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O Sistema Interamericano de Proteção
aos Direitos Humanos

Trabalho referente à etapa  do 3º estágio da disciplina ministrada pelo
professor Luciano Maia, pelas alunas:

Lysandra Leopoldina de Souza
Nilda Maria Vaz
Oona de Oliveira Caju
Sancha Maria F. de Alencar

Introdução
O Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos
         Origem
         Órgãos de monitoramento
O Sistema Americano de proteção baseado na Carta da OEA
         A evolução da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
             *Investigações e estudos nos países
              *Petições individuais
O Sistema baseado na Convenção Interamericana de Direitos humanos
         A Convenção Americana
         A Corte Interamericana de Justiça
O processamento do Estado perante a Corte Intramericana de Direitos Humanos
         A fase de propositura da ação e as exceções preliminares
         Fase probatória
         Fase decisória
         Fase das reparações
         Fase da execução da sentença da Corte
Protocolo de San Salvador
Instrumentos Interamericanos mais recentes em relação aos Direitos Humanos
Casos práticos encaminhados à Corte Interamericana  de   Justiça

O Sistema de Proteção Interamericano e o Brasil
Conclusões
Referências Bibliográficas

INTRODUÇÃO

                    "A História é um profeta com o olhar voltado para trás" (Eduardo Galeano). A evolução da consciência dos direitos inerentes à pessoa humana tem se desenvolvido, apesar de lentamente, segundo a História da Humanidade que, "pelo que foi e contra o que foi, anuncia o que será".

     Justificação para essa afirmativa é o fato de que os grandes marcos que deram início a um processo mais efetivo de reconhecimento internacionalização e proteção dos Direitos Humanos até então surgido foram as duas Grandes Guerras Mundiais, que levantaram questões acerca de atrocidades, abusos de autoridade, crimes hediondos, que não poderiam ser abordados como crimes individuais e contra pessoas isoladas, mas crimes de instituições, ideologias, intolerâncias contra nações inteiras e, dessa forma, também contra a humanidade, dignidade mínima da pessoa humana e da própria limitação do Estado, que passa a ter uma nova identidade: não mais a de senhor dos seus cidadãos, mas a de "tutor", tenso que prestar contas internacionalmente dos indivíduos que estão sob a sua responsabilidade e que pertencem à humanidade.

A integração dos Direitos Humanos numa norma jurídica internacional ainda necessita de uma longa evolução para fazer valer uma autoridade livre de parcialidade e embasada não em autoridade estatais, mas na autoridade da própria vida, exercida de forma legítima.

No âmbito regional, talvez porque aí as uniões em torno dos Direitos Humanos se façam entre Estados mais semelhantes em muitos aspectos, os sistemas de proteção aos Direitos Humanos têm tido maior eficácia.

O Continente Americano, de que trataremos neste trabalho, é especialmente marcado por contradições. Não históricas, já que ele constitui-se num fiel retrato de tudo que foi cultivado pelos sujeitos da História desde a sua "descoberta" até os dias atuais: a colonização, o genocídio indígena, a escravidão do africano, as guerras civis; mas entre seus habitantes. A América tem sido essencialmente um continente ambíguo no que se refere aos povos e nações que abriga.

De um lado, existe a América do Norte (leia-se América branca), cuja herança foi menos de exploração que de povoamento e, dessa forma, constituiu-se num recomeço para muitos refugiados europeus, perseguidos religiosos, exploradores, que se tornaram pioneiros na fundação de novos Estados que conseguiram identidade e independência e, assim, diferenciaram-se das demais colônias americanas. Essa diferenciação deixou sua marca no presente, já que evoluiu num caminho da construção do elevado nível de vida conhecido atualmente e em que se encontram os Estados da América do Norte. Contudo, não foram eles isentos da violência , do genocídio indígena, da escravidão, da devastação e conflitos, que também deixaram suas marcas na atualidade: a América do Norte, apesar de todos os seus recursos, não tornou-se uma democracia racial, como também é excludente de suas minorias.

De outro lado, existe a América Latina (América Central e América do Sul), protagonista de um processo histórico muito mais dramático, onde o impacto e a fusão entre raças e culturas ocorreu de forma muito mais intensa. É a parte da América mais marcada pela exploração européia, a dizimação e a escravidão, cuja evolução foi fortemente assinalada por guerras civis, intervenção dos países mais poderosos, e por ditaduras reacionárias: o retrato da latino América também não contradiz o seu processo histórico; herdamos pobreza e dependência e também não constituímos uma democracia racial.

 Como, então, seria possível conciliar os interesses de povos tão diferentes em rumos históricos tão diversos e constituir uma organização regional que promova a proteção dos Direitos Humanos? A nosso ver, apesar de tantas diferenças, existe na América algo em comum, compartilhado por todos os seus Estados membros: as minorias, que são a parte da população sobre a qual mais incidem violação de Direitos Humanos e também um reconhecimento de direitos que existem não historicamente, mas são imprescindíveis ao caráter humano.

As minorias americanas são, quase sempre, as mesmas, seja nos Estados Unidos, Canadá, México ou Colômbia, e são os indígenas, os negros, os mestiços, as mulheres, os pobres, entre inúmeras outras. São elas as herdeiras da fatia mais amarga da história americana e o fato de haver um imenso marco separando a América do Norte da América Latina não significa que aquela tenha construído uma democracia que abrigue todas a minorias citadas, o que acontece é que na Latino América a situação das minorias é um agravamento da já sofrida população.

         A OEA surge compilando os interesses comuns entre os Estados americanos, instituindo os princípios a que veio, como: a) garantir a paz e a segurança continentais; b) promover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princípio da não-intervenção; c) prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica das controvérsias que surjam entre os seus membros; d) organizar a ação solidária destes em caso de agressão; e) procurar a solução dos problemas políticos, jurídicos e econômicos que surgirem entre os Estados membros; f) promover, por meio da ação cooperativa, seu desenvolvimento econômico, social e cultural; e g) alcançar uma efetiva limitação de armamentos convencionais que permita dedicar a maior soma de recursos ao desenvolvimento econômico-social dos Estados membros; e, especialmente, instituindo vários mecanismos essenciais de proteção aos Direitos Humanos, como a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, protegida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamenricana de Proteção aos Direitos Humanos.

                        A Comissão é encarregada de receber denúncias de violações dos Direitos Humanos consagrados pela Carta da OEA e pela Convenção e de agir da forma que se constituir mais eficaz no sentido de se extinguir a violação, repara os seus danos e dar encaminhamento à punição do estado infrator, sendo essas ações atos mais do que simbólicos da supremacia, pelo menos pretendida, dos Direitos Humano em relação aos Estados.

                        Contudo, ainda é insipiente a ação desses órgão, já que, como já foi dito, existe uma longa evolução a ser trilhada por esses sistemas internacionais, incluindo agora que a desigualdade entre o poderio dos Estados é uma grande ameaça à liberdade, o que torna temerosa uma abertura da soberania dos Estados, principalmente dos mais carentes. A solução para esse desequilíbrio é o primeiro passo para que se consiga construir um sistema de monitoramento internacional eficaz.

                        O Brasil, particularmente, tem incorporado à sua legislação ordinária inúmeros tratados de proteção aos  Direitos Humanos e possui uma das Constituições mais avançadas do mundo quanto a esse aspecto, no entanto o próprio Supremo Tribunal Federal tem dado mostras de que não aceita de bom grado a vigência de tratados ratificados pelo país que regulem matéria de Direitos Humanos, isso porque também acarretam em responsabilidade internacional.

O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO
AOS DIREITOS HUMANOS

1. ORIGEM

Com a evolução dos tempos, o homem foi se conscientizando da necessidade de estabelecer meios para a proteção dos Direitos Humanos, tanto em nível internacional quanto regional.

À medida em que atrocidades ocorriam, como as Grandes Guerras Mundiais, tornava-se maior o interesse por essas questões. Visto que, como disse a Prof ª. Flávia Piovesan,  “seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de Direitos Humanos da Era Hitler e à crença que parte dessas violações poderiam ser punidas se um efetivo sistema de proteção internacional de Direitos Humanos existisse”[1].

O ideal de solidariedade americana, concebido por Simon Bolívar, encontrou sua primeira expressão no tratado assinado no Congresso do Panamá, em 1826. Mas somente no final do século XIX, a Primeira Conferência Internacional Americana, realizada em Washington, d.C., em 1890, pôde concretizar esse ideal, ao criar a União Internacional das Repúblicas Americanas, que promoveu sucessivas conferências internacionais nas Américas, a saber: na Cidade do México, México (1901), no Rio de Janeiro, Brasil (1906), em Buenos Aires, Argentina (1910), em Santiago, Chile (1923), em Havana, Cuba (1928), em Montevidéu, Uruguai (1933), e em Lima, Peru (1938)2. As repúblicas americanas expressaram o seu desejo de estabelecer um sistema de proteção em nível regional na Conferência Interamericana sobre Problemas da Guerra e da Paz, realizada na Cidade do México entre os dias 21 de fevereiro e 8 de março de 1945, almejando impulsionar compromissos contínuos nesse aspecto.

É importante ressaltar a significação que teve o preâmbulo do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), assinado no Rio de Janeiro em 1947, como precedente do sistema regional, trazendo em um de seus parágrafos que: “a paz se fundamenta na Justiça e na ordem moral, portanto, no reconhecimento e na proteção internacional dos direitos humanos e liberdade da pessoa humana”[2]

Contudo, a aprovação de dois importantes instrumentos jurídicos sobre direitos humanos só ocorreu na Nona Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá entre os dias 30 de março a 2 de maio de 1948. São eles: a Carta da Organização dos Estados Americanos e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

A fim de concretizar os ideais em que se baseia e cumprir com suas obrigações regionais de acordo com a Carta das Nações Unidas, a OEA estabeleceu como propósitos essenciais os seguintes: a) garantir a paz e a segurança continentais; b) promover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princípio da não-intervenção; c) prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica das controvérsias que surjam entre os seus membros; d) organizar a ação solidária destes em caso de agressão; e) procurar a solução dos problemas políticos, jurídicos e econômicos que surgirem entre os Estados membros; f) promover, por meio da ação cooperativa, seu desenvolvimento econômico, social e cultural; e g) alcançar uma efetiva limitação de armamentos convencionais que permita dedicar a maior soma de recursos ao desenvolvimento econômico-social dos Estados membros.

A Declaração veio para dar significado aos direitos e garantias individuais contidos na Carta, que é bastante enfática quanto à necessidade de se promover e proteger tais direitos, como relata no seu artigo 3º: “Os Estados Americanos proclamaram os direitos fundamentais das pessoas humanas, sem fazer distinção de raça e nacionalidade, credo ou sexo” (...). Outra importante referência foi a de que “cada Estado tem o direito de desenvolver sua vida cultural, política e econômica livre e naturalmente”, essa garantia é atingida desde que “neste desenvolvimento livre, o Estado respeite os direitos do indivíduo e os princípios da moral universal”.

Observa-se ainda que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem forma a base normativa da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969, oferecendo uma visão integral dos direitos humanos, semelhantemente à Declaração Universal de 1948, à medida em que une duas gerações de direitos (Civis e Políticos; Econômicos, Sociais e Culturais), destacando no seu preâmbulo que: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e como são dotados pela natureza de razão e consciência, devem proceder fraternalmente uns para com os outros”.

                     A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem precede à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Como afirma Lidgren, a DADDH pode não ter chegado a influenciar diretamente a Universal, mas é certo que a sua adoção anterior pelos países americanos colaborou para que a Carta da ONU tivesse adesão determinante desses países, inclusive quanto à criação dos mecanismos de controle internacional e a proteção dos direitos ali elencados[3].

 No entanto, semelhantemente às demais Declarações, a Americana não detinha caráter vinculante, assim como o têm os Tratados, e o próprio Comitê Jurídico Interamericano reforçou tal ponto de vista com sua dictamen de 1949, quando expressou que a Declaração não cria obrigações contratuais jurídicas e que carecia de caráter de direito positivo substantivo. Então, em 1959, a OEA cria a Comissão Interamericana de Direitos Humanos,  cujo Estatuto deveria ater-se aos termos da Declaração, que, a partir deste momento, adquire um caráter normativo.

2. ÓRGÃOS DE MONITORAMENTO

A Organização dos Estados Americanos realiza suas funções através de vários órgãos.

 A Assembléia Geral é o órgão supremo que define a ação e a política gerais da Organização,  é convocada anualmente numa sessão regular, muitas vezes especial como também necessária, na qual cada um dos Estados-membros,  em que se incluem cerca de 32 países, possui um voto na Assembléia.

A Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, que se reúne a pedido de algum Estado membro para considerar problemas de caráter urgente e de interesse comum e serve de órgão de consulta para considerar qualquer ameaça à paz e segurança continental, conforme exposto no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, assinado no Rio de Janeiro, em 1947.

O Conselho Permanente é composto por representantes permanentes de cada Estado Membro e toma conhecimento, dentro dos limites da Carta e dos tratados e acordos interamericanos, de qualquer assunto de que seja encarregado pela Assembléia Geral ou a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores.  O Conselho é um órgão de decisão e cumprimento, logo depois da Assembléia, e ambos possuem jurisdição para lidar com questões de direitos humanos.

O Conselho Interamericano Econômico e Social, fiel ao interesse de promover a cooperação entre os países americanos, apesar das divergências social-econômicas intercontinentais, tem o objetivo de conseguir o seu desenvolvimento econômico e social acelerado;

O Conselho Interamericano de Educação, Ciência e Cultura tem por finalidade promover relações amistosas e entendimento mútuo entre os povos da América, mediante a cooperação e o intercâmbio educacional, científico e cultural entre os Estados membros.

A Comissão Jurídica Interamericana serve de corpo consultivo da Organização em assuntos jurídicos e promove o desenvolvimento progressivo e a codificação do Direito Internacional.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que, conforme o art.1 do Estatuto da Comissão, tem  funções, entre outras, de “promover a observância e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização nesta matéria”. Esta se compõe de sete membros, que são eleitos a título pessoal, pela Assembléia Geral da Organização, de uma lista de candidatos propostos pelos Governos dos Estados membros.

A Secretaria-Geral é o órgão central e permanente da Organização, com sede em Washington, d.C.

As Conferências Especializadas Interamericanas, que se ocupam de assuntos técnicos especiais e de desenvolver aspectos específicos da cooperação interamericana.

Os Organismos Especializados Interamericanos, que são entidades com funções específicas em matérias técnicas de interesse comum para os Estados americanos. São estes:

  •     O Instituto Interamericano da Criança;

  •     A Comissão Interamericana de Mulheres;

  •     O Instituto Indianista Interamericano;

  •     O Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura;

  •     A Organização Pan-Americana da Saúde;

  •     O Instituto Pan-Americano de Geografia e História.

O SISTEMA AMERICANO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS BASEADO NA CARTA DA OEA

1.A EVOLUÇÃO DA COMISSÃO INTERAMERICANA DOS DIREITOS HUMANOS

A Comissão interamericana de Direitos Humanos foi estabelecida num mandato em 1959, na Quinta Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores em Santiago, Chile.

Com o propósito de criar um órgão responsável em velar pela observância e promoção dos “direitos humanos e garantias fundamentais”, essa Reunião aprovou importantes resoluções para o desenvolvimento e fortalecimento do Sistema, entre os quais, a Resolução VIII, que criou a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos.

O Conselho da OEA cumpriu com o mandato em 1960, quando aprovou o estatuto da Comissão em 25 de maio e convocou a eleição da primeira Comissão de sete membros em 29 de junho do mesmo ano.

Sendo de 1948, a Carta da OEA não previu o estabelecimento da Comissão, sendo designada pelo Conselho como uma “entidade autônoma” da OEA, “com função, entre outras,  de promover o respeito aos direitos humanos”, 1960 Comission Statute, art.1[4].

Esses direitos foram definidos no art.1 (2) do Estatuto de 1960. “Para os fins deste Estatuto, entendem-se por direitos humanos os direitos consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem”.

Entre vários dispositivos, o art.9 (Estatuto de 1960) possibilitou à Comissão poderes adicionais para a promoção dos direitos humanos, entre os quais, “preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de suas funções; formular recomendações aos Governos dos Estados no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de sua legislação,... bem como disposições apropriadas para promover o respeito a esses direitos”.

À luz de suas designações, a Comissão interpretou tal afirmação como uma autorização para o encaminhamento de recomendações gerais aos Estados Individuais, e ainda o poder de preparar estudos nos países com visitas para a investigação da situação dos direitos humanos em uma nação particular.

No entanto, o Estatuto de 1960 não autorizava a Comissão de receber petições individuais, e esta achava necessário ampliar suas faculdades para por um fim nas violações dos direitos humanos[5].

Assim, a VIII Reunião de Consulta de Ministros de Relações Exteriores em 1962 (Punta Del Est,Uruguai), por meio  da Resolução IX, propôs ao Conselho da OEA a criação de uma emenda no Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos  para a ampliação de faculdades e poderes desta,  declarando que a “insuficiência de suas faculdades e atribuições, consignadas em seu Estatuto,” fora o empecilho da “missão que lhe foi confiada”, sendo necessário “ampliar e fortalecer as suas atribuições e faculdades num grau que lhe permita levar a efeito, eficazmente, a promoção do respeito a esses direitos nos países continentais”[6].

Com isso, observou-se a concreta manifestação da vontade em 1965 na II Conferência Interamericana Extraordinária no Rio de Janeiro, com a Resolução XXII, a qual ampliou significativamente os poderes da Comissão nos seguintes termos:

-         Solicitar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que continue a velar pela observância dos Direitos Humanos em cada Estado membro da Organização.

-         Solicitar à Comissão que dispense especial atenção à aludida tarefa no que tange à observância dos direitos humanos mencionados nos Artigos I, II, III, IV, XVIII, XXV, e XXVI da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

-         Autorizar à Comissão a examinar relatórios que lhe forem apresentados e quaisquer outros dados disponíveis, a fim de encaminhar ao Governo de qualquer um dos Estados-membros, os pedidos de informação julgados pertinentes pela Comissão, bem como a formular as recomendações que se fizerem necessárias, com vistas a promover uma observância mais efetiva aos direitos humanos fundamentais. (...) (Resolução IX).

Desta forma, os poderes da Comissão expandiram-se para o estabelecimento de sistema de relatórios (Relatórios de Sessão, Relatórios Anuais e Relatórios sobre determinados países), recebimentos de petições (incluindo também as petições individuais), o exame de comunicações, visitas aos Estados e formulação de estudos e seminários. E ainda, conforme previsto na Resolução, a Comissão velaria pela observância de alguns direitos proclamados pela Declaração Americana, por incorporá-los ao seu Estatuto em 1966; são eles: o direito à vida, liberdade e segurança (Art.I), igualdade perante a lei (Art.II), liberdade de religião (Art.III), liberdade de expressão (Art.XVIII), liberdade contra prisão arbitrária (Art.XXV), direito de processo regular (Art.XXVI). Comissionada em promover uma larga investigação das violações dos direitos humanos por meio dos Estudos nos Países, esta tramitaria numa visita in loco, com a permissão dos Estados, e investigaria a situação nos territórios destes, ouvindo testemunhas, analisando evidências, encontrando-se com oficiais do governo, visitando prisões, entre outras formas[7].

Com a reforma da Carta da OEA (no artigo 51), mediante a entrada do Protocolo de Buenos Aires em 1967, a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos tomou novos contornos, transformando-se em um dos órgãos principais da OEA, cuja função fundamental, atribuída pela Carta reformada, entrada em vigor em 1970, é “promover o respeito e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização em tal matéria”.[8] O Protocolo ainda expressou o desejo de criar uma Convenção Interamericana, a qual “deveria determinar a estrutura, a competência e as normas de funcionamento da referida Comissão, bem como as dos outros órgãos encarregados de tal matéria”[9].

Enquanto não entrasse em vigor a Convenção Interamericana de Direitos Humanos proferida pela Carta, conforme o art.150 desta, “a atual Comissão deve velar pela observância dos direitos humanos”.

Pela designação da Comissão como um órgão da OEA e pela extensão de suas funções em promover a “observância e proteção aos direitos humanos”, a emenda à Carta conferiu-a legitimidade institucional e constitucional. E, como implicação necessária, reconheceu-se também o efeito normativo da Declaração Americana, até mesmo porque a Comissão fora encarregada de aplicar o seu Estatuto, ao menos, até o instante em que entrasse em vigor a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conforme expresso no Protocolo emendado à Carta, art.150.

A Convenção, à qual a emenda à Carta da OEA refere-se, entrou em vigor em 1978, após ter obtido um mínimo de onze ratificações. E seu novo Estatuto, adotado em 1979, designa à Comissão  diferentes funções: sua existência como um órgão da OEA, e, assim, seu poder é aplicado sobre todos os membros da Organização;  como um órgão em serviço, cujo poder restringe-se apenas aos Estados-partes  que ratificaram a Convenção, e ainda, a ação sobre os Estados Membros da OEA que não fazem parte da Convenção. Além de ter sido criada a Corte Interamericana de Direitos Humanos, como segundo órgão de supervisão do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

 Destarte, o poder exercido pela Comissão em relação aos Estados não partes da Convenção tem base legal na Carta da OEA e verificamos no Novo Estatuto da Comissão, Art. 1(2), referência à Declaração como a base normativa.

Como um órgão da Carta, a Comissão desempenha várias funções, incluindo a investigativa, bem como procedimentos não contenciosos de busca de soluções amigáveis para conflitos. Emite, ainda, opiniões consultivas em relação à interpretação da Convenção ou outros Tratados de proteção aos direitos humanos, e também sobre adequação dos ordenamentos internos a esses Tratados. Regularmente, ela é consultada pelo Conselho Permanente da OEA e Assembléia Geral em debates de direitos humanos.

       Como observamos no Art.1º do Estatuto da Comissão: “Art.1º - 1. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é um órgão da Organização dos Estados Americanos criado para promover a observância e a defesa dos direitos humanos e para servir como órgão consultivo da Organização nesta matéria. 2. Para fins deste Estatuto, entende-se por direitos humanos: a) os direitos definidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, com relação aos Estados-partes da mesma; b) os direitos consagrados na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, com relação aos demais Estados membros”[10].

             Para manutenção dos direitos humanos, a Comissão realiza visitas in loco aos países para averiguar o cumprimento de tais direitos, além de receber petições individuais sobre o desrespeito e violações dos direitos elencados.  

1-     Investigações e estudos nos países

O Estudo nos Países é uma forma de investigar as condições de direitos humanos dentro dos Estados. A Comissão inicia seus estudos quando recebe numerosas comunicações ou outras evidências individuais, freqüentemente provindas de organizações não governamentais de direitos humanos, alegando uma violação em larga-escala  de tais direitos dentro de um país.

As investigações nos Estados são geralmente proporcionadas pela troca de cartas e telegramas entre o Presidente da Comissão e os Governantes preocupados. Como uma regra, a Comissão requisitaria permissão para visitar um país em particular, mas alguns Presidentes têm também suscitado a Comissão por sua própria iniciativa.

 Antes de 1977, as regras que governavam as visitas in loco eram negociadas em base própria, então, depois, adotou-se um conjunto de normas, codificadas no Regulamento da Comissão, como, por exemplo, o art. 58 do Regulamento, que requer do Estado anfitrião que se ponha à disposição da Comissão toda facilidade necessária para o cumprimento da missão e que prometa não impor medidas punitivas contra indivíduos que cooperem ou forneçam informações à Comissão.

 O direito dos membros da Comissão de viajar livremente para o Estado anfitrião, de se encontrar individualmente com qualquer indivíduo, de visitar prisões, etc. está previsto no Art. 59 do Regulamento. Esta provisão também estabelece as obrigações dos governantes em manter a segurança da Comissão e de seus membros, provendo à Comissão todos os documentos ou informações que sejam possivelmente solicitadas.

Na preparação dos Estudos nos países envolvidos, com ou sem investigação in loco, a Comissão prossegue no palco. Inicialmente, depois da coleta de relevantes informações, ela prepara um esboço de relatórios. Estes relatórios detalharão as condições nos países, com especial referência aos padrões dos direitos humanos em conjunto com a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem ou com a Convenção Americana dos Direitos Humanos, dependendo de o Estado fazer parte ou não da Convenção.

Os relatórios são submetidos aos Governos dos Estados para seus comentários. A sua resposta é analisada pela Comissão, que determinará se o relatório deve ser corrigido à luz das informações trazidas à atenção pelo Governo.

Depois da reavaliação dos resultados, os relatórios serão enviados para publicação caso o governo não requeira uma nova observação (Art. 62). A Comissão não necessitaria publicar o relatório se as respostas do Governo fossem afirmativas e este concordasse em se submeter às recomendações ou demonstrasse que não estava cometendo alguma infração[11].

Além de publicar o relatório, a Comissão também poderá transmiti-lo à Assembléia Geral da OEA, visto que debates na Assembléia podem atrair uma considerável atenção da opinião pública, tendo um impacto significativo no comportamento do Governo em que a Comissão encontrou infrações de direitos humanos.

 Embora as resoluções da Assembléia Geral não sejam legalmente impostas, são atos que emanam do alto órgão político da OEA, conseqüentemente, carregam um peso político e consideravelmente  moral. Os governos tendem a levar tais considerações em conta antes de decidir como reagir contra recomendações feitas pela Comissão em um de seus estudos no país.

 Finalmente, como em todo esforço de proteger internacionalmente os direitos humanos garantidos, a eficácia da prática da observação in loco da Comissão depende do prestígio e da credibilidade da própria Comissão, gerados junto à opinião pública e às forças de "pressão" em suas recomendações e também com a ajuda das resoluções que a Assembléia Geral da OEA presta em favor da Comissão.

2      Petições Individuais

Antes de a Convenção Americana entrar em vigor, a Comissão examinava e agia formalmente apenas com comunicações privadas quando alegava–se infração de uma das liberdades garantidas, conforme enumerados no art.9 de seu Estatuto anterior. Esta prática mudou com a promulgação de seu Estatuto atual. Os Regulamentos da Comissão, que servirão como regras de procedimento ou implemento à Convenção e ao Estatuto, não fazem distinção entre as “liberdades garantidas”, elencadas no antigo Estatuto, e os outros direitos proclamados na Declaração.

Agora, de acordo com o procedimento baseado na Art. 20 do Estatuto, a Comissão tem o poder de receber e agir em petições individuais contendo denúncias de infração de qualquer dos direitos enumerados na Declaração.

As petições com denúncias fundadas em presumidas violações da Convenção podem ser formuladas diretamente pelos indivíduos ou através de representantes, como também por organizações não governamentais.

Quando a Comissão recebe uma petição, ela solicita ao Estado infrator, que tem, teoricamente, a obrigação de cooperar com o processo, informações a respeito das denúncias que ela contém .Quando for necessário, este organismo pode solicitar ao Estado que adote medidas provisórias, com o fim de evitar que se inflija um dano irreparável aos indivíduos[12]. A requisição de tais medidas pela Comissão pode ser imposta sem nenhum julgamento prévio no que tange à decisão final do caso.

A partir de então, a Comissão tem o poder de dirigir-se à Corte, solicitando a adoção de medidas provisórias quando o Estado envolvido tenha ratificado a Convenção e aceito a jurisdição da Corte.

Para que a petição individual seja aceita pela Comissão, esta deve cumprir certos requisitos formais e substanciais exigidos, como por exemplo: a identificação da pessoa, ONG, etc. que formula a denúncia e do Estado infrator; a descrição do caso de violações de direitos; a especificação dos direitos elencados pela Convenção, cuja violação tenha sido alegada e  o esgotamento dos recursos da jurisdição interna, sendo estipulado que a denúncia deve ser apresentada até um prazo de seis meses seguintes à notificação da decisão final dos recursos internos[13], e ou outras particularidades.

Durante a fase de investigação, a Comissão desempenha um importante papel de mediadora entre as partes, promovendo uma discussão entre o peticionário e o Estado denunciado. Assim, esta solicita informações mútuas, integrando um intercâmbio entre as partes, e estabelecendo limites para o tempo cabível para resposta de cada uma. Caso um Estado não mostre interesse algum em cooperar, a Comissão aplicará o Art. 42 de seu regulamento, que permite estabelecer uma presunção da verdade acerca dos feitos pertinentes em favor do denunciante[14].

No entanto, o principal objetivo da Comissão é oferecer-se como mediadora, buscando uma solução amistosa, e tal faculdade de pôr-se à disposição das partes é uma característica discricionária, mas não arbitrária da Comissão, porque suas soluções são fundadas no respeito pelos direitos humanos reconhecidos pela Convenção.

Por fim, quando a Comissão conclui a fidelidade da petição, na qual verifica-se realmente uma violação dos direitos protegidos pela Convenção ou pela Declaração por meio de um Estado, esta aprova uma resolução contendo uma série de recomendações ao Estado. Se, porventura, o Estado não adotar tais recomendações, a Comissão poderá adotar um informe final e publicar a resolução no Informe Anual, submetido à Assembléia Geral. Essa Assembléia é, conforme afirma André de Carvalho Ramos, "o órgão político final no procedimento de responsabilização internacional do Estado diante de descumprimentos do rol de direitos fundamentais constantes da Declaração Americana de Direitos e Deveres da Pessoa Humana e da Carta da OEA"[15].

A Comissão poderá encaminhar o caso à Corte, caso aqueles Estados ratificados na Convenção tenham aceito a competência contenciosa da Corte.

             Citamos, em relação ao Brasil, os casos 1983 e 1984, que reuniram várias entidades peticionantes contra o Estado brasileiro, acusado de repetidas violações de direitos humanos durante os “anos de Chumbo” da Ditadura Militar (1969-1970), quando o Brasil ainda não havia ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos, devendo obediência, entretanto, aos dispositivos da Carta da OEA e da Declaração Americana.

            A Comissão iniciou o exame do caso, que após três anos de apreciação teve como resultado a consideração pela Corte Interamericana que houve veemente presunção de graves violações de direitos humanos, recomendando, portanto, medidas de determinação dos fatos, recusadas pelo Governo brasileiro de então. 

O SISTEMA BASEADO NA CONVENÇÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

1. A CONVENÇÃO AMERICANA

O sistema regional americano, como já foi citado, principiou seus anseios na Conferência Interamericana sobre Problemas de Guerra e da Paz (1945). Diante do visto, várias Conferências foram realizadas para a exposição da matéria e, em Bogotá (1948), os dois maiores instrumentos jurídicos foram aprovados: A Carta da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

No entanto, com caracteres de declaração , a DADDH “não criou obrigações contratuais jurídicas e  carecia de caráter de direito positivo substantivo” . Assim, devido à ausência de um órgão encarregado da promoção e proteção dos direitos humanos, a Conferência Especializada em Direitos Humanos, realizada em San José da Costa Rica (1969), aprovou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que estabelece dois órgãos para assegurar o cumprimento efetivo de suas diretrizes: A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos possui duplo tratamento normativo. O órgão é o mesmo, variando apenas suas atribuições. Combinando esses poderes concebidos pela Convenção Americana e pela Carta da OEA, como já foi mencionado anteriormente, a Comissão pode iniciar estudos geográficos, elaborar relatórios apontando violações aos direitos humanos e conseqüente violação da obrigação internacional de respeitá-los, responsabilizando os Estados partes da OEA, podendo encaminhar denúncias à Assembléia Geral e até à Corte Interamericana. Tem ainda poderes para investigar todas as comunicações sobre violações, conforme garantem os arts. 44 e 45 da Convenção, pode processar petições individuais e interestatais contendo alegações de violação dos direitos humanos. No seu caso, o procedimento individual é considerado de adesão obrigatória e o interestatal é facultativo.   

Valendo ressaltar que, no período de ausência da Comissão Americana, foi firmada em Buenos Aires, em 1967, um Protocolo de reforma da Carta da OEA, estabelecendo novas competências à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, incumbindo-a da observância de tais direitos.

Além disso, foi o Estatuto da Comissão integrado à Corte Interamericana, assumindo ela, assim, a personalidade de órgão institucional da OEA com base convencional. Dando margem, desta forma, à posterior elaboração da Convenção Americana no que determina o art.112 da Carta Reformada.

O Pacto de San José da Costa Rica, como é mais conhecida a Convenção Americana dos Direitos Humanos, introduz em seu conteúdo as disposições da Declaração e o catálogo dos direitos civis e políticos assegurados no Pacto de Direitos Civis e Políticos (1966).

O texto estabelece obrigações positivas e negativas por parte dos Estados-membros, onde o Governo abstém-se de algumas atitudes, respeitando os direitos e liberdades reconhecidos do indivíduo e deve oferecer subsídios necessários ao melhor desenvolvimento físico e psíquico humano. O seu conteúdo enuncia o direito à personalidade jurídica, direito à vida, o direito de não ser submetido à escravidão, o direito à liberdade, entre outros, e, de cunho inovador, o “ direito à propriedade, associando esse direito à uma vida mais humana e digna do indivíduo e sua família", impondo que o uso e gozo dos bens se faça em razão de interesse social, como também, a matéria referente à pena de morte, não admitindo o seu uso em caráter absoluto.

A tendência, como afirma André de Carvalho Ramos, é o esvaziamento do sistema da OEA e seu desaparecimento, pois cada vez mais Estados ratificam a Convenção Americana de Direitos Humanos e aceitam a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana. Mas, até lá, o sistema da OEA permanecerá exigindo o cumprimento do respeito aos direitos humanos por parte dos Estados.

Ressaltamos, como curiosidade, que o primeiro presidente brasileiro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi o jurista Dunshee de Abranches, no biênio 1968-1970; a professora Gilda Russomano foi presidente da Comissão em 1989-1990 e, coincidentemente, ela é presidida atualmente por outro brasileiro, Hélio Bicudo[16].

2. A CORTE INTERAMERICANA DE JUSTIÇA

 A Corte Interamericana é o órgão jurisdicional do sistema regional, é uma instituição autônoma, não sendo órgão da OEA, mas sim da Convenção Americana de Direitos Humanos. É constituída por sete Juizes, “experts” na matéria de direitos humanos, eleitos com base na titulação pessoal pelos Estados-partes da Convenção[17].

O órgão tem o propósito de aplicar e interpretar os parâmetros da Convenção, e , sendo possuidor de Estatuto próprio, celebrado em La Paz, em 1979, a partir de então, exercerá duas funções designadas: a consultiva, estendendo-se essa a todos os Estados da OEA, e a contenciosa, abrangendo apenas aqueles Estados-Partes da Convenção que reconheceram a sua Jurisdição, já que ela é apresentada  com caráter facultativo.

Na primeira das funções, a consultiva, como é previsto no artigo 64, qualquer Estado da OEA, independente de fazer parte ou não da Convenção, pode solicitar à Corte a interpretação da Convenção ou de outros Tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos, podendo também ela emitir opiniões sobre a “coexistência harmônica” da legislação interna dos países e sobre a Convenção.

No plano contencioso, como já foi dito, a competência da Corte vai depender da ratificação dos Estados-partes na Convenção. De acordo com essa prerrogativa, a Corte examinará os casos que exercerem a trâmite pela Comissão ou aqueles que sejam apresentados por um Estado-parte, desde que tenham sido esgotados os procedimentos previstos nos seus artigos 48 a 50, isto é, tudo o que diz respeito à tramitação das petições e comunicações perante a Comissão. Além disso, para que possa ser submetido à Corte um caso baseado em denúncia interposta contra um Estado-parte, este deve reconhecer expressamente a competência da Corte. Essa declaração de reconhecimento pode ser incondicionalmente aplicável a todos os casos ou, então, em condições de reciprocidade, por determinado tempo ou para um caso específico.

Possuindo essa jurisdição, a Corte, detentora de força jurídica vinculante e obrigatória, poderá dispor que seja garantido à vítima o gozo do direito violado, bem como o pagamento de uma indenização justa. Adicionando ainda à sua competência, a Corte atende às solicitações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que dizem respeito à disposição de medidas provisórias judicialmente aplicáveis[18].   Essas medidas estão respaldadas no Art. 63(2) da Convenção, visto que elas são executadas “em casos de extrema gravidade e urgência e quando for necessário evitar danos irreparáveis às pessoas”. Podendo essas medidas preliminares ser executadas em assuntos “conhecidos” da Corte, ou ainda, aqueles que ainda não a alcançaram, estando ainda no âmbito da Convenção. Em relação à sua durabilidade, esta de fato tem um caráter provisório, mas persistirá enquanto os elementos contidos no Art. 63(2) da Convenção Americana se fizerem presentes[19].

O PROCESSAMENTO DO ESTADO PERANTE A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

1.  A fase da propositura da ação e as exceções preliminares

Após o primeiro informe do Estado (também denominado de Relatório), a Comissão, não o acatando, vai poder acioná-lo perante a Corte, caso esse tenha reconhecido a sua jurisdição. Outros Estados “contratantes” também podem acionar um outro Estado, já que a garantia dos direitos humanos é interesse de todos os membros da Convenção.

Todos os documentos relativos ao caso, entre eles a demanda e sua contestação, poderão ser dirigidas à Corte pessoalmente ou por qualquer outro meio mais utilizado, fax, telex, correio, etc.

A Secretaria da Corte vai receber a propositura das ações, obtida mediante a interposição da petição inicial da demanda. A petição inicial indicará as partes no caso, as testemunhas e todos os ítens básicos, a saber, como as provas e os fatos. Sendo o autor a Comissão, essa petição será acompanhada pelo relatório a que se refere o art. 50 da Convenção.

Após a propositura, o Presidente da Corte vai examinar preliminarmente a demanda para verificar quais os requisitos fundamentais não cumpridos e solicitar ao demandante que, num prazo de 20 dias, supra essas lacunas. Em seguida, ordena a citação do Estado Réu, como também a intimação da Comissão (se essa não for a demandante).

O Réu pode, num prazo de dois meses seguintes à citação da demanda, argüir exceções preliminares. Essa petição das exceções preliminares será apresentada à Secretaria e conterá a exposição dos fatos, bem como as conclusões e os documentos de apoio.

Contando trinta dias a partir do recebimento da intimação da interposição das exceções, as partes do caso interessadas poderão expor por escrito sobre as exceções preliminares. Poderá a Corte convocar uma audiência especial para essas exceções. Ao fim desse contraditório, a Corte decidirá sobre as exceções preliminares, podendo arquivar o caso ou ordenar o seu prosseguimento. Ocorrendo o último, a parte demandante poderá requerer à Corte a desistência do processo. Entretanto, a Corte ainda ouvirá as opiniões das demais partes no caso, como os representantes da vítima, para poder visualizar se arquiva ou não o caso.

Por outro lado, havendo por parte do Estado demandado o acatamento às pretensões da parte demandante, a Corte, ouvindo a opinião desta e dos familiares da última, resolverá sobre a procedência do caso e de seus efeitos jurídicos, fixando reparações e indenizações.

2. A Conciliação

Haverá também a solução conciliatória, onde poderá ser executado um acordo entre as partes, submetido à homologação da Corte, desempenhando essa, agora, um papel de fiscal do respeito aos direitos protegidos na Convenção.

No entanto, a Corte poderá, levando em conta as características de tal acordo, decidir pela sua não homologação. Prosseguindo, assim, o exame do caso, demonstrando que os “interesses” foram indisponibilizados.

3. Fase Probatória

O demandado, nos quatro meses seguintes à notificação da demanda, poderá apresentar por escrito sua contestação. O Presidente então fixará a data de abertura do procedimento oral e indicará as audiências.

As provas do caso serão aquelas descritas na petição inicial e na sua contestação, salvo que alguma dessas tenha sofrido “impedimento anterior de força maior”, porém vai ser assegurado à parte contrária o direito de ampla defesa. Entretanto, a Corte poderá, em qualquer fase da causa, produzir prova, ex offício, que considere útil, desde que se mostre o apego à verdade material.

Finalmente, é assegurado, pelo art. 50 do seu regulamento, que os Estados não poderão processar as testemunhas e os peritos, nem pressionar os demais envolvidos no caso, seja, direta ou indiretamente.

4. Fase decisória

Após a fase probatória, a Corte delibera a sentença internacional, que vai ser similar à sentença interna[20]. Havendo por parte da Corte o dever de expressar o resultado da votação e indicar o idioma do texto de que faz fé.

Além disso, o juiz que participou de tal exame tem o direito de expor publicamente o seu voto. Esse último deve ser formulado dentro do prazo fixado pelo Presidente, para que seja do conhecimento dos demais juizes, o que antecede a finalização da sentença.

5. Fase das reparações

Essa é uma fase não obrigatória, terá ocorrência apenas quando a sentença não houver decidido especificamente sobre as reparações. Ou seja, a Corte fixa a reparação na própria sentença que o Estado violou determinado direito protegido.

Em outros casos, a Corte abre uma oportunidade à conciliação, no que se refere à reparação a ser fixada. Ouvindo a vítima ou seus representantes, a Corte inicia uma nova etapa onde o autor e a vítima (ou seus familiares) vão apresentar provas e pleitos de reparação. Na maioria das vezes, as partes se encaminham para um acordo, onde a Corte irá homologar ou não, tal decisão.

                    A jurisprudência da Corte demonstra grande variedade de reparações, assegurando o gozo do direito ou liberdade violados e ainda a reparação das conseqüências do ato infrator, além do pagamento de indenização pecuniária justa à parte lesada.

6. Fase de execução da Sentença da Corte

No sistema judicial interamericano há o dever do Estado de cumprir integralmente a sentença da Corte (art. 68.1). Assim, o Estado deve exercer uma política abstencionista ou positiva para que a vítima faça valer os seus direitos dantes violados.

Valendo ressaltar que a Corte aplica o Direito Internacional, mas não determina qual o órgão nacional que foi falho. Como também, há uma relativa liberdade dos Estados em definir os meios internos de execução da sentença compensatória, afirmada pelo art. 68.2 da Convenção.

                    Caso não haja o cumprimento por pare do Estado das sentenças da Corte, esse será inserido no Relatório Anual da Assembléia Geral da OEA. Entretanto, esse mecanismo político de coerção dos Estados para o cumprimento de tais sentenças, tem se mostrado insuficiente, apesar de gerar repercussão ante a opinião pública do Continente[21].

                    Apesar disso, há um notável implemento por parte de alguns Estados das suas normas internas, a partir de pronunciamentos da Corte ou mesmo da Comissão.

O PROTOCOLO DA SAN SALVADOR

A Convenção Americana de 1969 deixou uma lacuna a ser preenchida até 1988, pois consistia apenas, em relação aos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, um dispositivo de “desenvolvimento progressivo” (Vide Art.45), que seria regido pelas normas de matéria relativa contidas na Carta da OEA. Ao contrário da Declaração Americana de 1948, que instituiu em seu texto normativo os direitos civis e políticos, como também, os direitos econômicos, sociais e culturais. (Vide Art. 13-15 e 22)

Assim, essa “relativa omissão” vai sendo detectada em alguns Relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que indica a situação de tais direitos em diversos países, como em 1979 no Haiti. Do mesmo modo, o Relatório Anual da Comissão, de 1985, aludiu à idéia de um futuro Protocolo à Convenção Americana em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, não deixando também de ressaltar o caráter indivisível dos direitos humanos.

Associado ao cenário de completa crise econômica e absoluta recessão da década de 80, também denominada de “a década perdida”, o Art. 77 da Convenção Americana (que prevê a adoção de vindouros Protocolos Adicionais, tendo como finalidade incluir nesse regime outros direitos e liberdades), incita os Estados Membros e a própria Comissão de Direitos Humanos a apresentarem projetos de protocolos adicionais à Convenção, como também foi suscitada à Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) que se pronunciassem sobre o assunto.[22]

Então, em 17 de novembro de 1988, na décima oitava sessão da Assembléia Geral da OEA realizada em San Salvador, os Estados Membros da OEA subscreveram o Protocolo Adicional à Convenção Americana de direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais.[23]

Os Estados-partes da Convenção vêm a reafirmar, no preâmbulo do Protocolo de San Salvador[24], o intuito de instalar no continente Americano o regime de liberdade pessoal e justiça social, inseridas no cenário de instituições democráticas e baseadas nos direitos essenciais do homem.

Concernente a esse preâmbulo está o caráter de indivisibilidade e integridade dos direitos humanos, que dita aos Estados partes a obrigação de instituírem condições para que os indivíduos possam gozar se seus Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, com o preceito de que o ideal de liberdade do ser humano só se é atingido com a isenção do terror e da miséria .

INSTRUMENTOS INTERAMERICANOS MAIS RECENTES RELATIVOS AOS DIREITOS HUMANOS

No âmbito da própria Assembléia Geral, que aprovou, em 09/12/1985, o Protocolo de Cartagena das Índias, mediante o qual foi emendada a Carta da OEA, os Estados membros abriram à assinatura a “Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura”.

Este instrumento define detalhadamente a tortura, indicando quais seriam os responsáveis por esse delito. Os Estados-partes não só se comprometem a punir severamente os perpetradores da tortura como também a adotar medidas para prevenir e sancionar qualquer outro tipo de tratamento cruel, desumano ou degradante em suas jurisdições.

Assim, uma pessoa acusada de tortura não pode evitar seu castigo, nos termos da Convenção, ao fugir para o território de outro Estado Parte.

A Convenção entrou em vigor em 28 de fevereiro de 1987, decorridos os trinta dias do depósito do segundo instrumento de ratificação. Instrumento este, só ratificado pelo Brasil em 20/07/1989.

O Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, referente à Abolição da Pena de Morte, foi aprovado durante o Vigésimo Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral da OEA (Assunção, Paraguai, 1990). Em 1969, época em que estava sendo redigida a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, um esforço concertado no sentido de incluir uma provisão de proibição absoluta da pena capital não alcançou êxito. Este instrumento aboliria a pena de morte em todo o Hemisfério, mediante a ratificação do Protocolo pelos Estados-partes, entre eles, o Brasil, que ratificou em 1996. 

 Temos ainda  Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, adotada em 1994 em Belém do Pará (Brasil) e ratificada pelo Brasil em 1995, e a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, adotada em 1994 e em vias de ratificação pelo Brasil[25]. Desde então, o Sistema Interamericano vem crescendo com a incorporação de novos Estados-membros, hoje em número de 35, a saber: Antígua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia,

Casos Práticos encaminhados à Corte Interamericana de Justiça[26]

1º Caso: Fairén Garbi e Solís Corrales

 “Caso Fairén Garbi e Solís Corrales“ representação contra Honduras, protocolada na Secretaria da Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 14 de Janeiro de 1982. O caso foi analisado pela Comissão, que julgou o Estado de Honduras responsável pelo desaparecimento desses dois costarriquenhos, desrespeitando, assim, os direitos fundamentais da pessoa humana, os quais foram previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos como: Direito à vida (art. 4º), Direito à integridade pessoal (art. 5º) e direito à liberdade pessoal (art. 7º). Por isso, a Comissão ingressou com uma ação contra Honduras perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos no dia 24 de abril de 1985.

            O caso passou pela fase de admissibilidade e suas exceções preliminares com dificuldade. Indo para a fase de julgamento, a Corte sentenciou a referida ação no dia 15 de março de 1989, julgando improcedente a ação da Comissão devido à “inexistência de prova suficiente para vincular o desaparecimento de Garbi e Corrales à mencionada prática governamental”, negando a responsabilidade internacional do Estado réu sobre os casos apontados. 

            Esse foi o primeiro caso contencioso opondo a Comissão a um Estado. Possibilitando diminuir as dúvidas relativas à independência efetiva da Comissão frente ao Estados e a sua pouca eficiência. 

            Fato também importante foi a menção ao caráter pro homini da Convenção Americana de Diretos Humanos feito pela Corte, que implica reconhecimento da dificuldade da Comissão em trazer ao juízo provas irrefutáveis de lesão a direitos humanos, justamente quando os responsáveis agem clandestinamente e contam ainda com o beneplácito dos agentes oficiais do Estado. 

2º caso:  Velásquez Rodriguez

            Iniciou-se com a representação contra Honduras protocolada na Secretaria de Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 7 / 10 / 1981.  

            A comissão, após analisar detalhadamente o caso, de acordo com os fatos narrados, que demonstram que o estudante da Universidade Nacional Autónoma de Honduras, Angel Manfredo Velásquez Rodriguez, foi detido sem ordem judicial de captura e levado com outros detidos, conforme afirmam inúmeras testemunhas, para as celas da II Estação da Força de Segurança Pública, em Tegucigalpa, Honduras, por elementos da Direção Nacional de Investigação (DNI) e do G–2 das Forças Armadas de Honduras em 12 de setembro de 1981. Sendo, então, submetido a interrogatórios sob cruéis atos de torturas, pois estava sendo acusado de supostos crimes políticos. 

            Foi levado a novos Batalhões, onde continuou a sofrer tratamento desumano, fatos que foram  negados pelos policiais.

            A comissão, após vários levantamentos, pediu explicações ao Estado Hondurenho, que não respeitou a comunicação, omitindo-se. Portanto, este órgão de proteção decidiu aplicar o art. 3º do seu Regulamento, que julga verdadeiros os fatos denunciados desde que a parte não os conteste. Aprovando a Resolução de 30/83, considerando o Estado Hondurenho negligente e violador do direito à vida e à liberdade de pessoas (arts. 4º e 7º da Convenção).

            Depois disso, o Estado solicitou a reconsideração da resolução, argumentando que não tinham sido esgotados os recursos internos como também a incerteza do paradeiro de Velásquez pela DNI, chegando esta a afirmar que ele se encontrava junto a guerrilheiros em El Salvador. 

            Devido a essas explicações a Comissão reconsiderou a sua resolução por algum tempo, para analisar as afirmações de Honduras.

            A Comissão, em sua resolução 22/86, considerou que as novas informações prestadas não serviam para afirmar a reconsideração de 30/83. Ao contrário, os elementos trazidos dão conta de que o paradeiro de Velásquez Rodriguez continuava incerto, atestando que o Estado não demonstrava a inveracidade dos fatos denunciados. 

             Honduras havia reconhecido a jurisdição obrigatória da Corte em 1981, logo, a “Corte era o palco privilegiado para a solução da controvérsia entre Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Honduras”.

            A Comissão submeteu o caso à Corte, alegando violação dos seguintes direitos fundamentais da pessoa humana previstos na Convenção Americana: direito à vida (art.4º), direito à integridade pessoal (art.5º), direito à liberdade pessoal (art.7º), direito à honra e dignidade (art.11), proteção à família (art.17), direito à propriedade privada (art.21) e direito à proteção judicial (arts. 25.1, 25.2ª e 25.2.c), requerendo, portanto, a condenação do Estado hondurenho e a reparação às lesões sofridas por Velásquez.  

            A Corte deve, inicialmente, analisar os pressupostos de admissibilidade da demanda por ser “o único órgão judicial competente para apreciar matérias relativas à Convenção Americana de Direitos Humanos”. Esse posicionamento da Corte reforça a separação das funções entre a Comissão e a própria Corte no Sistema Interamericano de Proteção Internacional de Direitos Humanos. Mas, acertadamente, a Corte julgou não ter poderes para interferir na formação da convicção jurídica da Comissão. 

            Por unanimidade, a Corte repeliu as exceções preliminares argüidas pelo Estado de Honduras, continuando com o conhecimento do caso. 

Inicia-se, então, a fase probatória. Prosseguia o julgamento com as duas partes mostrando suas provas. Era um período conturbado, chegando ao ponto até de a Comissão requerer à Corte, tendo em vista as ameaças contra duas testemunhas, adotar medidas cautelares previstas no art.63.2 da Convenção, para protegê-las contra eventuais ameaças.

Várias testemunhas tiveram mortes suspeitas, que fez com que a Corte editasse medidas cautelares, solicitando ao Estado hondurenho a adoção das medidas para prevenir novos atentados contra os direitos fundamentais de quem tenha comparecido ou tenha sido intimado para comparecer perante a Corte.

Ressalta-se, ainda, que o Estado réu insinuou que testemunhar em processos contra o Estado poderia constituir em deslealdade contra o seu país. Argumento este vergonhoso e sem fundamento, conforme pronunciou de forma veemente a Corte, pois os direitos humanos representam valores superiores, resultantes do fato de sermos primordialmente pessoas  humanas e só depois, pertencentes a um país.

O Estado mencionou diversos remédios judiciais empregados, justificando não se haverem esgotado os recursos internos. Fato este contestado pela Comissão, que provou a ineficácia desses instrumentos na situação interna do país durante aquela época, como por exemplo, os três recursos de habeas corpus, interpostos em favor de Velásquez que não produziram efeito.

Assim, a Corte rechaçou a exceção de não esgotamento dos recursos internos proposta por Honduras.

Depois de muita discussão, a Corte determinou que foi provado que durante os anos de 1981 e 1984, na República de Honduras, entre cem e cento e cinqüenta pessoas desapareceram. Considerando, então, que ficou provado que o seqüestro de Velásquez foi realizado a cabo por pessoas vinculadas às Forças Armadas ou sob sua direção. Continuando ele desaparecido, chega-se à conclusão que se encontra morto.

A Corte estabeleceu como sanção o pagamento de uma indenização compensatória aos familiares da vítima,  ocorrendo que esta quantia foi estabelecida pela própria Corte, pois as partes não chegaram a um acordo no prazo estabelecido de seis meses contados a partir da data da sentença.

Atendendo algumas solicitações de familiares da vítima, a Corte estabeleceu que: a. Honduras deveria energicamente atuar contra violações de direitos humanos, conferindo especial atenção à investigação do caso Manfredo Velásquez; b. Honduras deveria indenizar o cônjuge e os filhos da vítima, pagando a mais elevada pensão vitalícia existente no país para a viúva; subsidiando a educação, até o grau universitário, dos três filhos de Velásquez; outorgando a propriedade de uma habitação digna, equivalente àquelas habitadas pela classe média; c. Honduras deveria pagar uma indenização pelos danos materiais e morais sofridos pelos familiares da vítima (conforme valores fixados e que seja adotada legislação especial que permita a concessão de indenização sem trâmites judiciais convencionais); como indenização, ética o Estado réu deveria emitir declaração pública de repúdio à prática de desaparição a logradouros públicos do nome delas, sem contar com a investigação dos casos e punição dos responsáveis pelos desaparecidos.

Esse caso teve uma grande importância, pois foi o primeiro caso em que um Estado americano é condenado por um órgão judicial internacional, após ser devidamente processado segundo o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

A questão da investigação e punição enquanto reparação específica de violação de direitos humanos aponta para a necessidade de prevenção de futuros abusos. Segue-se o preceito de que uma sociedade que esquece suas violações presentes e passadas de direitos humanos está fadada a repeti-las.

O SISTEMA DE PROTEÇÃO INTERAMERICANO E O BRASIL

Ao ratificar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e, mais recentemente, o reconhecimento e a aceitação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o governo brasileiro dá cumprimento ao princípio de prevalência dos direitos humanos estabelecidos pelo art. 4º n. II da Constituição Federal, fazendo integrar, na ordem jurídica nacional, essa Convenção, como previsto no § 2 º do art. 5º da mesma Constituição.

Como disse Antônio Cançado Trindade, fazendo menção à demora do Brasil de aceitar a competência jurisdicional da Corte: “à luz das posições do Brasil avançadas naquelas ocasiões, seria difícil compreender e explicar um não reconhecimento pelo Brasil da competência obrigatória da corte interamericana de Direitos Humanos"[27].

Esses dispositivos constitucionais permitem que a violação de Direitos Humanos no Brasil seja levada ao conhecimento e decisão da Comissão Interamericana e da própria Corte Interamericana, para a obtenção da reparação necessária, ou para evitar a violação pretendida.

É certo que há resistências à aplicação de decisões da Comissão e da Corte pelas autoridades judiciais e do executivo, não acostumadas a dar maior importância a resoluções e a atos internacionais, mesmo que ratificados pelo Governo brasileiro.

O próprio Supremo Tribunal Federal tem dado mostras de que não aceita de bom grado a vigência de tratados ratificados pelo país, que regulem matéria de direitos humanos, como é o caso da prisão do depositário infiel. Ela é proibida pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos e pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, mas é aceita segundo a nossa Constituição. E, como os tratados e acordos internacionais vigoram no Brasil como leis ordinárias, são infraconstitucionais, ou seja, devem respeitar a Constituição.  Além do mais, o Poder Judiciário ao interpretar a nossa lei fundamental, afirma, por meio da posição consolidada do Supremo Tribunal Federal, que é necessária a incorporação interna das normas convencionais internacionais através de ato do Poder Legislativo e ato subseqüente do Poder Executivo.

Contrário do que realmente ocorre, os agentes políticos de todos os Poderes da República (membros do Poder Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público) devem sempre levar em consideração a interpretação da Corte (quer no âmbito de sua competência consultiva ou contenciosa) no momento do cumprimento de suas missões constitucionais. Isso porque qualquer ato estatal (mesmo legislativo ou judicial) enseja o nascimento da responsabilidade internacional do Estado, pois ele pode ser responsabilizado pela violação de direitos humanos por não cumprir com os dispositivos da Convenção Americana, cujo conteúdo é determinado, em última análise, pela interpretação judicial proferida pela Corte. 

Por outro lado, todos sob a jurisdição do Estado brasileiro devem ter consciência desse reconhecimento efetuado pelo Brasil para, se necessário for, interpor petições individuais perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos relatando casos de violação de direitos humanos para posterior ajuizamento, pela Comissão, de ação contra o Brasil perante a Corte.

CONCLUSÕES

Ao lado do sistema normativo global, surge o sistema normativo regional de proteção, que busca internacionalizar os direitos humanos no plano regional. sendo os sistemas global e regionais não dicotômicos, mas complementares.

Considerando o sistema regional interamericano, é a Convenção Americana de Direitos Humanos o seu instrumento de maior importância. Ela assegura um catálogo de direitos civis e políticos  e determina aos Estados que alcancem progressivamente a plena realização  dos direitos sociais, culturais e econômicos através de medidas legislativas e outras formas apropriadas (essa é a única referência feita aos direitos sociais, culturais e econômicos).

O aparato de monitoramento estabelecido pela Convenção Americana é integrado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Intramericana de Direitos Humanos.

A Comissão tem como função proteger os direitos humanos na América, sendo encarregada de fazer recomendações aos Estados-partes, estudos a cerca das condições dos direitos humanos em determinado país, receber denúncias de violação por parte dos Estados, tanto de indivíduos, ONGs ou outros Estados (para isso, o Estado que denuncia deve ter prévia autorização para isso por parte do Estado denunciado), enviar relatórios anuais à Assembléia Geral da OEA, etc.

A Corte é o órgão jurisdicional do sistema regional americano, que apresenta competência consultiva e contenciosa. Consultiva para todos os Estados membros da OEA e contenciosa apenas para aqueles que reconhecem a sua jurisdição, tendo, dessa forma, autoridade para avaliar e julgar casos de violação dos direitos humanos por parte dos Estados, promovendo acordos, aconselhamento, pagamentos de indenizações quando julga pela culpa e sanções (porém não é coercitiva).

Esses órgão vêm se desenvolvendo à medida em que surge a necessidade de uma responsabilização internacional dos abusos dos direitos humanos para que se promova a sua redução , já que cresce a consciência de que esse não é um problema particular de cada Estado, mas um problema mundial, já que a globalização impeliu os países a um intercâmbio cada vez mais forte.

Foram considerados aqui dois casos de atuação dos órgãos interamericanos:  Garbi-Corrales e Veláquez Rodrigues. O número de casos que chegam á Comissão ainda é ínfimo e o que chega à Corte é menor ainda. Isso porque ainda existem muitos empecilhos nas legislações internas dos estados e a sua relutância em ter a intervenção internacional em seus assuntos privados.

Finalmente, ressaltamos que o Brasil apresenta diversas limitações à atuação do sistema interamericano, sendo também a contragosto dos diversos órgãos nacionais a intervenção internacional em assuntos de jurisdição interna.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  

Piovesan, Flávia, Direitos Humanos e o Direitos Constitucional Internacional, ed. Max Limonad, 3ª edição

Steyner, Sylvia Helena de F., A Convenção Americana sobre os direitos humanos e sua integração ao processo penal brasileiro, ed. Revista dos tribunais

Buergenthal, Thomas, Internacional Human Rights, ed. West Publishing CO., 4ª edição, 1994

A proteção internacional de direitos humanos e o Brasil, Workshop Brasília, 7 a 8 de outubro de 1999

Ramos, André de Carvalho, Direitos humanos em juízo, ed. Max Limonad

Ribeiro, Renato Zerbini, Os direitos econômicos, sociais e culturais na América Latina e o Protocolo de San Salvaor, ed. Sérgio Antônio Fabris Editor, 2001


[1]  Piovesan, Flávia . Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, ed. Max Limonad, pág. 177

[2] Ribeiro, Renato Zerbini. Os direitos econômicos, sociais e culturais na América Latina e o Protocolo de San Salvador . ed. Sérgio Antônio Fabris Editor, pág. 94

[3] Steiner, Sylvia Helena de F. - A Convenção Americana: sobre os direitos humanos e sua integração ao processo penal brasileiro - ed. Revista dos Tribunais, pág.48

[4] .Burgenthal.Thomas, International Human Right, ed. West Publishing CO., pág.129

[5] “The comission ruled that it could take them into account as evidence bearing on the existence or non-existence of condicions justifying a country study" Buergenthal, Thomas, International Human Right, ed.  West Publishing CO.,  pág. 130.

[6] Burgenthal.Thomas, International Human Right, ed. West Publishing CO., pág. 132

[7] Burgenthal.Thomas, International Human Right, ed. West Publishing CO., pág. 131-132

[8] Carta da OEA, Emenda, art. 112(1).

[9] Carta da OEA, Emenda, art 112(2).

[10] Ramos, André de Carvalho, Direitos Humanos em juízo, ed. Max Limonad.

[11]Burgenthal.Thomas, International Human Right, ed. West Publishing CO., pág. 138, 139,140

[12]  Ribeiro, Renato Zerbini, O direitos econômicos, sociais e culturais na América Latina e o Protocolo de San Salvador, ed.Sérgio Antônio Fabris Editor, pág. 98

[13] Idem, pág. 99

[14] Idem, pág. 99

[15] Ramos, André de Carvalho, Direitos Humanos em juízo, ed. Max Limonad.

[16]Ramos, André de Carvalho, Direitos Humanos em Juízo, ed. Max Limonad, pág. 65

[17] Para maiores esclarecimentos, vide Piovesan, Flávia, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional , pág. 235

[18] Piovesan, Flávia, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional , pág. 243 - Esta só entrou em vigor em 16 de novembro de 1999, após a ratificação do 11 º país.

[19] O Brasil aceita a competência da Corte em dezembro de 1998.

[20] Para melhor esclarecimento, vide Ramos, André de Carvalho, Direitos Humanos em juízo, ed. Max Limonad, pág. 92

[21] Idem, pág. 97

[22] Para maiores esclarecimentos vide Protocolo in Ribeiro, Renato Zerbini, Os direitos econômicos, sociais e culturais na América Latina e o Protocolo de San Salvador, ed.Sérgio Antônio Fabris Editor, pág. 108 e seguintes

[23] Que só entrou em vigor em 16 de novembro de 1999, após a ratificação do 11 º país.

[24]  Como é mais conhecido o Protocolo Adicional de 1988

[25] Ramos, André Carvalho, Direitos Humanos em juízo, ed. Max Limonad, pp. 62

[26] Ramos, André Carvalho, Direitos Humanos em juízo, ed. Max Limonad,  pág.. 101 a 144

[27] Ramos, André Carvalho, Direitos Humanos em juízo, ed. Max Limonad, pp. 61 e 62)

 
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