicial e morte; criou-se o habeas corpus com a amplitude de remediar qualquer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder (depois restringe-se o uso deste remédio processual a casos relacionados à liberdade de locomoção); instituíram-se as garantias da magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos) mas, expressamente, só em favor dos juizes federais.

V. A Constituição de 1934

V.A) Antecedentes históricos

O texto constitucional de 1934 emana do processo de transformações vivido pelo país, que tem como marco a Revolução de 30, cuja causa imediata foi o processo eleitoral para a escolha do sucessor do presidente Washington Luiz, que deu a vitória para Júlio Prestes. Mas o movimento revolucionário decorreu, em instância mais ampla, da corrosão do sistema político vigente na primeira República com a explicitação de conflitos econômicos, sociais e políticos. Subindo Getúlio Vargas ao poder, como líder civil da Revolução, inclina-se para a questão social.

O modelo do novo texto é a Constituição alemã de Weimar,’’ catalogando-se o nosso regime’’, no entender de Pinto Ferreira,’’ não mais como uma democracia liberal, e sim como uma democracia social, com a poderosa aplicação do campo do governo no campo econômico; (...) as grandes bases da democracia social foram instituídas, guardando-se, em certas variantes, no mais, o modelo constitucional de 1891.[6]

         Comentando as disposições dos textos constitucional, Josapha Marinho enumera elementos que evidenciam seu sentido inovador: ‘’Regular melhor o mecanismo presidencialista, limitando o poder pessoal do chefe de Governo por várias fórmulas adotadas. (...) Fortaleceu o regime representativo. (...) reforçou a estrutura Federativa.(...) Reconhecendo os direitos sociais, revestiu de proteção maior os principais direitos do trabalhador.(...) Criou o mandado de segurança. (...) Instituiu as primeiras normas conducentes ao regime de planificação (...) garantiu a liberdade econômica dentro dos limites em que fossem observados os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional (...)”.[7]

V.B) A Constituição de 1934 e os Direitos Humanos

A partir de 1934, verifica-se uma maior inserção dos direitos sociais (direitos de 2a geração) nas Constituições brasileiras. Eles exigem do Estado uma maior participação para que possam ser implementados, ou seja, há a necessidade de uma atuação Estatal positiva.

Os autores Paulo Bonavides e Paes de Andrade pensam que esta Constituição guiava o pensamento da sociedade e a ação do Governo para um programa de leis cujo valor maior recaía no bem comum.[8]

Instituiu a Justiça Eleitoral (art. 82 e seguintes) e o voto secreto (art.52,1o), abrindo os horizontes do constitucionalismo brasileiro para os direitos econômicos, sociais e culturais (art.115 e seguintes, art. 148 e seguintes).

A Constituição de 1934, inovando no Direito Brasileiro, estatuiu normas de proteção ao trabalhador. Pode-se citar alguns dos princípios aceitos: salário mínimo capaz de satisfazer às necessidades normais do trabalhador; repouso semanal e férias anuais remuneradas; proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; criação da Justiça do Trabalho, vinculada ao Poder Executivo.

Esta Constituição também cuidou dos direitos culturais, aceitando os seguintes princípios, dentre outros: direito de todos à educação, obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, inclusive para os adultos, e tendência à gratuidade do ensino ulterior ao primário.

Além disso, a Constituição de 1934, entre outras coisas: explicitou o princípio da igualdade perante a lei, estatuindo que não haveria privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissão própria ou dos país, riqueza, classe social, crença religiosa ou idéias políticas; manteve o habeas-corpus, para proteção da liberdade pessoal, e instituiu o mandado da segurança, para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade; vedou a pena de caráter perpétuo; proibiu a prisão por dívidas, multas ou custas; criou a assistência judiciária para os necessitados. Nesta Constituição, as mulheres foram brindadas com uma grande e merecida conquista: o direito ao voto.

            VI.  A constituição de 1937

VI.A) Antecedentes históricos

            Eleito Presidente da República em 1934, pela Assembléia Constituinte, Getúlio Vargas impôs em 1937, por meio de golpe de Estado, uma ordem ditatorial, denominada Estado Novo, dissolvendo o Congresso Nacional, revogando a Constituição e promulgando em substituição, uma nova Carta Constitucional.[9]

            Assim se implantou a nova ordem denominada Estado Novo. Fruto do Impacto das ondas ideológicas que varriam o planeta no período imediatamente anterior à Segunda Guerra Mundial, mas ajustando às condições históricas nacionais, o Estado Novo configurou-se no plano jurídico e político como um regime forte e centralizado, ‘’ que se propunha a conciliar os interesses do trabalhismo incipiente com as tendências conservadoras do capitalismo", como observa Pinto Ferreira.[10]

            A Constituição de 1937, inspirada na Constituição polonesa de 1935,  teve por objeto fundamental o fortalecimento do Poder Executivo federal na sua relação com os Poderes Legislativo e Judiciário e com as outras esferas do governo.

Na prática, no entanto, ela não teve aplicação regular, já que o  Presidente da República concentrou todas as atribuições do Executivo e do Legislativo, ignorou a autonomia dos entes da federação, legislou por via de decretos- leis e até mesmo emendou a Constituição por meio de leis constitucionais. O plebiscito para a aprovação da Carta nunca chegou a ser realizado.

VI.B) A Constituição de 1937 e os Direitos Humanos

Durante o Estado Novo, não estiveram de pé os Direitos Humanos.[11]

A magistratura perdeu suas garantias (art.177). Um tribunal de exceção, o Tribunal de Segurança Nacional, passou a ter competência para julgar os crimes contra a segurança do Estado e a estrutura das instituições (art.172). Leis eventualmente declaradas contrárias à própria Constituição autoritária,  ainda assim podiam ser validadas pelo Presidente.

A Constituição declarou o país em Estado de emergência (art.186), com suspensão da liberdade de ir e vir, censura da correspondência e de todas as comunicações orais e escritas, suspensão da liberdade de reunião, permissão de busca e apreensão em domicílio (art.168).

Enfim, muitas garantias individuais, até mesmo aquelas que não representavam risco algum ao regime vigente, perderam sua efetividade.

VII. A Constituição de 1946

VII.A) Antecedentes históricos

O fim da Segurança Guerra Mundial, com a vitória dos aliados sobre as forças do eixo, promoveu a ampliação dos movimentos que objetivavam a redemocratização do Brasil. A pressão social fez com que o próprio Presidente da República iniciasse, com a expedição da Lei Constitucional n. 9, de 28 de Fevereiro de 1945, os procedimentos para a recomposição do quadro institucional brasileiro. Posteriormente, foram convocadas eleições para Presidente e para Deputados Federais, a se realizarem em dezembro daquele ano. O processo de mudanças políticas se acelerou ainda mais e, antes mesmo das eleições, em 29 de Outubro, Getúlio Vargas foi deposto, assumindo o Ministro José Linhares, Presidente do Supremo Tribunal Federal, o governo do país. Conforme o calendário previsto, o General Eurico Gaspar Dutra foi vitorioso nas urnas, assumindo a Presidência em 2 de Fevereiro de 1946 e foi instalada a Assembléia Constituinte integrada pelos deputados eleitos.

Promulgada em 18 de Setembro de 1946, inspirou-se, em grande parte, nos textos de 1891 e 1934 e teve como eixos básicos a consolidação de um sistema político fundado na democracia representativa, a institucionalização da federação e da autonomia municipal e a progressão no tratamento constitucional dos direitos e garantias fundamentais e de matéria econômica e social.

 

VII.B) 1946 e a volta do Estado de Direito: recuperação da idéia   de Direitos Humanos.

A Constituição de 1946, nas palavras de João Baptista Herkenhoff, restaurou os direitos e garantias individuais, que foram mais uma vez, ampliados, em comparação com o texto constitucional de 1934.[12]

Criou-se através do artigo 141, 4o, o princípio da ubiqüidade da justiça, nestes termos: ‘’ A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual ‘’. Segundo Pontes de Miranda, foi a mais prestante criação do constituinte de 1946.[13]

Foi estabelecida a soberania dos veredictos do júri e a individualização da pena.

Aqui, os direitos sociais foram ampliados, sendo estatuídos:  salário mínimo capaz de atender às necessidades do trabalhador e de sua família; participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa; proibição de trabalho noturno a menores de 18 anos; assistência aos desempregados; obrigatoriedade da instituição, pelo empregador, do seguro contra acidentes de trabalho; direito de greve; liberdade de associação profissional ou sindical; criação da Justiça do Trabalho como ramo do Poder Judiciário.

 

Mantiveram-se  os direitos de salário superior do trabalhador noturno em relação ao do trabalhador  diurno e de repouso nos feriados civis e religiosos, inovações trazidas pela Carta de 1937.

Referindo-se aos direitos sociais, estes ampliaram-se, sendo acrescidos de: gratuidade do ensino oficial ulterior ao primário para os que provassem falta ou insuficiência de recursos; obrigatoriedade de manterem as empresas, em que trabalhassem mais de 100 pessoas ensino primário para os servidores e respectivos filhos; obrigatoriedade de ministrarem as empresas, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores; instituição de assistência educacional, em favor dos alunos necessitados, para lhes assegurar condições de eficiência escolar.

 

A partir do golpe de 1964, a Constituição de 1946 sofreu múltiplas emendas e suspensão da vigência de muitos de seus artigos. Isso aconteceu por força dos Atos Institucionais de 9 de Abril de 1964 (posteriormente considerados como o de no 1) e 27 de Outubro de 1965 (Ato Institucional de no 2 ou AI - 2)

VIII. Constituição de 1967

VIII.A) Antecedentes históricos

João Goulart cai no dia 1o de Abril de 1964, com o Movimento Militar instaurado no dia anterior.

            Com o golpe de Estado de 1964, iniciou-se um período caracterizado por um regime de força, dirigido por governos militares. Os diversos  Atos Institucionais restringiram as liberdades públicas e outros direitos assegurados na Constituição de 1946, mantendo-se, todavia, naquele momento, a vigência da Carta naquilo que não fosse conflitante com aquelas medidas de exceção. Em 7 de Dezembro de 1966, por meio de Ato Institucional n.4, o Congresso Nacional é convocado extraordinariamente para discutir, votar e promulgar uma nova Constituição, com base em projeto apresentado pelo Presidente da República. Em 24 de Janeiro do ano seguinte é promulgada a Constituição do Brasil, que entra em vigor em 15 de Março de 1967.

            O texto constitucional ‘’ sofreu poderosa influência da Carta Política de 1937, cujas características básicas assimilou’’, segundo avalia José Afonso da Silva, que constata, na nova Constituição, preocupação fundamental com a segurança nacional, aumento dos poderes concernentes à União e ao Presidente da República, redução da autonomia individual, com a permissão da suspensão de direitos e garantias constitucionais, e reformulação dos sistemas tributário e orçamentário.[14]

VIII.B) Os Direitos Humanos e a Constituição de 1967

Comparada com a Constituição de 1946, a Constituição de 1967 apresenta graves retrocessos:

- suprimiu a liberdade de publicação de livros e periódicos ao afirmar que não seriam tolerados os que fossem considerados (a juízo do Governo) como de propaganda de subversão da ordem.

- restringiu o direito de reunião facultando à polícia o poder de designar o local para ela. Usando desse poder como artifício, a polícia poderia facilmente impossibilitar a reunião

- criou a pena de suspensão dos direitos políticos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, para aquele que abrisasse dos direitos de manifestação do pensamento, exercício de trabalho ou profissão, reunião e associação, para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção (art.151)

- manteve todas as punições, exclusões e marginalizações políticas decretadas sob a égide dos Atos Institucionais

 Em contraste com essas determinações restritivas , a Constituição de 1967 determinou que era imprescindível o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário, preceito que não existia, explicitamente, nas Constituições anteriores. Ao mesmo tempo, a eficácia desse artigo não saiu, entretanto, da teoria, em vista do clima geral de redução de liberdade e a conseqüente impossibilidade de denúncia dos abusos que ocorressem.

No que diz respeito aos direitos sociais, a Constituição de 1967 inovou em alguns pontos.

Houve algumas inovações contrárias ao trabalhador, tais como: a redução para 12 anos da idade mínima de permissão do trabalho; a supressão da estabilidade, como garantia constitucional, e o estabelecimento do regime de fundo de garantia, como alternativa; as restrições ao direito de greve; a supressão da proibição de diferença de salários, por motivo de idade e nacionalidade, a que se refira a Constituição anterior.

Nesta Constituição, verificam-se também algumas vantagens relacionadas aos trabalhadores, podendo citar as seguintes: inclusão, como garantia constitucional, do direito ao salário família, em favor dos dependentes do trabalhador; proibição de diferença de salários também por motivo de cor, circunstância a que não se referia a Constituição de 1946; participação do trabalhador, eventualmente, na gestão da empresa; aposentadoria da mulher, aos trinta anos de trabalho, com salário integral.

A Constituição de 1967 representou um esforço de redução do arbítrio contido nos Atos Institucionais que se seguiram à Revolução de 1964. Tentou não se distanciar em demasia do texto constitucional de 1946. Seu autoritarismo não se compara com o panorama de completo arbítrio criado pelo Ato Institucional no 5, que caiu sobre o Brasil, em 13 de dezembro de 1968.

Entretanto, mesmo com todas essas ressalvas, a Constituição de 1967 não se harmonizou com a doutrina dos Direitos Humanos, pelas seguintes razões: restringiu a liberdade de opinião e expressão; deixou o direito de reunião a descoberto de garantias plenas; fez recuo no campo dos direitos sociais; manteve as punições, exclusões e marginalizações políticas decretadas sob a égide dos Atos Institucionais.

Segundo João Baptista Herkenhoff, a Constituição de 1967 ruiu sob o AI-5, de Dezembro de 1968. [15]

IX. A Constituição de 1988

  IX.A) Antecedentes históricos

A carta de 1988 demarca, no âmbito jurídico, o processo de democratização do Estado brasileiro, ao consolidar a ruptura com o regime autoritário militar, instalado em 1964. Esse processo iniciou-se dentro do próprio regime autoritário, devido às dificuldades em solucionar problemas internos e, em decorrência disso, as forças de oposição da sociedade civil se beneficiaram do processo de abertura, fortalecendo-se mediante formas de organização, mobilização e articulação, que permitiram importantes conquistas sociais e políticas.

A Constituição de 1988 difere das constituições anteriores. Compreende nove títulos, que cuidam: (1) dos princípios fundamentais; (2) dos direitos e garantias fundamentais, segundo uma perspectiva moderna e abrangente dos direitos individuais e coletivos, dos direitos sociais dos trabalhadores, da nacionalidade, dos direitos políticos e dos partidos políticos; (3) da organização do Estado, em que estrutura a federação com seus componentes; (4) da organização dos poderes: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, com a manutenção do sistema presidencialista, derrotado o parlamentarismo, seguindo-se capítulo sobre as funções essenciais à Justiça, com  ministério público, advocacia pública (da União e dos Estados), advocacia privada e defensoria pública, (5) da defesa do Estado e das instituições democráticas, com mecanismos do estado de defesa, do estado de sítio e da segurança pública; (6) da tributação e do orçamento; (7) da ordem econômica e financeira; (8) da ordem social; (9) das disposições gerais. Finalmente, vem o Ato das Disposições Transitórias. Esse conteúdo distribui-se por 245 artigos na parte permanente e mais 73 artigos na parte transitória, reunidos em capítulos, seções e subseções.

É a Constituição Cidadã, na expressão de Ulisses Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte que a produziu, porque teve ampla participação popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania.[16]

IX.B) A Constituição de 1988 e os Direitos Humanos

Como afirma Flávia Piovesan, a Carta de 1988 institucionaliza a instauração de um regime político democrático no Brasil, introduzindo indiscutivelmente avanço na consolidação legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira.[17] A partir dela, os direitos humanos ganham relevo extraordinário, considerando-se a Carta de 1988 como o documento mais abrangente  sobre os direitos humanos, jamais adotado no Brasil.

Tamanha a vontade constitucional de priorizar os direitos e as garantias fundamentais que a Constituição, em seu artigo 60, parágrafo 4o, os declara cláusulas pétreas, compondo, assim, o seu núcleo intocável.

Os direitos sociais, nesta Constituição, estão inseridos no título dedicado aos direitos e garantias, diferentemente do que ocorria nas Cartas anteriores, em que estes encontravam-se dispersos no âmbito da ordem econômica e social.

Ainda segundo Flávia Piovesan, no intuito de reforçar imperatividade das normas que traduzem direitos e garantias fundamentais, as Constituição de 1988 institui o princípio da aplicabilidade imediata dessas normas, nos termos do artigo 5o, parágrafo 1o.[18]

A intenção que o ditou é compreensível e louvável: evitar que essas normas fiquem letra morta por falta de regulamentação. Mas o constituinte não se apercebeu que as normas têm aplicabilidade imediata quando são completas na sua hipótese e no seu dispositivo. Ou seja, quando a condição de seu mandamento não possui lacuna, e quando esse mandamento é claro e determinado. Do contrário ela é não executável pela natureza das coisas.[19]

O artigo 5o, x 2o da Constituição enuncia que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Conforme atesta Manoel Gonçalves Ferreira Filho, isto gera um problema teórico, pois quando se ratifica um tratado internacional, este passa a apresentar-se hierarquicamente como lei ordinária. Daí, decorreria que os direitos fundamentais poderiam mostrar-se sob dois níveis distintos: ora como normas constitucionais, ora como normas ordinárias.

Pode-se dizer que a Constituição atual, no capítulo dos direitos e garantias individuais avançou bastante, incorporando diversos anseios da sociedades.

Tratemos de algumas inovações trazidas pela Carta de 1988.

O artigo 5o, inciso IX diz que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença. Nas palavras de Benedito de Campos, a censura, principalmente às manifestações artísticas ou culturais, se constitui numa volta à Idade Média.[20]

Já o inciso XIII aponta o racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei. Isso foi uma verdadeira vitória na tentativa de amenizar a triste realidade social brasileira, repleta de casos discriminatórios.

Ainda no artigo 5o, o inciso X refere-se a proteção à vida privada, à intimidade, à honra e à imagem das pessoas. Trata-se de uma conquista e de uma inovação. Na vida moderna, com o aumento da atividade dos meios de comunicação, é fundamental que a intimidade dos indivíduos seja amparada por lei.

O inciso III do artigo 5o prioriza que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. A tortura, como diz José Afonso da Silva, não é só um crime contra o direito à vida, mas sim, uma crueldade que atinge todas suas dimensões, e a humanidade como um todo.[21]

Outra inovação relevante na atual Constituição é tratada no artigo 5o, inciso XXIII, que dispõe que a propriedade atenderá a sua função social. Este dispositivo teve grande importância, ao permitir que maior quantidade de pessoas tenha acesso a terra, já que número maior de imóveis estará sujeito a desapropriação para fins de reforma agrária.

Além disso, em seu artigo 225, a Carta de 1988 enuncia que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o dever defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Assim, é a primeira, dentre as Constituições brasileiras, que insere em seu texto um direito conhecido como de 3a geração, ou seja, direito de solidariedade.

Vê-se, nesta sucinta análise, que a filosofia dos Direitos Humanos está bastante presente na Constituição adotada por nosso país.

X. Conclusão

        Todas as Constituições brasileiras apresentaram Declarações de Direitos. As duas primeiras contentaram-se com as liberdades públicas, objetivando limitações ao Poder. As demais, a partir de 1934, acrescentavam a estas, na Ordem Econômica, os direitos sociais. A atual já prevê ao menos um dos direitos de solidariedade.

Pelo exposto, pode-se notar que houve, no Brasil, a progressiva conscientização social no sentido a importância da incorporação dos direitos humanos nas diversas Constituições nacionais.

Essa incorporação deu-se de maneira crescente, de modo a atender cada vez mais os anseios da população, que exigia uma maior garantia para a efetivação de seus direitos.

  Passou-se a crer que esta seria a única forma para que houvesse, realmente, a implementação dos direitos humanos a todos os indivíduos, e estes pudessem exercer de fato sua cidadania.

XI. Bibliografia

-CAMPOS, Benedito de Constituição de 1988: uma análise Marxista São Paulo: Editora Alfa - o mega, 1990.

- DALLARI, Pedro. Constituição e relações exteriores. São Paulo: Saraiva, 1994

-PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 3.ed. São Paulo: Max Limonad, 1997.

- SILVA, José Afonso do Curso de direito constitucional positivo 9 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1993 

- HERKENHOFF, José Baptista. Curso de Direitos Humanos Vol1. Gênese dos Direitos Humanos. São Paulo: Editora Acadêmica. p.83)

- FERREIRA, Manoel Gonçalves Filho. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1996

- Constituição Federal Brasileira de 1988. 


[1] Definição retirada do Dicionário Aurélio.
[2] Para estudo mais detalhado sobre os antecedentes históricos das Constituições brasileiras, vide Curso de direito constitucional positivo, de José Afonso da Silva e Constituição e relações exteriores, de Pedro Dallari.
[3] José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 9 ed. p.70.
[4] Luiz Pinto Ferreira. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. p. 75, in Pedro Dallari, Constituição e relações exteriores.
[5] José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 9 ed. p. 73.
[6] Luiz Pinto Ferreira. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. p. 76-7, in Pedro Dallari, Constituição e relações exteriores.
[7] Josaphat Marinho. A Constituição de 1934, in Constituições do Brasil. p. 44-5, in Pedro Dallari, Constituição e relações exteriores.
[8] Paulo Bonavides e Paes de Andrade. História Constitucional do Brasil. p. 9, in João Baptista Herkenhoff, Curso de Direitos Humanos, Vol. 1.
[9] José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 9 ed. p. 73.
[10] Luiz Pinto Ferreira. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. P. 77-8, in Pedro Dallari, Constituição e relações exteriores.
[11] João Baptista Herkenhoff. Curso de Direitos Humanos. Vol. 1. p. 78.
[12] João Baptista Herkenhoff. Curso de Direitos Humanos. Vol. 1. p. 78.
[13] Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1946, in João Baptista Herkenhoff. Curso de Direitos Humanos. Vol. 1.
[14] José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. p. 77-8.
[15] João Baptista Herkenhoff. Curso de Direitos Humanos. Vol. 1. p. 83.
[16] José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 9 ed. p. 91.
[17] Flávia Piovesan. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. p. 55.
[18] Idem. p. 63.
[19] Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Direitos Humanos Fundamentais. p. 99.
[20] Benedicto de Campos. Constituição de 1988: uma análise Marxista. p. 68.
[21] José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. p. 181.
 
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