ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E
PRÁTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Irene
Maria dos Santos
A
consciência universal dos Direitos Humanos é cada vez mais
forte. Esses direitos, hoje tão proclamados, no entanto, são)
sistematicamente violados.
Os
direitos Humanos são violados não só pelo terrorismo, repressão,
torturas, assassinatos, mas também pelas condições de extrema
pobreza e de estruturas econômicas injustas, que originam
grandes desigualdades. A intolerância política e a indiferença
diante da situação de empobrecimento generalizado mostram um
desprezo pela vida humana concreta, a que não podemos nos calar
Merecem uma denúncia especial as violências contra os direitos
das crianças, das mulheres, dos grupos mais pobres da sociedade.
(4a Conferência Geral do CELAM, Santo Domingo, 1992).
Em
sociedades marcadas pela dominação, pelos conflitos, pelas
desigualdades estruturais, vivendo situações de injustiça
institucionalizada, a questão dos Direitos Humanos se torna
central e urgente.
A
superação dos sistemas políticos autoritários na grande
maioria dos países do continente e a construção de democracias
autênticas supõem processo em que a conquista dos Direitos
Humanos seja cada vez mais real e efetiva.
A
perspectiva sobre os Direitos Humanos afirma a existência de uma
relação incondicional entre democracia, desenvolvimento integral
e Direitos Humanos. É imprescindível promover os direitos econômicos,
sociais, culturais e ambientais dos diferentes povos, assim como
dar atenção prioritária às necessidades
básicas dos grupos sociais discriminados, como os indígenas,
as mulheres. as crianças. os negros e os pobres. Trata-se de
favorecer processou de desenvolvimento capazes de colaborar para
a construção de sociedades sustentáveis.
A
Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em junho de
1993, em Viena (Áustria), reforçou esta posição:
A
democracia, o desenvolvimento e o respeito aos Direitos Humanos e
das liberdades fundamentais silo conceitos interdependentes que se
reforçam mutuamente. A democracia baseia-se na vontade do povo,
expressa livremente, de escolher seu próprio regime político,
econômico, social e cultural e na sua participação plena em
todos os aspectos da vida. Neste contexto, a promoção e proteção
dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais no âmbito
nacional e internacional devem ser incondicionais. A comunidade
internacional deve apoiar o fortalecimento e a promoção da
democracia, do desenvolvimento e do respeito aos Direitos Humanos
e às Liberdades fundamentais em todo o mundo.
A
luta pelos Direitos Humanos se dá no cotidiano, em nosso dia-a
dia, e afeta profundamente a vida de cada um de nós e de cada
grupo social. Não é mera convicção teórica que faz com que os
direitos sejam realidade, se essa adesão não é traduzida na prática
em atitudes e comportamentos que marquem nossa maneira de
pensar, de sentir, de agir, de viver. Dorneles
( 89, 54) afirma:
E
a lei diz que todo mundo é igual e tem direitos garantidos. Para
que realmente se exerçam essas liberdades da lei é fundamental a
conquista de espaços democráticos nos quais os princípios de Direitos
Humanos passem a povoar a existência das pessoas.
No
nosso país, as leis são avançadíssimas, porém não funcionam.
Para exemplificar, possuímos um moderno estatuto da criança e
do adolescente, mas que, na prática, vem se mostrando ineficaz.
Possuímos uma lei de execução penal de moldes europeus que
vem sendo permanentemente desrespeitada. Possuímos um avançado Código
de Defesa do Consumidor, mas que não surte efeito frente a um
grande número de pessoas que não tem acesso ao consumo. Como
podemos falar em direito do consumidor num País em que existem inúmeros
cidadãos vivendo dos restos que são depositados nos lixões das
grandes cidades? Como podemos pensar na proteção integral à
criança, ao adolescente, quando abrimos os jornais e constatamos
o trabalho escravo nas carvoarias e a prostituição em alguns
estados do Nordeste e do Centro-Sul do País? Será que podemos
resumir o conteúdo das discussões sobre o direito humano aos
maus tratos que recebe nossa população carcerária? Não seria
uma simplificação demasiada de seu conteúdo?
Sabemos
que o Brasil é rico em leis. Possuo uma estrutura legal que dá
inveja a muito país dito desenvolvido. O grande problema é fazer
com que essas leis sejam cumpridas. Porque leis existem para
promover direitos humanos no Brasil. O judiciário e o Ministério
Público possuem algumas deficiências que impedem a efetiva
aplicação das leis brasileiras. Afinal, não é de interesse das
classes dominantes lazer com que as leis sejam cumpridas. Por
outro lado, as classes populares, quando começam a reivindicar
aquilo que lhes pertence, não como esmola mas, sim, como direitos
garantidos pela lei, a situação muda de figura. De fato, as garantias
de direitos fundamentais estão no modo como se aplica a lei. A
relevância não é sobre aquilo que está escrito mas
principalmente no modo como são tomadas as decisões sobre a matéria.
Nesse sentido, o Ministério Público pode exercer um papel
fundamental na garantia da aplicação das leis que já existem. A
ausência de direitos fundamentais efetivos como base para o
direito internacional deixa uma porta aberta para todo tipo de
opressão por parte dos Estados e instituições internacionais,
em estreita conexão com poderosas burocracias ou interesses
econômicos. Atualmente, não existem meios efetivos para
combater a marginalização de grupos vulneráveis, incluindo
futuras gerações.
Existem
três princípios que podem ser usados para descrever a totalidade
dos níveis existenciais dos Direitos Humanos. Segurança inclui
integridade física, acesso seguro aos meios existenciais, a um
processo justo de julgamento e privacidade. Identidade se refere
à cultura, linguagem, pensamento e religião próprias. Participação
é participar na vida produtiva e política da própria
comunidade, sociedade ou Estado: é uma necessidade existencial.
Os
três princípios, segurança, identidade e participação podem
ser considerados como categorias básicas para os Direitos
Humanos.
O
princípio da segurança, por exemplo, dá origem ao direito
humano à segurança pessoal (contra a ação arbitrária da polícia,
contra a tortura) e o direito humano à vida (contra a execução).
Conduz também ao direito econômico fundamental, o direito à
saúde ou direito à segurança social.
O
princípio da participação inclui o direito a alimentar-se e o
direito à moradia (importantes direitos econômicos), pela
participação na economia como empregado ou autônomo. Isso
inclui o direito ao trabalho, que não deve ser reduzido ao
trabalho assalariado. A participação na vida econômica deve ser
complementada pelo direito à participação política (direito
político), ou direito à participação cultural, através da
educação ( necessária para a “participação cultural”), um
direito cultural.
O
principio da identidade refere-se ao caráter único de cada
pessoa na sua totalidade, isto é, incluindo sua identidade
cultural e espiritualidade, e seu papel como parte integrante de
um grupo específico. Esse princípio supõe o direito das
minorias, mas também a liberdade nas artes e nas ciências,
liberdade de pensamento, religião e opinião, que constituem o
restante dos “direitos civis”.
Para
uma plena realização de um direito humano são necessárias três
condições:
1. O Estado realiza plenamente o direito
humano, provendo os procedimentos legais ou outros, para que o
beneficiário desse direito possa realizá-lo;
2. Cada indivíduo está em condições de
recorrer a estes procedimentos de forma bem sucedida;
3. Nível existencial pode ser usufruído
por todos.
Há
52 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos ostenta
em seu artigo terceiro o principio de que “todo homem tem
direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. No
entanto, a miséria e o medo continuam presentes 52 anos depois da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. A promessa de 1948
não foi cumprida. Para a maioria das pessoas, aqueles direitos são
pouco mais que letras mortas. Para exemplificar, basta lembrar
que o escasso acesso à Justiça, apesar de todas as formalidades
cumpridas, o pais está longe de se constituir num Estado de
direito democrático. A percepção generalizada é a da
impunidade. um fenômeno nacional. Ela está associada, em boa
medida, à ausência ou carências do judiciário. O Brasil é
uma das nações mais violentas do planeta, mesmo em comparação
com nações que vivem em guerra, em parte pela sensação de
impunidade. Juntam-se aí a ineficiência policial e o caos do
sistema prisional que, de fato, apenas reforça o grau de delinquência
na sociedade. Um adolescente preso é candidato natural a virar
um criminoso ainda mais violento. E ainda existe uma verdadeira
campanha para redução da idade penal de 18 para 16 anos. Das
pessoas que compartilham dessa idéia, 99,9% nunca foram a uma
penitenciária, não sabem como é que vivem ou como sobrevivem
os aprisionados brasileiros. Não têm idéia do drama que é
viver recolhido à prisão. Entender o grau de violência na
sociedade brasileira é, em essência, entender até onde os
direitos humanos ainda não se efetivaram no país.
Ninguém
pode se sentir de fato livre tendo a possibilidade de votar, mas
sem ter o que comer. Daí que indicadores como esperança de
vida ou mortalidade infantil devem ser combinados com a
porcentagem de eleitores. A violência está associada às taxas
de exclusão em uma sociedade, mais do que propriamente a mi
seria. E a exclusão que vai desde a escola, passando pelo escasso
lazer, até o subemprego ou o desemprego: a violência é a resposta
natural à marginalidade crônica.
Não
basta escrevermos na lei que todos têm direito á vida e que
nascem iguais, e que são livres. E necessário que se garantam
verdadeiramente as condições para o exercício desses direitos
enunciados, pois, do contrário, fica ridículo anunciarmos para o
mundo o direito a vida, enquanto milhões morrem de fome
diariamente, morrem de doenças já controladas, enfim, morrem
de miséria (Dorneles. 1989).
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CANDAU, Vera Maria; SACAVINO Susana
Beatriz; MARANDINO Marta; BARBOSA Maria de Fátima M.; MACIEL Andréia
Gasparini. Oficinas de
Direitos Humanos, Editora Vozes. Petrópolis, RJ -1996.
CPT/FIAN/MNDH - Direitos Humanos Econômicos:
seu tempo chegou. Editora
Kelps, Goiânia - GO 1997.
DORNELES, J.R.W. O
que são Direitos Humanos. São Paulo, Brasiliense, 1989.
Folha de São Paulo, Encarte especial, Declaração
Universal dos Direitos Humanos 50 Anos, pág. 02 e 03 São
Paulo - SP , dezembro de 1998.
NARDINI, José Mauricio O
Papel do Ministério Público na Promoção dos Direitos Humanos, 1997.
Conferência Mundial dos Direitos Humanos,
Documento
|