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Relatório da

III Conferência Nacional de Direitos Humanos

 

Conferência realizada nos dias 13, 14 e 15 de maio de 1998, no Auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados e palestras proferidas durante o Encontro Preparatório das Comemorações do Cinqüentenário das Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos, realizado nos dias 3 e 4 de dezembro de 1997.

 

Centro de Documentação e Informação

Coordenação de Publicações

Brasília - 1998


 

CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

DIRETORIA LEGISLATIVA

Diretor: Afrísio Vieira Lima Filho

 

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO

Diretora: Suelena Pinto Bandeira

 

COORDENAÇÃO DE PUBLICAÇÕES

Diretora: Nelda Mendonça Raulino

 

 

 

Edição: Márcio Marques de Araújo

Registro taquigráfico e primeira revisão: Departamento de Taquigrafia, Revisão e

Redação da Câmara dos Deputados

 

 

 

SÉRIE

Ação Parlamentar

n. 84

 

 


COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS

 

                       

PRESIDENTE: Deputado ERALDO TRINDADE (PPB-AP)

1º VICE-PRESIDENTE: Deputado OSMAR LEITÃO (PPB-RJ)

2º  VICE-PRESIDENTE: Deputado LUIZ EDUARDO GREENHALGH (PT-SP)

3º VICE-PRESIDENTE: Deputado LUIZ ALBERTO (PT-BA)

 

 


SUMÁRIO

 

Apresentação......................................................................................

Cerimônia de Abertura......................................................................

Pronunciamento do Presidente, Deputado Eraldo Trindade .............

 

1º Painel: A aplicação das normas de proteção aos Direitos Humanos nos planos internacional e nacional...........................

Ministro Marco Antônio Diniz Brandão........................................

Texto da palestra do Professor Antônio Augusto Cançado Trindade

Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos Direitos Humanos nos planos internacional e Nacional.

Deputado Hélio Bicudo..................................................................

Dr. Márcio Gontijo.........................................................................

Dr. Romany Rolland.......................................................................

Debates..........................................................................................

 

2º Painel:  A Concretização do Programa Nacional de Direitos Humanos e a criação de programas estaduais.............................

Dr. José Gregori............................................................................

Professor Paulo Sérgio Pinheiro.....................................................

Reverendo Romeu Olmar Klich......................................................

Deputado Mário Mamede...............................................................

Dr. Belisário dos Santos Jr. ............................................................

Debates ..........................................................................................

Dra. Maria do Perpétuo Socorro Prado...........................................

Deputado Nilmário Miranda............................................................

Dr. Carlos Fernandes.......................................................................

Outras participações........................................................................

 

Plenária Final...................................................................................

 

Relatórios dos Grupos de trabalho.....................................................

Grupo temático 1: Programa Nacional de Direitos Humanos -

       Aperfeiçoamento e Implementação............................................

Grupo temático 2: Formas de articulação visando a criação de programas estaduais de Direitos Humanos...............................

Grupo temático 3: O Poder Judiciário e os Direitos Humanos.............

Grupo temático 4: O Poder Legislativo e os Direitos Humanos...........

Grupo temático 5: As normas internacionais de Direitos Humanos e o reconhecimento da jurisdição das cortes internacionais no Brasil

 

Moções apresentadas e aprovadas em plenário..............................................

 

Convidados presentes e entidades representadas............................................


 

Anexo

 

Anais do Encontro Preparatório do Cinqüentenário da Declaração Americana sobre Direitos e Deveres do Homem e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.................................

 

Cerimônia de Abertura....................................................................

Pronunciamento do Presidente, Deputado Pedro Wilson................

 

1º Painel: O significado e o valor da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem......................................................................

Professor Antônio Augusto Cançado Trindade...............................

O Legado da Declaração Universal de 1948 e o Futuro da Proteção Internacional dos Direitos Humanos.......................

Deputado Renato Simões...............................................................

 

2º Painel: A implementação das recomendações de Viena e os novos paradigmas dos Direitos Humanos....................................

Ministro Marco Antônio Diniz Brandão.........................................

Deputado Nilmário Miranda..........................................................

Deputado Nelson Pelegrino...........................................................

Debates.........................................................................................

 

3º Painel: Situação e perspectivas para os Direitos Humanos na América Latina.............................................................................

 

4º Painel: Atuação do Governo brasileiro na área de Direitos Humanos e as experiências nos Estados e Municípios.................

Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos...............................................

Dr. Belisário dos Santos Jr. ...........................................................

Dr. André Puccinelli ......................................................................

Dr. Wagner Gonçalves ..................................................................

Dra. Herilda Balduíno ...................................................................

Dr. Benedito Mariano ...................................................................

Dr. Joelson Dias ............................................................................


 

 

APRESENTAÇÃO

 

 

É com satisfação que disponibilizamos ao público este relatório da III Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em parceria com diversas instituições públicas e entidades não-governamentais, nos dias 13, 14 e 15 de maio de 1998.

 

A Conferência Nacional de Direitos Humanos tem se consolidado como o mais representativo fórum de discussão e proposição dessa área em nosso país. A I Conferência, em 1996, reuniu propostas que foram encaminhadas aos elaboradores do Programa Nacional de Direitos Humanos, sendo muitas delas incorporadas. A II Conferência, em 1997, avaliou a implementação do Programa no seu primeiro ano de vigência, indicando propostas para sua concretização.

 

A III Conferência, relatada neste livro, teve por objetivo comemorar o Cinqüentenário das Declarações Universal e Americana dos Direitos Humanos. Para isso, procuramos analisar a posição brasileira nos sistemas universal e americano de direitos humanos. Também buscamos dar continuidade às discussões e proposições visando ao aperfeiçoamento e à concretização do Programa Nacional de Direitos Humanos, além de estimular a criação de programas estaduais.

 

A força dessas conferências - que não têm caráter deliberativo - deriva de sua representatividade e da qualificação de seus participantes. Um total de 506 pessoas participaram da III Conferência, representando 276 instituições públicas e organizações não-governamentais, participaram do evento. Cumpre ressaltar o elevado nível das palestras e dos debates realizados, animados pela participação de muitos dos expoentes da reflexão teórica e da ação prática em direitos humanos no Brasil.

 

Nesta publicação, o leitor também encontrará, como anexo, os registros do Encontro Preparatório das Comemorações do Cinqüentenário das Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos, igualmente realizado pela Comissão de Direitos Humanos, em dezembro de 1997. A publicação conjunta desses anais se deve à complementaridade dos dois eventos. Ambos foram promovidos sob o marco do Cinqüentenário dos dois textos que balisam o nosso sistema universal e interamericano de direitos humanos. Um momento de intensificar nosso empenho e entusiasmo no sentido de que o Brasil se integre de forma progressiva nesses sistemas.

 

Na expectativa de que essa publicação seja útil no processo de construção da cidadania em nosso País, agradecemos a todos os que, com sua participação, tornaram a III Conferência Nacional de Direitos Humanos um momento de afirmação do compromisso com os Direitos Humanos.

 

 

Deputado ERALDO TRINDADE

Presidente da Comissão de Direitos Humanos

Cerimônia de Abertura

 

13/05/98

 

 SR. APRESENTADOR - Senhoras e senhores conferencistas, convidamos todos a tomarem assento neste plenário para darmos início aos trabalhos da III Conferência Nacional de Direitos Humanos.

Este evento é uma promoção da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em nome da qual transmitimos nossas saudações de boas-vindas a todos os presentes.

Antes de compor a Mesa para a abertura dos trabalhos, ouviremos o Quarteto de Cordas da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, de Brasília, que apresentará Quarteto, de Beethoven, e Anos Dourados, de Tom Jobim.

 

(Apresentação do Quarteto de Cordas) (Palmas.)   

 

O SR. APRESENTADOR - Nossos agradecimentos ao Quarteto de Cordas da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro pela sua bela apresentação. Nosso agradecimento, também, à Secretaria de Cultura do Distrito Federal, na pessoa do Secretário Hamilton Pereira, que possibilitou esta apresentação artística na abertura da nossa Conferência.

Neste momento, passaremos a compor a mesa para a abertura da III Conferência Nacional de Direitos Humanos.

Temos a honra de convidar para tomar assento à mesa o Exmo. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro (Palmas.); o Exmo. Sr. Secretário Nacional de Direitos e representante do Ministro da Justiça, Dr. José Gregori (Palmas.); o Exmo. Sr. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Reginaldo Oscar de Castro (Palmas.); o ilustríssimo representante da Organização das Nações Unidas, Dr. Cristian Koch-Castro (Palmas); a ilustríssima representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria — CFEMEA —, Dra. Iáris Ramalho Cortês (Palmas.), o Exmo. Sr. Coordenador da III Conferência Nacional de Direitos Humanos e ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Deputado Pedro Wilson (Palmas.) e, para presidir os trabalhos desta Conferência, o Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Deputado Eraldo Trindade (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE, DEPUTADO ERALDO TRINDADE - Ao assumir os trabalhos desta Conferência, convido o Secretário-Geral da CNBB, Dom Raimundo Damasceno, para fazer parte da mesa.

Em nome da Comissão de Direitos Humanos e da Câmara dos Deputados, desejo a todos um bom dia e quero agradecê-los por estarem presentes a esta Conferência. É com muita honra que abrimos a III Conferência Nacional de Direitos Humanos, encontro que já começa com perspectivas promissoras, considerando-se as presenças tão numerosas quanto qualificadas neste plenário.

Em nome de todos os integrantes da Comissão de Direitos Humanos, expresso nossa calorosa saudação a todos os presentes, aos integrantes da Mesa, às autoridades dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, aos representantes das organizações não-governamentais, aos membros do Corpo Diplomático, aos professores, aos estudantes e a todos os demais participantes desta Conferência.           

Cabe-me esclarecer que a presente Conferência não tem caráter deliberativo. Trata-se de uma instância coletiva de âmbito nacional, cujas proposições serão por todos nós apresentadas e encaminhadas na forma de indicações. Essas indicações, naturalmente, emergirão da Conferência respaldadas pela legitimidade derivada quer de sua representação e qualidade, quer pelo conhecimento, vontade e compromisso público de todos nós. As indicações serão remetidas às autoridades e aos organismos incumbidos dos assuntos que aqui serão discutidos.

Nossa expectativa é de que as contribuições desse encontro venham a ter merecida acolhida, tanto entre as instituições públicas com responsabilidade pela proteção dos direitos humanos quanto entre as entidades privadas atuantes nessa área em todo o País.

Quero registrar o apoio que tivemos de várias organizações sinceramente empenhadas num trabalho voltado para afirmação dos direitos humanos. Esta Conferência, que tem a chancela da Câmara dos Deputados, é uma promoção da Comissão de Direitos Humanos da Casa, que tenho a honra de presidir. E contou com o decisivo apoio das seguintes entidades: Fórum das Comissões Legislativas de Direitos Humanos; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Secretaria Nacional de Direitos Humanos; Anistia Internacional; Fórum Nacional Contra a Violência no Campo; Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC; Movimento Nacional de Direitos Humanos; Comissão de Direitos Humanos da OAB do Distrito Federal; Centro de Proteção Internacional de Direitos Humanos; Comissão Pastoral da Terra; Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia; Fundação Educacional do Distrito Federal; Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua; Associação Brasileira dos Anistiados Políticos; Comissão Brasileira Justiça e Paz.

Registro, também, nosso agradecimento ao Deputado Pedro Wilson, ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos, que coordenou a preparação desta Conferência, emprestando sua experiência, conhecimento e talento na luta pelos direitos humanos.

Para nós, é extremamente gratificante poder contribuir para dar continuidade ao processo bem-sucedido que têm sido essas conferências. A Conferência Nacional dos Direitos Humanos tem-se consolidado como o mais representativo fórum de discussão e proposição na área em nosso País.

A primeira Conferência, em 1996, reuniu propostas que foram encaminhadas aos elaboradores do Programa Nacional dos Direitos Humanos, sendo muitas delas incorporadas. A II Conferência, em 1997, avaliou a implementação do programa em seu primeiro ano de vigência, além de ter servido de parâmetro para priorização de alguns pontos do programa. A III Conferência, que ora se realiza, tem por objetivo primordial comemorar o cinqüentenário das Declarações Universal e Americana dos Direitos Humanos. Para isso, escolhemos junto às entidades parceiras desta promoção o tema "Os Cinqüenta Anos dos Direitos Humanos — Utopia e Realidade".

Nesses dois dias e meio do encontro que estamos iniciando, vamos, juntos, discutir e propor o aperfeiçoamento e a máxima concretização do Programa Nacional dos Direitos Humanos. Buscaremos definir estratégias conjuntas para a criação de programas estaduais de direitos humanos e, finalmente, faremos uma reflexão sobre a posição brasileira nos sistemas universal e americano dos direitos humanos.

Nossa contribuição poderá ser fundamental no sentido de estimularmos o Governo e a sociedade a somar esforços na implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos, que hoje completa dois anos desde sua edição pelo Exmo. Sr. Presidente da República.

Na realidade, são ainda muito tímidos os esforços no sentido da implementação do programa. É necessária a urgente aprovação de projetos que dão substância ao programa de direitos humanos e que se encontram em lenta tramitação no Congresso Nacional. Alguns desses projetos prioritários são de autoria do Poder Executivo, como o que cria o Serviço de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, o que federaliza os crimes contra os direitos humanos, o que institui penas alternativas, o que cria o Conselho Nacional de Direitos Humanos.

Não há dúvidas de que há boas propostas em pauta. Talvez falte mais empenho do Governo junto à base política para acelerar essas votações no Congresso. Em nossa opinião, esses projetos deveriam ser efetivamente priorizados e acelerada a sua votação. De nossa parte, na Comissão de Direitos Humanos desta Casa, temos nos esforçado para sensibilizar as lideranças políticas nesse sentido.

Por outro lado, sabemos que a apreciação dessas matérias, pela própria natureza do processo parlamentar, demanda muito tempo. Mas uma sinalização clara de sua prioridade por parte do Presidente da República, aliada à manifestação das instituições públicas e organizações não-governamentais aqui presentes, acredito que contribuiria, e muito, para acelerarmos essas votações. Uma manifestação de boa vontade do Governo e de todos nós neste ano em que comemoramos o cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana de Direitos Humanos seria atribuir essa prioridade às matérias em tramitação no Congresso Nacional.

Desejo anunciar, com muita satisfação, a presença das crianças representantes da Marcha Global pela Erradicação do Trabalho Infantil, para as quais solicito aplausos. (Palmas prolongadas durante entrada de cerca de 100 crianças no plenário.)

Mais uma vez, queremos agradecer, em nome da Comissão de Direitos Humanos, a presença dessas crianças.

Antes de passar a palavra aos próximos convidados, chamo a Daiane Gomes da Silva, integrante do grupo de crianças, da Arquidiocese de Porto Alegre, para fazer uso da palavra, naturalmente apresentando aos senhores convidados informações significativas a esta conferência.

Com a palavra a representante da Marcha Global pela Erradicação do Trabalho Infantil, Daiane Gomes da Silva, da Arquidiocese de Porto Alegre.

A SRTA. DAIANE GOMES DA SILVA - Vou ler um documento elaborado a partir das discussões das crianças nos vários Estados do Brasil, por ocasião da Marcha Global contra o Trabalho Infantil.

Somos crianças do Brasil. Estivemos nos reunindo nos vários Estados. Estudamos e detalhamos a situação das crianças em nosso País.

Nesses seminários da Marcha Global contra o Trabalho Infantil concluímos que era muito importante fazer um documento para entregar ao Presidente da República e às pessoas que têm responsabilidade sobre nossas vidas.

A gente sonha muito. Sonhamos com um dia em que todos nós possamos viver nossa infância e adolescência com dignidade. Estamos exigindo o direito de cidadania que nos vem sendo negado. Tem gente grande que acha que não podemos ficar exigindo nada; que se a nossa situação não está boa, a gente tem que se virar, e pronto. Mas sabemos que o art. 227 da nossa Constituição Federal diz que a gente é prioridade absoluta. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem uma porção de coisas boas que não são levadas a sério pela nossas autoridades. Vemos que a sociedade exige tanto das crianças, mas ainda faz muito pouco por nós. Estamos vendo que a Marcha Global é muito importante. O trabalho para nós não é nenhum motivo de alegria; causa-nos muita dor e sofrimento. A gente ainda tem nosso corpo em formação. O trabalho traz para as crianças sérios problemas físicos. Nossa vida acaba ficando torta.

O que queríamos mesmo era poder estudar, brincar, conviver, com saúde, na família e na comunidade.

Muitas vezes, enquanto trabalhamos, estamos tirando o emprego de nossos pais. É claro que não estamos nos negando a ajudar a mãe, lá em casa, ou a ajudar o pai, às vezes, lá na roça, mas isso não pode ser a coisa mais importante da vida da gente. Não aceitamos o trabalho que nos explora. A responsabilidade de garantir a vida da família é dos nossos pais, dos adultos, não é nossa. Mas nossos pais estão desempregados, nossas mães estão desempregadas. Quando eles têm empregos, os salários são muito baixos. A situação em nossas casas está muito complicada. A gente queria ver como vocês iriam se virar com uma vida assim.

Acreditamos que o Presidente da República tem que dar mais atenção às pessoas que vivem no campo: terra para os que querem trabalhar nela. Só assim as pessoas deixarão de vir para cidades e vai haver mais alimentos para todos.

Queremos estar nas escolas. Por causa da situação econômica, tendo que trabalhar desde cedo, muitas crianças nunca estarão nelas. Outras entrarão e terão que trabalhar também. Fica muito difícil aprender assim e permanecer na escola. Achamos que o trabalho de criança é o dever da escola. Isso não é brincadeira! Queremos que as escolas sejam lugares bons para nós. Que nossos professores tenham bons salários e estejam motivados para nos ensinar com paixão.

Também é verdade que muitas crianças e adolescentes estão sendo obrigados a se prostituírem para auxiliar na manutenção da família. Nossos corpos não são dados para serem explorados, eles são um território sagrado. Tem gente que diz que é melhor trabalhar que roubar. Achamos que é melhor estudar que roubar e também que é melhor estudar que trabalhar. (Palmas.)

Estamos apresentando soluções para o problema do trabalho infantil e acreditamos que os adultos podem resolvê-lo — por favor, não nos decepcionem: fiscalização sobre o trabalho infantil e punições severas aos exploradores; ampliação da bolsa-escola ou dos programas de renda mínima no Brasil; garantia a todas as crianças de acesso, reingresso, permanência e sucesso em escola de qualidade; ampliação da oferta de emprego aos nossos pais e salários que sejam suficientes para garantir as necessidades das famílias; ratificação e respeito à Convenção 138, da Organização Internacional do Trabalho, que determina a idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho; aprovação do Projeto de Emenda à Constituição nº 413/96, que proíbe o trabalho de crianças e adolescentes menores de 14 anos, inclusive na condição de aprendiz; cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente com a implantação dos conselhos tutelares dos direitos em todos os Municípios do País.

Brasília, 13 de maio de 1998. (Palmas.)

Agora, convido meus colegas a entregarem o documento às autoridades que compõem a Mesa. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Agradecemos às crianças integrantes da Marcha Global pela Erradicação do Trabalho Infantil, que tanto abrilhantaram o início desta Conferência. Essas crianças estarão dentro de alguns instantes com o Presidente da Câmara, Deputado Michel Temer, entregando a S.Exa cópia desse documento e solicitando providências com relação a alguns projetos em tramitação na Casa.

Dando seqüência à presente Conferência, esta Presidência tem o prazer de passar a palavra ao Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.

O SR. GERALDO BRINDEIRO - Exmo. Sr. Presidente, Deputado Eraldo Trindade, autoridades presentes, senhoras e senhores, para mim é um grande privilégio estar participando desta III Conferência Nacional de Direitos Humanos, por ocasião da celebração do cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e para celebrar, também, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Cidadão.

Desejo, em primeiro lugar, cumprimentar a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e todas as organização de direitos humanos e seus representantes aqui presentes pelo extraordinário trabalho que vêm realizando em defesa dos direitos humanos neste País. Também cumprimento a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, aqui representada pelo Dr. José Gregori.

O Presidente da República Fernando Henrique Cardoso foi muito feliz quando disse que o novo nome da democracia é direitos humanos. É uma tarefa longa e difícil a efetivação dos direitos humanos não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, da ONU, que celebrará, no segundo semestre de 1998, cinqüenta anos, muitos documentos importantes sobre esses direitos foram elaborados não apenas nas Américas, mas em âmbito universal.

Tem-se hoje plena consciência de que em se tratando de direitos humanos não pode haver dicotomia entre direitos civis e políticos, direitos econômicos, sociais e culturais. De um lado, liberdades públicas e direitos civis têm de ser assegurados. Por outro, numa ditadura, eles são negados, com a promessa de se assegurar o bem-estar social — direitos econômicos, sociais e culturais. Isso é uma falácia. Na verdade, não existe essa dicotomia. A realização dos direitos humanos se deve a uma busca permanente aos anseios da pessoa humana e do respeito a sua dignidade e abrange não só a liberdade, os direitos civis e políticos, mas também o bem-estar: direitos econômicos, sociais e culturais.

Existiram e existem violações gravíssimas no campo dos direitos civis não só em nosso País, mas em todo o mundo, como durante o período do regime militar, quando houve tortura — violação das liberdades públicas. E também no campo social. Acabamos de ver aqui manifestação da Marcha Global contra o Trabalho Infantil, questão gravíssima de violação aos direitos humanos, prostituição infantil, discriminações de minorias, questões relacionadas aos indígenas, preconceitos.

Uma agenda de realização dos direitos humanos exige um regime democrático, onde se possa debater as matérias, procurar efetivamente enfrentar as questões relativas a eles e buscar soluções, numa luta constante e contínua. Daí a importância da consolidação do regime democrático no Brasil. E, como todos sabemos, durante toda a nossa história esses períodos foram escassos.

O Conselho de Defesa do Direito da Pessoa Humana, do qual sou membro, constituído pelo Ministro da Justiça, pelo Procurador-Geral da República, pelo Secretário Nacional de Direitos Humanos, que preside o Conselho, e por representantes da CNBB, da Ordem dos Advogados do Brasil, das universidades e de organizações de direitos humanos, tem discutido temas sobre direitos humanos e proposto aos Poderes Executivo e Legislativo alterações na legislação, a fim de procurar viabilizar o combate às violações dos direitos humanos.

Algumas matérias já foram trazidas ao Congresso Nacional e modificadas, como a jurisdição da Justiça Comum para crimes cometidos por policiais militares. Ainda está no Congresso Nacional a definição de crimes contra os direitos humanos para levá-la para a área da jurisdição federal, a reformulação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
Ocorre uma luta não apenas no campo dos fatos, para combater aqueles que violam os direitos humanos, que cometem crimes, mas também no campo legislativo, para aperfeiçoar a legislação e permitir que se possa combater no campo judicial, com maior efetividade, a violação dos direitos humanos.
Esta Conferência, mais uma vez, se revela, especialmente sendo realizada neste ano de 1998, em que se comemora o cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, extremamente importante para se manter a fé e a determinação na realização dos objetivos daqueles que acreditam ser essencial, numa democracia, a defesa dos direitos humanos.
Nesta Conferência serão discutidos temas importantes, com a presença de pessoas cujas biografias estão ligadas não só ao campo teórico e doutrinário, mas à ação efetiva de proteção aos direitos humano. São temas importantíssimos não só no âmbito nacional, mas também no internacional.
Para finalizar, quero dizer, tal como foi dito há pouco pela representante da Marcha Global contra o Trabalho Infantil e parodiando as palavras do Pastor Martin Luther King, dos Estados Unidos da América, que tenho um sonho - acho que todos temos -, que é ver este País com a democracia consolidada, estável, onde se respeita a Constituição, os direitos humanos e que assegure a todos os brasileiros liberdade e bem-estar. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Nossos agradecimentos ao Sr. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, por se fazer presente a esta Conferência e, com sua palestra, contribuir de maneira significativa para a adoção de medidas por parte da Comissão de Direitos Humanos.
Lembro aos senhores presentes que hoje, às 14h, teremos o primeiro painel, cujo tema é "Aplicação das Normas de Proteção aos Direitos Humanos nos Planos Internacional e Nacional". Amanhã, às 9h, haverá o painel "Concretização do Programa Nacional de Direitos Humanos e Criação de Programas Estaduais". Em seguida, esta Presidência mencionará os nomes dos convidados que estarão participando como debatedores e expositores dos painéis em questão.
Concedo a palavra ao Exmo. Sr. Secretário Nacional de Direitos Humanos, que também representa, nesta oportunidade, o Sr. Ministro da Justiça, que por motivos outros não pôde comparecer.
Com a palavra o Dr. José Gregori. (Palmas.)
O SR. JOSÉ GREGORI - Na pessoa da Dra. Iáris Cortês, saúdo os companheiros de Mesa.
Minhas amigas e meus amigos, hoje estou aqui para cumprir uma missão institucional, uma vez que recebi a delegação do Ministro da Justiça, Dr. Renan Calheiros, para representá-lo na abertura desta Conferência. Amanhã, pela manhã, vamos conversar mais especificamente sobre a temática desta Conferência.
Entretanto, não gostaria de fazer essa delegação passar apenas pela faixa protocolar da representação, mas dizer pelo menos duas coisas: a primeira, saudar os organizadores desta Conferência; a segunda, saudar a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que hoje continua uma saudável tradição de fazer essas conferência, e apresentar a ela meus respeitos
O Presidente atual, Deputado Eraldo Trindade, segue a linha dos Deputados Pedro Wilson, Hélio Bicudo e Nilmário Miranda. De maneira que é, para quem está na militância dos direitos humanos, um fato muito importante saber que a Casa do povo, a Câmara dos Deputados, não tem esmorecido no seu esforço no sentido de lutar pela promoção dos direitos humanos. E cabe-lhe uma dura tarefa, uma vez que a bandeira dos direitos humanos ainda não foi devidamente encampada pela classe política no Brasil.
Sei do esforço pioneiro que os integrantes desta Comissão têm feito no sentido de levar a mensagem dos direitos humanos a um setor ainda arredio a essa palavra, o setor político do Brasil. Mas, felizmente, a fibra e a constância dos integrantes desta Comissão são muito grandes. Por isso, mais uma vez, venho aqui e constato que esse esforço continua. Portanto, a minha primeira palavra é de congratulações com os organizadores deste congresso.
A segunda palavra é que já houve tempo em que praticamente eu era capaz de dar o nome e até o CGC de cada um daqueles que compunham o mundo dos direitos humanos. No entanto, verifico por esta platéia que esse quadro vem se ampliando de ano para ano, vem- se fazendo cada vez mais representativo de todos os setores que realmente integram-se na luta pelos direitos humanos para consolidar a democracia brasileira. É realmente uma alegria verificar de ano para ano o quanto este auditório vai se ampliando, que ele vai ganhando a legitimidade de representar, cada vez mais, setores da sociedade brasileira.
Houve um tempo em que meia dúzia de abnegados levava a bandeira dos direitos humanos e quase sempre contra os governos, contra o Estado. Hoje já se pode falar, se não numa identidade, pelo menos em boas parcerias dos governantes com os militantes dos direitos humanos.
A Igreja sempre esteve presente, sem dúvida alguma, mas hoje já podemos falar em igrejas, porque a pluralidade dessa representação também começa a se fazer no campo dos direitos humanos.
Visualmente, já faço um balanço que é altamente superavitário do ponto de vista de quanto vai se ampliando o espectro da representação do movimento dos direitos humanos. Acho que para isso tem valido muito o esforço, a abnegação, não só dos pioneiros, mas de todos os que vão se integrando à luta pelos direitos humanos. Mas acho também que seria injusto não registrar objetivamente, sem nenhum tipo de ufanismo, o esforço que alguns Governos, especialmente o Governo Federal, têm feito nesses anos para se integrar a essa luta pelos direitos humanos. Foi feito um programa nacional de direitos humanos. Foi criada uma secretaria e está-se fazendo um esforço, que ainda não se concluiu, mas se pode dizer que já saiu do zero, no sentido de criar neste País uma política pública e uma consciência geral pelos direitos humanos, sobretudo, porque - não vou dizer isso para ninguém aqui - ninguém chegou aqui de improviso, ninguém chegou aqui porque caça borboletas, mas, sim, porque luta por algum setor que precisa dos direitos humanos e, mais do que isso, é preciso que esse setor se amplie na representação e na concretização de reivindicações. Portanto, V.Sas. sabem do que estou falando. Nós vivemos num País violento, num País onde a taxa relativa ao desrespeito aos direitos humanos é muito grande. Diante disso, nenhum setor, seja governamental, seja não-governamental, seja civil, seja religioso, pode se orgulhar do seu desempenho. Todos nós, sem nenhuma exceção, estamos em débito com este País, porque realmente essas taxas que dizem respeito aos direitos humanos são a prova de que se o nosso trabalho é grande, ainda é insuficiente para mudarmos essa situação. Não é fácil a luta pelos direitos humanos num País com a nossa realidade, com tão grande carga de violência. Mas acho que os direitos humanos são o fato novo nessa luta contra a violência. Agora temos esperança crescente de que vamos mudar essa situação. Os direitos humanos, a meu ver, são um instrumento dos mais válidos e eficazes na luta para diminuirmos a violência, e neste ano, sob a inspiração do cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, temos motivos ainda maiores para continuar lutando. Acredito que o nosso século XX vai ser resgatado de tantas guerras, de tantos holocaustos, de tantos genocídios, por dois fatos: um é a emancipação dos povos e dos países que viviam subjugados sob o colonialismo. O século XX é, sobretudo, o século da emancipação, da independência desses países e, em segundo lugar, o século XX será conhecido como o século que proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, a rigor, com o colapso das ideologias, com o colapso das certezas totalitárias, é a âncora única que sobrevive para estear a transição do século XX para o século XXI.
Portanto, esse documento é muito importante, mas ele precisa ser vivenciado em concreto pelo cotidiano de todos os povos deste mundo.
Sob a inspiração desse cinqüentenário é que se abre esta conferência, que, sem dúvida alguma, deverá ser uma conferência crítica, de troca de opiniões independentes, vigorosas. O Governo, com humildade, como fez nas outras conferências, vai receber as críticas e sugestões.
Portanto, parabéns, Deputado Eraldo Trindade, pela realização desta Conferência, parabéns a todas as minhas amigas e meus amigos. Tenho a certeza de que essa luta é comum e, apesar de todas as dificuldades, chegaremos um dia a ter respeitados os direitos humanos neste País.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade.) - Muito obrigado, Dr. José Gregori, pelas referências feitas à Comissão de Direitos Humanos. Gostaríamos de, em nome desta Comissão, dar o testemunho de que a Comissão de Direitos Humanos tem recebido todo o apoio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça,. Na última reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana firmou-se um pacto no sentido de o Congresso Nacional trabalhar pela aprovação dos projetos que tramitam nesta Casa, não só esta Comissão, e também de a própria Secretaria Nacional de Direitos Humanos implementar suas ações, como já vem fazendo, no sentido de defender os direitos humanos no País inteiro.
Gostaria de informar aos presentes que ainda não tiveram acesso à programação que hoje, a partir das 14h, teremos o primeiro painel: "Aplicação das Normas de Proteção aos Direitos Humanos nos Planos Nacional e Internacional", sendo expositores o Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade, Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; o Ministro Marco Antônio Dias Brandão, Diretor-Geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores; o Deputado Hélio Bicudo, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Concedo a palavra ao Exmo. Sr. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Reginaldo Oscar de Castro. (Palmas.)
O SR. REGINALDO OSCAR DE CASTRO - Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Deputado Eraldo Trindade, Exmos. Srs. integrantes da Mesa, Exmos. Srs. Parlamentares, Dr. Romany Roland Cansanção Mota, Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, na pessoa de quem saúdo os demais membros de comissões de direitos humanos da Ordem dos Advogados e de movimentos de direitos humanos aqui presentes, Srs. magistrados, membros do Ministério Público, Sras. e Srs. advogados, senhoras e senhores, ao agradecer ao atencioso convite de V.Exa., Sr. Presidente, para participar desta sessão de abertura da III Conferência Nacional de Direitos Humanos, agrada-me sublinhar o quanto me pareceu oportuna a escolha do tema central deste conclave: "Os Cinqüenta Anos de Direitos Humanos - Utopia e Realidade".
Se bem entendi, os propositores deste desafiante temário visam a algo mais do que focalizar tão-somente o cinqüentenário da aprovação pela Assembléia Geral das Nações Unidas da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A meu sentir, colocados os cinqüenta anos da Declaração Universal ao lado de termos aparentemente antagônicos, tais como utopia e realidade, somos conduzidos a perquirir em profundidade se os postulados ínsitos da Declaração traduzem utópicas formulações ou se representam realidades viáveis que, se ainda não concretizadas, estejam pelo menos a caminho de o serem.
O desafio tanto é fascinante que está a me inspirar três brevíssimas considerações que a seguir passo a tecer: entre as várias acepções do termo utopia duas há que melhor nos podem ajudar no deslinde desse questionamento. À utopia costuma-se atribuir uma conotação negativa pela qual se lhe confere o significado de veleidade ou de projeto quimérico, irrealizável no tempo e no espaço. Nessa acepção, nem o mais bisonho principiante em ciência jurídica ousaria associar utopia a direitos humanos. É que ele não ignoraria que a Declaração reconhece e proclama um conjunto de prerrogativas individuais e coletivas envolvendo direitos civis, políticos, econômicos e sociais invioláveis. Tampouco ele poderia ignorar que aprovados pelos participantes da Assembléia das Nações Unidas, subscritos pelos representantes de seus Estados-membros, inclusive do Brasil, os preceitos enunciados na proclamação asseguram direitos aos indivíduos e às coletividades e impõem obrigações jurídicas de inquestionável concretude aos Estados-membros.
Entretanto, ao termo utopia confere-se também outra conotação, a de um projeto transformador de alto alcance, a de um grande ideal, colocado em horizonte distante, é verdade, mas dotado de instrumentos consistentes que, utilizados com tenacidade, fazem-no caminhar dia após dia para a sua realização no tempo e no espaço. Nessa acepção, sim, os direitos humanos podem ser considerados a um só tempo uma utopia tenaz e voluntariosamente perseguida e uma realidade em construção, pela qual se desenvolve um trabalho permanente e sem trégua.
Sob esse enfoque, o Decálogo muito se assemelha aos direitos humanos. Proclamado há vários milênios, nunca teve a totalidade dos seus preceitos unanimemente acatados em todos os tempos por todos os povos do universo. Não obstante, desde que instituído pelo Supremo Legislador, milhões de seres humanos, em todos os quadrantes da Terra, buscam pautar suas vidas pelos ordenamentos nele estabelecidos. Tão vigorosa tem sido sua presença na história humana que dele pode se afirmar que constitui um dos sólidos pilares sobre os quais se assenta a civilização ocidental.
Se me perguntarem de que é constituída a realidade dos direitos humanos, eu não hesitaria em responder: de luzes e de sombras, mais de luzes do que de sombras, visto como a grande parcela silenciosa da humanidade prefere o império dos direitos humanos. Uma parcela menor, se bem que é mais poderosa e mais astuta, esta sim, é que se obstina em impor aos demais a prevalência do crime, da opressão, da injustiça e da violência.
Toda vez que homens de boa vontade se conjugam num evento como este, toda vez que se levanta uma denúncia contra violações isoladas ou coletivas desses direitos, instrumentaliza-se a cidadania para a luta por sua reversão. Daí que a segunda consideração que pretendo tecer nessa solenidade resume-se numa denúncia, não minha, mas da própria ONU. Um quarto dos 5,6 bilhões de habitantes do planeta vive em miséria absoluta, enquanto um quinto dessa população goza de 85% das suas riquezas. Os gastos militares anuais dos países ricos são iguais à renda de 2 bilhões de pessoas pobres. A assistência internacional aos países em desenvolvimento chega anualmente a 110 bilhões de dólares, mas o reembolso anual da dívida dos países em desenvolvimento carreia 170 bilhões de dólares de volta para os países ricos. Creio que essas revelações já são suficientes para nos convencer de que a rigor não é ainda hora de explodirmos em cânticos de aleluia. O reinado dos direitos humanos ainda não se impôs plenamente, nem em nosso País, nem no resto do mundo.
E por aqui infiltro-me na terceira e última de minhas prometidas considerações. Há muito pouco que comemorar nesse cinqüentenário. Há, porém, muito que fazer para reversão desse quadro de iniqüidades ainda demasiado dramático. Também não vejo muitos com quem nos congratularmos. Não os vejo nem entre os nossos governantes e homens públicos, e se mergulharmos não encontramos, mesmo voltando atrás, muitos com quem nos abraçarmos nesse momento. E não vendo tudo isso, e sabendo também que pouco e pouco se faz para minorar esse estado de angústia, bastaria para tanto, no entanto, que o Governo fizesse o que aqui listamos que faça com a maior urgência: a implementação do Programa Nacional dos Direitos Humanos. Não os vejo, por outro lado, entre os líderes das grandes potências; pelo contrário, são eles os que ditam as regras desse jogo sujo, no qual a cada passo os direitos humanos são escamoteados. Deles é, por exemplo, a proclamação da nova ordem universal a determinar que o mundo e seus bens pertençam aos mais fortes, aos mais produtivos, aos mais competentes, aos mais afoitos, aos que mais sabem e podem competir no mercado da prosperidade global. Em outras palavras, o mundo é e continuará sendo sempre deles. O resto dificilmente deixará de ser a grande parcela da humanidade excluída e descartável. Finalmente, não os encontro nem mesmo na Organização das Nações Unidas ou em seus conhecidos braços executivos. Ao contrário, entre estes vemos o FMI e o Banco Mundial apertando o laço no pescoço dos pobres endividados para folgar o cinto de seus abastados credores. Vemos o Conselho de Segurança apoiando em tudo as grandes potências, até mesmo em guerras absurdas por elas promovidas ou em bloqueios econômicos desumanos, dos quais as maiores vítimas são sempre as populações civis. E entre estas as crianças, as mulheres e os idosos.
Endereço, por isso, as homenagens da Ordem dos Advogados do Brasil a todos os cidadãos e cidadãs do Brasil e do mundo, os quais, isoladamente ou agrupados em grandes associações, assumiram as dores do mundo com heróica e resoluta vontade de liberá-lo de toda espécie de sofrimento e opressão.
Os expoentes dessa ação libertadora foram, nesses cinqüenta anos, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá. Neles e com eles sejam homenageados todos que lutaram e continuam lutando para que a utopia dos direitos humanos seja, cada dia mais, uma realidade em permanente construção.
Muito obrigado. (Palmas).
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Nossos agradecimentos ao Dr. Reginaldo Oscar de Castro pela participação nesta Conferência.
Dando continuidade a esta Conferência, concedo a palavra agora ao representante da Organização das Nações Unidas, Dr. Cristian Koch-Castro. (Palmas).
O SR. CRISTIAN KOCH-CASTRO - Muito obrigado Sr. Presidente, Sr. Procurador-Geral da República, Sra. representante do Centro Feminino de Estudos, Sr. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, do Conselho Federal, Srs. Deputados Federais aqui presentes, Sr. Secretário da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, Srs. Embaixadores e representantes do Corpo Diplomático, Sras. e Srs., eu gostaria, em primeiro lugar, de agradecer ao Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Sr. Eraldo Trindade, e ao coordenador desta Conferência, Deputado Pedro Wilson, pela oportuna convocação desta Conferência e por seu convite para participar da III Conferência Nacional de Direitos Humanos, que visa comemorar o cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e também da Declaração Americana, e ao mesmo tempo discutir os avanços de alguma maneira logrados com o programa nacional.
O coordenador residente do sistema das Nações Unidas no Brasil, Dr. Walter Franco, solicitou-me que nessas palavras de abertura deste importante evento transmitisse aos senhores participantes seu compromisso para continuar coordenando os esforços setoriais de cooperação de cada uma das agências do sistema das Nações Unidas presentes no Brasil em prol do desenvolvimento humano sustentável inspirado logicamente nos princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas.
A promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais são uma preocupação legítima da comunidade internacional para a manutenção da paz e segurança mundial. Por isso, nós pensamos que comemorar a data e refletir sobre os cinqüenta anos em que a Assembléia-Geral das Nações Unidas adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos nos parece importante. É preciso lembrar que foi a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que as Nações Unidas elaboraram, pela primeira vez na história, uma legislação internacional sobre direitos humanos, baseados naqueles direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais, e que possibilitam o desenvolvimento pleno dos seres humanos, tanto como indivíduos quanto como membros das comunidades das Nações.
As Nações Unidas não somente definiram, através da carta internacional dos direitos humanos, uma ampla variedade de direitos internacionalmente aceitos, como também têm contribuído com quase todos os países do mundo para educar e informar sobre os direitos inalienáveis, além de cooperar como estabelecimento dos sistemas judiciários e penais para a proteção desses direitos. A Comissão de Direitos Humanos da ONU é o principal órgão que se ocupa dessa matéria. Essa Comissão está integrada por representantes de 53 estados-membros, cujo mandato dura três anos. Esse é o fórum universal onde os Estados e os órgãos intergovernamentais e as organizações de direitos humanos podem expressar suas preocupações, denunciar violações e examinar o desempenho dos países em matéria de direitos humanos.
É preciso lembrar também que em 1989 a Assembléia-Geral da ONU convocou uma reunião mundial que pudesse examinar e avaliar os avanços alcançados no âmbito dos direitos humanos, a partir da aprovação da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, visando assinalar os obstáculos de maneira que isso pudesse ser superado.
Posteriormente, em 1993, é celebrada a Conferência Mundial dos Direitos Humanos, em Viena, reunião que juntou aproximadamente 7 mil participantes. Estiveram presentes representantes de 171 países, que aprovaram, por consenso, uma declaração e um plano de ação, criando, portanto, a comunidade internacional, um novo marco referencial para o planejamento, o diálogo e a cooperação. Esse plano de ação possibilita uma visão integral da promoção dos direitos humanos, envolvendo protagonistas tanto a nível internacional, como nacional, de dentro das nações em nível local. Lembramos que a Conferência de Viena destacou também a universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais, confirmando que a promoção e a proteção dos direitos humanos são a primeira responsabilidade dos governos.
A Declaração de Viena estabeleceu também que o progresso verdadeiro requer políticas eficazes de desenvolvimento interno, assim como relações econômicas eqüitativas de um entorno econômico favorável no plano internacional.
Destacou-se também na Declaração os direitos específicos de grupos particularmente vulneráveis, entre eles, mulheres, populações indígenas, refugiados, crianças e adolescentes, trabalhadores migrantes e um número de medidas concretas para esses grupos se estabeleceram para lograr melhor proteção.
O Governo brasileiro foi um dos primeiros que perseguiu o Plano de Ação de Viena. No dia 13 de maio de 1996, o Presidente da República lançou o Programa Nacional de Direitos Humanos, documento que ao mesmo tempo em que apresenta projetos concretos também identifica os principais obstáculos para a promoção e proteção dos direitos humanos do Brasil.
O Programa Nacional assinala, além das prioridades e das propostas de caráter administrativo, legislativo e político que visam equacionar os problemas mais graves que hoje impossibilitam ou dificultam o respeito por esses direitos no Brasil.
Consideramos que esta III Conferência Nacional dos Direitos Humanos é uma ótima oportunidade para avaliar o grau dos direitos humanos no Brasil e estabelecer estratégias para ações futuras nessa área.
Gostaria, finalmente, de reiterar o compromisso firme do Coordenador residente do Sistema das Nações Unidas no Brasil, Sr. Walter Franco, para continuar cooperando com as relevantes instâncias no País, para alcançar um desenvolvimento humano sustentável, que contribua para a consolidação progressiva da democracia, da justiça, da paz social e do respeito aos direitos humanos no Brasil.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Nossos agradecimentos ao Dr. Cristian Koch-Castro, representante da Organização das Nações Unidas.
Antes de conceder a palavra à nossa próxima convidada, gostaria de passar a Presidência dos trabalhos ao Sr. Deputado Osmar Leitão, Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos, que também está contribuindo na coordenação e realização desta Conferência.
Com muita honra, concedo a palavra à Sra. Iáris Ramalho Cortês, ilustríssima representante do Centro Femininista de Estudos e Assessoria, uma das entidades parceiras da Comissão de Direitos Humanos na promoção desta Conferência. (Palmas.)
A SRA. IÁRIS RAMALHO CORTÊS - Srs. componentes da Mesa, minhas senhoras e meus senhores, em nome do Centro Feminista de Estudos e Assessoria - CFEMEA -, agradeço a oportunidade de participar desta Mesa de abertura da III Conferência Nacional de Direitos Humanos, promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Ao tempo em que consideramos uma honra esta participação, sentimos uma enorme responsabilidade diante da grandeza do objetivo desta Conferência, no ano em que se comemora o cinqüentenário das Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos.
Esta é uma oportunidade para que os Estados-membros das Nações Unidas venham renovar seu compromisso com o reconhecimento e a vigência dos direitos humanos constantes na declaração de 1948, reiterados em conferências posteriores, em especial na Conferência Mundial de Direitos Humanos ocorrida em 1993, em Viena, onde foi afirmado que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados.
A afirmação de Viena possibilita, de forma mais enérgica, a ampliação do conceito de direitos humanos sobre o enfoque de gênero, conferindo visibilidade às novas categorias de direitos emergentes nas últimas décadas, como consta da proposta apresentada pelo CLADEM - Comitê Latino-Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher -, para uma declaração de direitos humanos onde a perspectiva de gênero esteja presente.
A proposta do CLADEM enfatiza seis categorias de direitos: cidadania, desenvolvimento, paz e vida livre de violência, direitos sexuais e reprodutivos, direito a um meio ambiente saudável e, finalmente, que sejam respeitados os direitos das pessoas e povos em razão de sua identidade étnica-racial.
Outros organismos também estão trabalhando nessa linha. Assim é que o Centro para a Liderança Global da Mulher e o Fundo das Nações Unidas para a Mulher deflagraram, no início do ano, a Campanha Mundial pelos Direitos Humanos das Mulheres, que já está envolvendo grande número de organizações de mulheres do planeta. A campanha vem sendo realizada em âmbito local, regional e mundial, e culminará no grande evento que as Nações Unidas estão preparando para o dia 10 de dezembro, data da assinatura da Declaração Universal.
Esperamos que, no decorrer da campanha, o movimento organizado de mulheres e os Conselhos Nacional e Estaduais dos Direitos das Mulheres, com o apoio de grupos que desenvolvem ações em defesa dos direitos humanos, encontrem formas que aperfeiçoem o Programa Nacional de Direitos Humanos no Brasil.
O passo inicial pode estar nesta Conferência. Por isso, afirmamos que a responsabilidade pela concretude dessas ações não pode limitar-se exclusivamente aos movimentos de mulheres. Todos aqueles que aqui vieram para apresentar propostas visando ao aperfeiçoamento e à concretização do Programa Nacional de Direitos Humanos também são responsáveis para a inclusão da universalidade, indivisibilidade, interdependência e inter-relacionamento desses direitos, incluindo a questão de gênero, nas agendas nacional e locais, de forma que fique claro que sem os direitos das mulheres não existem direitos humanos.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - A Presidência agradece à Sra. Iáris Ramalho Cortês, ilustríssima representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, não só por sua presença, mas sobretudo por sua participação.
Com prazer e alegria, a Mesa passa a palavra ao autor do requerimento para que fosse realizada esta III Conferência Nacional dos Direitos Humanos, Sr. Deputado Pedro Wilson, que é ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. (Palmas.)
O SR. DEPUTADO PEDRO WILSON - Bom-dia a todos, saúdo a III Conferência Nacional dos Direitos Humanos e parabenizo todos pela presença, ao mesmo tempo em que agradeço a colaboração de todos os servidores desta Casa, especialmente dos funcionários da Comissão de Direitos Humanos, que tanto trabalharam para que este evento pudesse acontecer neste 13 de maio. Esta data nos faz lembrar a luta contra a escravidão, que infelizmente ainda permanece, porque a discriminação racial ainda está presente no Brasil.
Saudamos os colegas Deputados, os inúmeros companheiros que lutam pelos direitos humanos nos diferentes Estados do Brasil. Agradecemos aos representantes da Polícia Militar, do Ministério Público, de Governos Municipais e Estaduais, do Movimento Nacional dos Direitos Humanos e da Igreja a participação nesta reunião. Isso nos dá a dimensão da luta pelos direitos humanos no Brasil; mais do que utopia, isso tem de tornar-se realidade.
Temos o privilégio de falar por último porque as questões básicas já foram expostas. Vagabundos ou não, aposentados ou não (Palmas), anistiados ou não, desaparecidos ou não, com direito ou sem direito, sem eira e sem beira, sem voz e sem vez neste Brasil, na luta pelos direitos humanos, quero reafirmar meu compromisso e a convicção de que estamos na luta e não abriremos mão dos nossos direitos, por mais que pareçam, às vezes, privilégios.
Como pode ser privilégio alguém poder se aposentar com cinqüenta anos ou menos, sendo que, na roça, é comum se começar a trabalhar com oito, nove, dez anos, e se exige, inclusive, carteira assinada, num País em que nem as pessoas que estão na cidade têm acesso a uma carteira assinada. É um desafio muito grande para todos nós.
Escrevi isso num discurso para fazer a todos os senhores, mas quero ser bem sintético e falar da esperança do compromisso: no dia 16 de abril próximo passado, a Comissão de Direitos Humanos, a Frente Parlamentar da Criança e a Frente Parlamentar Contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes reafirmaram um compromisso com a Marcha. A Marcha Global pela Erradicação do Trabalho Infantil é um dos movimentos que se colocam, perante o Parlamento, o Governo e a sociedade civil, na luta concreta contra a violação dos direitos humanos no Brasil.
Ontem, participei de um debate na Cruz Vermelha Internacional, nossa parceira de muitas atividades, e pude ver como as crianças estão sendo violadas neste mundo. Quando vemos notícias dos massacres na Argélia, fotografias e filmes de crianças mutiladas em Angola e tanto horror praticado contra a mulher no Afeganistão, lembramos que, nesses cinqüenta anos, a luta dos direitos humanos permanece firme, porque há pessoas com consciência e organização e que lutam pelos direitos humanos a fim de que ela possa ultrapassar o século XX até os umbrais do século XXI. Espero poder dizer, como disse Norberto Bobbio, grande filósofo italiano, que a nossa luta, no próximo século, é a luta da justiça, é a luta dos direitos humanos, só que ela tem que ser também concretizada. Este Parlamento tem o dever de aprovar muitas leis importantes. Os Governos Federal, Estaduais e Municipais têm de alocar recursos orçamentários para os programas dos direitos humanos, porque o discurso é uma coisa, e a realidade é outra.
Reafirmo aqui, como membro da Comissão de Direitos Humanos e militante dos direitos humanos, a necessidade de, vagabundos ou não, lutarmos pelos direitos humanos no Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Com alegria, agradecemos ao deputado Pedro Wilson. A Mesa lembra aos participantes que, dentre outras programações, os debates serão realizados na parte da tarde e que, às 19 horas, haverá o encerramento das atividades deste primeiro dia de Conferência.
Esta primeira etapa vai se encaminhando para o seu final e a Mesa faz questão de registrar aqui menção toda especial ao Sr. Deputado Pedro Wilson, a satisfação por ter-se lembrado da realização desta III Conferência Nacional de Direitos Humanos.
Como ato final desta primeira parte, convido todos para assistirmos agora à exibição de um vídeo sobre a Escolas das Américas.
Convido a Dra. Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, para fazer uma rápida apresentação deste vídeo. (Pausa.)
A SRA. CECÍLIA COIMBRA - Um bom dia a todos. Vamos exibir um vídeo de dezoito minutos sobre a Escola das Américas, cujo título é "Escola de Assassinos". Esse vídeo foi feito por uma entidade dos Estados Unidos, os missionários de Maryknoll, cujo representante, Padre Roy Bourgeois, está preso hoje nos Estados Unidos por desobediência civil. Esse grupo está fazendo um apelo internacional, e o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, desde o ano passado, entrou na campanha para fechar essa escola.
A Escola das Américas, conhecida como "Escola de Assassinos", treinou vários militares nos anos 50, 60, 70 e treina ainda hoje. Fizemos um levantamento e descobrimos que, durante os anos 60 e 70, no período da ditadura militar, dezenove militares brasileiros que participaram diretamente de torturas a presos políticos no Brasil foram instruídos nessa Escola das Américas.
Acho esse vídeo que vamos ver muito importante no sentido de conhecermos um pouco mais a história dessa escola. Depois do vídeo, o companheiro David, de João Pessoa, que faz parte inclusive dessa entidade missionária Maryknoll, falará sobre a campanha que está sendo feita, principalmente no Congresso norte-americano, visando ao fechamento da Escola das Américas.
Aqui no Brasil, estamos solicitando inclusive ao Presidente Fernando Henrique Cardoso que não envie mais militares brasileiros para esse tipo de treinamento na Escola das Américas (Palmas.), porque isso ainda tem acontecido e agora a luta não é mais pelo que se faz na Escola das Américas, contra a subversão latino-americana, mas sim contra o narcotráfico latino-americano. Então, é importante que todos nós levemos inclusive para os Estados este vídeo, que estará à venda, para que essa campanha cresça no Brasil a fim de que possamos nos aliar aos companheiros norte-americanos. (Palmas.)

(Projeção do filme "Escola de Asssassinos")

SR. DAVID KANE - Bom-dia a todos. Sou David Kane, missionário de Maryknoll, o mesmo grupo religioso do Padre Roy Bourgeois e de outros que foram mortos em El Salvador, que tiveram participação na elaboração desse vídeo.
Estou nesta reunião para falar da campanha que está ocorrendo nos Estados Unidos. A cada ano ela está mais forte, o resultado das votações está melhorando, e com isso estamos conseguindo atingir o nosso objetivo. Porém, o problema está nos Deputados e Senadores, ao afirmarem que os americanos não querem essa escola, mas que ela não é apenas para os americanos, e, sim, para beneficiar o povo da América Latina.
Por isso, estamos fazendo uma campanha no Brasil e em vários países da América Latina para que não enviem soldados brasileiros para essa escola, pois se não houver alunos, a mesma não existirá. Atualmente o Brasil está enviando menos soldados e mais professores, e os países que mandam mais alunos são México, Peru, Colômbia, os que se encontram em pior situação com relação aos direitos humanos.
Hoje à noite haverá o lançamento dos livros. Estarei vendendo o vídeo e um kit de informações, pois há mais informações sobre a escola e também um material para fazer as transmissões em outros lugares. Temos de respaldar essa informação e também temos de mandar cartas para o Presidente pedindo para que não se mandem mais soldados.
Procurem-me durante a conferência ou lá em cima.
Obrigado. (Palmas.)

1º Painel: A Aplicação das Normas de Proteção aos Direitos Humanos nos Planos Internacional e Nacional

13/05/98

O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Declaro reabertos os trabalhos da nossa III Conferência Nacional de Direitos Humanos. Antes de chamar para fazerem parte da Mesa os nossos conferencistas e debatedores, solicito-lhes que procurem definir os grupos de trabalho dos quais vão participar, na tarde de amanhã, a partir das 14h. Na programação da conferência estão relacionados os cinco grupos de trabalho.
Comunico ao Plenário que, ao final dos trabalhos desta tarde, exatamente às 19h, faremos o lançamento de alguns livros da área de direitos humanos. Na ocasião também haverá um coquetel para todos os conferencistas e demais participantes, no saguão deste plenário.
A título de informação, gostaria de comunicar a realização da I Conferência Municipal de Direitos Humanos, nos dias 15, 16 e 17 de maio, do presente ano, no Salão de Atos de Porto Alegre. Na seqüência, daremos mais detalhes a respeito dessa conferência.
Iniciando nossos trabalhos desta tarde, informo que, a partir de agora, teremos o primeiro painel: Aplicação das normas de proteção aos direitos humanos nos planos internacional e nacional.
Chamo para fazerem parte da Mesa o Sr. Professor Antônio Augusto Cançado Trindade, Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Palmas); o Exmº. Sr. Ministro Marco Antônio Diniz Brandão, Diretor-Geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais, do Ministério das Relações Exteriores. (Palmas.) O outro conferencista é o Deputado Hélio Bicudo que, em função da multiplicidade de atividades na Casa, S.Exa. ainda não está presente em plenário, mas proximamente deverá fazer-se presente para participar deste painel.
Mais uma vez, em nome de todos os componentes da Comissão de Direitos Humanos e da Presidência da Câmara dos Deputados, gostaria de agradecer a todos os senhores presentes, autoridades, representantes de entidades que aqui estão participando diretamente desta Conferência.
O Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer, infelizmente, não pôde comparecer pela manhã em virtude de uma vasta programação que está sendo cumprida na Casa, inclusive com votação relacionada aos destaques da reforma da Previdência. Assim sendo, o Sr. Presidente, na tentativa de buscar um acordo com as lideranças partidárias, encontra-se assoberbado de trabalho, mas prometeu que se fará presente numa oportunidade bem próxima, ainda nesta Conferência, para poder falar em nome da Câmara dos Deputados.
Gostaria de chamar agora também para fazerem parte da Mesa os senhores debatedores Dr. Romany Rolland, Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Dr. Márcio Gontijo, Vice-Presidente da Anistia Internacional do Brasil; Dr. Cláudio Fonteles, representante do Fórum Nacional contra a Violência no Campo. (Palmas.)
Vamos, então, dar início ao primeiro painel: A Aplicação das Normas de Proteção aos Direitos Humanos nos Planos Internacional e Nacional, passando a palavra ao Sr. Ministro Marco Antônio Diniz Brandão, Diretor-Geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores.
Pelo programa, o primeiro a se pronunciar deveria ser o Professor Antônio Augusto Cançado Trindade, mas, num entendimento havido entre os dois, houve uma permuta de tempo. Assim sendo, o primeiro a se pronunciar será o Sr. Ministro Marco Antônio Diniz Brandão, a quem tenho a honra de passar a palavra neste instante.br> O SR. MINISTRO MARCO ANTÔNIO DINIZ BRANDÃO - Antes de mais nada, gostaria de agradecer a V.Exa. a oportunidade de representar o Itamaraty nesta III Conferência Nacional de Direitos Humanos. V.Exa. sabe que o Itamaraty já tem um histórico de cooperação com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados desde as gestões dos ilustres Deputados Nilmário Miranda, Hélio Bicudo e Pedro Wilson, e a nossa firme intenção é continuar essa cooperação na presente Presidência, a qual V.Exa. tão bem vem desempenhando.
A minha intervenção tratará de aspectos gerais do sistema da aplicação de normas de proteção aos direitos humanos nos planos internacional e nacional, sobretudo com a internacional, e me dedicarei a uma descrição dos mecanismos existentes antecedida de um breve histórico do contexto internacional em que foram negociados esses mecanismos e também de uma breve descrição do relacionamento brasileiro com esse sistema internacional de proteção dos direitos humanos.
Portanto, para efeito de objetividade e clareza, pretendo dividir a intervenção em quatro partes, que, apesar de distintas, deverão ser interpretadas como complementares. Iniciarei com um comentário geral sobre a contribuição das Conferências Mundiais dos Direitos Humanos, a de Teerã, de 1968, e a de Viena, de 1993, a evolução do sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Em seguida, passarei a descrever, em linhas muito gerais, os sistemas de proteção dos direitos humanos no âmbito da ONU e da OEA. Finalmente, concluirei com uma rápida exposição a respeito do diálogo do Governo brasileiro com os diferentes mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos.
A Conferência de Teerã, de 1968, ocorreu em momento particularmente fértil em regimes autoritários de todos os matizes, em todas as regiões do planeta. A paralisia e a politização do sistema internacional de proteção, instauradas com o advento da Guerra Fria, começavam a desmoronar diante do movimento de emancipação dos povos sob o domínio colonial.
O processo de colonização vai influenciar todo o debate multilateral sobre direitos humanos, criando condições para o exame de situações específicas, a começar pelos territórios árabes ocupados e pelo apartheid sul-africano. Não obstante, princípios então considerados sacrossantos de soberania estatal e da não-intervenção, princípios esses expressos de modo muito explícito na Carta das Nações Unidas.
Teerã consagrou o caráter obrigatório da Declaração Universal de 1948, e o princípio da indivisibilidade de todos os direitos humanos. A afirmação dessa indivisibilidade evidencia o fato de que tais direitos não são só civis e políticos, mas também econômicos, sociais e culturais.
A questão não é meramente teórica, como bem demonstra o cotidiano brasileiro. Os direitos civis e políticos não se realizam no vácuo, não são direitos que possam ser cultivados in vitro, mas, ao contrário, exigem condições econômicas e sociais adequadas, investimento em educação para a cidadania.
O impacto causado pelos problemas econômicos e sociais com a pobreza sobre os índices de marginalidade e violência é ilustrativo dessa inter-relação.
A Conferência Mundial de Viena, realizada em junho de 1993, consolida os avanços logrados no sistema internacional de proteção. Convocado em 1990, em clima de certo triunfalismo do ocidente, graças ao desmoronamento do Império Soviético e ao fim da Guerra Fria, a Conferência teve por pano de fundo a eclosão de conflitos étnicos entre essas regiões, mas sobretudo na Europa oriental. A derrocada do chamado socialismo real resultou, entre outros fatores, da incapacidade de regimes do leste em reconhecer a toda a população, inclusive às minorias étnicas, lingüísticas e religiosas, o caráter essencial dos direitos civis e políticos e das liberdades fundamentais intrínsecas à própria noção de modernidade.
A Declaração e o Plano de Ação de Viena reafirmam a universalidade dos direitos humanos, expressos na Declaração de 1948, comprometendo toda a comunidade internacional com o texto que fora adotado por votação. Oito Estados haviam impedido, por razões diversas, o consenso mundial em torno das idéias promovidas pela Declaração. Esse dado assume um significado especial, quando se recorda que o processo preparatório da Conferência foi cenário de confrontação não mais no sentido leste-oeste ou norte-sul, mas entre o ocidente e o oriente, estando em jogo a relativização do conceito de universalidade à luz dos chamados particularismos históricos e culturais.
Ao falar da Conferência de Viena, gostaria de prestar uma homenagem a um colega do Itamaraty, Embaixador Gilberto Sabóia, que foi Presidente do Comitê de Redação e cuja atuação foi peça instrumental, fundamental no sucesso da Conferência. O Embaixador, que é pessoa conhecida de muitos aqui, possibilitou, na verdade, a adoção do programa da Declaração de Viena e marcou a presença do Brasil de uma forma, creio, indelével na história do sistema de proteção dos direitos humanos no cenário internacional.
A Conferência de Viena é muito importante, porque registra o consenso internacional quanto à legitimidade da preocupação internacional com a situação dos direitos humanos em qualquer país, que deixa de ser assunto exclusivo de jurisdição interna dos Estados. Hoje, apenas um pequeníssimo grupo de países insiste em invocar os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas para obstruir a ação dos mecanismos de monitoramento aos direitos humanos. Viena também reconhece o direito ao desenvolvimento como um direito humano inalienável. Assinala a interdependência dos direitos humanos, democracia e desenvolvimento, com formulação equilibrada para impedir que a ausência de condições socioeconômicas adequadas possa ser utilizada como pretexto para as violações aos direitos humanos. E cria um enfoque sistêmico envolvendo todos os órgãos e agências do sistema das Nações Unidas em programas a serem implementados pelo alto comissário dos direitos humanos, cargo cuja criação constitui talvez a recomendação de maior impacto da Conferência.
Se as conferências são importantes como suporte moral das ações empreendidas pelo concerto das nações, os sistemas de proteção propriamente ditos dependem também de uma série de outros pilares, que, ao conferirem tangibilidade aos princípios gerais, permitem criar compromissos mais concretos para os Estados.
Nesse sentido, o grande marco do sistema da ONU é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, cujo cinqüentenário inspirou a presente edição da Conferência Nacional dos Direitos Humanos.
Embora enunciado inicialmente de forma recomendatória, como um padrão comum de realização para todos os povos e nações, a Declaração, por sua autoridade moral, tornou-se jus cogens no que for importante não apenas para as conferências mundiais de direitos humanos, mas também na formação da jurisprudência internacional nesse sentido.
A Declaração Universal forma, juntamente com os pactos internacionais de direitos civis e políticos e de direitos econômicos, sociais e culturais, de 1966, a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos.
A intenção por trás da co-elaboração dos pactos internacionais de direitos humanos era conferir maior especificidade dos direitos enunciados na Declaração, ademais de vincular juridicamente os Estados-partes. Desde 1948, tem sido intenso o trabalho de elaboração de declarações e convenções que vieram complementar o sistema, de modo a proteger determinados segmentos particularmente vulneráveis, como crianças, mulheres, trabalhadores migrantes, ou ainda responder a ameaças específicas aos direitos humanos e que não escolhem as vítimas pelo sexo ou pela faixa etária, tais como o racismo, a intolerância religiosa e o próprio subdesenvolvimento.
Esses tratados de direitos humanos negociados e adotados nas Nações Unidas estabelecem os chamados reaty bodies, que são comitês compostos por peritos independentes encarregados de verificar se os Estados-partes estão efetivamente implementando os compromissos assumidos com a retificação do respectivo tratado. Como vou explicar mais adiante, ao tratar do diálogo do Governo brasileiro com os mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos, a ratificação dos tratados sob esse tema implica a obrigação dos Estados-partes de apresentar relatórios periódicos aos comitês de peritos sobre as medidas legais, administrativas ou de outra natureza colocadas em prática, com vista a garantir na prática os direitos assegurados nos instrumentos jurídicos.
Além dos comitês de peritos, o sistema da ONU conta com mecanismos não-convencionais, criados pela Comissão de Direitos Humanos e pela Subcomissão de Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias.
Os mecanismos não-convencionais assumem a forma de relatores especiais, grupos de trabalho ou representantes especiais de Secretário-Geral, que tem um mandato que cobre todos os Estados-membros, não dependendo de ratificação de tratados para operar. No âmbito da OEA, os dois instrumentos que formam a base do sistema são a Declaração Americana Sobre Direitos e Deveres do Homem, de 1948, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, chamado Pacto de San José da Costa Rica, de 1978. A Convenção Americana possui ainda dois protocolos adicionais: o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, que foi adicionado ao protocolo de São Salvador, e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Relativo à Punição da Pena de Morte, de 1990. O Brasil já aderiu a ambos os protocolos e os ratificou.
O sistema interamericano compõe-se ainda da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, adotada em 1985, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada em 1994, e da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, também adotado em 1994.
Os órgãos de monitoramento do sistema são a Comissão e a Corte Interamericana dos Direitos Humanos. Temos aqui à mesa nobres representantes de ambos os órgãos: o Deputado Hélio Bicudo, que foi eleito ano passado como membro brasileiro da Comissão, com o nosso apoio entusiástico, e o Professor Cançado Trindade, que é Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a CIDH, como é mais conhecida, é um dos órgãos principais da OEA. Foi criada pela Resolução 6, da 5ª Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, que se reuniram em Santiago, em 1959, com a função de promover o respeito aos direitos humanos.
Em 1960, o Conselho da OEA aprovou o estatuto da CIDH, que a define como entidade autônoma e esclarece que os direitos humanos que ela deve promover são os consagrados na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, de 1948. A Comissão teve seu mandato ampliado em 1965 e passou a examinar comunicações, ou seja, queixas sobre violações de direitos, a dirigir-se aos Estados para solicitar informações e fazer recomendações. Conforme seu estatuto, a Comissão tem funções e atribuições com relação a todos os Estados-membros da OEA, tanto aos que não são parte do Pacto de San José quanto com relação aos que o são.
Considerável parte do trabalho da CIDH consiste na tramitação de petições, representada tanto por indivíduos quanto por organizações não-governamentais relativas a denúncias de violações de direitos consagrados na Convenção Americana de Direitos Humanos ou da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. A tramitação das petições obedece ao disposto no Pacto de San José, no regulamento da CIDH, conforme uma processualística quase judicial, baseada no princípio do contraditório, ou seja, há petição, há réplicas, há tréplicas e audiências. Se a Comissão considerar que o Estado violou algum direito ou liberdade garantida pela Convenção Americana e não se alcançar uma solução amistosa no caso, a CIDH pode publicar, da maneira que julgar apropriada, um relatório sobre o caso, declarando o Estado responsável por violar a Convenção.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, foi criada pela Convenção Americana como um órgão judicial de monitoramento do seu cumprimento. A Corte tem competência conjuntiva, reconhecida automaticamente por todos os Estados-partes, segundo opinião da maioria dos especialistas na matéria, e contenciosa: essa competência depende do reconhecimento facultativo por parte dos Estados.
O § 1º do art. 62 da Convenção prevê o reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte como cláusula facultativa, na verdade.
A Corte Interamericana, tal como a Européia, que lhe serviu de inspiração e modelo, não é um tribunal penal e não substitui as ações penais de competência dos Estados. A Corte determina se o Estado é ou não responsável por violação à Convenção Americana de Direitos Humanos e dita as medidas de reparação: indenização das vítimas, medidas legislativas, administrativas e outras. É evidente que eu não me estenderei sobre a questão da Corte, uma vez que tenho certeza de que o Professor Cançado Trindade falará bastante sobre o assunto.
Antes de entrar no relacionamento do Brasil com os mecanismos internacionais de monitoramento em geral, é necessário ressaltar os dois pilares fundamentais que sustentam toda a política federal para essa área. O primeiro é a Constituição de 1988, que forneceu uma base sólida sobre a qual assentar as ações governamentais no campo dos direitos humanos. A Constituição Federal, após proclamar que o Brasil se rege em suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, em seu art. 4º, inciso II, constituiu-se em um Estado democrático de direito, tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana, estabelece que os direitos e as garantias nela expressos não excluem outros decorrentes dos regimes e princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte. E acrescenta que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
O segundo pilar decorrente da dinâmica do processo de consolidação da democracia reside na ratificação para o Brasil dos principais instrumentos jurídicos internacionais de proteção dos direitos humanos, tanto na esfera da ONU quanto da OEA.
Os principais instrumentos jurídicos aos quais o Brasil se encontra vinculado são os seguintes: Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais; Convenção Internacional para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher; Convenção sobre os Direitos da Criança; Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Condições Cruéis, Desumanas ou Degradantes, e a Convenção Americana dos Direitos Humanos do Pacto de San José e seu protocolo referente à abolição da pena de morte.
Esse processo, iniciado nos anos oitenta e consolidado nos anos noventa, tem contribuído para que se torne muitas vezes difícil distinguir entre as dimensões interna e externa dos compromissos em matéria de direitos humanos. Com efeito, as posições defendidas pelo Brasil nos foros multilaterais e as obrigações que assumimos com adesão a tratados apenas refletem a realidade nacional, constituindo-se no espelho das obrigações e compromissos assumidos internamente. São, na realidade, expressão de uma comunidade nacional que quer ver consagrados, na prática, os direitos fundamentais da pessoa humana e que utilizam os métodos internacionais como importante complemento dos esforços que são primordialmente nacionais do Estado e da sociedade brasileira.
A atuação da diplomacia brasileira no campo dos direitos humanos pauta-se, portanto, pelos seguintes princípios: o reconhecimento de que, embora a responsabilidade primordial pela proteção dos direitos humanos incumba aos Estados, é legítima a preocupação internacional com a situação dos direitos humanos em qualquer parte do mundo.
O segundo princípio é que a soberania não é argumento para que o Estado recuse o diálogo com a comunidade internacional sobre sua situação interna de direitos humanos. Como muito bem definiu o Presidente Fernando Henrique Cardoso, hoje pela manhã, na cerimônia comemorativa do Dia dos Direitos Humanos, os direitos humanos transcendem toda e qualquer questão de soberania.
Um terceiro princípio é a transparência e a franqueza no diálogo com a comunidade internacional, com as ONGs e com os indivíduos interessados nas causas dos direitos humanos.
Um quarto princípio é que os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes.
Um quinto é que a garantia dos direitos humanos, a democracia e o desenvolvimento estão indissoluvelmente ligados e são interdependentes.
O sétimo princípio é que o direito ao desenvolvimento é um direito humano.
E o oitavo e último princípio é que a cooperação é essencial à defesa dos direitos humanos, e que a comunidade internacional deve prestar todo apoio ao fortalecimento do Estado de Direito nos países em desenvolvimento.
A adesão e a ratificação dos principais tratados na área de direitos humanos têm gerado obrigação de prestar contas quanto à efetiva implementação dos direitos consagrados nos textos legais. Os tratados negociados no âmbito da ONU, por exemplo, prevêem a apresentação periódica de relatórios por parte dos Estados-partes, de modo a dar a conhecer aos respectivos comitês encarregados de monitorar o cumprimento do tratado, as medidas administrativas, legais ou de outra natureza tomadas pelo Governo brasileiro.
Como parte de um esforço muito grande de atualizar a apresentação dos relatórios, o Brasil apresentou, em 1994 e 1995, o Relatório Inicial ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o 10º Relatório Periódico à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Esses documentos foram objeto de defesa oral perante o Comitê de Direitos Humanos e o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, cujas observações e recomendações estão sendo examinadas em profundidade, como adjutório da ação governamental nesse campo. Encontram-se em fase de elaboração os Relatórios do Comitê Dos Direitos da Criança, do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do Comitê contra a Tortura e do Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher.
O diálogo estabelecido com os órgãos convencionais de supervisão não substitui, contudo, o intercâmbio de informações com outros mecanismos da Comissão de Direitos Humanos da ONU, sobre casos específicos de violações ocorridas no Brasil. Um deles é o procedimento confidencial estabelecido pela Resolução nº 1.503, para o exame fechado; pela CIDH e pelos seus órgãos subsidiados, de casos específicos de países, apresentados por meios de petições individuais. Esse exame, em geral, quando se chega a um ponto em que se verifica um padrão sistemático de violações, é transferido para o plenário da Comissão de Direitos Humanos e, em geral, essa Comissão acaba designando um Relator Especial para monitorar a situação dos direitos humanos em países determinados. Mais ágeis e menos seletivos do que o relator da CIDH, os mecanismos temáticos da Comissão monitoram violações graves, como desaparecimentos forçados, as execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, a tortura, intolerância religiosa, o racismo e a xenofobia. Para tanto, dirigem comunicações urgentes aos governos, com base em denúncias de ONGs e de indivíduos e apresentam relatórios atuais à CIDH. O Brasil mantém um diálogo freqüente e construtivo com esses Relatores, cujo mandato vem sendo progressivamente fortalecido e ampliado por resolução da própria Comissão.
Quanto aos Relatores Temáticos, cabe mencionar a visita ao Brasil, em 1995, do Relator Especial Sobre Formas Contemporâneas de Racismos, cujo relatório constitui uma importante colaboração aos esforços do Governo Federal e do grupo de trabalho interministerial para a valorização da população negra.
Praticamente, todos os casos recentes de maior repercussão de violações dos direitos humanos no Brasil foram objetos de comunicações urgentes desses Relatores, às quais podem somar-se as medidas cautelares solicitadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Tais casos ficam pendentes até que ocorra a punição dos responsáveis e compensação às vítimas ou aos seus familiares. Alguns especialistas afirmam que, no plano objetivo, a ação dos Relatores da honra e defesa das vítimas de violações é mais eficaz do que a dos mecanismos convencionais para a tramitação de queixas individuais, inclusive do Protocolo Opcional ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Fundamentam eles essa tese nas limitações expressas do art. 5º do protocolo, ou seja, a não-duplicação com outras instâncias internacionais, a confidencialidade do procedimento e o requisito do prévio esgotamento dos recursos internos disponíveis, desde que os mesmos não excedam os prazos razoáveis.
No plano regional, o Brasil tem cooperado muitíssimo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão de controle da Convenção Americana encarregado de examinar denúncias excepcionais, de acompanhar processos judiciais internos e dialogar com os Estados-partes, para, se for o caso, buscar soluções amistosas que preservem o interesse das vítimas. Isso pode ocorrer quando se esgotam os recursos de jurisdição interna ou quando, ainda que não esgotados, ocorra uma demora injustificada no andamento dos processos. O Governo brasileiro mantém contatos regulares com a Comissão e presta informações sobre vários casos relativos ao Brasil que atualmente tramitam naquele órgão.
Em 1997, durante a Assembléia Geral da OEA, como já havia mencionado, foi eleito como membro da CIDH, pelo período de 1998 a 2001, o Deputado Federal Hélio Bicudo. Ainda em 1997, o Governo brasileiro deu mais um passo no sentido de aprofundar a cooperação com a CIDH, ao aceitar, pela primeira vez, um segundo ofício da Comissão para intermediar um acordo de solução amistosa no contexto do caso Parque de São Lucas, ocorrido em São Paulo, em que houve asfixia de presos. Os acordos de solução amistosa, em geral, envolvem pagamento de indenização a vítimas familiares, assim como outros compromissos relacionados a medidas administrativas, legais ou de outra natureza. Com a solução amistosa evita-se que a CIDH declare responsabilidade internacional do Estado por violação dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que garante uma reparação mais rápida dos danos causados.
A cooperação do Brasil com o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos também se faz evidente com a realização, em dezembro de 1995, a convite do Governo Federal, de visita dos membros da CIDH ao País, na ocasião, com os integrantes da Comissão, entrevistados com autoridades de todos os níveis, autoridades da administração pública, além de manter contato com representantes da sociedade civil. Essa visita ensejou a publicação, em outubro de 1997, de um relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, que identifica os principais obstáculos à fruição dos direitos consagrados na Convenção Americana, que conhece os esforços internos na matéria e formula recomendações que, na sua maioria, são coincidentes com as metas estabelecidas pelo Programa Nacional de Direitos Humanos.
No que diz respeito à Corte Interamericana dos Direitos Humanos, o reconhecimento da competência obrigatória contenciosa, conforme já mencionei, é uma cláusula facultativa da Convenção Americana dos Direitos Humanos - Pacto de San José. O Brasil aderiu a esse pacto em setembro de 1992, mas a mensagem, o texto que submeteu à aprovação do Congresso Nacional não optou pelo reconhecimento da competência contenciosa da Corte.
O Governo brasileiro tem assinalado que a questão precisa ser vista de uma perspectiva dinâmica. O reconhecimento da Corte pode ser feito a qualquer momento. O Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso no dia 13 de maio de 1996, estabelece como meta de médio prazo o fortalecimento da cooperação com o CIDH, com a Corte e com o Instituto Interamericano de Direitos Humanos.
Mas é preciso reconhecer que a própria Corte - e o Prof. Cançado Trindade me corrigirá - é uma instituição em evolução, tendo passado alguns anos sem julgar nenhum caso. A Corte foi criada em 1978, quando entrou em vigor a Convenção Americana, mas apenas em 1986 os primeiros casos relativos a desaparecimentos forçados em Honduras foram submetidos à sua apreciação.
Lenta, mas segura e solidamente, a Corte vem ampliando a sua atuação. Sua jurisdição obrigatória é reconhecida atualmente por vários Estados, e apenas sete Estados-partes da Convenção da OEA não reconhecem a competência da Corte. São Barbados, Brasil, Granada, Haiti, Jamaica, México e República Dominicana.
Um estudo sobre a conveniência de reconhecer a competência obrigatória da Corte deve levar em conta a necessidade de aperfeiçoamento dos meios legais e administrativos de que a União disponha na estrutura federativa para o cumprimento das obrigações internacionais. As sentenças da Corte, diferentemente das conclusões da CIDH, são de execução obrigatória. Independentemente da competência estadual para investigar e processar a maioria absoluta das violações dos direitos humanos, caberá sempre à União, enquanto pessoa jurídica de Direito Internacional Público, a responsabilidade internacional.
O Brasil tem assumido, durante toda a década de 90, compromissos crescentes no cenário internacional, tendo em vista a nossa identificação com os princípios da universalidade dos direitos humanos, da legitimidade e da preocupação internacional com a situação dos direitos humanos de qualquer país.
Nesse contexto, um estudo sobre a conveniência do reconhecimento da competência contenciosa da Corte deverá permanecer na ordem do dia, e certamente os aportes trazidos aqui pelo Prof. Cançado Trindade, sobretudo no que tange à responsabilidade exclusiva da União no cenário internacional, serão de grande valia para o estudo dessa questão.
Para finalizar, eu gostaria de recordar que a aplicação das normas de proteção dos direitos humanos internacional e nacional, tema deste painel, não depende apenas de um raciocínio simples capaz de subsumir um ato e um fato particular como uma lei geral. Infelizmente, a aplicação das normas dos direitos humanos possui dimensão que transcende as fronteiras da lógica jurídica, dependendo também, talvez principalmente, das condições propícias no campo societário.
De nada adiantaria consagrar uma ampla carta de direito, nas legislações nacionais e em tratados internacionais; e, além disso, solicitar aos tribunais que apliquem as normas vigentes, se a organização cultural, se a organização social ou a cultura prevalecente impedisse a eficácia correta dos direitos abstratamente assegurados.
Creio que no Brasil de hoje Governo e sociedade têm consciência de que é preciso transformar estruturas longamente sedimentadas. Requer-se a parceria constante de todos os atores sociais na realização de projetos capazes de conferir tangibilidade aos direitos enunciados nos instrumentos jurídicos.
O principal exemplo nesse sentido é a ampla mobilização que possibilitou a formulação que tem animado a execução do Programa Nacional dos Direitos Humanos, assim como a mobilização do Congresso, que se verifica através de iniciativas como essa que, mais uma vez, eu aplaudo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Queremos agradecer ao Sr. Ministro Marco Antônio Diniz Brandão pela sua participação nesta Conferência.
Informo que, anteriormente chamados, já fazem parte da Mesa o Deputado Helio Bicudo, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados; o debatedor Romany Rolland, Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Quero também informar aos senhores presentes e ratificar o anúncio que foi feito no início da segunda etapa da Conferência, exatamente com a abertura deste painel, que, por volta das 19h, teremos, além de coquetel, o lançamento de diversos livros que tratam do tema que estamos abordando hoje, exatamente o de direitos humanos.
Dando seqüência ao painel A Aplicação das Normas de Proteção dos Direitos Humanos nos Planos Internacional e Nacional, concedo a palavra ao Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade, Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. (Palmas.)
O SR. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE - Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Deputado Eraldo Trindade; Sr. representante do Ministro de Estado das Relações Exteriores e Diretor-Geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores, Ministro Marco Antônio Diniz Brandão; Sr. membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Deputado Hélio Bicudo; Sr. Vice-Presidente da Seção Brasileira da Anistia Internacional no Brasil, Dr. Márcio Gontijo; Sr. Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Nacional, Dr. Romany Rolland; Srs. Magistrados, Srs. Parlamentares, senhores professores, Srs. membros do Ministério Público, representantes de Organizações Não-Governamentais e outras entidades da sociedade civil brasileira, senhores universitários, senhoras e senhores, permitam-me inicialmente expressar os meus agradecimentos à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados pela distinção do convite para participar deste evento e minha satisfação pela realização do mesmo.

TEXTO DA PALESTRA DO
PROFESSOR ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE

MEMORIAL EM PROL DE UMA NOVA MENTALIDADE QUANTO À PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NOS PLANOS INTERNACIONAL E NACIONAL

Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Professor Titular da Universidade de Brasília e do Instituto Rio-Branco; Membro dos Conselhos Diretores do Instituto Internacional de Direitos Humanos (Estrasburgo) e do Instituto Interamericano de Direitos Humanos (Costa Rica); Associado do Institut de Droit International

SUMÁRIO:

I. Introdução.

II. O Locus Standi dos Indivíduos nos Procedimentos perante os Tribunais Internacionais de Direitos Humanos.
1. Desenvolvimentos no Sistema Europeu de Proteção.
2. Desenvolvimentos no Sistema Interamericano de Proteção.
3. O Direito Individual de Acesso Direto (Jus Standi) aos Tribunais Internacionais de Direitos Humanos.

III. Compatibilização entre as Jurisdições Internacional e Nacional em Matéria de Direitos Humanos.

IV. O Amplo Alcance das Obrigações Convencionais de Proteção: As Obrigações Executivas, Legislativas e Judiciais dos Estados.
1. As Obrigações Executivas dos Estados Partes nos Tratados de Direitos Humanos.
2. As Obrigações Legislativas dos Estados Partes nos Tratados de Direitos Humanos.
3. As Obrigações Judiciais dos Estados Partes nos Tratados de Direitos Humanos.

V. Conclusões.


I. Introdução.

Há pouco mais de cinco meses, na abertura do Encontro Internacional promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e realizado neste mesmo Auditório, que marcou o início em nosso país dos preparativos das comemorações do cinqüentenário das Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos, tive a ocasião de abordar, em longa exposição, no dia 03 de dezembro de 1997, o legado da Declaração Universal de 1948, desde seus trabalhos preparatórios até sua projeção normativa em numerosos e sucessivos tratados de direitos humanos nos planos global e regional, nas Constituições e legislações nacionais, e na prática dos tribunais internacionais e nacionais também de numerosos países. Ao voltar a esta Casa, o Congresso Nacional de meu país, para participar hoje nesta III Conferência Nacional de Direitos Humanos, o tema e o propósito de minha exposição são claramente distintos.

Permito-me, inicialmente, expressar meus agradecimentos pela distinção do convite e minha satisfação pela realização deste evento. Vejo um valor simbólico no fato de contar esta Conferência com a presença e participação de autoridades das instituições públicas e representantes e membros da sociedade civil brasileira, congregados em torno do tema central que nos une: o da proteção dos direitos humanos nos planos a um tempo internacional e nacional. O fato de estarmos aqui todos reunidos, para uma reflexão coletiva sobre a matéria, atesta o valor que todos atribuímos à referida temática. Não poderia haver melhor ocasião para um diálogo franco e respeitoso, sobre um tema que diz respeito ao quotidiano de todos os brasileiros e de todas as pessoas que vivem em nosso país.

O tema desta Conferência - a aplicação das normas de proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional - poderia consumir dias de debates, dada sua amplitude e complexidade. Em um esforço extremo de síntese, o abordarei no que mais diretamente possa interessar às conclusões e iniciativas que porventura emanem deste conclave. A questão da interrelação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos, cujo exame me tem consumido tantos anos de pesquisa, reflexão, e atuação nos planos nacional e internacional, permea todas as etapas de operação dos mecanismos de proteção, desde o acesso dos indivíduos às instâncias internacionais de proteção até a execução de sentenças e decisões dos órgãos internacionais de proteção no plano do direito interno dos Estados.

Assim sendo, e premido pela pressão impiedosa do tempo, proponho-me analisar o tema segundo o seguinte plano de exposição: em primeiro lugar, examinarei a questão atinente ao acesso direto dos indivíduos aos tribunais internacionais de direitos humanos existentes (ou seja, as Cortes Européia e Interamericana de Direitos Humanos), causa esta à qual tenho pessoalmente me dedicado, não sem dificuldades, por mais de uma década; em segundo lugar, abordarei a questão dos meios previstos pelos próprios tratados de direitos humanos para a compatibilização entre as jurisdições internacional e nacional em matéria de direitos humanos (prévio esgotamento dos recursos de direito interno, cláusulas de derrogações e de reservas, execução das sentenças internacionais no direito interno); em terceiro lugar, examinarei o amplo alcance das obrigações convencionais internacionais de proteção no plano do direito interno, identificando as obrigações executivas, legislativas e judiciais dos Estados Partes nos tratados de direitos humanos; e, enfim, apresentarei minhas conclusões.

A tese que sustento, como o venho fazendo já por mais de vinte anos em meus escritos , é, em resumo, no sentido de que, - primeiro, os tratados de direitos humanos , que se inspiram em valores comuns superiores (consubstanciados na proteção do ser humano) e são dotados de mecanismos próprios de supervisão que se aplicam consoante a noção de garantia coletiva, têm caráter especial, que os diferenciam dos demais tratados, que regulamentam interesses recíprocos entre os Estados Partes e são por estes próprios aplicados, - com todas as conseqüências jurídicas que daí advêm nos planos do direito internacional e do direito interno; segundo, o direito internacional e o direito interno mostram-se em constante interação no presente contexto de proteção, na realização do propósito convergente e comum da salvaguarda dos direitos do ser humano; e terceiro, na solução de casos concretos, a primazia é da norma que melhor proteja as vítimas de violações de direitos humanos, seja ela de origem internacional ou interna.

É esta, a meu ver, a tese que melhor reflete e fomenta a evolução contemporânea convergente sobre a matéria tanto do direito internacional quanto do direito público interno, e a única que, como assinalarei ao longo de minha exposição, logra desvencilhar-se e emancipar-se dos dogmas do passado, maximizando a proteção dos direitos humanos. Os ordenamentos internacional e nacional formam um todo harmônico, em benefício dos seres humanos protegidos, das vítimas de violações dos direitos humanos. Esta nova visão que venho sustentando há tantos anos, e cuja aplicação requer uma mudança fundamental de mentalidade, encontra expressão na jurisprudência internacional, começa a florescer de forma sistemática também na jurisprudência nacional de alguns países, - e espero sinceramente que venha a germinar de igual modo em terras brasileiras.

Assim sendo, o Leitmotiv de minha exposição é precisamente o da necessidade premente de uma mudança fundamental de mentalidade no tocante à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional, sem a qual pouco lograremos avançar em nosso país neste domínio. Por esta razão, permito-me dar à minha exposição o cunho de um memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional. Passo, pois, ao exame de cada um dos pontos de minha exposição.

II. O Locus Standi dos Indivíduos nos Procedimentos perante os Tribunais Internacionais de Direitos Humanos.

Uma das grandes prioridades da agenda contemporânea dos direitos humanos reside, a meu modo de ver, na garantia do acesso direto das supostas vítimas aos tribunais internacionais de direitos humanos. Em entrevista que tive a satisfação de conceder à Associação Juízes para a Democracia, em São Paulo em outubro de 1995 , assinalei a importância desta questão , que até então passava inteiramente despercebida em nosso país, inclusive dos que atuam no campo dos direitos humanos. Como há muito venho me empenhando por tal acesso direto no plano internacional, permito-me retomar o tema nesta Conferência, dada a importância da difusão, em nosso país, dos últimos desenvolvimentos a respeito.
Ao serem concebidos os sistemas de proteção das Convenções Européia e Americana sobre Direitos Humanos, os mecanismos enfim adotados não consagraram originalmente a representação direta dos indivíduos nos procedimentos perante os dois tribunais internacionais de direitos humanos criados pelas duas Convenções (as Cortes Européia e Interamericana de Direitos Humanos), - os únicos tribunais do gênero existentes sob tratados de direitos humanos até o presente. As resistências, então manifestadas, - próprias de outra época e sob o espectro da soberania estatal, - ao estabelecimento de uma nova jurisdição internacional para a salvaguarda dos direitos humanos, fizeram com que, pela intermediação das Comissões (Européia e Interamericana de Direitos Humanos), se buscasse evitar o acesso direto dos indivíduos aos dois tribunais regionais de direitos humanos (as Cortes Européia e Interamericana de Direitos).

Neste final de século, encontram-se definitivamente superadas as razões históricas que levaram à denegação - a nosso ver injustificável, desde o inicio, - de tal locus standi das supostas vítimas. Com efeito, nos sistemas europeu e interamericano de direitos humanos, como veremos a seguir, a própria prática cuidou de revelar as insuficiências, deficiências e distorsões do mecanismo paternalista da intermediação das Comissões Européia e Interamericana entre os indivíduos e as respectivas Cortes - Européia e Interamericana - de Direitos Humanos.

1. Desenvolvimentos no Sistema Europeu de Proteção.

Já no exame de seus primeiros casos contenciosos, tanto a Corte Européia como a Corte Interamericana de Direitos Humanos se insurgiram contra a artificialidade do esquema da intermediação das respectivas Comissões (supra). Recorde-se que, bem cedo, ja desde o caso Lawless versus Irlanda (1960), a Corte Européia passou a receber, por meio dos delegados de la Comissão Européia, argumentos escritos dos próprios demandantes, que freqüentemente se mostravam bastante críticas no tocante à própria Comissão. Encarou-se esta providência com certa naturalidade, pois os argumentos das supostas vítimas não tinham que coincidir inteiramente com os dos delegados da Comissão. Uma década depois, durante o procedimento nos casos Vagrancy, relativos à Bélgica (1970), a Corte Européia aceitou a solicitação da Comissão de dar a palavra a um advogado dos três demandantes; ao tomar a palabra, este advogado criticou, em um determinado ponto, a opinião expressada pela Comissão em seu relatório.
Os desenvolvimentos seguintes são conhecidos: a concessão de locus standi aos representantes legais dos indivíduos demandantes perante a Corte (por meio da reforma do Regulamento de 1982, em vigor a partir de 01.01.1983) em casos a esta submetidos pela Comissão ou os Estados Partes, seguida da adoção do célebre Protocolo n. 9 (de 1990, já em vigor) à Convenção Européia. Como bem ressalta o Relatório Explicativo do Conselho da Europa sobre a matéria, o Protocolo n. 9 concedeu "um tipo de locus standi" aos indivíduos perante a Corte, indubitavelmente um avanço, mas que ainda não lhes assegurava a "equality of arms/égalité des armes" com os Estados demandados e o benefício pleno da utilização do mecanismo da Convenção Européia para a vindicação de seus direitos (cf. infra).

De todo modo, as relações da Corte Européia com os indivíduos demandantes passaram a ser, pois, diretas, sem contar necessariamente com a intermediação dos delegados da Comissão. Isto obedece a uma certa lógica, porquanto os papéis ou funções dos demandantes e da Comissão são distintos; como a Corte Européia assinalou já em seu primeiro caso (Lawless), a Comissão se configura antes como um órgão auxiliar da Corte. Têm sido freqüentes os casos de opiniões divergentes entre os delegados da Comissão e os representantes das vítimas nas audiências perante a Corte, e tem-se considerado isto como normal e, até mesmo, inevitável. Os governos se acomodaram, por assim dizer, à prática dos delegados da Comissão de recorrer quase sempre à assistência de um representante das vítimas, ou, pelo menos, a ela não objetaram.

Não há que passar despercebido que toda esta evolução tem-se desencadeado, no sistema europeu de proteção, gradualmente, mediante a reforma do Regulamento da Corte e a adoção do Protocolo n. 9 à Convenção. A Corte Européia tem determinado o alcance de seus próprios poderes mediante a reforma de seu interna corporis, afetando inclusive a própria condição das partes no procedimento perante ela. Alguns casos já tem sido resolvidos sob o Protocolo n. 9, com relação aos Estados Partes na Convenção Européia que ratificaram também este último. Daí a atual coexistência dos Regulamentos A e B da Corte Européia .

É certo que, a partir de 01 de novembro de 1998, dia da entrada em vigor do Protocolo n. 11 (de 1994) à Convenção Européia (sobre a reforma do mecanismo desta Convenção e o estabelecimento de uma nova Corte Européia como único órgão jurisdicional de supervisão da Convenção), o Protocolo n. 9 tornar-se-á anacrônico, de interesse somente histórico no âmbito do sistema europeu de proteção. Ao contrário do que previam os céticos, em relativamente pouco tempo todos os Estados Partes na Convenção Européia de Direitos Humanos, em inequívoca demonstração de maturidade, se tornaram Partes também no Protocolo n. 11 à referida Convenção, possibilitando a entrada em vigor deste último ainda em 1998.

O início da vigência deste Protocolo, em 01 de novembro de 1998, representa um passo altamente gratificante para todos os que atuamos em prol do fortalecimento da proteção internacional dos direitos humanos. O indivíduo passa assim a ter, finalmente, acesso direto a um tribunal internacional (jus standi), como verdadero sujeito - e com plena capacidade jurídica - do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Isto só foi possível em razão de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional.

Superado, desse modo, o Protocolo n. 9 para o sistema europeu de proteção, não obstante retém sua grande utilidade para a atual consideração de eventuais aperfeiçoamentos do mecanismo de proteção do sistema interamericano de direitos humanos (cf. infra). Os sistemas regionais - situados todos na universalidade dos direitos humanos -vivem momentos históricos distintos. No sistema africano de proteção, por exemplo, só recentemente (setembro de 1995) se concluiu a elaboração do Projeto de Protocolo à Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos sobre o Estabelecimento de uma Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos . E apenas um ano antes, em setembro de 1994, o Conselho da Liga dos Estados Árabes, a seu turno, adotou a Carta Árabe de Direitos Humanos .

2. Desenvolvimentos no Sistema Interamericano de Proteção.

Os desenvolvimentos que hoje têm lugar no sistema interamericano de proteção são semelhantes aos do sistema europeu de proteção na última década, no tocante à matéria em exame. Na agenda atual de nosso sistema regional de proteção, ocupa hoje posição central a questão da condição das partes em casos de direitos humanos sob a Convenção Americana, e, em particular, da representação legal ou locus standi in judicio das vítimas (ou seus representantes legais) diretamente ante a Corte Interamericana, em casos que a ela já tenham sido enviados pela Comissão. Também aqui se faz sentir a importância de uma interpretação apropriada dos termos e do espírito da Convenção Americana.

É certo que a Convenção Americana determina que só os Estados Partes e a Comissão têm direito a "submeter um caso" à decisão da Corte (artigo 61(1)); mas a Convenção, por exemplo, ao dispor sobre reparações, também se refere à "parte lesada" (artigo 63(1)), i.e., as vítimas e não a Comissão. Com efeito, reconhecer o locus standi in judicio das vítimas (ou seus representantes) ante a Corte (em casos já submetidos a esta pela Comissão) contribui à "jurisdicionalização" do mecanismo de proteção (na qual deve recair toda a ênfase), pondo fim à ambiguidade da função da Comissão, a qual não é rigorosamente "parte" no processo, mas antes guardiã da aplicação correta da Convenção.

No procedimento perante a Corte Interamericana, por exemplo, os representantes legais das vítimas são integrados à delegação da Comissão com a designação eufemística de "assistentes" da mesma. Esta solução "pragmática" contou com o aval, com a melhor das intenções, da decisão tomada em uma reunião conjunta da Comissão e da Corte Interamericanas, realizada em Miami em janeiro de 1994. Em lugar de resolver o problema, criou, não obstante, ambigüidades que têm persistido até hoje. O mesmo ocorria no sistema europeu de proteção até 1982, quando a ficção dos "assistentes" da Comissão Européia foi finalmente superada pela reforma naquele ano do Regulamento da Corte Européia. É chegado o tempo de superar tais ambigüidades também em nosso sistema interamericano de proteção, dado que os papéis ou funções da Comissão (como guardiã da Convenção assistindo à Corte) e dos indivíduos (como verdadeira parte demandante) são claramente distintos.

A evolução no sentido da consagração final destas funções distintas deve dar-se pari passu com a gradual jurisdicionalização do mecanismo de proteção. Desta forma se afastam definitivamente as tentações de politização da matéria, que passa a ser tratada exclusivamente à luz de regras do direito. Não há como negar que a proteção jurisdicional é a forma mais evoluída de salvaguarda dos direitos humanos, e a que melhor atende aos imperativos do direito e da justiça.

O Regulamento anterior da Corte Interamericana (de 1991) previa, em termos oblíquos, uma tímida participação das vítimas ou seus representantes no procedimento ante a Corte, sobretudo na etapa de reparações e quando convidados por esta . Bem cedo, nos casos Godínez Cruz e Velásquez Rodríguez (reparações, 1989), relativos a Honduras, a Corte recebeu escritos dos familiares e advogados das vítimas, e tomou nota dos mesmos .

Mas o passo realmente significativo foi dado mais recentemente, no caso El Amparo (reparações, 1996), relativo à Venezuela, verdadeiro "divisor de águas" nesta matéria. Na audiência pública sobre este caso celebrada pela Corte Interamericana em 27 de janeiro de 1996, um de seus magistrados, ao manifestar expressamente seu entendimento de que ao menos naquela etapa do processo não podia haver dúvida de que os representantes das vítimas eram "a verdadeira parte demandante ante a Corte", em um determinado momento do interrogatório passou a dirigir perguntas a eles, aos representantes das vítimas (e não aos delegados da Comissão ou aos agentes do governo), que apresentaram suas respostas .

Pouco depois desta memorável audiência no caso El Amparo, os representantes das vítimas apresentaram dois escritos à Corte (datados de 13.05.1996 e 29.05.1996). Paralelamente, com relação ao cumprimento da sentença de interpretação de sentença prévia de indenização compensatória nos casos anteriores Godínez Cruz e Velásquez Rodríguez, os representantes das vítimas apresentaram igualmente dois escritos à Corte (datados de 29.03.1996 e 02.05.1996). A Corte, com sua composição de setembro de 1996, só determinou por término ao processo destes dois casos depois de constatado o cumprimento, por parte de Honduras, das sentenças de indenização compensatória e de interpretação desta, e depois de haver tomado nota dos pontos de vista não só da Comissão e do Estado demandado, mas também dos peticionários e dos representantes legais das famílias das vítimas .

O campo estava aberto à modificação, neste particular, das disposições pertinentes do Regulamento da Corte, sobretudo a partir dos desenvolvimentos no procedimento no caso El Amparo. O próximo passo, decisivo, foi dado no novo Regulamento da Corte , adotado em 16.09.1996 e vigente a partir de 01.01.1997, cujo artigo 23 dispõe que "na etapa de reparações, os representantes das vítimas ou de seus familiares poderão apresentar seus próprios argumentos e provas de forma autônoma". Este passo significativo abre o caminho para desenvolvimentos subseqüentes na mesma direção, ou seja, de modo a assegurar que no futuro previsível os indivíduos tenham locus standi no procedimento ante a Corte não só na etapa de reparações como também na do mérito dos casos a ela submetidos pela Comissão.

Seria irrealista e impraticável pretender que este objetivo se logre por uma simples emenda a uma disposição da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, como o artigo 61. A tarefa é bem mais complexa . Como tal disposição está inexoravelmente ligada a tantas outras da Convenção (como os artigos 44 a 51 da Convenção), há que ir muito mais além, e modificar toda a estrutura do mecanismo da Convenção, - como se acaba de lograr no sistema europeu de proteção. É este o caminho a ser seguido, o qual requer uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional.

3. O Direito Individual de Acesso Direto (Jus Standi) aos Tribunais Internacionais de Direitos Humanos.

São sólidos os argumentos que, em meu entendimento, militam em favor do pronto reconhecimento do locus standi das supostas vítimas no procedimento ante a Corte Interamericana em casos já enviados a esta pela Comissão. Tais argumentos encontram-se desenvolvidos no curso que ministrei na Sessão Externa (para a América Central) da Academia de Direito Internacional da Haia, realizada na Costa Rica em abril-maio de 1995 , e que resumimos a seguir.

Em primeiro lugar, ao reconhecimento de direitos, nos planos tanto nacional como internacional, corresponde a capacidade processual de vindicá-los ou exercê-los. A proteção de direitos deve ser dotada do locus standi in judicio das supostas vítimas (ou seus representantes legais), que contribui para melhor instruir o processo, e sem o qual estará este último desprovido em parte do elemento do contraditório (essencial na busca da verdade e da justiça), ademais de irremediavelmente mitigado e em flagrante desequilíbrio processual.

É da própria essência do contencioso internacional dos direitos humanos o contraditório entre as vítimas de violações e os Estados demandados. Tal locus standi é a conseqüência lógica, no plano processual, de um sistema de proteção que consagra direitos individuais no plano internacional, porquanto não é razoável conceber direitos sem a capacidade processual de vindicá-los. Ademais, o direito de livre expressão das supostas vítimas é elemento integrante do próprio devido processo legal, nos planos tanto nacional como internacional.

Em segundo lugar, o direito de acesso à justiça internacional deve fazer-se acompanhar da garantia da igualdade processual das partes (equality of arms/égalité des armes), essencial em todo sistema jurisdicional de proteção dos direitos humanos. Em terceiro lugar, em casos de comprovadas violações de direitos humanos, são as próprias vítimas - a verdadeira parte demandante ante a Corte - que recebem as reparações e indemnizações. Estando as vítimas presentes no início e no final do processo, não há sentido em negar-lhes presença durante o mesmo.

A estas considerações de princípio se agregam outras, de ordem prática, igualmente em favor da representação direta das vítimas ante a Corte, em casos já a ela submetidos pela Comissão. Os avanços neste sentido convêm não só às supostas vítimas, mas a todos: aos Estados demandados, na medida em que contribui a afastar definitivamente as tentações de politização e a consolidar a jurisdicionalização do mecanismo de proteção ; à Corte, para ter melhor instruído o processo; e à Comissão, para por fim à ambigüidade de seu papel , atendo-se à sua função própria de guardiã da aplicação correta e justa da Convenção (e não mais com a função adicional de "intermediário" entre os indivíduos e a Corte). Os avanços nesta direção, na atual etapa de evolução do sistema interamericano de proteção, são responsabilidade conjunta da Corte e da Comissão.

Nos círculos jurídicos especializados em nosso continente ainda se expressam dúvidas ou preocupações de ordem prática, como, e.g., a possibilidade de divergências entre os argumentos dos representantes das vítimas e os delegados da Comissão no procedimento ante a Corte, e a falta de conhecimento especializado dos advogados em nossa região para assumir o papel e a responsabilidade de representantes legais das vítimas diretamente ante a Corte. O que me parece realmente importante, para a operação futura do mecanismo da Convenção Americana, é que tanto a Comissão como os representantes das vítimas manifestem seus pontos de vista, sejam eles coincidentes ou divergentes. A Comissão deve estar preparada para expressar sempre sua opinião ante a Corte, ainda que seja discordante da dos representantes das vítimas. A Corte deve estar preparada para receber e avaliar os argumentos dos delegados da Comissão e dos representantes das vítimas, ainda que sejam divergentes. Tudo isto ajudaria a Corte a melhor formular seu próprio entendimento e a formar sua convicção em relação a cada caso concreto.

Para gradualmente superar a outra preocupação, relativa à suposta falta de expertise dos advogados dos países de nosso continente no contencioso internacional dos direitos humanos, poder-se-iam preparar guias para orientação aos que participam nas audiências públicas ante a Corte Interamericana, divulgadas com a devida antecipação. Ignorantia juris non curat; como o Direito Internacional dos Direitos Humanos é dotado de especificidade própria, e de crescente complexidade, este problema só será superado gradualmente, na medida em que se dê uma mais ampla difusão aos procedimentos, e em que os advogados tenham mais oportunidades de familiarizar-se com os mecanismos de proteção. O que não me parece razoável é tentar obstaculizar toda a evolução corrente rumo à representação direta das vítimas em todo o procedimento perante a Corte Interamericana, com base em uma dificuldade que me parece perfeitamente remediável ou superável.

A isto há que agregar que os avanços neste sentido (da representação direta dos indivíduos), já consolidados no sistema europeu de proteção, hão de se lograr em nossa região mediante critérios e regras prévia e claramente definidos, com as necessárias adaptações às realidades da operação de nosso sistema interamericano de proteção. Isto requereria, e.g., a previsão de assistência jurídica ex officio por parte da Comissão Interamericana, sempre que os indivíduos demandantes não estivessem em condições de contar com os serviços profissionais de um representante legal.

Enfim, e voltando às considerações de princípio, somente mediante o locus standi in judicio das supostas vítimas ante os tribunais internacionais de direitos humanos se logrará a consolidação da plena personalidade e capacidade jurídicas internacionais da pessoa humana (nos sistemas regionais de proteção), para fazer valer seus direitos, quando as instâncias nacionais se mostrarem incapazes de assegurar a realização da justiça. O aperfeiçoamento do mecanismo de nosso sistema regional de proteção deve ser objeto de considerações de ordem essencialmente jurídico-humanitária, inclusive como garantia adicional às partes - tanto os indivíduos demandantes como os Estados demandados - em casos contenciosos de direitos humanos. Como adverti já há uma década em curso ministrado na Academia de Direito Internacional da Haia, na Holanda, todo jusinternacionalista, fiel às origens históricas de sua disciplina, saberá contribuir a resgatar a posição do ser humano no direito das gentes (droit des gens), e a sustentar o reconhecimento e a cristalização de sua personalidade e capacidade jurídicas internacionais .

A mesma advertência voltei a formular, recentemente, em Explicações de Votos nos casos Castillo Páez e Loayza Tamayo (exceções preliminares, janeiro de 1996), relativos ao Peru, no sentido da necessidade de superar a capitis diminutio de que padecem os indivíduos peticionários no sistema interamericano de proteção, em razão de considerações dogmáticas próprias de outra época histórica que buscavam evitar seu acesso direto ao órgão judicial internacional. Tais considerações, agreguei, mostram-se inteiramente sem sentido, ainda mais em se tratando de um tribunal internacional de direitos humanos. Propugnei, nestes meus Votos, pela superação da concepção paternalista e anacrônica da total intermediação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos entre os indivíduos peticionários (a verdadeira parte demandante) e a Corte, de modo a conceder a estes últimos acesso direto à Corte .
O necessário reconhecimento do locus standi in judicio das supostas vítimas (ou seus representantes legais) ante a Corte Interamericana constitui, nesta linha de pensamento, um avanço dos mais importantes, mas não necessariamente a etapa final do aperfeiçoamento do sistema interamericano de proteção, pelo menos tal como concebemos tal aperfeiçoamento. Na continuação desta evolução, a partir de tal locus standi, estamos empenhados todos os que, no sistema interamericano, comungamos do mesmo ideal, para lograr o reconhecimento futuro do direito de acesso direto dos indivíduos à Corte (jus standi), para submeter um caso concreto diretamente a ela, prescindindo totalmente da Comissão para isto. O dia em que o logremos, que sinceramente espero seja o mais rápido possível, - a exemplo da entrada em vigor iminente, em 01 de novembro de 1998, do Protocolo n. 11 à Convenção Européia de Direitos Humanos (supra), - teremos alcançado o ponto culminante, também em nosso sistema interamericano de proteção, de um grande movimento de dimensão universal a lograr o resgate do ser humano como sujeito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, dotado de plena capacidade jurídica internacional.

III. Compatibilização entre as Jurisdições Internacional e Nacional em Matéria de Direitos Humanos.

Os próprios tratados de direitos humanos têm sempre cuidado de prevenir ou evitar conflitos entre as jurisdições internacional e interna, e de compatibilizar os dispositivos convencionais e de direito interno. No tocante à admissibilidade de comunicações ou denúncias de violações de direitos humanos, prevêem o requisito do prévio esgotamento dos recursos de direito interno. Na prática, o critério básico, na aplicação deste requisito, tem sido o da eficácia dos recursos internos. A jurisprudência internacional tem, assim, dispensado a regra do esgotamento em casos, e.g., de prática estatal, ou de negligência ou tolerância do poder público, ante violações dos direitos humanos.

O requisito em apreço reveste-se de um rationale próprio no contexto da proteção dos direitos humanos, em que o direito internacional e o direito interno se mostram em constante interação. Os recursos de direito interno integram, assim, a própria proteção internacional, e a ênfase recai não em seu esgotamento mecânico pelos peticionários, mas na prevenção de violações e na pronta reparação dos danos. Ao dever dos peticionários de esgotar os recursos de direito interno corresponde o dever dos Estados de prover recursos internos eficazes, como duas faces da mesma moeda . A correta aplicação deste requisito vincula-se à questão básica do acesso direto dos indivíduos às instâncias legais internacionais para perante elas fazer valer os seus direitos, sempre que as instâncias nacionais se mostrarem incapazes de garantir a realização da justiça.

Outra modalidade de prevenção de conflitos entre as jurisdições internacional e nacional prevista pelos tratados de direitos humanos reside nas chamadas cláusulas de derrogações. Os termos gerais com que foram estas redigidas têm requerido consideráveis esforços doutrinais, desenvolvidos nos últimos anos, no sentido de dar-lhes maior precisão, estabelecendo controles do poder público, de modo a assim evitar abusos (como, e.g., o prolongamento indefinido e patológico dos chamados estados de exceção, ou a suspensão indeterminada ou crônica do ejercício de direitos, entre outros). Os princípios afirmados na doutrina contemporânea são, em resumo, os seguintes: o princípio da notificação (das derrogações) a todos os Estados Partes (nos tratados de direitos humanos, o princípio da proporcionalidade às exigências da situação, a consistência das medidas tomadas com outras obrigações internacionais do Estado em questão, o princípio da não-discriminação, a não-derrogabilidade dos direitos fundamentais em estados de emergência, o ônus da prova a recair no Estado que busca justificar um estado de exceção.

Em quaisquer circunstâncias, subsiste a intangibilidade das garantias judiciais, tal como afirmado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em seus oitavo e nono Pareceres, ambos de 1987. Estes princípios já têm tido aplicação na prática internacional nos últimos anos, o que é alentador. Desse modo, com base tanto na doutrina como na jurisprudência contemporâneas sobre a questão, tem-se buscado um tratamento adequado da matéria, de modo a evitar a repetição, no futuro, de violações de direitos humanos resultantes da invocação indevida de cláusulas de derrogações, ocorridas na história recente de muitos países, inclusive de nossa região.

Outra modalidade de prevenção de conflitos entre as jurisdições internacional e nacional reside na possibilidade de recurso a reservas permitidas por alguns tratados de direitos humanos. Este é um dos pontos mais debatidos na doutrina contemporânea. Há mais de dez anos venho alertando para a inadequação do sistema de reservas consagrado nas duas Convenções de Viena sobre Direito dos Tratados (de 1969 e 1986) para a aplicação dos tratados de direitos humanos, dotados de caráter especial e especificidade própria. Nos últimos anos, os próprios órgãos convencionais de proteção têm dado mostras de sua disposição de proceder à determinação da compatibilidade ou não de certas reservas formuladas por Estados Partes a disposições dos respectivos tratados de direitos humanos com o objeto e propósito dos mesmos.

A matéria encontra-se atualmente em exame na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. No meu entender, o presente sistema individualista, contratualista e fragmentador de reservas não se mostra em conformidade com a noção de garantia coletiva subjacente aos tratados de direitos humanos, que incorporam obrigações de caráter objetivo transcendendo os compromissos recíprocos entre as Partes, e se voltam ao interesse comum superior da salvaguarda dos direitos do ser humano e não dos direitos dos Estados. Impõe-se aqui, como sustentei em minhas Explicações de Voto no caso Blake versus Guatemala (Sentenças da Corte Interamericana de Direitos humanos sobre exceções preliminares, 1996, e sobre o mérito, 1998), a humanização do direito dos tratados.

Do exposto, vê-se que os próprios tratados de direitos humanos têm cuidado de compatibilizar as jurisdições internacional e nacional para lograr a realização de seu objeto e propósito. Enfim, no tocante às relações entre o direito internacional e o direito interno no presente contexto, uma questão de grande atualidade, mormente em nosso continente, diz respeito à execução de sentenças dos tribunais internacionais de direitos humanos. A questão encontra-se diretamente relacionada à aplicação eficaz das Convenções Européia e Americana sobre Direitos Humanos, - os dois únicos tratados de direitos humanos dotados, até o presente (início de 1998), de tribunais internacionais (as Cortes Européia e Interamericana de Direitos Humanos), - no âmbito do direito interno dos Estados Partes.

A Convenção Européia conta com o concurso do Comitê de Ministros, que zela pela execução das sentenças da Corte Européia (artigo 54). A Convenção Americana, - que não conta com mecanismo semelhante, - dispõe que a parte das sentenças da Corte Interamericana atinente a indenizações pode ser executada no país respectivo pelo processo interno vigente para a execução de sentenças contra o Estado (artigo 68(2)). Acrescenta a Convenção Americana que os Estados Partes se comprometem a cumprir a decisão da Corte Interamericana em todo caso contencioso em que sejam partes (artigo 68(1) da Convençao). Por conseguinte, se um Estado Parte na Convenção Européia ou na Convenção Americana deixa de executar uma sentença da Corte Européia ou da Corte Interamericana, respectivamente, no âmbito de seu ordenamento jurídico interno, está incorrendo em uma violação adicional da Convenção regional respectiva. Acresce a obrigação geral (do artigo 2 da Convenção Americana) de adequação do direito interno à normativa de proteção da Convenção.

A experiência da Corte Européia registra numerosos casos de execução de suas sentenças pelos Estados Partes na Convenção Européia, ao longo de muitos anos, para o que tem contado com o concurso da supervisão do Comitê de Ministros (artigo 54 da Convenção), um órgão de composição política. A experiência da Corte Interamericana - que não conta com o concurso de órgão congênere - é ainda relativamente recente, e também positiva, porquanto suas sentenças têm sido normalmente cumpridas. As dificuldades temporárias surgidas em quatro casos até o presente, que levaram à aplicação pela Corte, em seus Relatórios Anuais, da sanção prevista no artigo 65 da Convenção Americana , encontram-se já todas remediadas e superadas. Não obstante, urge que os Estados Partes na Convenção Americana se equipem devidamente, no âmbito de seu direito interno, para dar fiel e pleno cumprimento às sentenças da Corte Interamericana à luz do artigo 68(1) da Convenção. Não creio que um órgão de composição política - como o Comitê de Ministros no sistema europeu de proteção - seja o mais adequado para zelar pela execução das sentenças da Corte Interamericana. Daí a importância crescente, em nosso sistema regional, das medidas que neste propósito venham a adotar os Estados Partes na Convenção Americana.

Entre estes, há os que, como Colômbia e Peru, adotaram instrumentos legislativos naquele propósito. Assim, e.g., na Colômbia, a Lei 288 de 1996 estabelece um mecanismo para as indenizações às vítimas de violações de direitos humanos consoante o disposto por dois órgãos de proteção internacional, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Comitê de Direitos Humanos sob o Pacto de Direitos Civis e Políticos. Inexplicavelmente, a referida lei colombiana se refere expressamente somente a estes dois órgãos (que, aliás, não proferem sentenças), e se omite em relação às sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A questão permanece, assim, em aberto. A mencionada lei cria um Comitê de Ministros , encarregado de determinar o cumprimento das decisões dos órgãos supracitados de proteção internacional .

O outro exemplo é fornecido pela Lei de Habeas Corpus e Amparo do Peru, de 1982, que atribui ao órgão judiciário supremo do ordenamento interno (a Corte Suprema de Justiça) a faculdade de dispor sobre a execução e o cumprimento das decisões de órgãos de proteção internacional a cuja jurisdição se tiver submetido o Peru, "de conformidade com as normas e procedimentos internos vigentes sobre execução de sentenças" (artigo 40). O artigo 39 da referida Lei menciona alguns destes órgãos, mas não se trata de uma cláusula fechada, pois agrega "outros que se constituam no futuro"; a Corte Interamericana encontra-se, pois, aí incluída, ainda que não expressamente mencionada . O artigo 40 acrescenta significativamente que a Corte Suprema de Justiça recepcionará as decisões dos órgãos de proteção internacional, sem que se requeira reconhecimento, revisão e tampouco exame prévio algum para sua validade e eficácia.
Recentemente, na Argentina, concluiu-se um Projeto de Lei, já submetido à consideração do Congresso Nacional, no propósito de "regulamentar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos", como o indica a Exposição de Motivos . O Projeto de Lei argentino, que se inspira no modelo colombiano, também cria um Comitê de Ministros (artigo 2(b)), que determina sobre o cumprimento de uma recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso haja alguma divergência na consideração da matéria, esta deve ser submetida à Corte Interamericana de Direitos Humanos, para a "decisão definitiva da mesma" (artigo 4).

Estes são exemplos de passos legislativos iniciais, tomados por poucos Estados Partes na Convenção Americana até o presente, no propósito de assegurar o seu fiel cumprimento no plano do direito interno. É de se esperar que todos os Estados Partes busquem equipar-se para assegurar a fiel execução das sentenças da Corte Interamericana. Por enquanto, o alentador índice de cumprimento - caso por caso - de todas as sentenças da Corte Interamericana até o presente se deve sobretudo à boa fé e lealdade processual com que neste particular os Estados demandados têm acatado as referidas sentenças, também contribuindo desse modo à consolidação do sistema regional de proteção.

Mas não se pode daí inferir que a execução de tais sentenças esteja legalmente assegurada, no âmbito de seu ordenamento jurídico interno. Exceto as raras iniciativas acima mencionadas, a grande maioria dos Estados Partes na Convenção Americana ainda não tomou qualquer providência, legislativa ou de outra natureza, nesse sentido. Por conseguinte, as vítimas de violações de direitos humanos, em cujo favor tenha a Corte Interamericana declarado um direito - quanto ao mérito do caso, ou reparações lato sensu, - ainda não têm inteira e legalmente assegurada a execução das sentenças respectivas no âmbito do direito interno dos Estados demandados. Cumpre remediar prontamente esta situação.
IV. O Amplo Alcance das Obrigações Convencionais de Proteção: As Obrigações Executivas, Legislativas e Judiciais dos Estados.

Apesar de toda a atenção dispensada pelos próprios órgãos de supervisão internacional de direitos humanos à questão central das relações entre os ordenamentos jurídicos internacional e interno na proteção dos direitos humanos, persistem aqui curiosamente incertezas e uma falta de clareza conceitual. Como neste final de século o que se requer mais que tudo é uma mudança de mentalidade, cabe, neste propósito, ter sempre presente que as disposições dos tratados de direitos humanos vinculam não só os governos (como equivocada e comumente se supõe), mas, mais do que isto, os Estados (todos os seus poderes, órgãos e agentes); é chegado o tempo de precisar, por conseguinte, o alcance não só das obrigações executivas, mas também das obrigações legislativas e judiciais, dos Estados Partes nos tratados de direitos humanos.

Há muito venho chamando a atenção para este ponto básico, não só em minha atuação no plano internacional, como também em conferências recentes que tenho proferido em nosso país (e.g., na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) , no Superior Tribunal de Justiça , no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) , no Instituto Brasileiro de Direitos Humanos , na Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) , e nesta mesma Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados ). Há que ter sempre presente que a operação dos mecanismos internacionais de proteção não pode prescindir da adoção e do aperfeiçoamento das medidas nacionais de implementação, porquanto destas últimas - estou convencido - depende em grande parte a evolução futura da própria proteção internacional dos direitos humanos. A ênfase em tais medidas nacionais se dá, não obstante, sem prejuízo da preservação dos padrões internacionais de proteção.

Seria incorreto, por exemplo, visualizar os órgãos convencionais internacionais de proteção dos direitos humanos como instâncias de revisão, por exemplo, de decisões de tribunais nacionais; disto não se trata. No entanto, tais órgãos internacionais podem, e devem, no contexto de casos concretos de violações de direitos humanos, determinar a compatibilidade ou não com os respectivos tratados de direitos humanos, de qualquer ato ou omissão por parte de qualquer poder ou órgão ou agente do Estado, - inclusive leis nacionais e sentenças de tribunais nacionais. Trata-se de um princípio básico do direito da responsabilidade internacional do Estado, aplicado no presente domínio de proteção dos direitos humanos.

A questão se situa em um problema de maior dimensão, no qual me permito insistir: o da falta de uma clara compreensão, que a meu ver continua a existir, neste final de século, na maioria dos países, quanto ao alcance das obrigações convencionais de proteção. O recurso a doutrinas ou fórmulas que na realidade não servem ao propósito de fortalecer a proteção dos direitos humanos, e que se mostram desprovidas de conteúdo, tem contribuído à perpetuação de uma falta de clareza quanto ao amplo alcance dos deveres convencionais de proteção dos direitos humanos. Uma nova mentalidade é o de que mais se necessita. Temos que proteger nosso labor de proteção dos efeitos negativos do recurso a palavras ou conceitos vazios.

No dia em que prevalecer uma clara compreensão do amplo alcance das obrigações internacionais de proteção, haverá uma mudança de mentalidade, que, por sua vez, fomentará novos avanços neste domínio de proteção. Enquanto perdurar a atual mentalidade, conceitualmente confusa e portanto defensiva e insegura, persistirão as deferências indevidas ao direito interno, cujas insuficiências e deficiências ironicamente requerem a operação dos mecanismos de proteção internacional. A aplicação da normativa internacional tem o propósito de aperfeiçoar, e não de desafiar, a normativa interna, em benefício dos seres humanos protegidos.
1. As Obrigações Executivas dos Estados Partes nos Tratados de Direitos Humanos.

Voltemos nossas reflexões, por alguns momentos, às obrigações executivas, legislativas e judiciais dos Estados Partes nos tratados de direitos humanos. De início, cabe ter presente que, a par das obrigações específicas em relação a cada um dos direitos protegidos, os Estados Partes contraem a obrigação geral de organizar o poder público para garantir a todas as pessoas sob sua jurisdição o livre e pleno exercício de tais direitos. A aceitação dos tratados de proteção internacional pelos Estados Partes implica o reconhecimento da premissa básica, subjacente a estes últimos, de que a tarefa de proteção dos direitos humanos não se esgota - não pode se esgotar - na ação do Estado.

No tocante a nosso país, no final da década passada o Brasil já se tornara Parte em diversos tratados de proteção "setorial" ou particularizada dos direitos humanos, mas persistia uma lacuna quanto a três tratados gerais de proteção, - os dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, - a despeito da decisão de adesão a esses instrumentos tomada já em 1985 (supra). Tal decisão veio a ser consumada, sete anos depois, em 1992.

A demora em efetuar a adesão do Brasil àqueles três tratados gerais de proteção levou o então Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores a emitir um extenso Parecer, de 18 de outubro de 1989, sobre a forma ou modalidade de tal adesão, no qual acrescentou outros dados, - que continuam a revestir-se de atualidade, - a título de providências adicionais que recomendava fossem prontamente tomadas pelo Brasil, relativas a instrumentos e cláusulas facultativos, com vistas à plenitude do alinhamento à causa da proteção internacional dos direitos humanos.

Suas recomendações, fundamentadas no citado Parecer, foram as seguintes: além da adesão aos três tratados gerais de proteção supracitados, a adesão ao [primeiro] Protocolo Facultativo do Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (reconhecimento do Comitê de Direitos Humanos para receber e examinar petições ou comunicações individuais), aos dois Protocolos Adicionais de 1977 às Convenções de Genebra de 1949 sobre Direito Internacional Humanitário, às duas Convenções da Nações Unidas contra o Apartheid (de 1973 e l985), à Convenção (n. 87) da OIT sobre a Liberdade Sindical de 1948 (a Convenção básica da OIT de garantia de um dos direitos humanos fundamentais, pendente de aprovação parlamentar desde 1949), ao Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988; além disso, as declarações de reconhecimento das competências do Comitê de Direitos Humanos para receber e examinar petições ou comunicações interestatais (artigo 41 do Pacto de Direitos Civis e Políticos), do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD) para receber e examinar comunicações individuais (artigo 14 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para receber e examinar petições ou comunicações interestatais (artigo 45 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos), da Corte Interamericana de Direitos Humanos (reconhecimento de sua competência obrigatória em matéria contenciosa, sob o artigo 62 da Convenção Americana), do Comitê contra a Tortura para receber e examinar petições ou comunicações individuais (artigo 22 da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura) e interestatais (artigo 21 da mesma Convenção); e, enfim, o levantamento das reservas a alguns artigos (15(4); 16(1)(a),(c), (g) e (h); e 29(1)) da Convenção da Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1979; e o levantamento da reserva geográfica sob o artigo 1(B)(1) da Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados (reiterando o recomendado em Parecer anterior, de 19.05.1986) .

Como observou o Parecer supracitado de 18.10.1989, a aceitação pelo Brasil de instrumentos e cláusulas facultativos de tratados de direitos humanos havia que se dar "necessariamente de forma integral": as providências supracitadas correspondiam ao "reconhecimento da anterioridade dos direitos humanos face ao direito estatal, e da confluência e identidade de objetivos do direito internacional e do direito público interno quanto à proteção da pessoa humana (...)" . À medida em que o Brasil tomasse estas providências, estaria dando mostras de que continuava se orientando no sentido de buscar a plenitude da proteção internacional como garantia adicional dos direitos humanos. Adviriam por certo obrigações que se somariam às já contraídas, particularmente no tocante à elaboração de relatórios periódicos e de respostas a eventuais denúncias sob os instrumentos internacionais de proteção. Haveria certamente que voltar as atenções às medidas nacionais de implementação dos instrumentos internacionais, preocupação corrente também nos foros internacionais.

Tais medidas passariam a requerer por vezes a adoção, ou a reforma, da legislação nacional, com vistas a compatibilizála ou harmonizála com as obrigações convencionais. Persistia, neste particular, uma diversidade de situações, ilustrada pelos tratados de proteção recém-ratificados, uns já regulamentados em nível do direito interno (como a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989), e outros que continuariam a aguardar regulamentação no país (como as duas Convenções - a das Nações Unidas e a Interamericana -contra a Tortura) até o ano de 1997.

Nos últimos oito anos, algumas das recomendações contidas no mencionado Parecer de 18.10.1989 foram acatadas, outras ainda não. Tivessem sido seguidas plenamente todas aquelas recomendações, as adesões do Brasil a tratados gerais de proteção como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto de Direitos Civis e Políticos teriam abarcado igualmente a aceitação, pelo Brasil, respectivamente, da competência obrigatória em matéria contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos (artigo 62 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) assim como da competência do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas para receber e examinar petições ou comunicações individuais (sob o [primeiro] Protocolo Facultativo ao Pacto de Direitos de Direitos Civis e Políticos). Além disso, Estado Parte também na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e na Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, teria o Brasil já aceito, sob a primeira (artigo 14) e a segunda (artigo 22) Convenções, as competências do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD) e do Comitê contra a Tortura (CAT), respectivamente, para receber e examinar petições ou comunicações individuais.

Surpreende que, decorrido todo este tempo, não tenha ainda o Brasil aceito tais cláusulas ou instrumentos facultativos. Isto significa que, no tocante, por exemplo, aos quatro importantes tratados de direitos humanos supracitados, nos planos global e regional, o Brasil aceita as obrigações convencionais substantivas contraídas em relação aos direitos protegidos, mas não se submete integralmente, até o presente, aos mecanismos de supervisão ou controle internacional do cumprimento de tais obrigações.

Urge que o Brasil reconsidere sua atual posição acerca das competências dos órgãos internacionais convencionais de proteção dos direitos humanos, aceitando-as integralmente, e dando assim outro salto qualitativo, no sentido de proporcionar desse modo uma garantia adicional de proteção a todas as pessoas sob sua jurisdição. Não há forma mais concreta de o país demonstrar seu compromisso sincero com a causa da proteção internacional do que a aceitação das mencionadas competências. Assim agindo, imbuído de nova mentalidade, estará dando mostras do sentimento de solidariedade humana que a livre aceitação de tais mecanismos de proteção requer, e sem o qual pouco se poderá continuar a avançar na salvaguarda internacional dos direitos humanos.

Apesar de todos os percalços, e sem prejuízo de iniciativas como as acima propostas, que ainda há que tomar, têm-se registrado avanços na postura do Brasil nos últimos anos, sobretudo em relação aos instrumentos internacionais de proteção particularizada . No plano regional, em 27.11.1995, o Brasil ratificou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (adotada na Assembléia Geral da OEA, realizada em Belém do Pará, em 1994) . Em agosto de 1996, tomou o Brasil a decisão positiva de tornar-se Parte nos dois Protocolos à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o primeiro (de 1988) sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e o segundo (de 1990) referente à Abolição da Pena de Morte. E cabe ressaltar que o Brasil encontra-se hoje vinculado por todo o corpus juris tanto do Direito Internacional Humanitário como do Direito Internacional dos Refugiados, o que é alentador. Há igualmente que se fazer referência, no plano interno, à ação de coordenação, sem precedentes, hoje empreendida pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, e à mobilização e concerto, intensificados nos últimos anos, das organizações não-governamentais, muitas das quais hoje aqui presentes, nesta III Conferência Nacional de Direitos Humanos.

A grande lacuna a ser suprida refere-se, pois, à aceitação pelo Brasil das competências em matéria contenciosa dos órgãos convencionais de proteção estabelecidos pelos tratados de direitos humanos em que é Parte. No tocante à Corte Interamericana de Direitos Humanos, em particular, sua posição reticente é ainda mais surpreendente, porquanto a criação da Corte foi originalmente proposta na Conferência de Bogotá de 1948, precisamente pela Delegação do Brasil. Permito-me, a seguir, resumir os argumentos que, em tantas outras ocasiões, tenho avançado, em favor da aceitação incondicional pelo Brasil da competência obrigatória da Corte Interamericana (sob o artigo 62 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos):

primeiro, o reconhecimento da jurisdição em matéria contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos constituiria uma garantia adicional pelo Brasil, a todas as pessoas sujeitas a sua jurisdição, da proteção de seus direitos, tais como consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, quando as instâncias nacionais não se mostrarem capazes de garanti-los e de assegurar com isto a realização da justiça;
segundo, tal reconhecimento projetaria no plano internacional o compromisso sincero do Brasil com a causa da salvaguarda dos direitos humanos, e em muito fortaleceria a posição da própria Corte Interamericana, ao passar a contar esta com o apoio de um país de dimensão continental e com uma vasta população, necessitada de maior proteção de seus direitos;
terceiro, a Constituição Brasileira vigente, de 1988, curiosamente propugna (artigo 7 das disposições transitórias finais) pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos, - tribunal este que, por sinal, já existe e opera regularmente há quase vinte anos: a própria Corte Interamericana de Direitos Humanos, - cuja criação foi proposta na IX Conferência Internacional Americana (em Bogotá, 1948) precisamente pela Delegação do Brasil;
quarto, o Brasil participou efetivamente dos trabalhos preparatórios da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e apoiou a sua adoção - na Conferência de San José de 1969, - de forma integral, inclusive quanto a seus instrumentos e cláusulas facultativos (como a do artigo 62, sobre a aceitação pelos Estados Partes da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana em matéria contenciosa);
quinto, o reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana estaria de acordo com a mais lúcida doutrina publicista e jusinternacionalista brasileira;
sexto, tal reconhecimento geraria um interesse bem maior, em particular por parte das novas gerações, pelo estudo e difusão da jurisprudência da Corte Interamericana (e de outros órgãos de proteção internacional dos direitos humanos), que continua virtualmente desconhecida em nosso país;
sétimo, ao longo dos anos, o Brasil adquiriu experiência no diálogo com outros órgãos de supervisão internacional dos direitos humanos, de base tanto convencional como extra-convencional, que pode ser-lhe de valia no contencioso de direitos humanos perante a Corte Interamericana;
oitavo, os órgãos de base convencional, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, têm um mandato concreto, fundamentado no próprio tratado de direitos humanos em questão, e baseiam suas decisões em regras de direito (distintamente dos órgãos de composição política); a via jurisdicional representa a forma mais evoluída de proteção internacional dos direitos humanos;
nono, não é razoável aceitar tão somente as normas substantivas dos tratados de direitos humanos, e deixar de aceitar os mecanismos processuais para a vindicação e proteção dos direitos consagrados nestes mesmos tratados;
e décimo, há uma interação entre o direito internacional e o direito interno no presente contexto de proteção, e as jurisdições internacional e nacional, motivadas pelo propósito convergente e comum de proteção do ser humano, são aqui co-partícipes na luta contra as manifestações do poder arbitrário e contra a impunidade.

Sobre este último ponto me permito acrescentar uma reflexão: pode perfeitamente ocorrer, como na prática tem efetivamente ocorrido, que as instâncias nacionais necessitem a cooperação das instâncias internacionais para os problemas de direitos humanos que não conseguem resolver. Ilustram-no dois importantes casos decididos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no ano passado. Um mês depois da sentença desta (de 17.09.1997) no caso Loayza Tamayo, o Peru acatou a ordem da Corte Interamericana de libertar a prisioneira María Elena Loayza Tamayo, detida sob a legislação anti-terrorista; pouco depois, anunciou sua decisão de extinguir os chamados "tribunais sem rosto" no país. Este é um caso sem precedentes, em que uma prisioneira com base na legislação anti-terrorista foi libertada por determinação de um tribunal internacional de direitos humanos. Igualmente, pouco mais de um mês após a sentença da Corte Interamericana (de 12.11.1997) no caso Suárez Rosero, a Corte Suprema do Equador decidiu declarar a inconstitucionalidade de uma disposição da legislação penal anti-drogas, para tal invocando a referida sentença da Corte Interamericana. Este é outro caso sem precedentes na América Latina, em que a Corte Suprema de um país se respalda na sentença de um tribunal internacional de direitos humanos.

Os julgamentos da Corte Interamericana nos citados casos Loayza Tamayo versus Peru e Suárez Rosero versus Equador prenunciam a chegada de novos tempos na América Latina, no tocante à proteção dos direitos humanos nos planos a um tempo internacional e nacional; pelo imediato impacto que tiveram no direito interno dos respectivos países, já fazem parte da história contemporânea da proteção internacional dos direitos humanos em nosso continente. Com base em minha própria experiência, posso afirmar que as instâncias internacionais de proteção têm se mostrado valiosas na luta contra a impunidade, verdadeira chaga que corrói a crença nas instituições públicas e gera a anomia e apatia sociais. Muitos casos de direitos humanos, na verdade, só têm sido resolvidos graças ao concurso das instâncias internacionais de proteção, e este é um argumento de particular importância e grande peso, que vem ao encontro da realização dos propósitos das p_óprias instituições públicas de todos os países.

Seria auspicioso se, por ocasião deste cinqüentenário das Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos, e de suas comemorações que já se multiplicam em nosso país, assim como do cinqüentenário da proposta do Brasil na Conferência de Bogotá de 1948 de criação de uma Corte Interamericana de Direitos Humanos, viesse o Brasil, - como já há tempos vivamente espero, - imbuído de nova mentalidade, a dar o salto qualitativo de reconhecer incondicionalmente a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana em matéria contenciosa (artigo 62 da Convenção Americana). As gerações presentes e futuras de brasileiros hão de ficar reconhecidas por esta decisão.

A par deste reconhecimento, é de se esperar que o Brasil, paralela e adicionalmente, faça o mais amplo uso da via consultiva, sob o artigo 64 da Convenção Americana. A base jurisdicional consultiva da Corte Interamericana é particularmente ampla; sua amplitude, na verdade, não tem precedentes, bastando compará-la com as correspondentes de outros tribunais internacionais. A da Corte Interamericana se encontra aberta, como sempre esteve, a todos os Estados membros assim como aos órgãos principais da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Tentar mesclar ou confundir as funções contenciosa e consultiva da Corte Interamericana seria revelar pouca familiaridade com a matéria: uma e outra repousam em bases jurisdicionais inteiramente distintas. Tanto é assim que a via consultiva está aberta a todos os Estados membros da OEA, sejam ou não Partes na Convenção Americana, e aos órgãos da OEA enumerados no capítulo X de sua Carta, - sendo pois dotada de uma amplitude sem paralelo. A Corte Interamericana vem de esclarecer a diferença básica entre suas funções contenciosa e consultiva em seu décimo-quinto Parecer sobre os Relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de 14.11.1997, com o sólido respaldo de ampla jurisprudência internacional sobre a matéria, como o demonstrei em meu longo Voto Concordante neste recente Parecer da Corte Interamericana.

Pode perfeitamente o Brasil, portanto, a qualquer momento, paralela e adicionalmente à aceitação da jurisdição contenciosa da Corte, formular a esta pedidos de Pareceres sobre a interpretação da Convenção Americana ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. É o que, a meu ver, deveria prontamente fazer, ou inclusive já ter feito, porquanto tais Pareceres podem inclusive ajudar o país nos esforços empreendidos em prol da proteção dos direitos humanos no âmbito de seu ordenamento jurídico interno.

2. As Obrigações Legislativas dos Estados Partes nos Tratados de Direitos Humanos.

Ao ratificar os tratados de direitos humanos, os Estados Partes contraem, a par das obrigações específicas relativas a cada um dos direitos protegidos, a obrigação geral de adequar seu ordenamento jurídico interno às normas internacionais de proteção. As duas Convenções de Viena sobre Direito dos Tratados (de 1969 e 1986, respectivamente) proíbem (artigo 27) que uma Parte invoque disposições de seu direito interno para tentar justificar o descumprimento de um tratado. É este um preceito, mais do que do direito dos tratados, do direito da responsabilidade internacional do Estado, firmemente cristalizado na jurisprudência internacional. Segundo esta, as supostas ou alegadas dificuldades de ordem interna são um simples fato, e não eximem os Estados Partes em tratados de direitos humanos da responsabilidade internacional pelo não-cumprimento das obrigações internacionais contraídas.

A interpretação das leis nacionais de modo a que não entrem em conflito com a normativa internacional de proteção seria um meio de evitar o descumprimento daquelas obrigações internacionais. Os tratados, uma vez ratificados e incorporados ao direito interno, obrigam a todos, inclusive aos legisladores, podendo-se, pois, presumir o propósito de cumprimento de tais obrigações de proteção por parte do Poder Legislativo (da mesma forma que dos Poderes Executivo e Judiciário). Em matéria de direitos humanos, isto implica o dever geral de adequação do direito interno à normativa internacional de proteção (seja regulamentando os tratados para assegurar-lhes eficácia no direito interno, seja alterando as leis nacionais para harmonizá-las com as disposições convencionais internacionais), - dever este que se encontra expressamente consignado nos tratados de direitos humanos (a exemplo do artigo 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Em virtude do caráter especial dos tratados de direitos humanos, impõe-se, com ainda maior força, a adequação do ordenamento jurídico interno às disposições convencionais.

Uma das formas mais concretas de medição da eficácia de um tratado de direitos humanos reside em seu impacto no direito interno dos Estados Partes, constatado através de reformas legislativas resultantes das decisões dos órgãos internacionais de proteção, e conducentes à adequação das leis nacionais às obrigações convencionais internacionais relativas à salvaguarda dos direitos humanos. A aplicação da Convenção Européia de Direitos Humanos pela Corte Européia de Direitos Humanos oferece uma pertinente ilustração a esse respeito.

No tocante a leis nacionais, recorde-se, por exemplo, para citar alguns casos dentre muitos outros, que, no caso Abdulaziz, Cabales e Balkandali (sentença de 28.05.1985), a Corte Européia concluiu que as três demandantes - que denunciaram estar privadas ou ameaçadas de ver-se privadas da companhia de seus familiares no Reino Unido, em virtude das normas de imigração (que visavam proteger o mercado nacional de trabalho), - eram efetivamente vítimas de discriminação com base no sexo e em violação do artigo 14 em combinação com o artigo 8 da Convenção; ademais, como o Reino Unido não havia incorporado a Convenção Européia em seu direito interno, as demandantes não dispunham de um recurso interno eficaz ante uma autoridade nacional para remediar a discriminação sexual de que eram vítimas, o que, no entender da Corte, configurava ademais uma violação do artigo 13 da Convenção. E, no caso Dudgeon (sentença de 22.10.1981), a Corte Européia concluiu que a própria existência da legislação penal na Irlanda do Norte (proibindo as relações homossexuais masculinas) atentava contra o direito ao respeito da vida privada (que compreende a vida sexual) consagrado no artigo 8 da Convenção.

Em decorrência da sentença da Corte Européia no caso Marckx (1979), uma nova lei belga (de 31.03.1987) modificou a legislação relativa à filiação. Cerca de quatro anos após a sentença da Corte Européia no caso Campbell e Cosans (1982), uma lei britânica (de 07.11.1986) aboliu os castigos corporais nas escolas públicas daquele país. E, no mesmo ano da decisão da Corte Européia no caso X e Y versus Holanda (1985), foi adotada uma lei holandesa (de 27.02.1985) emendando o Código Penal, de modo a permitir a um portador de deficiência mental interpor una queixa por meio de seu representante legal. Várias outras sentenças da Corte Européia tiveram igual impacto no direito interno dos Estados Partes, no sentido de adequar as leis nacionais à normativa da Convenção Européia.

Em nosso continente, tanto a Comissão como a Corte Interamericanas têm dado mostras de sua disposição de embarcar decididamente nesta rota. Nos últimos anos, a Comissão Interamericana, nos casos das leis de anistia (1992), relativos ao Uruguai e à Argentina, por exemplo, concluiu que as referidas leis eram incompatíveis com os artigos 8, 25 e 1(1) da Convenção Americana, por acarretarem uma denegação de justiça. No caso Verbitsky versus Argentina (1994), a Comissão ressaltou expressamente o alcance do dever geral do artigo 2 da Convenção Americana para tornar efetivos os direitos por ela garantidos, e expressou sua satisfação pela culminação de um processo de solução amistosa, com a derrogação, pelo Estado demandado, da figura do desacato da legislação nacional.

A Corte Interamericana, por sua vez, em sua já citada sentença de 17.09.1997 no caso Loayza Tamayo versus Peru, determinou a incompatibilidade dos decretos-leis de tipificação dos delitos de "traição à pátria" e "terrorismo" - aplicados no caso - com o artigo 8(4) da Convenção Americana (princípio do non bis in idem). E, na também citada sentença de 12.11.1997, no caso Suárez Rosero versus Equador, foi mais além, ao declarar que o artigo 114 bis do Código Penal equatoriano, que privava a todas as pessoas detidas sob a lei anti-drogas de certas garantias judiciais (quanto à duração da detenção), violava per se o artigo 2, em combinação com o artigo 7(5), da Convenção, independentemente de sua aplicação no caso concreto. Esta conclusão da Corte é, a meu ver, de extraordinária importância para a evolução futura da matéria.

Pode inclusive ocorrer que, em um determinado caso, uma lei nacional constitua a base ou a origem de uma violação comprovada de direitos humanos; assim sendo, não basta, a meu ver - como tenho assinalado em meus reiterados Votos em decisões da Corte Interamericana - que o Estado demandado indenize as vítimas, porquanto também deve fazer cessar a violação da obrigação convencional, e só pode lograr isto mediante a revogação daquela lei e a conseqüente adequação de seu direito interno à normativa internacional de proteção. Para a fundamentação jurídica desta tese, permito-me referir-me a meus Votos Dissidentes nos casos El Amparo (1996-1997) , relativo à Venezuela, Caballero Delgado e Santana versus Colômbia (1997) , e Genie Lacayo versus Nicarágua (1997) . No seio da Corte Interamericana, minha posição a respeito, - inicialmente solitária e minoritária, e a partir dos casos Loayza Tamayo e Suárez Rosero (supra), majoritária, - tem sido no sentido de que, tais como invocadas em casos concretos, as leis de exceção - a exemplo das que privilegiam foros militares especiais - são incompatíveis com as garantias do devido processo legal consagradas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Entendo que a adequação do direito interno às normas internacionais de proteção é, ademais, da própria essência do dever de prevenção, para evitar a repetição de violações de direitos humanos derivadas de uma determinada lei nacional. Pode também ocorrer que, em algum outro caso, seja a própria vacatio legis a fonte de uma violação comprovada de direitos humanos; nesta hipótese, o dever do Estado demandado consiste na adoção de uma lei (e.g., estabelecendo garantias de proteção), de conformidade com os preceitos dos tratados de direitos humanos que vinculam o Estado em questão. O dever de prevenção é um componente básico das obrigações gerais, consagradas nos tratados de direitos humanos (a exemplo das consignadas nos artigos 1(1) e 2 da Convenção Americana), de assegurar a todos o pleno exercício dos direitos consagrados e de adequar o direito interno às normas internacionais de proteção.

É de se lamentar que dificuldades práticas tenham surgido no cumprimento pelos Estados Partes de suas obrigações legislativas impostas pelos tratados de direitos humanos, sobretudo em razão da falta de uma compreensão clara do alcance de tais obrigações, que infelizmente parece ainda prevalecer em muitos países, em particular em nossa região. Não obstante, nem por isso deixam estas obrigações de impor-se, sem atrasos indevidos. Não é razoável, por exemplo, que se tenham consumido quase oito anos, como ocorreu no Brasil, para suprir uma lacuna, com a tipificação - em abril de 1997 - do crime da tortura, e ainda assim guardando um paralelismo apenas imperfeito com as duas Convenções sobre a matéria ratificadas pelo Brasil em 1989, - a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.

O problema dos atrasos nas providências legislativas - e.g., adoção ou modificação de uma lei - para compatibilizar o ordenamento jurídico interno com a normativa dos tratados de direitos humanos não tem passado despercebido no sistema europeu de proteção. Ao contrário, tem nele tido conseqüências para os Estados Partes na Convenção Européia. No caso Vermeire versus Bélgica (1991), por exemplo, advertiu a Corte Européia que o atraso de oito anos do Estado belga em proceder à modificação da legislação nacional sancionada por sua sentença no caso Marckx (supra) não estava em conformidade com suas obrigações convencionais (sob o artigo 53 da Convenção Européia); por conseguinte, conclamou o Estado belga a efetuar a adequação legislativa sem maior atraso.

Com efeito, durante os oito anos que se seguiram à sentença da Corte Européia no já citado caso Marckx (supra), sem que a Bélgica modificasse a legislação impugnada, apresentaram-se duas outras denúncias com base no mesmo motivo. A Corte, nestes dois casos, em lugar de ordenar novamente a reforma da legislação (o que já havia feito no caso Marckx), determinou ao Estado demandado o pagamento de uma indenização pelos danos ocasionados pela omissão do Estado em questão de reformar a legislação impugnada no contexto do caso concreto.

Os Estados Partes nos tratados de direitos humanos obrigam-se não só a não violar os direitos protegidos, mas também a tomar todas as medidas positivas para assegurar a todas as pessoas sob sua jurisdição o exercício livre e pleno de todos os direitos protegidos, - o que implica a obrigação geral de adequação de seu direito interno à normativa internacional de proteção. Tais medidas positivas têm importância direta para a aplicação devida dos tratados de direitos humanos em múltiplos aspectos.
Por exemplo, se um Estado cumpriu efetivamente com esta obrigação geral de adequação do direito interno, muito dificilmente, por exemplo, poderia efetuar a denúncia de um tratado de direitos humanos (a exemplo do que ocorreu no Brasil, em novembro de 1996, com a Convenção n. 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, e em junho de 1971 com a Convenção n. 81 da OIT sobre a Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio, - esta última re-ratificada pelo Executivo em dezembro de 1987) , em razão de controles do próprio direito interno em um Estado democrático. Por que a ratificação de um tratado de direitos humanos pelo Executivo - como de todos os tratados - está condicionada à prévia aprovação do mesmo pelo Legislativo e sua denúncia não? Não atentaria isto contra o equilíbrio de poderes e a salvaguarda dos direitos humanos em um Estado de Direito?

Quando não expressamente prevista em um tratado, para se efetuar tem a denúncia que poder inferir-se da natureza do tratado em questão (tendo presente o disposto no artigo 56 das duas Convenções de Viena sobre Direito dos Tratados); o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas vem de advertir oportunamente - em outubro de 1997 - que, em razão de sua própria natureza jurídica, o Pacto de Direitos Civis e Políticos, por exemplo, não admite a possibilidade de denúncia. Até mesmo em relação às condições em que uma violação de um tratado pode acarretar sua terminação ou a suspensão de sua aplicação, as duas referidas Convenções de Viena excetuam expressa e especificamente "as disposições relativas à proteção da pessoa humana contidas em tratados de caráter humanitário" (artigo 60(5), - em uma verdadeira cláusula de salvaguarda em defesa do ser humano. Os controles tanto do direito internacional como do direito interno devem aqui operar conjuntamente em prol da preservação e continuidade das obrigações convencionais internacionais de proteção dos direitos humanos.

A adequação das leis nacionais à normativa dos tratados de direitos humanos constitui uma obrigação - de tomar medidas positivas - a ser prontamente cumprida pelos Estados Partes. O fato de ser às vezes considerada uma obrigação "de resultado" (para fazermos uso de uma expressão reminiscente do linguajar da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas) não significa que possa ser seu cumprimento adiado indefinidamente. Toda a construção doutrinária e jurisprudencial das "obrigações positivas" dos Estados representa uma reação contra as omissões legislativas - entre outras - e a inércia dos órgãos do poder público no presente domínio de proteção: contribui ela a explicar e fundamentar as obrigações legislativas dos Estados Partes em tratados de direitos humanos.

Estas últimas correspondem a um dever geral - paralelamente aos deveres específicos relativos a cada um dos direitos protegidos, - de cujo cumprimento cabal depende a cessação de uma violação da Convenção (quando derivada de uma lei nacional). A pronta adequação ou harmonização das legislações nacionais à normativa dos tratados de direitos humanos constitui uma obrigação geral que se impõe de modo uniforme a todos os Estados Partes nos tratados de direitos humanos, complementando suas obrigações específicas atinentes a cada um dos direitos garantidos. O que urge, em nossos dias, mais do que tudo, é uma nova mentalidade, um melhor entendimento das obrigações convencionais de proteção, que abarcam todo e qualquer ato ou omissão do Estado Parte, de quaisquer de seus órgãos ou agentes, seja do Poder Executivo, seja do Legislativo, ou do Judiciário. É este princípio fundamental do direito da responsabilidade do Estado que deve nos orientar.

3. As Obrigações Judiciais dos Estados Partes nos Tratados de Direitos Humanos.

No tocante às relações entre os ordenamentos jurídicos internacional e nacional na proteção dos direitos humanos, um ponto recorrente é o do status, no direito interno, da normativa internacional de proteção. Como a posição hierárquica dos tratados no ordenamento jurídico interno obedece ao critério do direito constitucional de cada país, as soluções variam de país a país. Como muitos Estados continuam - com variações - a equiparar os tratados - inclusive, equivocadamente, os de direitos humanos - à legislação ordinária infraconstitucional, têm surgido problemas na prática.

O mais grave deles configura-se em virtude da aplicação do princípio lex posteriori derogat priori: se aos tratados é dada a mesma hierarquia das leis, poderiam teoricamente uns e outras revogar-se mutuamente (e.g., uma lei posterior alterando uma disposição convencional), por força do simples critério cronológico. Trata-se de uma posição insustentável, e, sem sombra de dúvida, absurda, no campo da proteção internacional dos direitos humanos. Como assinala a jurisprudência internacional, os tratados de direitos humanos, diferentemente dos tratados clássicos que regulamentam interesses recíprocos entre as Partes, consagram interesses comuns superiores, consubstanciados em última análise na proteção do ser humano. Como tais, requerem interpretação e aplicação próprias, dotados que são, ademais, de mecanismos de supervisão próprios.

Assim sendo, como sustentar que a um Estado Parte seria dado "derrogar" ou "revogar" por uma lei um tratado de direitos humanos? Tal entendimento se chocaria frontalmente com a própria noção de garantia coletiva, subjacente a todos os tratados de direitos humanos. Neste contexto de proteção, já não mais se justifica que o direito internacional e o direito interno continuem sendo abordados de forma estanque ou compartimentalizada, como o foram no passado. Ao criarem obrigações para os Estados vis-à-vis os seres humanos sob sua jurisdição, as normas dos tratados de direitos humanos aplicam-se não só na ação conjunta (exercício da garantia coletiva) dos Estados Partes na realização do propósito comum de proteção, mas também e sobretudo no âmbito do ordenamento jurídico interno de cada um deles.

O cumprimento das obrigações internacionais de proteção requer o concurso dos órgãos internos dos Estados, e estes são chamados a aplicar as normas internacionais. É este o traço distintivo e talvez o mais marcante dos tratados de direitos humanos, dotados de especificidade própria e, permito-me insistir neste ponto, a requererem uma interpretação própria guiada pelos valores comuns superiores que abrigam, diferentemente dos tratados clássicos que se limitam a regulamentar os interesses recíprocos entre as Partes. Com a interação entre o direito internacional e o direito interno no presente contexto, os grandes beneficiários são as pessoas protegidas. Resulta, assim, claríssimo que leis posteriores não podem revogar normas convencionais que vinculam o Estado, sobretudo no presente domínio de proteção.

As sentenças dos tribunais nacionais devem tomar em devida conta as disposições convencionais dos tratados de direitos humanos que vinculam o país em questão. No sistema europeu de proteção, por exemplo, no tocante à determinação da compatibilidade ou não de decisões de tribunais nacionais com a normativa internacional dos derechos humanos, é histórica a sentença da Corte Européia de Direitos Humanos de 26.04.1979 no caso Sunday Times versus Reino Unido, célebre locus classicus da liberdade de expressão e do direito à informação sob a Convenção Européia; em decisão até então sem precedentes, a Corte Européia de fato "reverteu", por assim dizer, uma decisão em sentido contrário da House of Lords britânica. Para recordar outro exemplo, as sentenças da Corte Européia nos casos Le Compte, Van Leuven e De Meyere versus Bélgica (1981) e Albert e Le Compte versus Bélgica (1983), sobre procedimento disciplinar da "Ordre des médecins" belga, tiveram o efeito de reverter inteiramente la jurisprudence constante da Cour de cassation belga.

A persistência de lacunas ou obstáculos ou insuficiências do direito interno implica descumprimento das obrigações convencionais de proteção. Por exemplo, por força dos artigos 25, 1(1) e 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os Estados Partes estão obrigados a estabelecer um sistema de recursos simples e rápidos, e a dar aplicação efetiva aos mesmos. O direito a um recurso simples, rápido e efetivo ante os juízes ou tribunais nacionais competentes (artigo 25 da Convenção Americana) representa um dos pilares básicos do próprio Estado de Direito em uma sociedade democrática (no sentido da Convenção), - como assinalado pela Corte Interamericana em casos recentes
Esta garantia judicial - de origem latino-americana - não pode ser minimizada, porquanto sua correta aplicação tem o sentido de aperfeiçoar a administração da justiça em nível nacional. Tal garantia no âmbito da proteção judicial (artigos 25 e 8 da Convenção Americana) é muito mais importante do que parece haver-se imaginado até o presente, e requer considerável desenvolvimento jurisprudencial. Em matéria de proteção e garantias judiciais, o direito interno dos Estados se aperfeiçoará na medida em que incorporar os padrões de proteção requeridos pelos tratados de direitos humanos. Para a realização deste propósito - a plena vigência dos direitos humanos - foram concebidos os instrumentos internacionais de proteção. As jurisdições internacional e nacional são co-partícipes nesse labor, e, a fortiori, na construção de um meio social mais justo e melhor para todos. A clara compreensão desta identidade fundamental de propósito, e de suas conseqüências jurídicas, requer, não obstante, uma mudança fundamental de mentalidade.

A disposição do artigo 5(2) da Constituição Brasileira vigente, de 1988, segundo a qual os direitos e garantias nesta expressos não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil é Parte, representa, a meu ver, um grande avanço para a proteção dos direitos humanos em nosso país. Por meio deste dispositivo constitucional, os direitos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja Parte incorporam-se ipso jure ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Ademais, por força do artigo 5(1) da Constituição, têm aplicação imediata. A intangibilidade dos direitos e garantias individuais é determinada pela própria Constituição Federal, que inclusive proíbe expressamente até mesmo qualquer emenda tendente a aboli-los (artigo 60(4)(IV)). A especificidade e o caráter especial dos tratados de direitos humanos encontram-se, assim, devidamente reconhecidos pela Constituição Brasileira vigente.

Se, para os tratados internacionais em geral, tem-se exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente, no tocante aos tratados de direitos humanos em que o Brasil é Parte, os direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante os parágrafos 2 e 1 do artigo 5 da Constituição Brasileira de 1988, pela primeira vez entre nós a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano de nosso ordenamento jurídico interno. Por conseguinte, mostra-se inteiramente infundada, no tocante em particular aos tratados de direitos humanos, a tese clássica - ainda seguida em nossa prática constitucional - da paridade entre os tratados internacionais e a legislação infraconstitucional.

Foi esta a motivação que me levou a propor à Assembléia Nacional Constituinte, na condição de então Consultor Jurídico do Itamaraty, na audiência pública de 29 de abril de 1987 da Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais, a inserção em nossa Constituição Federal - como veio a ocorrer no ano seguinte - da cláusula que hoje é o artigo 5(2) . Minha esperança, na época, era no sentido de que esta disposição constitucional fosse consagrada concomitantemente com a pronta adesão do Brasil aos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o que só se concretizou em 1992.

É esta a interpretação correta do artigo 5(2) da Constituição Brasileira vigente, que abre um campo amplo e fértil para avanços nesta área, ainda lamentavelmente e em grande parte desperdiçado. Com efeito, não é razoável dar aos tratados de proteção de direitos do ser humano (a começar pelo direito fundamental à vida) o mesmo tratamento dispensado, por exemplo, a um acordo comercial de exportação de laranjas ou sapatos, ou a um acordo de isenção de vistos para turistas estrangeiros. À hierarquia de valores, deve corresponder uma hierarquia de normas, nos planos tanto nacional quanto internacional, a ser interpretadas e aplicadas mediante critérios apropriados. Os tratados de direitos humanos têm um caráter especial, e devem ser tidos como tais. Se maiores avanços não se têm logrado até o presente neste domínio de proteção, não tem sido em razão de obstáculos jurídicos, - que na verdade não existem, - mas antes da falta de compreensão da matéria e da vontade de dar real efetividade àqueles tratados no plano do direito interno.

O propósito do disposto nos parágrafos 2 e 1 do artigo 5 da Constituição não é outro que o de assegurar a aplicabilidade direta pelo Poder Judiciário nacional da normativa internacional de proteção, alçada a nível constitucional. Os juízes e tribunais nacionais que assim o têm entendido têm, a meu ver, atuado conforme o direito. Infelizmente, tem-se tentado circundar de incertezas tais disposições tão claras, e condicionar a aplicação direta das normas internacionais de proteção, elevadas a nível constitucional, a uma emenda constitucional, alterando o disposto no artigo 5(2). Como a Constituição de um país não é um menu, de onde se possa escolher que disposições aplicar e que disposições deixar de lado e ignorar, tal atitude implica em descumprimento da disposição constitucional em questão por omissão, na medida em que adia a um amanhã indefinido a aplicação direta, em nosso direito interno, da normas internacionais de proteção dos direitos humanos que vinculam o Brasil.

Desde a promulgação da atual Constituição, a normativa dos tratados de direitos humanos em que o Brasil é Parte tem efetivamente nível constitucional, e entendimento em contrário requer demonstração. A tese da equiparação dos tratados de direitos humanos à legislação infraconstitucional - tal como ainda seguida por alguns setores em nossa prática judiciária, - não só representa um apego sem reflexão a uma tese anacrônica, já abandonada em alguns países, mas também contraria o disposto no artigo 5(2) da Constituição Federal Brasileira.

Se se encontrar uma formulação mais adequada - e com o mesmo propósito - do disposto no artigo 5(2) da Constituição Federal, tanto melhor. Mas enquanto não for encontrada, nem por isso está o Poder Judiciário eximido de aplicar o artigo 5(2) de nossa Constituição. Muito ao contrário, se alguma incerteza houver, está no dever de dar-lhe a interpretação correta, para assegurar sua aplicação imediata. Não se pode deixar de aplicar uma disposição constitucional sob o pretexto de que não parece clara. O problema - permito-me insistir - não reside na referida disposição constitucional, a meu ver claríssima em seu texto e propósito, mas sim na falta de vontade de setores do Poder Judiciário de dar aplicação direta, no plano de nosso direito interno, às normas internacionais de proteção dos direitos humanos que vinculam o Brasil. Não se trata de problema de direito, senão de vontade (animus).

Ademais, o artigo 5(2) da Constituição Brasileira tem o grande mérito de não se restringir expressamente a determinados tratados de direitos humanos, como o faz, por exemplo, o artigo 75(22) da Constituição Argentina vigente após a reforma constitucional de 1994, - lembrado como possível modelo para uma eventual reforma do artigo 5(2) de nossa Constituição. Entendo que a fórmula do artigo 5(2) da Constituição Brasileira é bem mais abrangente, e assegura, - ou deve assegurar, - em combinação com o artigo 5(1), a pronta aplicação direta, por nossos juízes e tribunais, de toda a normativa internacional de proteção que vincula o país, elevada que se encontra a nível constitucional.

Não surpreende que os próprios juristas argentinos venham recentemente apontando as insuficiências do disposto no artigo 75(22) de sua Constituição , nela inserido naturalmente com a melhor das intenções. Têm observado, por exemplo, que há uma certa incoerência em reconhecer a alguns tratados hierarquia constitucional e a outros tão somente nível infraconstitucional.
Não há qualquer explicação, e tampouco indicação de qualquer critério, por que certos tratados de direitos humanos foram, por assim dizer, "constitucionalizados" e outros não. O esquema continua sendo hermético, intra-hierárquico, deixando de impedir que futuras reformas constitucionais venham a contrariar os tratados de proteção. A seguir-se a mesma lógica, nada obstaria a que se tivesse elevado tais tratados a nível supraconstitucional.
Como se o anterior não bastasse, outro inconveniente ou limitação reside na necessidade de prever um determinado procedimento legislativo para atribuir hierarquia constitucional a outros tratados de direitos humanos, que não tenham encontrado expressão na Constituição. É o que teve que prever a Constituição Argentina, requerendo para tal a aprovação congressual (de dois terços da totalidade dos membros de cada Câmara). Que ocorreria se o Congresso, por qualquer razão, ainda que de força maior, não tomasse esta providência? Assim, a Argentina é hoje Parte em diversos tratados de direitos humanos, inclusive outros que os que foram "constitucionalizados", e que estão a requerer o procedimento previsto em sua Constituição reformada.

Por que então buscar inspiração nas formulações constitucionais de outros países, se a nossa - o artigo 5(2) da Constituição Brasileira - é mais abrangente e não apresenta os inconvenientes apontados? O disposto no artigo 5(2) da Constituição Brasileira concede um tratamento especial ou diferenciado aos tratados de direitos humanos, do que não pode restar dúvida, situada que se encontra aquela disposição constitucional no capítulo I, "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos", do título II, "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", da Constituição. Ademais, o disposto no artigo 5(2) da Constituição Brasileira não padece dos riscos da invocação indevida do inclusio unius est exclusio alterius: ao contrário, encontra-se aberto a todos os tratados de direitos humanos que vinculam o Brasil, abarcando-os todos. Mais do que isto, o disposto no artigo 5(2) da Constituição Brasileira tampouco se limita aos tratados de direitos humanos stricto sensu, alcançando igualmente os tratados de direito internacional humanitário e de direito internacional dos refugiados que vinculam o Brasil . Modificá-lo, para adaptá-lo - melhor dizendo, aprisioná-lo - à tese hermética e positivista da "constitucionalização" dos tratados, implicaria a meu ver um retrocesso conceitual em nosso país neste particular. Há que ir mais além da "constitucionalização" estática dos tratados de direitos humanos.

Aqui, novamente, se impõe uma mudança fundamental de mentalidade, uma melhor compreensão da matéria. Não se pode continuar pensando dentro de categorias e esquemas jurídicos construídos há várias décadas, ante a realidade de um mundo que já não existe. A ociosa polêmica secular entre monistas e dualistas continua a fascinar muitos de nossos círculos jurídicos ainda hoje. De suas amarras ainda não conseguiu se liberar grande parte do pensamento jurídico e da jurisprudência nacionais. O mesmo ocorre com a fantasia desagregadora das chamadas gerações de direitos, historicamente incorreta e juridicamente infundada, que tem prestado um desserviço à promoção da visão holística dos direitos humanos, da interrelação e integralidade necessárias de todos os direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais).

Recorde-se que, antes mesmo da reforma constitucional argentina de 1994, a jurisprudência argentina deu uma guinada em favor da hierarquia superior das normas de direitos humanos em relação às leis internas (a partir da decisão da Corte Suprema de Justiça no caso Ekmedjian em 1992 ); lá, a mudança jurisprudencial precedeu a reforma constitucional nesse sentido. Por que razão no Brasil setores do Poder Judiciário resistem a avançar no mesmo sentido, ainda mais quando a Constituição de nosso país o permite expressamente e, mais do que isto, o determina? O problema não é de direito, mas sim de vontade, e, para resolvê-lo, requer-se sobretudo uma nova mentalidade.

V. Conclusões.

À luz do anteriormente exposto, permito-me passar a minhas conclusões:

Primeira: Nas últimas décadas, a operação regular dos tratados e instrumentos internacionais de direitos humanos tem demonstrado sobejamente que podem estes beneficiar diretamente os indivíduos. Na verdade, é este o seu propósito último; ao criarem obrigações para os Estados Partes vis-à-vis os seres humanos sob sua jurisdição, as normas dos tratados de direitos humanos aplicam-se não só na ação conjunta (exercício de garantia coletiva) dos Estados Partes na realização do propósito comum de proteção, mas também e sobretudo no âmbito do ordenamento interno de cada um deles (nas relações entre o poder público e os indivíduos), onde devem produzir efeitos.

Segunda: Os tratados de direitos humanos são dotados de especificidade própria e requerem uma interpretação guiada pelos valores comuns superiores que abrigam e em que se inspiram, no que se diferenciam dos tratados clássicos que se limitam a regulamentar os interesses recíprocos entre as Partes. O caráter especial dos tratados de direitos humanos acarreta conseqüências jurídicas nos planos tanto do direito internacional quanto do direito público interno. Os tratados de direitos humanos partem das premissas da anterioridade dos direitos que precedem a toda organização política e social (inerentes que são ao ser humano) e de que a ação de proteção de tais direitos não se esgota - não pode se esgotar - na ação do Estado. A noção de garantia coletiva é subjacente à aplicação dos tratados de direitos humanos, e o cumprimento das obrigações internacionais de proteção requer o concurso dos órgãos internos dos Estados, chamados que são a aplicar as normas internacionais.

Terceira: Decorridas cinco décadas de experiência acumulada desde a adoção das Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos, não mais se justifica que não se aceitem as cláusulas e instrumentos facultativos dos tratados de direitos humanos. Por conseguinte, deve ser integral a aceitação dos tratados de direitos humanos, incluindo a aceitação da competência obrigatória dos órgãos de proteção internacional. Não é razoável aceitar somente as normas convencionais substantivas, sem os correspondentes mecanismos processuais para a vindicação e proteção dos direitos consagrados. No tocante a um órgão judicial internacional como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a par da aceitação incondicional de sua jurisdição em matéria contenciosa, cabe adicionalmente fazer amplo uso de sua função consultiva.

Quarta: Decorridas cinco décadas de experiência acumulada desde a adoção das Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos, não mais se justifica que se busque evitar ou negar o acesso direto das supostas vítimas aos tribunais internacionais de direitos humanos (Cortes Européia e Interamericana de Direitos Humanos). Cabe afastar definitivamente as tentações de politização dos procedimentos de proteção; a jurisdicionalização destes últimos equivale à forma mais evoluída de proteção dos direitos humanos. A representação direta (locus standi) das supostas vítimas deve conduzir a seu acesso direto (jus standi) aos tribunais internacionais (Cortes Européia e Interamericana) de direitos humanos. Só assim se logrará o reconhecimento e a cristalização da personalidade e capacidade jurídicas internacionais plenas do ser humano.

Quinta: Diversas Constituições nacionais contemporâneas, referindo-se expressamente aos tratados de direitos humanos, concedem um tratamento especial ou diferenciado também no plano do direito interno aos direitos humanos internacionalmente consagrados, alçando-os a nível constitucional. Os tratados de direitos humanos indicam vias de compatibilização dos dispositivos convencionais e dos de direito interno de modo a prevenir conflitos entre as jurisdições internacional e nacional no presente domínio de proteção; impõem aos Estados Partes o dever de provimento de recursos de direito interno eficazes, e por vezes o compromisso de desenvolvimento das "possibilidades de recurso judicial"; prevêem a adoção pelos Estados Partes de medidas legislativas, judiciais, administrativas ou outras, para a realização de seu objeto e propósito. Em suma, contam com o concurso dos órgãos e procedimentos do direito público interno. Há, assim, uma interpenetração entre as jurisdições internacional e nacional no âmbito da proteção dos direitos humanos. Com a interação entre o direito internacional e o direito interno no presente contexto, os grandes beneficiários são as pessoas protegidas.

Sexta: O chamado princípio da subsidiariedade dos instrumentos internacionais diz respeito tão somente à operação dos procedimentos ou mecanismos de proteção, porquanto o corpus juris substantivo do direito internacional e do direito interno no tocante à proteção dos direitos humanos forma um todo harmônico, um verdadeiro sistema de proteção . Assim, na solução de casos concretos, aplica-se, como o indicam expressamente os próprios tratados de direitos humanos, o critério da primazia da norma mais favorável às supostas vítimas, seja ela norma de origem internacional ou de origem nacional.

Sétima: Afastada em nossos dias a compartimentalização estática da doutrina clássica entre o direito internacional e o direito interno, com a interação dinâmica entre um e outro no presente domínio de proteção é o próprio Direito que se enriquece - e se justifica, - na medida em que cumpre a sua missão última de fazer justiça. No presente contexto, o direito internacional e o direito interno interagem e se auxiliam mutuamente no processo de expansão e fortalecimento do direito de proteção do ser humano. É alentador constatar, nestes anos derradeiros a conduzir-nos ao final do século, que o direito internacional e o direito interno caminham juntos e apontam na mesma direção, coincidindo no propósito básico comum e último da proteção do ser humano.

Oitava: Os tratados de direitos humanos vinculam não só os Governos, mas os próprios Estados (Partes). Em um sistema integrado e coeso como o da proteção dos direitos humanos, aos órgãos convencionais de proteção cabe determinar a compatibilidade ou não com os respectivos tratados de direitos humanos de atos ou omissões de quaisquer poderes, órgãos ou agentes do Estado, independentemente do nível hierárquico. As normas internacionais, ao consagrarem e definirem claramente um direito individual, passível de vindicação ante um tribunal ou juiz nacional, são diretamente aplicáveis no plano do direito interno.

Nona: As obrigações internacionais de proteção, ao vincularem conjuntamente todos os poderes do Estado, têm um amplo alcance. A par das obrigações atinentes especificamente a cada um dos direitos protegidos, os tratados de direitos humanos consagram as obrigações gerais de assegurar o livre e pleno exercício desses direitos, e de adequar o direito interno às normas convencionais de proteção. O descumprimento dessas obrigações engaja prontamente a responsabilidade internacional do Estado, por atos ou omissões, seja do Poder Executivo, seja do Legislativo, seja do Judiciário. Se maiores avanços não se têm logrado até o presente neste domínio de proteção, não tem sido em razão de obstáculos jurídicos, - que na verdade não existem, - mas antes da falta de vontade do poder público de promover e assegurar uma proteção mais eficaz dos direitos humanos.

Décima: Para lograr avanços no presente domínio de proteção, requer-se hoje, sobretudo, uma mudança fundamental de mentalidade. Não se pode continuar a pensar no universo conceitual dos dogmas e das categorias jurídicas do passado. É pouco o que os órgãos internacionais e nacionais de proteção podem fazer em prol da plena vigência dos direitos humanos sem uma nova mentalidade. As necessidades continuadas e novas de proteção do ser humano requerem uma renovação do pensamento jurídico.

Uma nova mentalidade emergirá, sobretudo nas novas gerações, a partir da compreensão das novas realidades: no tocante ao Poder Executivo, a partir da compreensão de que a aceitação da jurisdição obrigatória de um tribunal internacional como a Corte Interamericana de Direitos Humanos é algo bom para o país, e sobretudo para seus habitantes, que passam a contar, a par das instâncias nacionais, com o concurso de uma instância internacional para a proteção de seus direitos; no tocante ao Poder Legislativo, a partir da compreensão de que a harmonização do direito interno com a normativa internacional de proteção dos direitos humanos é algo bom para o país, e sobretudo para seus habitantes, porquanto vem atender à identidade de propósito entre o direito internacional e o direito público interno quanto à proteção daqueles direitos; e no tocante ao Poder Judiciário, a partir da compreensão de que a aplicação direta das normas internacionais de proteção dos direitos humanos é algo bom para o país, e sobretudo para seus habitantes, e que, ao invés de se apegar a construções e silogismos jurídico-formais e a um normativismo hermético, o que verdadeiramente se impõe é proceder à correta interpretação das normas internacionais e nacionais de modo a realizar a proteção do ser humano (pro victima), sejam tais normas de origem internacional ou nacional.
A nova mentalidade que daí surgirá, haverá de manifestar-se, com maior vigor, no seio de uma sociedade mais integrada e imbuída de um forte sentimento de solidariedade humana, sem a qual pouco logra avançar o Direito. Este o memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional, que me permito apresentar a esta III Conferência Nacional de Direitos Humanos, como contribuição, de um brasileiro preocupado com o futuro de seu país, ao debate nacional sobre a matéria. Confio em que, imbuídos de uma nova mentalidade, continuaremos, todos juntos, nas instituições públicas nacionais e no seio da sociedade civil brasileira, assim como nos órgãos internacionais de supervisão, a buscar a plenitude da proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional. O que todos almejamos, em última análise, é deixar um Brasil mais justo a nossos filhos. Que esta III Conferência Nacional de Direitos Humanos se converta em uma data marcante, em um divisor de águas, na realização deste singelo propósito.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecendo a extraordinária contribuição ao Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade, passamos a palavra ao Deputado Federal e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Hélio Bicudo. Esta Presidência informa também que logo depois das exposições e do debate teremos à disposição de todos o Relatório da Comissão de Direitos Humanos de 1997 e o relatório completo da II Conferência, realizada no ano passado. Teremos também o lançamento de livros de autoria do Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade; do Deputado Hélio Bicudo, intitulado "Direitos Humanos e sua Proteção"; da Dra. Valéria Getúlio Brito, do Movimento Nacional de Direitos Humanos; e da Dra. Cecília Coimbra, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia.
Os autores estarão autografando suas obras no final do debate, que será seguido de um coquetel oferecido a todos os presentes.
Com a palavra o Deputado Hélio Bicudo.
O SR. DEPUTADO HÉLIO BICUDO - Sr. Presidente, em cuja pessoa saúdo os companheiros da Mesa e os demais presentes a este ato, antes de abordar o tema que me foi atribuído, gostaria de lembrar a memória de alguns companheiros que nos últimos dias se foram da nossa companhia.
Começaria por recordar a figura desse ilustre Parlamentar que foi o Deputado Luis Eduardo Magalhães, recentemente falecido. Foi S.Exa. que presidiu a instalação desta Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e também foi na sua gestão como Presidente da Câmara dos Deputados que logramos toda a infra-estrutura material e pessoal para o melhor desempenho e funcionamento desta Comissão.
Na sua visão de estadista, olhando acima dos partidos, a Comissão de Direitos Humanos era por ele considerada instrumento da maior importância na implementação e na proteção dos direitos humanos no Brasil. Daí, por igual, a sua atuação na aprovação de projetos de lei que buscavam e buscam a concretização desses direitos. Não poderíamos esquecer, dentre outros, o seu empenho na aprovação do projeto que amplia a competência da Justiça Comum para o processo e julgamento dos delitos praticados por Policiais Militares nas atividades de policiamento, que está, depois de anos e anos de discussão e em tramitação nestas duas Casas, apenas parcialmente concretizado.
Presto à memoria do Deputado Luis Eduardo Magalhães as minhas homenagens e lamento a falta que já se faz sentir no concerto da democracia brasileira.
Por outro lado, Sr. Presidente, quero exprimir a minha indignação diante do assassinato, em dias de abril último, do eminente advogado colombiano e defensor dos direitos humanos, Eduardo Umana Mendoza, na seqüência de eliminação de Mário Calderon, de sua esposa e sogro, eliminados no clima de violência que se exacerba hoje na Colômbia. Fatos aos quais logo se seguiu o assassinato de Monsenhor Juan José Gerardi Conedera, na Guatemala.
Parece mentira que tenhamos de presenciar atos dessa natureza já no limiar do século XXI.
São todas perdas irreparáveis.
Isto posto, vamos à matéria que, na verdade, pode até ser repetitiva quanto ao que já se falou neste ato, porque nós, expositores, não nos encontramos antes para dividir o conteúdo de nossas explanações. De maneira que, sendo eu o último expositor, na medida em que encontrar repetições, vou permitir-me eliminá-las, porque já estarão satisfeitas por aquilo que foi produzido nesta Mesa.
Convém observar que no momento em que a civilização européia atingiu o ultramar com as descobertas da América e do caminho das Índias, todos os missionários que vieram para a hoje América Latina, mesmo os mais proféticos como o Frei Pedro de Córdoba e Bartolomè de Las Casas, partem do pressuposto de que o cristianismo é a única e verdadeira religião e de que as religiões dos índios eram falsas e obras de satanás.
Não se fazia - escreve Leonardo Boff, ao abordar o tema - uma leitura teológica das culturas dos índios; a única ordem querida por Deus é aquela da cristandade; importa compelir a todos para que integrem essa ordem religiosa que é, ao mesmo tempo, uma ordem cultural.
Daí a atitude constante nos catecismos do século XVI: a satanização das religiões dos índios. Sob o pretexto de pôr fim aos sacrifícios humanos - quantos sacrifícios humanos não foram "santamente" cometidos -, a cristianização dos índios encobriu a violenta maré de cobiça e horror que se abateu sobre a América Latina nos anos da conquista e de sua consolidação.
Eduardo Galeano, em "As veias abertas da América Latina", um clássico sobre a matéria, escreve que "as mais bem fundadas e recentes investigações atribuem ao México pré-colombiano uma população que oscilava entre os 30 e 37,5 milhões de habitantes. Calcula-se uma quantidade idêntica de índios na região andina. A América Central contava com 10 ou 13 milhões de habitantes. Astecas, incas e maias somavam entre 70 a 90 milhões de pessoas, quando os conquistadores estrangeiros apareceram no horizonte; um século e meio depois, tinham-se reduzido no total a apenas 3 milhões".
O Arcebispo Liñan y Asuenos negava o aniquilamento dos índios: "É que se escondem" - dizia ele - "para não pagar tributos, abusando da liberdade de que gozam e que não tinham na época do incas".
Na costa atlântica, do nosso lado, calcula-se que na faixa litorânea viviam mais de 1 milhão de pessoas quando aqui aportou Pedro Álvares Cabral. Cem anos depois, esses índios não somavam 100 mil pessoas: eliminados ou expulsos para a selva interior, onde logo mais muitos deles foram apanhados.
A atitude dos missionários, em face das religiões dos índios, produziu a maior perplexidade entre Astecas e Incas. Há sempre, seja por parte dos missionários espanhóis, seja por parte dos portugueses, uma verdadeira guerra aos pajés e sacerdotes índios. Chega-se ao cúmulo - pois a herança religiosa deixada por Astecas e Incas qualificava-se, segundo eles, pela mentira, vaidade e ficção - de se entender a barbárie dos colonizadores contra os índios como justo castigo pelos pecados da idolatria. E acrescentava-se uma ameaça final: "se não se ouvirem as palavras divinas... Deus, que começou a destruí-los por vossos pecados, acabará de vez por destruí-los".
Os jesuítas no Brasil testemunharam que "por experiência, vemos que por amor é muito dificultosa a conversão do índio, mas como gente servil, por medo fazem tudo."
O que acontecia, em especial nas Américas Central e do Sul, era bem o espelho de uma verdade imposta por dogmas que se inspiravam em interpretações estreitas e estranhas ao progresso do saber humano, teimosias na manutenção do status quo que incompatibilizava religião e ciência. Aí estão os episódios, dentre tantas atrocidades cometidas pelo Santo Ofício, da condenação à morte pelo fogo de Giordano Bruno e da abjuração de Galileu Galilei. Toda a obra de Teillard de Chardin só vem à lume muito depois de concebida, trancada a sete chaves pelos donos da verdade, que era apenas deles, mas que, ao invés de encontrar na ciência uma das fontes do conhecimento de Deus, intentava fechar-se sobre si mesma, alheando-se assim num modelo que entrava em crise, justamente porque não mais atendia às demandas de um projeto esgotado.
Esse passado, no qual a parceria entre Governo e Clero foi, na maioria das vezes, o fundamento da violência, fez despontar o caudilhismo que ainda há bem pouco tempo - fomentado, então, por interesses imperiais dos Estados Unidos, em especial nos primeiros anos da Guerra Fria - tornou-se a mola propulsora da violação dos direitos que qualificam a pessoa, sob o pretexto de se manter uma dada ordem social, econômica e política.
Neste instante, é relevante observar que a Igreja Católica, a partir do Concílio Vaticano II, deu início a um movimento de renovação que teve um de seus momentos mais importantes na reunião de Puebla, em 1979, quando se denunciaram violências que vinham sendo praticadas pelos regimes ditatoriais que pouco a pouco se instalavam na América Latina, sob a inspiração da doutrina da segurança nacional, nascida nos Estados Unidos para preservar e ampliar o império.
E foi, sem dúvida, toda essa violência que começou a despertar a consciência dos povos latino-americanos no sentido de encontrarem os caminhos para o estabelecimento de governos compromissados com a construção de uma sociedade nova, sobretudo sem excluídos.
Nesse processo, chamado de transição democrática, em que ainda vivemos, deixamos, entretanto, que muitas das raízes daquela violência que pretendia submeter o povo não fossem de todo arrancadas, e que algumas delas, ao contrário, tenham recebido bênção institucional.
Daí a inexistência de uma política de segurança pública, diante de um organismo policial voltado para a violência; daí a falta de acesso do povo à saúde, à educação, ao trabalho e à Justiça. Daí os equívocos eleitorais que, ao invés de apontarem para essa tão sonhada sociedade solidária, encaminham a formulação e a implementação das políticas públicas para uma concentração de renda antes nunca vista, com o aumento progressivo das taxas de desemprego.
Aliás, tanto o Banco Mundial como o Fundo Monetário Internacional concebem que as chamadas "políticas de ajuste econômico", que ignoram a necessidade de atendimento das demandas sociais, têm sido responsáveis pelos resultados que todos sentimos, com o crescimento dos níveis de miséria e o empobrecimento de extensos setores da classe média.
Ora, esse Estado que procura organizar-se na luta contra a violência, enfraquecido pela política econômica atrelada aos interesses dos Estados Unidos e de seus parceiros, busca, não obstante, dar um salto de qualidade, instituindo organismos internacionais de controle no que se refere, em especial, aos direitos humanos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos são, do ponto de vista da censura internacional, instrumentos de maior valia na contenção da violência institucional nos países das Américas Latina e do Norte e do Caribe.
Eu me permitiria, neste instante, ler um pequeno trecho do discurso recentemente proferido pelo Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, perante o Parlamento Venezuelano:
A Comissão leva a cabo suas funções, fundamentalmente, através das seguintes atividades: em primeiro lugar, mediante o sistema de casos individuais, que consiste no direito de petição ou ação popular própria do sistema interamericano para ingressar na Comissão, a fim de denunciar as violações de direitos humanos das pessoas naturais, causadas pela ação, omissão ou tolerância de agentes ou entes de quaisquer que sejam os Estados americanos. Uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade, que incluem o esgotamento dos recursos internos ou, em sua falta, a aplicação de uma das exceções estabelecidas, a Comissão declara sua admissibilidade, põe-se à disposição das partes para lograr uma solução amistosa e, nos casos em que esta não seja possível, prossegue na tramitação contenciosa, mediante audiências, provas e informes de fundo. Esses informes de fundo contêm as conclusões da Comissão. E, no caso de verificarem-se violações dos direitos humanos, formulam-se ao Estado recomendações restabelecedoras, reparadoras e indenizatórias correspondentes. O sistema de casos individuais, que é o fundamental no sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, inclui a competência da Comissão com base no seu regulamento, para solicitar aos Estados a adoção das "medidas cautelares" em situações urgentes; e a possibilidade de solicitar à Corte Interamericana a adoção de "medidas provisionais".
Ainda recentemente, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, examinando petições a ela dirigidas por sentenciados à morte no Caribe, determinou medidas cautelares e, diante do silêncio dos Governos do Caribe, na obediência das medidas cautelares, solicitou à Corte medidas provisionais que permitissem o reexame dos procedimentos levados a efeito - e que determinaram a condenação dos réus -, para que se verificasse se esses procedimentos se qualificaram pelo devido respeito aos direitos das pessoas, ao devido processo legal.
Na suposição de que o Estado responsável não dê cumprimento às recomendações formuladas pela Comissão, esta pode levar o caso perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, se aquele aceitou sua jurisdição segundo a Convenção Americana. A Corte, além de receber e estabelecer o procedimento, dita uma sentença de fundo, decidindo sobre a responsabilidade internacional do Estado pelas violações ocorridas e estabelecendo as reparações e as indenizações correspondentes.
Essa sentença, em matéria indenizatória, pode executar-se pelos mecanismos previstos no Direito Interno para sentenças contra o Estado.
Por aí, temos um resumo da atuação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
No Brasil convém, neste passo, assinalar a proteção dos direitos humanos, que até a última década fazia-se, sobretudo, mediante a atuação dos órgãos internos, principalmente não-governamentais, e que passou a ser assumida pelo Ministério Público, por meio dos instrumentos que a Constituição brasileira de 1988 conferiu à Instituição, e que hoje encontra amparo nas comissões estaduais e municipais de direitos humanos, até certo ponto com a coordenação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a partir da paulatina aceitação do que poderíamos chamar de generalização dessa proteção, foi ganhando espaço em âmbito nacional e internacional, diante mesmo da unidade conceitual de direitos humanos, alcançada nos conclaves internacionais, como aconteceu, e aqui já foi mencionado, por último, na Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993.
A Declaração Americana dos Deveres e Direitos do Homem e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ambas de 1948 - sendo que a americana precedeu a Declaração Universal -, como se tem afirmado, constituíram o marco inicial de um movimento que prossegue até hoje, justamente na linha da proteção além das fronteiras dos Estados. Dessa data até nossos dias, os instrumentos voltados ao propósito comum de salvaguarda dos direitos humanos formam um corpus de regras bastante complexo, de origem diversa - Nações Unidas, Organização dos Estados Americanos, comissões de direitos humanos ou agências especializadas, organizações regionais -, de diferentes âmbitos de aplicação (global e regional), distintos também quanto a seus destinatários ou beneficiários e, significativamente, de conteúdo, força e efeitos jurídicos desiguais ou variáveis (desde simples declarações até convenções devidamente ratificadas) e de órgãos exercendo funções também distintas (informação, instrução, conciliação e tomada de decisão). São igualmente distintas as técnicas de controle e supervisão (reclamações ou petições de diversas modalidades, relatórios periódicos, investigações).
A despeito de sua diversidade, constitui traço distintivo do rationale dos tratados e instrumentos de direitos humanos o de que se dirigem eles à proteção dos seres humanos e de que a solução de reclamações nesse campo deve ser assim guiada e pautar-se no respeito aos direitos humanos, pode-se dizer, in genere.
A verdade é que, pouco a pouco, foi-se superando o entendimento de que a proteção dos direitos humanos se esgota na atuação dos Estados, naquilo que Cançado Trindade denomina de "competência nacional exclusiva", que se equipara ao chamado "domínio reservado do Estado".
Segundo o ilustre autor, aqui presente, essa linha de pensamento não passa de "um reflexo, manifestação ou particularização da própria noção de soberania, inteiramente inadequada ao plano das relações internacionais".
Aliás, ainda hoje ouvi com alegria o Sr. Presidente da República, nas comemorações do terceiro ano do Plano Nacional dos Direitos Humanos, dizer que não há que se apelar à soberania como fator impeditivo da atuação dos órgãos internacionais de direitos humanos. Por quê? Porque são concepções originárias, tendo em mente o Estado in abstracto, e não em suas relações com outros Estados, e como expressão de um poder interno - eu aqui estou repetindo o que já disse o Prof. Cançado Trindade -, de uma supremacia própria de um ordenamento de subordinação, claramente distinto do ordenamento internacional, de coordenação e cooperação, em que todos os Estados são, ademais, de independentes, juridicamente iguais. Daí, conclui o ilustre conferencista: "Não há como sustentar-se que a proteção dos direitos humanos recairia sobre o chamado "domínio reservado do Estado", como pretendiam certos círculos há cerca de três ou quatro décadas".
Em conseqüência, no processo da atuação e não apenas de interpretação internacional dos documentos internacionais - como dos tratados em geral - não deve haver, e em verdade não tem havido, lugar para invocação de dogma da soberania. Foi, aliás, o que afirmou o Sr. Presidente da República ainda na manhã de hoje.
Como salientou o Prof. Caçado Trindade, esse tribunal já existe no Brasil. Ele foi proposto pelo Ato das Disposição Constitucionais Transitórias, quando diz que o Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos. Se esse tribunal já existe e o Brasil dele participa, como então restringir a sua competência àquilo que se harmonize com o nosso direito positivo?
Quando a Constituição brasileira propugna pela criação de um tribunal internacional para a proteção dos direitos humanos, sem qualquer distinção, está evidente que se submeterá à sua jurisdição. Ora, esse tribunal ou esses tribunais já existem: a Corte Internacional de Haia, o Tribunal Europeu, a Corte Interamericana. Portanto, não há como sair pela tangente e, segundo os interesses do Estado, escapar pela porta esquiva de um conceito de soberania - que até mesmo o Presidente da República rejeita - inteiramente ultrapassado nos dias de hoje.
O Brasil, não obstante tudo, mantém reservas no que respeita à aceitação da jurisdição da Corte Interamericana. Não bastassem os considerandos formulados por entidades governamentais e não-governamentais a propósito desse reconhecimento, que, por oportuno, me permito ler aos presentes. Trata-se de uma manifestação de 1996:
Considerando que a Constituição Brasileira de 1988 consagra o valor da dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito e estabelece a prevalência dos direitos humanos, como a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Interamericana para Prevenir e Coibir a Tortura em 1939, a Convenção sobre os Direitos da Criança em 1990, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos em 1992 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher em 1995;
Considerando que o Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado pelo Governo Federal em 13 de maio de 1996, prevê, dentre as ações internacionais para proteção e promoção dos direitos humanos, o fortalecimento da cooperação com organismos internacionais de proteção desses direitos, em particular a Corte Interamericana de Direitos Humanos;
Considerando que o Brasil aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos em 25 de setembro de 1992, sem contudo aceitar ainda a competência jurisdicional da Corte Interamericana, nos termos do art. 62 daquela Convenção;
Considerando que a Corte Interamericana, ao julgar denúncias de violação de direitos enunciados na Convenção Americana, constitui uma instância fundamental de proteção e garantia desses direitos, quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas - e quantas falhas e omissões podemos contar;
Considerando que o Programa de Ação de Viena de 1993, no parágrafo 90, recomenda aos Estados-parte de tratados de direitos humanos que considerem a possibilidade de aceitar todos os procedimentos facultativos existentes para a apresentação e o exame de petições ou comunicações;
Considerando que, até agosto de 1996, um significativo número de Estados Latino-Americanos reconheceu e aceitou a competência jurisdicional da Corte Interamericana, destacando-se Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru (decisão bastante recente), Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. E nestes dias o México prepara-se, também, para reconhecer a jurisdição da Corte;
Considerando a urgência de o Estado Brasileiro reconhecer e aceitar a jurisdição da Corte Interamericana como importante mecanismo internacional de proteção dos direitos humanos.
Entidades governamentais e não-governamentais subscreveram o Manifesto ao Presidente da República solicitando que se encaminhe ao Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos declaração reconhecendo a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos como obrigatória e de pleno direito, nos termos do art. 62 da Convenção Americana de Direitos Humanos, incorporada pelo Direito Brasileiro em 25 de setembro de 1992.
Entre as entidades subscritoras destacam-se, sem maior consideração de qualidade, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, de São Paulo; Seção Brasileira de Anistia Internacional; Conselho Estadual da Condição Feminina; Comissão de Justiça e Paz; Centro Santo Dias de Direitos Humanos; Comissão Teotônio Vilela; Centro Goffredo Telles de Direitos Humanos; Ação Católica Operária Nacional; Movimento dos Sem-Terra; Comissão Indigenista Missionária; Juventude Operária Católica Brasileira; Década Ecumênica da Solidariedade das Igrejas com as Mulheres; Movimento de Igrejas Cristãs de São Paulo; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Grupo Tortura Nunca Mais; Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa do Ceará e de outros Estados; Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.
Também apóiam a campanha, dentre outros: Prof. André Franco Montoro; Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade; Prof. Antonio Carlos Ronca; Belisário dos Santos Jr. e tantos outros.
O Itamaraty, entretanto, mantém irremovível sua posição contrária ao reconhecimento da jurisdição daquela Corte. E os argumentos, por último, a mim encaminhados, em resposta ao convite para uma mudança de posição, em absoluto, não me convencem.
São eles, após acusarem o recebimento do meu ofício encaminhando as manifestações das entidades e de pessoas:
Em resposta, observo que a Mensagem Presidencial que submeteu o texto da Convenção Americana sobre Direitos Humanos à aprovação do Congresso Nacional referia-se às chamadas cláusulas facultativas nos seguintes termos: No tocante às cláusulas facultativas contempladas no § 1º do art. 45 - referente à competência da CIDH para examinar queixas apresentadas por outros Estados sobre o não-cumprimento das obrigações - e o § 1º do art. 62 - relativo à jurisdição obrigatória da Corte - não é recomendável, na presente etapa, a adesão do Brasil.
O não-reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos não decorre de uma "interpretação restritiva" do Tratado, mas, sim, da faculdade conferida aos Estados partes, pelo próprio § 1º do art. 62 do Pacto de São José.
O Governo Brasileiro optou por consolidar as práticas de implementação da Convenção - que exigem um considerável esforço na estrutura federativa - e amadurecer seu diálogo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, antes de dar o passo de reconhecer a competência da Corte. Mas essa opção não significa a ausência de cooperação com aquele tribunal. Ao contrário, o Governo brasileiro tem prestado seu apoio ao funcionamento da Corte e teve muita satisfação com a eleição de seu candidato, Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade, para Juiz. Em consonância com a recomendação do Programa Nacional de Diretos Humanos, o Governo vem buscando, mediante diversas iniciativas, fortalecer a cooperação com a CIDH, com a Corte e com o Instituto Interamericano de Direitos Humanos.
O assunto deve ser visto, portanto, numa perspectiva dinâmica. O reconhecimento da competência obrigatória da Corte continua sendo estudado. É preciso, antes de tudo, considerar que a própria Corte é uma instituição que está em evolução e em processo de consolidação - o que me parece discutível. Até 1993, a Corte havia julgado um número muito reduzido de casos - estamos em 1998 - e só recentemente tem ampliado sua atuação. Além disso, o estudo sobre a conveniência de reconhecer a competência obrigatória da Corte deve levar em conta a necessidade de aperfeiçoamento dos meios legais e administrativos de que a União dispõe, na estrutura federativa, para o cumprimento das obrigações internacionais.
Ora, todos estamos cientes de que, sendo o Brasil uma Federação, em muitos casos as violações de direitos humanos são de responsabilidade dos Estados membros, o que acontece, em última análise, em decorrência de diplomas legais de abrangência nacional, quer dizer, de leis federais, embora aplicadas pelos Estados membros. Recorde-se, contudo, que, diante do Direito Internacional, o Estado brasileiro, quer dizer, a União é responsável por quaisquer violações de direitos humanos em seu território.
Portanto, a ser mantida semelhante posição, na consideração de que o Brasil é um Estado federado, não haveria possibilidade de um Estado Federativo, qualquer que seja, admitir a jurisdição de uma corte internacional de justiça.
Aliás, em pontuação final, como falar-se em soberania nacional quando está em pauta a questão dos direitos humanos? Essa afirmativa foi anterior à afirmativa hoje feita pelo eminente Sr. Presidente da República. Quando em cada tratado, seja relativo à regulação da tecnologia científica, seja consoante à abertura industrial e comercial, estamos abrindo mão de parcela, às vezes bastante substancial, de nossa soberania em benefício do bom relacionamento das nações? E as pessoas, os direitos humanos, como ficam?
Pois bem, como vimos, a história da América Latina e do Caribe aparece maculada, desde a conquista pela sistemática violação dos direitos humanos. As vítimas foram, primeiro, os índios e os negros, depois os trabalhadores e, afinal, os contestatórios políticos. As nossas instituições, não obstante os esforços de muitos, não conseguiram dar à sociedade que se foi formando em nosso continente a estabilidade imprescindível à realidade da Justiça e de seu fruto, que é a paz. Não é por outro motivo que a atuação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, das organizações de direitos humanos nacionais e estaduais, sobretudo das organizações não-governamentais - que foram na verdade a alavanca que deu o impulso a essa caminhada no sentido do reconhecimento e da proteção dos direitos humanos - constituem-se em organismos instrumentadores da Corte Interamericana de Direitos Humanos, para que ela possa atuar nos hiatos deixados pelas instituições nacionais e para que as pessoas sejam protegidas, onde e como for, na sua dignidade.
Creio que, a prosseguir nessa linha, deixando de lado falsos arroubos de soberania, estaremos antevendo um terceiro milênio com olhos de esperança.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao Deputado Hélio Bicudo, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e desta Comissão de Direitos Humanos, a participação.
Repetimos que logo após os debates estaremos lançando diversos livros, entre eles, o do Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade; os relatórios da Comissão de Direitos Humanos, de 1997; o relatório da II Conferência; o livro Direitos Humanos e sua Proteção, do Deputado Hélio Bicudo; o livro sobre movimento de direitos humanos, A Luta dos Direitos Humanos, da Dra. Valéria Getúlio de Brito e Silva, e o livro da Dra. Cecília Coimbra, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho de Psicologia.
Portanto, logo depois dos debates, teremos o lançamento desses livros, seguido de um coquetel.
Antes de passar a palavra ao Dr. Márcio Gontijo e ao Dr. Romany Rolland, que disporão de dez minutos, como debatedores - depois abriremos o debate com os presentes -, solicito a todos que queiram fazer alguma intervenção que façam sua inscrição. Cada um terá de três a cinco minutos. Se houver muitos inscritos, restringiremos o tempo a três minutos, se houver poucos, esse tempo será maior.
Passamos a palavra ao Dr. Márcio Gontijo, Vice-Presidente da Anistia Internacional no Brasil, debatedor neste painel, por dez minutos.
O SR. MÁRCIO GONTIJO - Sr. Deputado Pedro Wilson, Presidente da Mesa, senhores integrantes da Mesa, senhoras e senhores, das exposições feitas, vê-se algumas incoerências. Por exemplo, o que mais se fala é que o Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos, o Parque São José, mas não reconhece a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Por quê, quando basta essa declaração aceitando a cláusula?
O Brasil é um dos signatários da Convenção Interamericana sobre esse desaparecimento forçado de pessoas, firmada em Belém. Por que não o ratifica? O Brasil ratificou o Protocolo Interamericano da OEA sobre a Abolição da Pena de Morte. Teve papel de liderança para que esse protocolo tivesse vida, mas ainda não ratificou o Protocolo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, destinado a abolir a pena de morte. Peço aos senhores expositores que me corrijam. Inclusive, o Brasil votou a favor da resolução da ONU, mês passado, que contém recomendações para a abolição da pena de morte.
O Brasil ratificou o Pacto dos Direitos Civis e Políticos da ONU. Por que não ratificou o primeiro protocolo facultativo, que permitiria que os comitês técnicos não apenas analisassem os relatórios qüinqüenais, mas também recebessem denúncias de casos individuais?
O Brasil ratificou a convenção sobre tortura, da ONU, em 28 de setembro de 1989. Por que não admite, na forma do art. 22 da convenção, a competência também do comitê técnico para examinar os casos individuais que não tenham tido solução interna?
Essas incoerências também se manifestam quanto à aplicação interna das normas de proteção, em geral, dos direitos humanos.
Hoje, pela manhã, estivemos no Palácio do Planalto e verificamos várias medidas tomadas em favor dos direitos humanos, em seqüência ao Plano Nacional de Direitos Humanos, pelo Governo Federal. Mas, verificamos, por outro lado, nessas incoerências internas, atentados à universalidade dos direitos humanos, à falta de resolução de problemas sociais, que levam ao incremento da violência.
Recordo-me da manifestação da ONU sobre o relatório anterior do Brasil, que por sinal foi louvado pela sua clareza, pela sua sinceridade. Com todo respeito ao relatório do Brasil, a manifestação começava dizendo que com esta situação social era muito difícil haver respeito aos direitos humanos.
Recordo-me ainda de que, no Congresso Internacional de Direitos Humanos, realizado sob os auspícios do Conselho Federal da OAB, um membro do Comitê Executivo Internacional da Anistia dizia: "Nunca deixe uma pessoa chegar à conclusão de que não tem mais nada a perder". O fato é que estamos com essas incoerências no nosso País.
A oração memorial do Prof. Cançado Trindade revela uma situação de incoerência, à medida que o Brasil aceita as normas substantivas de proteção aos direitos humanos, mas não as adjetivas.
Recordo-me de norma do Direito Interno do Brasil, que diz que a todo direito corresponde uma ação, mas isso não está ocorrendo em âmbito internacional.
Quanto ao status das normas internacionais de direitos humanos, mencionados pelo Prof. Cançado Trindade, com referência ao § 2º, art. 5º da Constituição Federal, esse parágrafo lembra, mas de longe,o § 36 do antigo art. 153 da Constituição Federal, que falava que as garantias individuais previstas naquele artigo não excluíam outras que decorriam da Constituição Federal. E vai mais longe, fazendo referência aos tratados internacionais.
A observação de S.Exa. é perfeita à medida que esse § 2º está inserto no art. 5º, que é exatamente o dos direitos e garantias individuais. Ou seja, a Constituição brasileira inclui, entre os direitos e garantias individuais - os direitos humanos de forma geral -, não só os princípios que dela decorrem, mas também os tratados internacionais.
Evidentemente, pela colocação do dispositivo, quando se diz que se incluem na proteção os tratados internacionais, é claro que serão exatamente os de direitos humanos, pela coerência do dispositivo. Então, um tratado comercial qualquer não estaria abrangido por esse dispositivo constitucional. Mas também essa inclusão das normas internacionais, que constam do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, eleva as normas internacionais a garantias pétreas, como as garantias individuais, conforme disse o Prof. Cançado Trindade: "Sob a proteção do art. 60 da Constituição Federal, que não permite um retrocesso e diz que constituem cláusulas pétreas essas garantias individuais". Perfeita a observação do professor.
Nada mais tenho a dizer.
Outra observação importante é de que a obrigação é do Estado e não do Governo. Isso já afasta aquela observação, muitas vezes feita, de que, sendo o Brasil uma Federação, o Governo não tem como cumprir as normais internacionais de direitos humanos, porque não é o Governo que tem de fazê-lo, mas o País, o Estado.
Questionamentos podemos fazer com relação à aceitação da jurisdição da Corte Interamericana de Direito Humanos.
Reporto-me ao Ministro Marco Antônio Diniz Brandão e o faço com a maior alegria, porque S.Exa. tem sido um batalhador constante dos direitos humanos no Itamaraty. Sempre mantemos contato. S.Exa. tem um envolvimento pessoal com os direitos humanos; S.Exa. está no local certo.
Com essa observação, refiro-me à fala do Ministro, quando deu a entender que o não-reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos tem razão de ser diante da Federação.
Em primeiro lugar, a solução não estaria toda no Legislativo. Aí, se me permitem, procuro fazer observações aos Parlamentares componentes da Mesa.
A federalização dos crimes contra os direitos humanos encontra-se aqui no Congresso. Essa já seria uma solução. E também os óbices não parecem verdadeiros.
Vejamos: quem deve garantir, em última instância, os direitos humanos? O Judiciário. O Judiciário tem início estadual, mas as normas sobre direitos humanos são constitucionais. E a discussão vai até o Supremo Tribunal Federal, que é a egrégia Corte constitucional do País.
Pergunto: há razão, se a obrigação é do Estado, do Brasil e não do Governo.? Espera-se que o Supremo Tribunal Federal garanta a proteção dos direitos humanos. Então, a Federação não influi nisso. O Supremo Tribunal Federal terá de garantir isso, para não dizer que até mesmo de lege lata já se poderia questionar a possibilidade até da apuração de tais crimes pela Polícia Federal, porque diz que a ela incumbe a apuração de crimes praticados de forma interestadual, de maneira conjunta, ou que envolvam questão internacional. E o cumprimento desses tratados é uma questão internacional.
Recordo-me de parecer mais ou menos nesse sentido, exarado pelo Prof. Inocêncio Mártires Coelho junto ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoas Humana no Ministério da Justiça. Já de lege lata se poderia discutir isso. O fato é que parece uma incoerência o Brasil aceitar a Comissão Interamericana, ratificar a Convenção Americana, mas não aceitar a jurisdição. E, da mesma forma, essa incoerência estende-se aos demais pontos a que me referi.
O Brasil, que foi um dos criadores da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ainda não ratificou sua jurisdição no Brasil. E o Brasil não permite a atuação dos comitês técnicos para o recebimento de denúncias individuais. Peço, se estiver enganado, que os especialistas da área me corrijam.
Recordava-me, quando vinha para este debate, das palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que repetiu a assertiva de que a democracia hoje tem um nome: direitos humanos. Diria que os direitos humanos têm um nome: coerência. Acredito que hoje temos de buscar a coerência para a proteção dos direitos humanos, tanto na legislação quanto na implementação.
Deixo aqui esses questionamentos formulados para os senhores debatedores e agradeço a todos a atenção. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao Dr. Márcio Gontijo, da Anistia Internacional, a participação.
Antes de passar a palavra ao Dr. Romany Rolland, reafirmo que a nossa assessora, Srta. Jurema, estará circulando entre os presentes, para anotar os nomes daqueles que quiserem fazer alguma intervenção. Após a fala do Dr. Romany, daremos a palavra aos que o desejarem. E, em seguida, ao final, teremos as considerações finais dos senhores expositores.
Comunico que temos um documento encaminhado pela Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo, endereçado ao Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas. Nesse documento procura-se eliminar a impunidade nas prisões, facilitando e garantindo especificamente o imediato exame de corpo de delito no caso de agressão; insiste-se para que o corpo médico das prisões obedeça e cumpra, em seu trabalho, as normas nacionais e internacionais, e garantir a inspeção livre e desimpedida das prisões e cadeias por ONGs nacionais e internacionais de direitos humanos.
Tal documento é assinado por João L. Pacheco, Conselheiro Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos; Renato Simões, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa; por mim, Deputado Pedro Wilson, em nome da Comissão de Direitos Humanos; e pelo Padre Francisco, Coordenador da Pastoral Carcerária da CNBB.
Com a palavra o Dr. Romany Rolland.
O SR. ROMANY ROLLAND - Saudamos a todos, na pessoa do Deputado Pedro Wilson, ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos desta Casa e Coordenador-Geral da 3ª Conferência.
Inicialmente, queremos manifestar a satisfação da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em participar dessa 3ª Conferência, brilhante e oportunamente lançada pela Comissão de Direitos Humanos desta Casa.
Convocada para debater o tema do painel, mas, convergindo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil com pensamento lúcido e atual dos expositores, a Comissão Nacional de Direitos Humanos deliberou, por unanimidade, em não se contrapor ou discordar dos pronunciamentos. Decidimos aproveitar esta rara oportunidade, onde cada um dos participantes demonstra compromisso com o tema, para lançar dois assuntos, ou duas moções, e, ao final, colher a opinião dos senhores expositores.
Evidentemente, não vamos falar da escravidão, só por causa do dia 13 de maio, apesar de o trabalho escravo existir na atualidade. Vamos expor dois temas que a Comissão Nacional de Direitos Humanos deliberou, como eu disse, para que fossem apresentados nesta oportunidade, a fim de colhermos a opinião dos expositores.
Passo, portanto, à leitura dessas moções.
Respaldada no conteúdo programático da 3ª Conferência Nacional, a Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB vem propor que seja votada uma moção de apoio à campanha internacional "Uma Flor para as Mulheres de Cabul"; campanha esta liderada pelo Parlamento europeu, que tem por objetivo preservar os direitos humanos das mulheres afegãs.
Propomos esta moção considerando que os direitos humanos constituem-se em uma das mais elementares preocupações da atualidade; considerando o artigo 14 da Plataforma de Beijin - documento oficial resultante da IV Conferência Mundial da Mulher, realizada em 1995, na China, que finalmente declarou que os direitos das mulheres são Direitos Humanos - e considerando que, em realidade, as crenças e práticas religiosas fundamentalistas, expostas pelos talibãs, encobrem profundas violações dos Direitos Humanos da população feminina, hoje proibida até de ir a um estádio de futebol, sem comentar as violências físicas e psicológicas a que são submetidas todas aquelas que expressam qualquer reação ao odioso tratamento discriminatório recebido .
Assim, com a finalidade de sensibilizar a opinião pública mundial para a realidade daquelas mulheres e pretendendo convencer os Governos membros das Nações Unidas a pressionarem os talibãs, a fim de que seja permitido o acesso não discriminatório da ajuda humanitária a cargo da ONU, bem como a aplicação das convenções internacionais naquela região, que versem sobre os direitos da mulher, propomos esta moção.
A moção de apoio, ora proposta, se aceita por esta egrégia plenária, deverá ser encaminhada à Sra. Ema Bonino , Fiscal de Relações Humanitárias do Parlamento europeu, que se encarregou de reunir a manifestação das entidades civis de todo o mundo, para posterior entrega à ONU, em sessão solene que marcará o encerramento da campanha.
Sr. Presidente, ainda dentro do tempo disponível, peço vênia para fazer, logo em seguida, a leitura de outro assunto, para, depois, fazer a indagação da Ordem dos Advogados do Brasil.
Freqüentemente, a imprensa noticia problemas que afetam as entidades responsáveis pela reeducação de adolescentes infratores. Diversas denúncias retratam o caos que se instalou nas organizações destinadas à custódia e ao internamento desses adolescentes.
Em sua edição do dia 10 do corrente, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, denuncia graves violações aos direitos humanos e ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que estão sendo perpetradas por autoridades do Instituto Central de Menores da Fundação Estadual de Bem-estar do Menor de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, cuja leitura estarrece a todos.
No Brasil, são violados direitos fundamentais, sociais e de solidariedade dos adolescentes infratores que, sob o regime de internação, sofrem constantes espancamentos, torturas, utilização forçada de medicamentos sedativos em doses fortíssimas, medicamentos esses que atuam sobre o sistema central, com a finalidade de contenção de protestos e com a conivência médica, o que é pior. Sofrem falta de condições mínimas de salubridade e de higiene, ausência de assistência jurídica e de ensino regular e profissionalizante.
Diante desses fatos violadores dos direitos humanos, propõe-se, primeiro, formulação de uma política nacional baseada na Lei nº 8.069, no que tange ao adolescente infrator, no sentido do reaparelhamento físico das instituições estaduais de internação sob as óticas:
1) do permanente acompanhamento psicológico e psiquiátrico; da efetiva educação regular e profissionalizante; da prática constante e orientada de atividades esportivas e de lazer; da assistência familiar e religiosa, esta optativa para o interno e obrigatória para o Estado;
2) propugna-se pela constante capacitação profissional e ética dos funcionários encarregados do trato de adolescentes infratores;
3) instar a atuação efetiva e eficaz do Ministério Público na fiscalização das instituições destinadas à internação de adolescentes infratores.
Sr. Presidente, conferencistas, quão bom e suave seria se todos os países do mundo pudessem reconhecer a jurisdição das cortes internacionais. Ontem foi aprovada moção, pelo Conselho Federal da OAB, em defesa das mulheres afegãs. Há constante preocupação - agora, de forma drástica - com esses menores drogados do Rio Grande do Sul, para se conter a violência. Tudo isso também preocupa.
A Ordem dos Advogados do Brasil traz aqui uma indagação aos senhores expositores: como as entidades da sociedade civil podem contribuir efetivamente para que os países, principalmente o Brasil, possam reconhecer a jurisdição das cortes internacionais?
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (DEPUTADO HÉLIO BICUDO) - Antes de mais nada, quero anunciar que vou ter de me retirar, como os Parlamentares que aqui estavam já o fizeram, porque estamos em votação de emenda constitucional no plenário da Câmara.
No Brasil ainda está viva a cultura da repressão, da opressão. E essa cultura, disseminada pela sociedade brasileira, encontra nesta Casa uma repercussão muito favorável. Daí as dificuldades que aqui existem para a aprovação de projetos que objetivam exatamente a descompressão dessa opressão.
Um corpo que representa uma sociedade repressiva é um corpo repressivo. Para se obter mínimos objetivos no sentido de implementação e proteção dos direitos humanos, as lutas - elas dependem do Executivo, que depende também do Judiciário, que, evidentemente, depende do Legislativo - demandam, infeliz e lamentavelmente, um tempo muito maior do que aquele que seria necessário para a imediata defesa dos direitos da pessoa humana.
Quero recordar apenas aos senhores que o projeto que desloca competência da Justiça militar para a Justiça comum tramita nesta Casa há mais de oito anos, sem solução satisfatória, ainda, apenas parcial, mais para o público externo do que para a defesa dos direitos dos cidadãos brasileiros.
Quanto ao que se deve fazer, estamos empenhados nessa luta há mais de vinte anos. Essa é uma luta do dia-a-dia, que não conhece madrugadas, dias, semanas, meses e anos. Essa luta terá de penetrar na consciência dos brasileiros, para que se lembrem de que os direitos humanos são o fundamento da própria existência da sociedade.
Como sou obrigado a ir para o plenário da Câmara, vou pedir ao Prof. Cançado Trindade que assuma a Presidência e que, com a sua experiência e sabedoria, encaminhe o final deste debate.
Muito obrigado. (Palmas.)

DEBATES

O SR. PRESIDENTE (Antônio Augusto Cançado Trindade) - Se todos estiverem de acordo, poderemos proceder da seguinte forma: deixarmos a palavra em aberto a todos os participantes que porventura quiserem formular perguntas ou comentários e, ao final, o Ministro Marco Antônio Diniz Brandão e eu faremos nossas observações finais.
A palavra está aberta.
O primeiro inscrito é Cláudio Iovanovitch, da Associação da Preservação da Cultura Cigana.
O SR. CLÁUDIO IOVANOVITCH - Boa-noite a todos, boa-noite à Mesa. É com muita alegria que o povo cigano vem a esta Conferência Nacional de Direitos Humanos dizer que nos sentidos duplamente discriminados. Neste País não se cumpre a Constituição nem para o povo brasileiro. Imaginem para o povo cigano brasileiro.
É claro que estamos usando todos os meios para que neste País multirracial, com várias etnias, onde estamos há muitos anos, sejamos inseridos .
Muitos pensam que no caso do nosso povo isso é um sonho. Para alguns, um sonho bom; para outros, um sonho ruim. Mas é só um sonho. Fomos excluídos do Plano Nacional de Direitos Humanos.Tínhamos dois artigos, que foram enviados como sugestões.
Há muito tempo estamos tentando nossa inclusão no patrimônio nazista que se encontra no Brasil, mas as pessoas não ouvem. Uma das coisas que o Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade disse aqui: "Amanhã nós vamos resolver". E o Sr. José Gregori usa muito isso. Já denunciamos esse fato, mas eles não nos respondem, nem ao Ministério Público, nem à Comissão Nacional de Direitos Humanos.
O Deputado Pedro Wilson sabe da nossa luta, o Deputado Eraldo Trindade, também, como novo Presidente. O que estamos pedindo é que queremos fazer parte deste País, que ajudamos a construir. O povo cigano está sistematicamente sendo excluído. Nós estamos lutando para que reconheçam o nosso povo como vítimas do holocausto e como brasileiros, acima de tudo.
Vou passar para os senhores os nossos questionamentos, para que analisem, para que nos ajudem.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Antônio Augusto Cançado Trindade) - Próximo orador inscrito, Luiz Francisco Caetano Lima, da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Goiás.

O SR. LUIZ FRANCISCO CAETANO LIMA - Parabenizo os palestrantes desta tarde.
Gostaria de fazer algumas perguntas ao Sr. Cançado Trindade, elogiando-o, primeiramente, pelo discurso e pelo profundo conhecimento que demonstrou ter sobre Direito argentino, inclusive sobre as reformas da Constituição de 1994.Realmente sou testemunha da crítica que os juristas argentinos têm feito. Em janeiro, estive fazendo um curso de doutorado. Todos os professores criticavam o texto, porque cristalizavam aqueles tratados - o que ficava inviável - não sei se com uma fórmula jurídica e legislativa adequada.
Outro elogio - quero desejar-lhe sucesso - é em relação à Corte Internacional. Aliás, V.Exas. bem sabem sobre a obra de Hurt: "Les concepts de droits". Ele disse que o elemento sanção não constituiria um elemento do Direito. O fundamental seria um poder jurisdicional, um tribunal para ajudar nas causas. Desejo-lhes sorte nesse implemento. Todos nós esperamos que o Brasil ratifique os tratados que foram explanados.
As minhas perguntas são divididas em três categorias. A primeira categoria diz respeito à Corte. V.Exa. disse que uma lei interna poderia caracterizar uma violação. Conforme V.Exa. disse, uma lei poderia estar em contrariedade aos direitos humanos. Ainda que não tenha havido, concretamente, alguma violação sofrida por um ser humano, pergunto: a Corte julgaria e anteciparia, é claro, uma prevenção a violações futuras, decorrentes dessa lei contrária aos Direitos Humanos?
Quanto à Corte, ainda: na omissão, pode a Corte recorrer a um tratado universal para aplicá-lo no caso concreto em julgamento?
A segunda categoria de perguntas diz respeito à matéria de direitos humanos.
Qual seria a delimitação do objeto dos direitos humanos? Na realidade, o homem, vamos dizer assim, seria o DNA da molécula familiar, cujo conjunto forma a sociedade. Trata-se de algo muito abrangente. Todos temos diversas relações e o direito contempla o homem em suas múltiplas relações.
Às vezes, temos certa dificuldade, diante dessa amplitude, de delimitar a matéria e aplicá-la sob os princípios e égides pertinentes. Gostaria que V.Sa. nos passasse uma conceituação mais delimitativa dos direitos humanos.
Ainda quanto à matéria, V.Sa. falou sobre o caráter especial dos direitos humanos, embora não tivesse tido tempo, como sabemos, de discorrer sobre o assunto. Gostaria de saber sobre um dos fundamentos da epistemologia.
Um dos fundamentos salientados por V.Exa., o único que percebi no discurso, foi a garantia coletiva. Quais seriam os outros que V.Sa. poderia dar sobre essa teoria de que os direitos humanos seriam um direito especial? É claro que também concordo, porque neste caso se aplicaria o seguinte brocardo: lex especiale derogat lex generale.
Quanto aos direitos humanos, ainda, no âmbito internacional estão claras as partes dos direitos humanos: o violador e o Estado, seja por ação seja por omissão; e o violado, que é a vítima.
Costumo salientar que no Brasil o contexto histórico foi diferente. Não se poderia falar como se fosse a França, ou seja, os direitos humanos surgiram do Direito Internacional, das grandes declarações, influenciando e modificando o Direito Interno. Gostaria de saber quais seriam essas partes na relação jurídica decorrente dos direitos humanos, no âmbito interno.
Por exemplo - refiro-me a essa questão porque ela aparece na nossa Comissão de Direitos Humanos e às vezes ficamos tentando resolvê-la -, um assassinato bárbaro de civis: ladrões entram numa casa e praticam um crime. Dá-se uma convulsão social e o fato é levado para a Comissão, em busca de providências. Quem seria o agressor, sob a égide do Direito Interno? Sob a égide do Direito Internacional, está claro, mas, e na do Direito Interno?direito No âmbito interno há o Direito Penal, que pune quem pratica crimes. Como fica essa questão de relação jurídica? Quem é o agressor e quem é a vítima? É o Estado? São os particulares? Isso, sob o Direito Interno.
O terceiro e último tópico diz respeito aos temas abordados.
Há aqui uma questão, sobre a qual estou digerindo, para ver se sustento minha tese. Desejo saber qual a posição de V.Sa. A Constituição Federal pode ser derrogada por tratados internacionais?
Vamos esquecer o caso a que V.Sa. muito bem se referiu - fiquei admirado e bem satisfeito -, quanto ao § 2º do art. 5º. V.Sa. disse muito bem: não precisa mexer; é só interpretação. Vamos entrar na era avançada da interpretação.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Observe o tempo, por favor, Dr. Luís Francisco Caetano da Silva.
O SR. LUIZ FRANCISCO CAETANO DA SILVA - Há possibilidade de derrogação da Constituição Federal por tratados internacionais? Esse ponto é que não consegui enxergar ainda.
Está certo que há a visão particular de V.Sa. sobre o caráter especial dos direitos humanos. Mas essa divergência doutrinária não é só teórica. Ela é prática, do monismo e do dualismo, porque sobre um mesmo território, uma mesma população, é impossível - ou, pelo menos, fora do sofisma - aplicar uma mesma legislação.
Então, no choque, qual seria a teoria aplicável?
Finalizando, critico o Supremo por sua posição retrógrada quanto ao depositário infiel decorrente da alienação fiduciária; reiteradamente, ele vem manifestando a sua permissão constitucional.
Sabemos que essa é uma medida excepcional, ranço de um passado longínquo, que não está contemplada nos tratados internacionais em vigor no Brasil, seja por parte da São José, que proíbe a prisão por dívida, seja por parte Tratado de 1966, da ONU, que também não permite prender um cidadão por apenas descumprir uma cláusula contratual.
Dessa forma, fica registrado o meu repúdio a essa interpretação, que já não é mais contemplada no STJ, tampouco nos Estados. No Tribunal de Justiça de Goiás, meu Estado, a opinião é unânime - há dois ou três Desembargados que têm essa interpretação, mas todos os órgãos fracionados já entendem que não é aplicável prisão civil.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao Dr. Luís Francisco Caetano da Silva, da Comissão de Direitos Humanos da OAB/GO, a participação.
Passamos a palavra ao Dr. Olympio Moraes Júnior, da Comissão de Direitos Humanos do Amazonas.
O SR. OLYMPIO MORAES JÚNIOR - Ouvi o Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade e o Ministro Marco Antônio Diniz Brandão discorrerem sobre a aplicação dos direitos humanos no plano internacional e no âmbito nacional, em decorrência de tratado internacional.
Falamos en passant sobre a aplicação nacional de direitos humanos, sob as óticas da legislação nacional e da execução nacional. O Prof. Antônio Augusto clamou para que houvesse execução de decisão do tribunal internacional, o que achamos fundamental, pelos tribunais nacionais, o que não se faz.
Temos milhares de causas em que o Estado, o Município, a União são condenados reiteradamente e não se cumpre coisa alguma. É bonita, mas um tanto quanto utópica a aplicação disso.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Informo que no painel de amanhã vamos tratar da concretização dos direitos humanos no Brasil.
O SR. OLYMPIO MORAES JÚNIOR - Gostaria que tecessem comentários sobre o que o Direito Internacional ou o tribunal internacional poderiam fazer diante da falta de execução das condenações realizadas.
O caso dos precatórios judiciários, em que o Estado é condenado a indenizar inúmeras vítimas, só é usado, como se vê pela televisão, para outros tipos de negociação. Quando é para pagar pessoas, negros que foram presos - e tenho conhecimento de vários -, quando há condenações do Estado para indenizar, passam-se quatro, cinco, seis anos, e ninguém toma uma providência. Isso ocorre hoje nos Municípios, com milhares de trabalhadores. Há Municípios e Estados condenados, e ninguém toma qualquer providência.
Desta Casa mesmo, não vejo qualquer providência. Aqui se fala muito em direitos humanos, que são direitos de cidadania, mas não vejo qualquer providência para que se executem de alguma forma as dívidas que estão sendo reiteradamente feitas pelo Estado brasileiro. Nós, cidadãos, não podemos ficar a dever, quando já se está querendo adotar prisão por dívida, enquanto a União continua violando todas as normas e passando impunemente por isso.
Há outro problema, voltando à execução: como um tribunal internacional veria o caso do sistema prisional brasileiro, que está falido, que não funciona? E ninguém cuida também da Lei de Execuções Penais. Os juízes de execução dos Estados não tomam qualquer providência. OAB do meu Estado, pelo menos, é chamada sempre para apagar incêndio dentro de presídio, quando na verdade o juiz de execução é o primeiro a sai;, e somos nós que entramos.
Não vemos qualquer medida para que se mude a legislação brasileira, buscando uma forma de responsabilizar as autoridades ditas públicas, que não tomam qualquer providência, deixando-as muitas vezes para as seccionais da OAB.
Finalmente, falando em tratados, ratificações, desejo pedir ao Ministro Marco Antônio que comente um pouco sobre isso, porque o direito ao emprego é direito de cidadania. O Brasil ratificou a Convenção nº 158 da OIT, depois não a cumpriu e ficou por isso mesmo.
Gostaria que o assunto fosse comentado, porque se falou muito em ratificar um tratado com o tribunal. Mas algumas vezes o Brasil ratifica e depois não cumpre.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao representante da Comissão de Direitos Humanos do Amazonas, da OAB, a participação.
Com a palavra a Sra. Yares Ramalho Cortez, representante do CFEMEA.
A SRA. YARES RAMALHO CORTEZ - Boa tarde.
Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade, gostaria que o senhor se aprofundasse mais sobre a introdução da perspectiva de gênero na concepção de direitos humanos, reforçando a universalidade dos direitos emergentes nas últimas décadas, em consonância com os protocolos assinados pelo Brasil nas Conferências de Cairo e Pequim.
Também gostaria de ser mais esclarecida sobre a proposta da Ordem dos Advogados em relação àquelas mulheres do Afeganistão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Obrigado, Sra. Yares Ramalho Cortez, do CFEMEA.
Com a palavra Rinaldo Ribeiro de Almeida, do Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade, de Cuiabá, Mato Grosso.
Ecerraremos esta parte de hoje, lembrando que amanhã, às 9 horas, teremos um painel, quando vai ser debatida a aplicação dos direitos humanos no Brasil.
Com a palavra o Sr. Rinaldo Ribeiro de Almeida.
O SR. RINALDO RIBEIRO DE ALMEIDA - Penso ser consenso no Brasil que grande parte das pessoas tem pelo menos alguns de seus direitos humanos desrespeitados.
Nesse sentido, chamo atenção especial - não poderia perder isso de vista, neste momento - para a situação em que se encontra a universidade pública federal e também seus professores e técnicos, com seus baixos salários. Eles estão em greve, juntamente com os alunos, em 49 instituições de ensino.
Também aproveito a oportunidade para pedir o apoio das instituições e dos Deputados Federais aqui presentes para que intervenham junto ao Ministério da Educação, a fim de que isso se resolva o mais breve possível.
Gostaria de fazer algumas análises e, depois, algumas perguntas aos dois debatedores.
O Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade disse que realmente não existe interesse em ratificar esses tratados que são assinados, e que há uma omissão generalizada tanto do Executivo quanto do Legislativo e do Judiciário nesse processo. Mas conclui dizendo que o problema não é o direito em si, pois isso já está regulamentado na Constituição, mas a falta de vontade política. E termina fazendo um apelo para a necessidade de se mudar a mentalidade em relação aos direitos humanos no Brasil.
Anotei aqui que vontade política implica uma reflexão do papel histórico do Brasil e, a partir disso, uma orientação com ações que revertam o quadro desastroso em que nos encontramos. Muita gente lucra com o desrespeito aos direitos humanos. Essas mesmas pessoas, na maioria das vezes, detêm o poder político ou econômico.
A implantação dos direitos humanos, então, significa a mudança de mentalidade e também o rompimento do círculo lucrativo daqueles que se beneficiam com a exploração da pessoa humana.
Gostaria de fazer um adendo, sem qualquer pretensão, e lembrar que hoje cedo estiveram aqui as crianças da marcha global. Na carta que vão entregar a diversas entidades consta esse relato de que a criança que trabalha beneficia o contratante, porque ele paga a elas um salário menor do que o que pagaria a seus pais.
Nesse sentido, pergunto: além de mudar a mentalidade, não é preciso também romper com esse círculo das pessoas que lucram?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao Sr. Rinaldo Ribeiro de Almeida, de Cuiabá, Mato Grosso, a participação.
Registramos as presenças do Srs. José Alexandre Miranda Moreira, Vereador de Olinda; Marcelo de Santa Cruz Oliveira, Vereador de Olinda e Coordenador Adjunto da CENDHEC; e Ives Ribeiro de Albuquerque, Prefeito de Igaraçu, Pernambuco. Com a palavra a Sra. Maria Márcia da Silva Kesselmig, do Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo.
A SRA. MARIA MÁRCIA DA SILVA KESSELMIG - Boa tarde, Sr. Presidente, expositores, debatedores, senhoras e senhores.
O colega acabou de falar a respeito dos direitos humanos. Quero apresentar aqui um testemunho.
Penso que essa mudança de mentalidade está ocorrendo. Só o fato de estarmos aqui já é um grande sucesso. Vemos outras atitudes no âmbito estadual, principalmente no meu Estado, serem decorrentes desse processo de mudança.
Venho trazer o testemunho de um fato gerado aqui na Comissão de Direitos Humanos. O tema já foi debatido.Hoje efetivamos uma luta em São Paulo no sentido de conseguir a autonomia das perícias oficiais do Estado. Foi um grande sucesso.Agradeço muito à Comissão pelo trabalho e por fazer parte da proposta o fortalecimento dos institutos criminalísticos e dos institutos médicos legais.
Chamo a atenção também para o fato de que São Paulo já fez o seu Plano Estadual de Direitos Humanos, constando a proposta de autonomia dos institutos, que já foi efetivada. Quer dizer, o plano saiu em 1997 e já em 1998 nossa proposta foi atendida. (Palmas.)
Havia preparado uma exposição bem curta, mas acabei falando.
Preparei um relatório desse fato de como isso se processou. Infelizmente, não vai dar para fazer a sua leitura. De qualquer forma, fiz questão de vir a esta conferência, tanto para participar de seus eventos como para comunicar esse fato, que se deu graças a um Governo democrático.
Penso que o que está mudando exatamente é a entrada da democracia no País; é o fato de as pessoas terem consciência e começarem a participar de tudo o que se passa no Brasil e em seu Estado, trazendo isso para o particular, saindo de uma situação macro para uma situação de detalhe.
Nesse sentido, em relação à autonomia das perícias, o que temos observado é que existe uma reação muito grande por parte, principalmente, da Polícia Civil.
Temos, hoje, dez Estados com autonomia, inclusive o Amapá. Eles entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que foi deferida em parte, em assuntos que não tratavam da autonomia. Hoje vemos totalmente indeferida essa situação. Perderam inclusive a liminar que haviam conseguido.
São Paulo conseguiu essa autonomia e houve uma reação por parte da cúpula.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Dra. Márcia, desculpe-me interferir na sua exposição, que é muito boa. Mas amanhã vamos ter uma exposição sobre isso e depois vamos ter grupos temáticos. Peço-lhe que envie o relatório à Mesa, para fazermos a divulgação.
Desculpe-me. Gostaríamos de debater o tema. A aplicação dos direitos humanos no Brasil pressupõe a questão dos peritos; e temos toda uma luta pela autonomia.
A SRA. MARIA MÁRCIA DA SILVA KESSELMIG - Perfeito. De qualquer forma, já está preparada aqui.
Minha proposta é muito curta: que se viabilize uma legislação de âmbito nacional, para que os Estados que não chegaram a isso o encontrem; e naqueles em que já existe, que isso se efetive. Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Obrigado.
Com a palavra a Sra. Leonízia Izabel da Silva, do Centro de Direitos Humanos de Palmas, Tocantins.
Temos ainda para falar a Sra. Ana Cristina Mello, Coordenadora Legislativa da Comunidade Baha'í do Brasil. Depois, voltaremos a palavra aos expositores e encerraremos esta parte.
Já estão todos convidados para o coquetel e para a noite de autógrafos de diversos livros sobre a luta dos direitos humanos.
A SRA. LEONÍZIA IZABEL DA SILVA - Boa tarde.
Agradeço à Mesa a oportunidade de podermos falar sobre aquilo que vivemos na base, no nosso trabalho sobre direitos humanos.
O Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade falava da importância do art. 5º da Constituição; uma conquista, um avanço, Na verdade, quando pegamos a Constituição e conhecemos mais profundamente esse e outros artigos, ganhamos uma esperança. Mas quando observamos sua aplicação, ficamos tristes de novo. Não sei se vocês sentem isso também. Ficamos muito tristes, porque percebemos que os direitos da pessoa ali garantidos não são respeitados na prática.
Estamos vivendo uma experiência forte nacionalmente:a violência. Sabemos que ela decorre das condições sociais em que vivemos. E os Governos, inclusive o Governo Federal, não têm dado tanta importância a essa situação social. Então percebemos um crescimento desse problema.
Lá em Palmas, Capital de Tocantins, onde trabalho, não é diferente. Talvez seja um pouco mais difícil, porque numa Unidade da Federação recém-formada há muito o que fazer ainda.
Uma coisa que me preocupa bastante é a questão da violência policial. Ela está sendo um marco forte no nosso Estado. Há casos de tortura policial a pessoas que, às vezes, não têm nenhum envolvimento. De repente são pegas, talvez até pela aparência, e torturadas barbaramente até perderem a força, até perderem a vida.Tem havido casos assim, e ficamos preocupados com a situação. Há até ameaças de morte. E muitas mortes têm acontecido por violência policial.
No ano passado, um rapaz de 26 anos ficou arrebentado por tortura policial. Ele não morreu e a família, que sofre muito, até hoje não conseguiu a indenização indenização decorrente desse fato. Temos muitos problemas nesse sentido.
Na semana passada, recebi denúncia de um professor de educação física - ele trabalhava com crianças e orientava aquelas que usavam drogas - que foi pego pelos policiais,barbaramente torturado e ameaçado de morte. Ele disse que o policial o ameaçou dizendo que era costume na região, que se ele não falasse que também usava droga, se não se acusasse, seria levado para uma serra próxima a Palmas e, na linguagem deles, seria desovado ali.
Temos encontrado nessa serra alguns cadáveres. É uma situação difícil, porque não conseguimos identificá-los. Quando os encontramos, os bichos já comeram tudo; muitas vezes só se encontram os ossos. Também não achamos os criminosos, não sabemos quem praticou o crime.
Aqui fica este protesto. Como fazer cumprir a Constituição brasileira, principalmente para os pobres? Como garantir os direitos humanos às pessoas? Como fazer para que as pessoas sejam respeitadas, seja quem for, nos seus diversos níveis sociais? (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Obrigado à Sra. Leonízia Izabel da Silva, Assistente de Direitos Humanos de Palmas, Tocantins.
Finalizando, teremos a participação da Sra. Ana Cristina Mello, Coordenadora Legislativa da Comunidade Baha'í do Brasil.
A SRA. ANA CRISTINA MELLO - Boa tarde a todos.
A Comunidade Baha'í do Brasil parabeniza os organizadores da Conferência e também todas as instituições que, num esforço comum, promovem a educação para que sejam respeitados os direitos humanos e concretizadas ações efetivas para minimizar todos esses problemas que hoje fazem parte da realidade mundial.
Ficamos muito entusiasmados com a brilhante explanação oferecida por todos os membros da Mesa.
O Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade chama a nossa atenção quando fala sobre o salto qualitativo que o Governo brasileiro deve tomar para liderar todo esse processo e realmente atingir todas as metas, que são a implementação das recomendações e dos tratados internacionais. Gostaria de saber se as ações de âmbito bilateral podem acelerar o processo de implementação das resoluções promulgadas pelos organismos internacionais.
Sabemos que as ações multilaterais colaboram com esse processo. Mas com esse salto qualitativo, se tomamos ações bilaterais, esses processos podem ser agilizados, tendo em vista o caso de Tony Blair e também a administração Clinton, fatos concretos. O que o senhor pensa a respeito e quais as recomendações que dá?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos à Sra. Ana Cristina Mello, Coordenadora Legislativa da Comunidade Baha'i.
Vamos passar a palavra ao Dr. Marco Antônio Diniz Brandão, Representante do Itamarati, do Departamento de Direitos Humanos, que tem colaborado muito com a Comissão de Direitos Humanos.
Esta conferência é o lugar de se suscitarem debates. Muitas vezes não temos respostas para todas as questões, inclusive a própria Comissão de Direitos Humanos e o Parlamento. Aceitamos críticas. Há muitas leis que já deveríamos ter aprovado. A Comissão está fazendo todo o esforço. Muitas vezes eles não são capazes de transformar a nossa vontade em lei e, mais do que isso, em programas para a proteção de direitos humanos.
E o nosso esforço aqui é justamente no sentido de, irmanados, podermos comemorar os direitos humanos no Brasil, tanto no âmbito federal quanto no estadual - existe muita contradição em relação aos poderes federal e estaduais.
Com a palavra o Dr. Marco Antônio.
O SR. MARCO ANTÔNIO DINIZ BRANDÃO - Sr. Presidente, usando suas próprias palavra, acho que estamos aqui irmanados, procurando soluções.Não há, portanto, muita coisa que eu possa dizer. Na verdade, eu me enriqueci muito neste debate com as brilhantes exposições do Prof. Antônio Cançado Trindade e do Deputado Hélio Bicudo, e também com as perguntas dos debatedores.
Gostaria apenas de fazer alguns comentários centrados talvez na questão da adesão ou da ratificação de determinados instrumentos, de determinados tratados.
Na questão de direitos humanos, tudo o que se faz é sempre insuficiente, e tem de ser assim. Nunca há um limite máximo, nunca há um quantum satis; há que se fazer sempre mais. É preciso lembrar que, nesta área, o Brasil nos últimos dez anos, progrediu muitíssimo. O Brasil, hoje, aderiu a grande parte - eu diria que à quase totalidade - dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos. Um e outro ficaram de fora por diversos motivos. Alguns por motivo de má sincronia - nem sempre o Estado consegue fazer as coisas com a rapidez que os assuntos merecem, devido à burocracia.
Por exemplo, não há nenhum problema para que o Brasil adira ao protocolo adicional referente à pena de morte no sistema das Nações Unidas. Na verdade, nós já o fizemos no âmbito do sistema interamericano; nós patrocinamos, no âmbito da CIDH, uma revolução proposta pela Itália sobre a pena de morte; nossa Constituição é muito clara a esse respeito.
Então, é algo que não aconteceu.Nesse caso específico, prometo que vou procurar agilizar nossos procedimentos para que o Brasil possa brevemente, espero, aceder a esse protocolo adicional, a esse protocolo facultativo sobre a pena de morte.
Há outros pontos muito técnicos. No Protocolo Facultativo ou Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, por exemplo, há muitas divergências. Há, no fundo, a idéia de que permitir petições individuais a esse órgão seria uma duplicação do que já existe, por exemplo, na CIDH. Isso poderia até prejudicar o sistema de apresentação de petições individuais junto ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos, caso houvesse esse tipo de duplicação.
E temos, finalmente, o caso mais rumoroso, mais importante, que é o nosso reconhecimento da competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos. É pena que o Deputado Hélio Bicudo, meu amigo, a quem admiro profundamente, não esteja mais aqui, pois gostaria de fazer uma correção, com todo respeito, à observação de S.Exa. de que o Itamaraty se mostra irredutível em relação à questão, quando não é bem assim. Ao contrário, o Itamaraty vem promovendo um amplo debate interno - é verdade - sobre a questão. O próprio Ministro Luiz Felipe Lampreia tem feito consultas muito variadas, muito amplas sobre o assunto. Mas essa questão não é pacífica na sociedade brasileira. Ela exige ainda discussão, posicionamento do Legislativo, do Judiciário, da própria sociedade, da academia brasileira, das universidades. Ela exige ainda uma massa crítica que nós não atingimos, para que se possa plasmar uma posição diplomática.
Uma posição diplomática é sempre muito cautelosa, quer dizer, ela tem de ter bases muito sólidas para ser tomada. E eu diria que debates e posicionamentos desse tipo que tivemos aqui hoje só contribuem para o esclarecimento da questão e, quem sabe, para um eventual reconhecimento da competência contenciosa da Corte. Acho que muitos de nós aqui almejamos isso.
Quanto ao fato de se saber se a ratificação de instrumentos vale a pena, ou não, se a adesão do Brasil a determinados instrumentos é válida ou não,é claro que o simples fato de o Brasil aderir a um instrumento internacional ou ratificar um instrumento internacional de proteção aos direitos humanos não é uma panacéia; não significa a segurança de que os direitos vão ser respeitados. Cabe ao Estado brasileiro, cabe à própria sociedade brasileira, primordialmente, antes mesmo de qualquer instrumento internacional, a proteção e a promoção dos direitos humanos no Brasil. Não é a comunidade internacional, na verdade, que deve esforçar-se para fazer isso.Ela é um adjuntório, uma referência; deve interessar-se pelos direitos humanos no Brasil, promovê-los. Mas essa tarefa cabe aos brasileiros, ao Estado, à sociedade, primordialmente.
Gostaria de fazer uma pequena referência à questão do trabalho infantil, levantada pelo Rinaldo Ribeiro.O Brasil, por exemplo, está agora entrando em negociações, no âmbito da OIT, para a elaboração de uma convenção do trabalho infantil, que será, esperamos, mais uma contribuição para a erradicação desse mal.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao Ministro Marco Antônio Diniz Brandão pela participação e reafirmamos nossa proposta de parceria com o Departamento de Direitos Humanos do Itamaraty.
Se algum participante ainda não registrou o nome, solicito que o faça. No relatório da 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos constará a participação de todos. Nós estamos com aproximadamente 400 membros registrados na Conferência.
Para encerrar, concedo a palavra ao Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade, para as considerações finais. Convido a todos para o coquetel e o lançamento do livro. Informo que, infelizmente, por uma circunstância de comunicação, o livro do Prof. Cançado Trindade não chegou, mas vamos fazer todo o esforço para que ele esteja à disposição amanhã.
Com a palavra o Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade.
O SR. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE - Como foram várias as questões a mim dirigidas, tentarei resumir as observações sobre cada uma delas, agradecendo a todos os que as propuseram.
Em primeiro lugar, responderei à indagação do Vice-Presidente da Anistia Internacional do Brasil, Dr. Márcio Gontijo. Concordo em que realmente há uma inconsistência entre aceitar a parte normativa de tratados e não aceitar a parte processual. Na verdade, a tendência de hoje, no plano internacional, em relação aos tratados que não têm meios de implementação próprias, é justamente adotar meios de implementação, como, por exemplo, a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas. Há dois projetos de protocolo dotando essas duas convenções importantíssimas de mecanismos de comunicação, de petições ou de denúncias internacionais. É um reconhecimento de que os mecanismos processuais para reivindicação de direitos caminham pari passu com as normas substantivas que eles reconhecem; como reconhecem esses direitos.
Sobre a observação, muito oportuna - e que tive satisfação em ouvir -, quanto à possibilidade de o Brasil aderir ao protocolo sobre a abolição da pena de morte, o Segundo Protocolo ou Pacto de Direitos Civis e Políticos, essa é uma notícia alentadora, uma vez que o Brasil já aderiu, em resposta ao Dr. Márcio Gontijo, aos dois protocolos; o segundo é justamente a abolição da pena de morte. E o conteúdo dos dois protocolos, tanto a Convenção Americana quanto o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, são idênticos e convergentes com o que diz a nossa Constituição. Então, nada impede realmente que o Brasil faça parte do protocolo sobre a abolição da pena de morte e também do Pacto de Direitos Civis e Políticos.
Ainda quanto à importância de se aceitar os mecanismos processuais, juntamente com a parte normativa, e ainda em relação às perguntas do Dr. Márcio Gontijo, Vice-Presidente da Anistia Internacional do Brasil, gostaria apenas de recordar que hoje todos os Estados-parte na Convenção Européia de Direitos Humanos aceitam a competência contenciosa da Corte Européia de Direitos Humanos, que também está prevista em uma cláusula facultativa. E, mais do que isso, é um sistema tão amadurecido, tão evoluído, que, hoje, para que um Estado queira ingressar no Conselho da Europa e depois tornar-se parte da Convenção Européia, ele tem de indicar previamente à Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa que ele aceitar a competência contenciosa da Corte Européia. Resultado: todos os Estados-parte na Convenção Européia de Direitos Humanos, hoje, aceitam a competência em matéria contenciosa da Corte Européia. No nosso caso, anteontem mais um aceitou - o Haiti. E o México já anunciou que vai aceitar em setembro. Então, seriam dezenove, em setembro, dos 25 Estados-parte.
Quanto à questão do art.5º, § 2º, já me debrucei sobre ela e concordo em que realmente o fato de estar incluído no capítulo Dos Direitos e Garantias Fundamentais não deixa dúvidas de que se refere a tratados de direitos humanos e não a acordos comerciais. Não pode haver dúvida quanto a isso.Não seria um subterfúgio para se evadir a essa interpretação que eu propus, já em 1987, nesta Casa, na Subcomissão de Direitos e Garantias Individuais da Assembléia Nacional Constituinte?
Concordo com as palavras do Vice-Presidente da Anistia Internacional em relação ao Ministro Diniz Brandão. Quero também dar meu testemunho da fidalguia com que S.Exa. tem tratado os assuntos da Corte Interamericana. No debate interno do Itamaraty, é uma das pessoas com quem podemos dialogar. Tem tido cuidado em acompanhar o trabalho da Corte, o que nos faz crer que está do nosso lado.
Com relação à questão da federalização dos crimes contra os direitos humanos, pendentes aqui já há alguns anos - uma luta antiga do Dr. Hélio Bicudo -, gostaria de dizer que, se puder, isso deve ser feito o mais rápido possível. Mas que não seja invocado, como óbice para reconhecimento a dilação da Corte Interamericana, o fato de não se ter logrado isso, porque a organização interna de um Estado não pode ser invocada, nos termos dos próprios tratados em que ele é parte, como óbice para a aceitação de uma cláusula facultativa.
Exemplo concreto: o último caso sobre essa matéria, relativo à Argentina, pendente quanto às reparações. Nada posso mencionar sobre reparações, mas quanto ao que já foi decidido, sim, porque a matéria é de conhecimento público.
O que fez o Presidente Menem, da Argentina, ante o desaparecimento de duas pessoas nas mãos de policiais, na Província de Mendoza? As investigações nunca terminavam. Não se sabia -e até hoje não se sabe - o que aconteceu, quem fez ou quem não fez. Tampouco ainda não se federalizou. Então, o Presidente Menem, quando o caso foi enviado pela Comissão Interamericana à Corte Interamericana, simplesmente enviou um reconhecimento de responsabilidade internacional do Estado argentino; e o caso passou imediatamente para a etapa de reparações, evitando-se assim que entrasse na discussão própria de Direito Interno sobre repartição de competências no Estado federal.
Isso obrigou as autoridades de Mendoza a encontrarem uma solução amistosa, prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, com os familiares dos desaparecidos, e forçou as autoridades policiais, de certa maneira, até mesmo a encontrarem rapidamente uma solução. Então, que essa questão de não se ter federalizado seja invocada como óbice para aceitação da competência de um tribunal internacional.
Em relação à pergunta do Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Romany Rolland, poderíamos comentar o seguinte: todo progresso, nessa área, tem sido logrado mediante a mobilização da sociedade civil. Então, a sociedade civil pode fazer muito, principalmente quando há diálogo com as instituições públicas.
No que diz respeito à aceitação da jurisdição da Corte, deve-se fazer o que já está sendo feito há algum tempo, no sentido de encaminhar moções às autoridades das instituições públicas. Espero que isso resulte em uma decisão, o mais rapidamente possível, expressando o seu ponto de vista. É aquilo que mencionei: é uma questão de se reconhecer que isso é bom para o País, sobretudo para aqueles que aqui vivem.
Sobre a questão levantada pelo Sr. Cláudio Fonteneles sobre os ciganos, gostaria de dizer que uma das grandes conquistas dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos foi precisamente desnacionalizar a proteção. Quer dizer, o vínculo da intencionalidade, do tratamento, do estatuto da pessoa à luz do Direito Interno deixa de ser importante. O que vale é a simples permanência de uma pessoa no território de um Estado e o fato de estar sujeita à jurisdição do Estado, como é o caso dos ciganos. Então, eles são beneficiários da proteção internacional.
Agradeço ao Sr. Luís Francisco Caetano Lima, da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Goiás, as judiciosas perguntas, e também a confirmação de todos os encontros. Já conversei inclusive com vários juristas argentinos, meus colegas - encontrei-me freqüentemente com eles - ,sobre o que foi feito naquele país. Assim, espero que não mais se invoque o que foi feito lá como modelo para nós, uma vez que a fórmula da Constituição brasileira é muito mais ampla e abrangente, e pode proteger muito melhor.
A Corte Interamericana julga a violação em tese? Não. Não há, ainda, pelo menos até o presente, actio popularis no Direito Internacional, nos direitos humanos. Mas julga uma violação de direitos humanos cuja origem esteja em uma lei, sem que isso seja uma actio popularis. Não é uma actio popularis. Mas, a partir do momento em que existe uma vítima, no contexto de um caso concreto, pode-se proceder perfeitamente à determinação da compatibilidade ou não de uma lei nacional com a Convenção Americana. A resposta seria essa, precisamente.
Fundamentos desse direito. Em caso de omissão, pode a Corte recorrer a um tratado universal? É o que acaba de ocorrer. Não sei se os senhores estão sabendo, no Brasil, que o México, até o presente, ainda não reconhece a competência contenciosa da Corte, mas vai reconhecer em breve. Fez uso da via consultiva da Corte e formulou, há pouco, a seguinte pergunta ao seu 16º parecer: Cidadãos de um país que são julgados em um país estrangeiro, em um idioma ao qual eles não têm acesso, são condenados à pena de morte e executados. Primeiro: isso viola as garantias judiciais da Convenção Americana sobre Direitos Humanos? Segundo: isso viola o art. 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963, sobre assistência consular?
Está invocando um tratado universal, a Convenção de Viena sobre Relações Consulares. E o precedente que temos para isso é o primeiro parecer da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre outros tratados, que desde que os Estados-parte na Convenção Americana sejam partes também no tratado universal, pode. A resposta é "sim".
Na questão dos fundamentos, mencionei com ênfase garantia coletiva, mas também há outros fundamentos, para sustentar essa tese que tenho tentado desenvolver há tantos anos no Brasil e que tem conseqüências jurídicas importantes, para as quais ainda não se acordou no País.
Vou dar alguns exemplos concretos: não só a garantia coletiva, mas também a questão da não-reciprocidade. Não há questão de não-reciprocidade aqui; ela não se aplica aqui. São considerações superiores de ordem do Direito Internacional que se devem aplicar. Toda essa teoria da autonomia da vontade, que fascina os civilistas e comercialistas, não tem aplicação aqui. O que é a autonomia da vontade? São imperativos superiores. É um mínimo de ordem pública internacional que estamos buscando, que os Estados respeitem as pessoas, os seres humanos sob a sua jurisdição. Então, é outro princípio básico.
Outro princípio fundamental é a questão da proteção do mais fraco. Não se trata, como no Direito Privado, de proteger iguais; nada disso. Aqui temos de proteger o mais fraco, o indivíduo que esteja as mãos de pessoas ou entidades que possam violar os seus direitos. Então, é um direito que pretende desequilibrar; um desequilíbrio flagrante. É preciso lograr um mínimo de equilíbrio processual entre as vítimas de violações e o Estado violador. E assim, há, daí por diante, uma série de outros princípios que tenho tentado desenvolver em meus escritos.
Outra pergunta de V.Sa. é quanto à questão do poder público.O que acontece se a violação é praticada, por exemplo, no âmbito do Direito Penal? Isso não é propriamente do campo do Direito Internacional, dos direitos humanos, porque da maneira como foram concebidos e adotados os tratados internacionais de direitos humanos sempre há a presença de pelo menos um elemento do poder público. Mas há uma grande discussão, no momento, tanto nas Nações Unidas como no sistema interamericano, sobre a questão de violações cometidas por grupos clandestinos, grupos de extermínio, e sobre o problema de terrorismo internacional.
Em caso recente, relativo à Guatemala, decidimos, há pouco mais de um mês, em sessão extraordinária da Corte, o caso Paniagua Morales, uma matança de pessoas por agentes clandestinos. Em sentença longuíssima, de quase 115 páginas, condenamos a Guatemala por violar vários artigos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, apesar de os agentes perpetradores das violações serem desconhecidos, dada a situação do paramilitarismo no país, de que havia uma prática - na época dos anos 80, onde as matanças começaram - comprovadamente tolerada pelo Estado. Aí, a responsabilidade do Estado se configurou por omissão.
Então, o dever geral de assegurar o livre e pleno exercício de todos os direitos se aplica também, independentemente dos agentes que perpetram as violações. É um dever do Estado. Então, é responsabilidade por omissão.
Outra pergunta: a Constituição Federal pode ser derrogada por tratados de direitos humanos? De acordo com a Constituição, não, não pode. Uma Constituição não pode ser derrogada por tratados de direitos humanos, de acordo com a Constituição. E os tratados de direitos humanos tampouco têm a pretensão de derrogar a Constituição de um país. Não se trata disso.
Por isso, toda essa teoria, que tenho há tantos anos tentado desenvolver, evita esse tipo de raciocínio, porque não coloca nesses patamares distintos, compartimentalizados, o Direito Interno e o Direito Internacional. Não se trata disso. É a essa visão hermética que estamos acostumados no Brasil, principalmente em certos setores do Poder Judiciário. Então, em vez de se preocupar em estabelecer qualquer primazia entre o ordenamento interno e o internacional, deve-se verificar de que maneira eles interagem para proteger melhor.
Por isso, rejeito totalmente a perpetuação dessa polêmica entre humanistas e dualistas. Não acho certo ficar lendo certos autores, como ocorre em todas as faculdades de Direito no Brasil, sem qualquer espírito crítico ou criativo, fazendo a mesma coisa que se fazia nas faculdades há trinta, quarenta, cinqüenta anos.
Quanto à questão do depositário infiel, estou totalmente de acordo com as suas observações, que ratifico e endosso com entusiasmo.
As observações de Olímpio Moraes, da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Amazonas, sobre a questão da execução de sentenças também são muito interessantes. O que acontece, por exemplo, se no plano do próprio Direito Interno a execução de uma sentença ditada por um tribunal nacional não é efetuada?
Isso acaba de chegar até nós. Há dois anos, houve o caso de um adolescente assassinado pela comitiva dos Ortega, na Nicarágua. Lamentavelmente, nesse caso, em particular, a Corte tinha a composição anterior. Eu ainda não estava na Corte, não havia começado o meu período, mas comecei a examinar o caso em uma etapa final, já das reparações, onde dei o voto dissidente.
O que ocorreu foi o seguinte: o assassinato desse rapaz pela comitiva presidencial ocorreu antes do reconhecimento da competência contenciosa da Corte pela Nicarágua. Mas o devido processo legal foi violado posteriormente, porque a Corte Suprema da Nicarágua, reiteradamente, deixou de decidir o caso movido pelo pai do rapaz.
Nesse caso, a decisão quanto ao mérito foi um tanto desastrosa, porque se confiou o caso à Corte Suprema, para que decidisse em favor. Creio que os instrumentos internacionais foram concebidos e criados justamente em função das insuficiências do Direito Interno. Isso deveria ter sido delegado pela Corte Internacional Interamericana à Corte Suprema da Nicarágua. E, no voto dissidente, observei, com vigor, que havia sido um erro da Corte Interamericana.
Em outras palavras, a não-execução de uma sentença que venha a proteger os direitos, no plano do Direito Interno, pode configurar uma violação, no devido processo legal, sobre um tratado de direitos humanos. A resposta seria essa. A solução seria por essa via.
Em relação à,importância dos tribunais internacionais, posso dar exemplo de outro caso recente que tivemos: Blake contra Guatemala. É o caso de um jornalista norte-americano que desapareceu na Guatemala. Os restos mortais foram encontrados cinco anos depois e, nesse meio tempo, a Guatemala havia reconhecido a jurisdição obrigatória da Corte.
Então, a Corte se inibiu de conhecer o momento da detenção ilegal e o do assassinato, determinado anos depois, quando se encontraram os restos mortais dessa pessoa, mas ela não se inibiu de continuar conhecendo o caso, quanto ao mérito, quanto às garantias judiciais dos familiares da vítima - os pais e os dois irmãos.
Em audiência pública na Corte - nunca mais vou esquecer -, um irmão do desaparecido teve um ataque emocional e, em prantos, disse-nos que essa era a primeira vez, desde que seu irmão desaparecera, que ele comparecia ante uma instância judicial. Perguntaram: por quê? Na Guatemala - isso foi há cinco anos -, comparecer ante instância judicial, em um país sitiado por militares? Então, ele ficou tão emocionado em poder comparecer perante um tribunal que disse: "É a primeira vez que compareço perante um tribunal" - um tribunal internacional. É a importância da via internacional. É o caso Blake contra a Guatemala, cuja leitura recomendo, porque é comovente.
Sobre a questão do sistema carcerário, tivemos um caso recente no Equador - que mencionei na minha exposição -, em que uma pessoa, enquadrada na lei antidrogas, por colaborar com o encobrimento de narcotraficantes no aeroporto de Quito, acabou ficando em detenção preventiva por quatro anos. Se tivesse sido julgada culpada, a pena máxima seria de dois anos. Nesse período, experimentou todo tipo de miséria humana própria do sistema carcerário de qualquer país latino-americano. O fato de, depois, ter sido inocentado não quer dizer que se deixou de violar a Convenção Americana dos Direitos Humanos, como assinalamos na nossa sentença.
É muito importante essa sentença, pelo seu propósito, pela sua preocupação. Há vários parágrafos em que se faz uma série de considerações sobre o desastre que é o sistema carcerário, não só no Equador, mas em todos os países da América Latina, e a inversão do princípio da presunção de inocência. Não se respeita, nesses casos de detenção preventiva, o princípio da presunção de inocência. Há uma série de considerações, sobre as quais me permitiria referir.
Quanto à Convenção nº 158 da OIT - Brasil, se as coisas que tenho dito há anos, que tenho escrito para as paredes, tivessem sido levadas a sério, não teria acontecido essa série de desencontros em relação a esse assunto. Mas ninguém tem tempo para pensar muito nisso. De acordo com o que tenho pensado há anos, se se realmente entendesse, neste País, que os tratados de direitos humanos são alçados constitucionalmente, a Convenção não poderia ter sido denunciada sem violar a Constituição.
Para que o controle da constitucionalidade pelo Supremo Tribunal, ao tratar dos direitos humanos, se eles já são matéria constitucional? O pior de tudo é que essa denúncia foi efetuada sob as barbas do Supremo Tribunal Federal, antes de ele ter se pronunciado em Pleno sobre a constitucionalidade ou não da Convenção. É tão simples quanto isso.
Não há conhecimento da matéria, não há uma mentalidade clara de que ela esteja em conformidade com o que se tenta fazer no plano internacional. Isso já aconteceu antes, não foi a primeira vez. Em 1971, foi a mesma coisa. Denunciaram a Convenção nº 81 da OIT e, anos depois, rerratificaram-na, tornando insubsistente a denúncia. Repito: não é a primeira vez; aconteceu antes. Mas aqui não há mentalidade clara sobre esse tema.
Por que razão um tratado internacional, para ser ratificado pelo Executivo, necessita de prévia aprovação parlamentar, e a denúncia não? A denúncia também deveria necessitar de prévia aprovação parlamentar, uma coisa óbvia, em relação ao equilíbrio de poderes em um Estado democrático.
Estamos cansados de todos esses desencontros. Isso já aconteceu antes e acontece novamente. Vira uma confusão! Saem notícias em jornais, não há clareza de raciocínio sobre o que seja um tratado de direitos humanos incorporado, "constitucionazado" - entre aspas. É matéria constitucional. Como ele pode ser denunciado sem que a Corte Suprema sequer considere sua constitucionalidade ou não, como se isso fosse preciso?
A Jamaica acaba de denunciar o primeiro protocolo ao pacto de direitos civis e políticos, porque houve contra ela 156 casos de execução de pena de morte. O que o Comitê de Direitos Humanos fez? Remitiu um comentário geral, dizendo o seguinte: "Denúncia, só quando está prevista no tratado. Se não estiver, há dois critérios em que ela seria permissível: primeiro, se essa for a intenção das partes; segundo, se se pode inferir da natureza do tratado que ele admite denúncia."
Concluiu o Comitê de Direitos Humanos que não admite denúncia o pacto de direitos civis e políticos. Essa é exatamente a tese que tenho tentado sustentar por tantos anos. São tratados especiais de caráter especial e, portanto, não se pode inferir que a intenção das partes foi prever a possibilidade de denúncia, ainda mais sem autorização do outro Poder do Estado, que autorizou a ratificação.
Para concluir as outras observações sobre a introdução da perspectiva de gênero nos instrumentos internacionais mais recentes, uma das grandes conquistas do movimento das mulheres, obtida por meio da convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, foi precisamente incluir em um instrumento internacional todas as categorias de Direito. Somente as convenções de não-discriminação abarcam em um mesmo instrumento todas as categorias de Direito.
Recentemente, quando com outro colega apresentava o Relatório Anual do Conselho Permanente da OEA, em Washington, a Embaixadora do Peru nos disse que iria propor, no Cinqüentenário da Declaração Americana, uma mudança de nome. .Em vez de Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, ela passaria a chamar Declaração Americana dos Direitos e Deveres da Pessoa. E falei: agregue aos Direitos da Pessoa a palavra humana, senão também haverá problema. Essa proposta já foi formulada na Conferência de Viena sobre Direitos Humanos, de 1993, em que se queixou muito da expressão francesa les droits de l'homme. O movimento de mulheres propôs na Conferência Mundial de Direitos Humanos - recordo-me da reunião das ONGs - que se mudasse também a declaração para les droits de la pesonne humaine. Não se trata somente de terminologia. O que acho mais importante são os mecanismos.
Neste momento, o movimento de mulheres trava uma luta enorme para conseguir aprovação pelos Estados do primeiro protocolo da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, para dotar essa convenção também de um mecanismo de petições individuais. Não creio que estejam sendo bem assessoradas, porque há muitas divisões internas. Na última reunião do grupo de trabalho, não houve consenso em relação a conceito de vítima, a condições de admissibilidade das reclamações. Acho que essa seria uma forma de se promover uma ação mais eficaz, no que diz respeito aos instrumentos internacionais de proteção.
E quanto aos documentos finais das conferências do Cairo e de Beijing, considero esses dois documentos os de maior êxito até o momento, em relação ao ciclo de conferências mundiais nos últimos anos, principalmente quanto a decisões concretas no sentido de incorporar a dimensão do gênero em todos os programas e atividades das Nações Unidas, o que já está sendo feito pelo novo Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan.
A respeito da observação sobre agregar à mudança de mentalidade o rompimento do círculo dos que louvam a violação dos direitos humanos, estou totalmente de acordo. Creio ser procedente. Referi-me à mudança de mentalidade enquanto aplicação dos instrumentos jurídicos. Mas, certamente, há que se agregar esse elemento e outros também, como por exemplo a inércia, muitas vezes, do Poder Público em muitos países e a falta de seguimento das decisões dos órgãos internacionais de proteção.
Finalmente, quanto às ações de âmbito bilateral, isso depende de cada caso. É de muita importância quando o problema se dá entre dois países.Posso aqui mencionar como exemplo episódio já superado há alguns anos. Trata-se do contencioso que houve entre o Brasil e o Chile, sobre uma brasileira que havia sido aprisionada e torturada. Isso aconteceu antes da minha ida para a Corte Interamericana. Fui negociar com um colega chileno a sua soltura. Eu, acompanhado pelo Cônsul brasileiro em Santiago, visitei-a na prisão de Ringo. Passei várias horas com ela. E conseguimos encontrar uma solução jurídica para que ela saísse do Chile e voltasse para o Brasil.
O mais interessante - nunca falei isso em público, mas agora já posso falar, porque o caso já está resolvido - é que esse é o segundo caso em que o Governo do Chile, depois do caso Letelier , aplicou a designação de Ministro em visita - uma figura especial da Corte de Apelaciones, em que se designa Ministro especificamente para um caso.
O Chile nunca admitiu ter havido tortura. O tempo passou e foi muito difícil encontrar provas materiais da prática de tortura. Os agentes da Policia Civil de Investigaciones - não os carabineiros - nunca foram punidos por tortura, mas ,sim, por perjúrio, por não revelarem a verdade ao seu superior hierárquico.
O que achei extraordinário nesse caso foi a grande cooperação que houve no plano bilateral entre os dois Ministérios de Relações Exteriores - o brasileiro e o chileno -, o que dividiu o Chile. O Ministério do Interior reagiu negativamente à Polícia Civil de Investigação.
Então, no caso Letelier e em outros as ações bilaterais complementam, por assim dizer, o que se pode fazer no plano multilateral. Mas somente aí.
Não creio em tese de ingerência. Sou fortemente contrário a qualquer tipo de dever de intervenção, porque creio que todas essas teses mirabolantes criadas pelos franceses, por interesse do Quai d'Orsay francês, são intervencionistas e inaceitáveis. Intervenção, dever de ingerência, isso não existe. É ficção científica.
Sobre esse tipo de intervencionismo, por exemplo, no caso mencionado, do Presidente Bill Clinton, creio que os Estados Unidos fariam melhor se, em vez de formularem relatórios de direitos humanos de outros países, ratificassem, eles próprios, a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, os pactos de direitos humanos das Nações Unidas (Palmas.), as convenções sobre não-discriminação; se, enfim, olhassem as violações dos direitos humanos dentro do seu próprio território, antes de fazerem relatório sobre direitos humanos em outros países.. Isso mina o nosso trabalho, tira a nossa credibilidade.
Creio que o trabalho dos direitos humanos deve ser guiado não por considerações de ordem política, como as que normalmente ocorrem no relacionamento bilateral, mas por considerações de ordem jurídica e humanitária. Por isso, sou fervoroso defensor do multilateralismo, inspirado por considerações humanitárias. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Bicudo) - Com a última intervenção do Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade, encerramos este painel. Antes, porém, agradeço ao Ministro Marcos Antônio Diniz Brandão por ter acompanhado de perto as atividades da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados com muita eficiência, com muita vontade de que nos constituamos em um todo para a implementação da proteção aos direitos humanos. Agradeço também ao Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade a participação. Sem dúvida, V.Sa. é hoje, no Brasil - não o digo apenas porque estou na sua presença - a maior autoridade no que diz respeito à teoria e à pratica dos direitos humanos. Agradeço aos Drs. Romany Rolland e Márcio Gontijo as contribuições que deram às atividades, e, sobretudo, àqueles que nos acompanharam até este instante e que revelaram não apenas paciência mas também grande interesse naquilo que nos move a todos : a proteção dos direitos da pessoa humana.
Passaremos, agora, à última fase das atividades de hoje, que se constitui no lançamento de livros do Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade, de relatórios das atividades desta Comissão, e da 2ª Conferência de Direitos Humanos, de um livro que acabei de lançar sobre Direitos Humanos e sua Proteção, e de um livro da Dra. Cecília Coimbra sobre a Comissão de Direitos Humanos no Conselho Federal de Psicologia. Esse evento também é promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Logo em seguida, a Comissão de Direitos Humanos oferecerá um coquetel, que espero esteja a contento dos direitos de todos nós.
Muito obrigado. (Palmas.)
Está encerrada a reunião.

2º Painel: A Concretização do Programa Nacional de Direitos Humanos e a Criação de Programas Estaduais
14/05/98

O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Declaro reabertos os trabalhos da presente Conferência Nacional de Direitos Humanos, em que debateremos o segundo painel: "A Concretização do Programa Nacional de Direitos Humanos e a Criação de Programas Estaduais".
Inicialmente nos desculpamos pelo atraso no início desta etapa da conferência, atraso esse que se deve às votações relacionadas com a reforma da Previdência que ocorreram ontem na Câmara dos Deputados e chegaram até as primeiras horas de hoje.
Antes de chamar os convidados que farão parte da Mesa, agradecemos mais uma vez às autoridades e às entidades aqui representadas a participação nesta conferência.
Lembramos que hoje à tarde haverá os trabalhos dos grupos temáticos, que serão realizados nos Plenários de nºs 9 a 13 do Anexo II da Câmara dos Deputados, localizados no andar térreo. Se alguém tiver alguma dificuldade para chegar até aos plenários, poderá valer-se da orientação da assessoria da própria Comissão de Direitos Humanos.
Mesmo assim, esta Presidência faz questão de apresentar algumas orientações acerca dos locais onde serão realizados os trabalhos dos grupos temáticos. Os Plenários de nºs 9 a 13 estão identificados pelos grupos temáticos, que são os seguintes: "Programa Nacional de Direitos Humanos"; "Formas de Articulação Visando à Criação de Programas Estaduais de Direitos Humanos"; "O Poder Judiciário e os Direitos Humanos"; "O Poder Legislativo e os Direitos Humanos"; e "Normas Internacionais de Direitos Humanos e Reconhecimento da Jurisdição das Cortes Internacionais no Brasil".
Não é necessária a inscrição com antecedência para participar dos grupos temáticos. O conferencista deve apenas dirigir-se ao plenário onde será instalado o grupo de seu interesse.
Os trabalhos dos grupos temáticos têm encerramento previsto para às 19 horas, no máximo.
Cada grupo temático deverá eleger um relator para, na plenária final, que será realizada amanhã, a partir das 9 horas, apresentar as conclusões do respectivo grupo. É também na plenária de amanhã que serão apresentadas moções pelos conferencistas.
O encerramento dos trabalhos amanhã está previsto para às 13 horas, segundo a programação, da qual V.Sas. têm conhecimento.
Vamos iniciar então o nosso segundo painel: "Concretização do Programa Nacional de Direitos Humanos e a Criação de Programas Estaduais".
Convido, neste instante, com muita honra, para fazer parte da Mesa, o Dr. José Gregori, Secretário Nacional de Direitos Humanos. (Palmas.) Convido o Reverendo Romeu Omar Klich, Secretário-Executivo do Movimento Nacional de Direitos Humanos. (Palmas.) Convido o Deputado Mario Mamede, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Ceará e representante do Fórum das Comissões Legislativas de Direitos Humanos. (Palmas.) Convido o Dr. Belisário dos Santos Junior, Secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo. (Palmas.) Convido o Prof. Paulo Sérgio Pinheiro, Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. (Palmas.)
Também convido os debatedores, Dra. Maria do Perpétuo Socorro Prado, Coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Manaus (Palmas.); o Deputado Nilmário Miranda, ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos (Palmas.); e o Dr. Carlos Fernandes, Presidente da Associação Brasileira de Anistiados Políticos. (Palmas.)
Agradeço aos nossos expositores e debatedores a presença. Naturalmente as participações dos mesmos contribuirão de maneira significativa e eficaz para o sucesso deste segundo painel.
Iniciando este período de exposições, concedo a palavra ao Dr. José Gregori, Secretário Nacional de Direitos Humanos. (Palmas.)
O SR. JOSÉ GREGORI - Companheiros de Mesa, minhas amigas, meus amigos, serei muito breve, eis que minha principal missão hoje é ouvir atentamente todas as observações que serão feitas. Todas elas, a meu ver, serão construtivas, embora críticas.
A finalidade de uma conferência como esta não é aplaudir irrestritamente o que o Governo tem feito. Mas já deu para sentir, desde ontem, que ninguém é capaz de praticar o sectarismo tão estreito de não reconhecer que o Governo Federal, nesses últimos dois anos, vem-se empenhando para criar uma política pública de direitos humanos.
Digo, com o coração na mão, que esse esforço é realmente muito grande, sério e continuado. Mas é claro que se trata de um esforço que se desenvolve num País ainda chumbado, numa situação global de desrespeito muito grande aos direitos humanos, por razões algumas delas seculares.
Portanto, há toda uma situação difícil e complexa que tem de ser mudada, por intermédio deste esforço que fazemos para criar uma política de direitos humanos. Não é fácil, porque, em primeiro lugar, como sempre acontece no Brasil, o Constituinte de 1988 passou do 8 para o 800, depois de 20 anos de autoritarismo, deixando o Governo Federal completamente desamparado de medidas concretas que o habilitem a cobrar dos Estados o respeito aos direitos humanos e sobretudo medidas concretas.
Em segundo lugar, ainda há, em todo o Brasil, uma enorme falta de conhecimento dos direitos humanos. E o pior é que ao lado desse desconhecimento do que seja direitos humanos ainda existem setores fortes e com grande penetração na mídia que passam a noção de que os direitos humanos são um instrumento em benefício daqueles que transgridem as leis, que transgridem o Código Penal, ou, para usar a linguagem que eles usam, é um direito que só interessa aos bandidos. Com isso, a incompreensão que existe acerca dos direitos humanos é muito grande, até nos setores populares, que a rigor constituem nossa opção preferencial dessa política em prol dos direitos humanos.
Por isso, temos como prioridade, neste momento, estudar campanhas que massifiquem o conceito de direitos humanos, que passem cada vez para mais pessoas a idéia dos direitos humanos e a importância de cada um pautar seu cotidiano pelos valores básicos dos direitos humanos.
Nossa segunda prioridade é ativar uma medida legal que enviamos há um ano para o Congresso e que está tendo uma tramitação lenta, a qual temos de acelerar. Refiro-me à criação do delito contra os direitos humanos. Segundo pareceres do Procurador-Geral da República e do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, qualquer crime, em razão de sua gravidade ou repercussão, pode ser considerado delito contra os direitos humanos e imediatamente passa a ser de competência da Justiça Federal.
Portanto, se já existisse uma lei como essa, os acontecimentos de Corumbiara, Carajás e Carandiru, sem dúvida alguma, que têm todas as características de delitos contra os direitos humanos, passariam a ser de competência da Justiça Federal, assim que o Procurador-Geral da República ou o Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, que funciona no Ministério da Justiça, os considerassem crimes contra os direitos humanos. Hoje V.Exas. estariam aqui na minha frente me cobrando por que, embora tenha decorrido mais de dois anos da maioria dessas tragédias, apesar dos processos terem andado - sem dúvida alguma; nenhum desses processos ficou ou está parado -, até hoje não houve uma resposta da Justiça.
Acho que poderíamos tomar como resolução desta conferência - e eu seria extremamente grato por isso - a decisão de cerrar fileiras para cobrar do Congresso a aprovação dessa emenda constitucional que modifica a competência para o julgamento dos delitos contra os direitos humanos, transferindo-a para a Justiça Federal.
Quero dizer também que nessa linha de incentivar e irradiar o conceito de direitos humanos, começamos, nos últimos trinta dias, uma experiência - desculpem a imodéstia - extraordinária. Se Deus nos ajudar, se tivermos juízo e persistência, uma experiência como esta pode mudar o Brasil. Estou-me referindo ao Serviço Civil Voluntário.
Começamos, no Rio de Janeiro e aqui no Distrito Federal, uma experiência de pegar jovens que são dispensados do Serviço Militar aos 18 anos e abrindo essa possibilidade também para as mulheres. Num programa de nove meses, esses jovens terão conhecimentos de cidadania, direitos humanos, qualificação profissional, principalmente na área de informática. Aqueles que tiverem interrompido o 1º grau voltarão a cursá-lo, e, depois de três meses de aulas teóricas, passarão a trabalhar em campanhas e atividades comunitárias. Depois dos nove meses, eles recebem o título de Agentes de Cidadania.
Sem dúvida alguma, o atual sistema é um grande desperdício. Como vocês sabem, 1 milhão de jovens devem alistar-se para o serviço militar. No ano seguinte, esses jovens que se alistaram deverão comparecer para verificar se vão ou não prestar o serviço militar. São aproveitados apenas 10% desse 1 milhão, quer dizer, 100 mil prestam o serviço militar e 900 mil voltam para casa. A esses jovens que tiveram o trabalho de fazer o alistamento e de, no ano seguinte, comparecerem para verificar se vão ou não servir, ninguém lhes entrega um papelzinho, nem a letra do hino nacional; quer dizer, é um enorme desperdício esses jovens, numa idade tão rica de possibilidades, voltarem para casa simplesmente com as mãos abanando.
A idéia foi aproveitar esses jovens e dar a eles esse serviço voluntário de cidadania. Nós começamos essa experiência há um mês no Rio de Janeiro. Neste momento em que estamos reunidos, há 3 mil e 500 jovens, sendo 2 mil na cidade maravilhosa e 1 mil e 500 no interior do Estado do Rio de Janeiro. Aqui, em Brasília, 1 mil e 600 jovens, mais ou menos 60% do sexo masculino e 40% do sexo feminino, estão trabalhando com as suas camisetas. Em Brasília eles usam uma camiseta azul e no Rio de Janeiro, uma camiseta branca. Esse programa está sendo feito, no Rio de Janeiro, em conexão com entidades não-governamentais. Mais de 140 entidades governamentais se credenciaram e foram aprovadas para receber cada uma delas 25 a 30 jovens; e é lá que eles recebem as aulas do seu curriculum.
Se essa experiência der certo - daqui a nove meses ela será rigorosamente avaliada -, esperamos poder, no próximo ano, estendê-la a vários outros Estados.
Evidentemente, esses jovens vão ser transmissores de idéias de direitos humanos. Esse programa não tem a menor finalidade político-eleitoral. Basta dizer que no Rio de Janeiro eu fiz o programa com um Governador do PSDB e aqui, em Brasília, eu fiz com um Governador do PT. Tem sido assim nessa implantação da política de direitos humanos no Brasil.
V.Exas. podem fazer todas as críticas, menos uma: que eu tenha instrumentado ou aparelhado essa política para servir a propósitos partidários ou eleitorais. Eu deposito uma grande esperança nesse programa, porque ele vai servir, sem dúvida alguma, para diminuir esse abismo que ainda existe entre direitos humanos e a coletividade brasileira.
A grande novidade que eu tinha para passar a V.Exas., em matéria da implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos, é esse serviço civil voluntário. No mais, quero reafirmar, com todo o vigor, o meu empenho de acelerar e intensificar os esforços para a criação dessa política de direitos humanos. Em segundo lugar, quero dizer, mais uma vez, como tenho dito desde o primeiro momento em que aceitei a incumbência do Presidente da República de implantar essa política no Brasil, que ela só se fará se houver realmente uma parceria entre Governo e não-Governo, entre Governos e a sociedade civil, de preferência a sociedade civil organizada em organizações não-governamentais.
Vários Estados já estão colaborando e hoje são parceiros siameses dessa política. Sem cometer a injustiça dos esquecimentos, também não quero cometer a injustiça de deixar de registrar o esforço que o Estado de São Paulo fez de ser o primeiro Estado a organizar o seu Programa Estadual de Direitos Humanos. Trata-se de um elenco de medidas concretas que também estão sendo implementadas.
Quero fazer um apelo no sentido de que mais Estados sigam o exemplo de São Paulo e preparem os seus programas estaduais de direitos humanos.
Tendo em vista a comemoração dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mandei uma correspondência para todos os Prefeitos do Brasil dizendo que estávamos comemorando os 50 anos da Declaração dos Direitos Humanos - boa parte dos Prefeitos nunca tinha posto os olhos nela - explicando o quanto isso era importante para o Brasil e pedi a cada um deles que até o dia 10 de dezembro deste ano inaugurasse ou desse o nome de direitos humanos a uma creche, a uma rua, a um coreto, ou a qualquer coisa, ou seja, que em todos os 6 mil Municípios brasileiros houvesse alguma referência aos direitos humanos.
Nos primeiros 30 dias, não recebi resposta alguma, quase tive vontade de tomar arsênico com serragem. Mas agora começaram a chegar as respostas. Dos 6 mil, 100 já responderam; alguns até já fizeram a inauguração e mandaram a fotografia. Vamos fazer um concurso para premiar a melhor obra com o nome de direitos humanos. Em Goiânia, por exemplo, na semana retrasada, fui inaugurar um monumento que transcreve, em bronze, a Declaração Universal dos Direitos Humanos na porta do fórum. É uma beleza todos os juízes, promotores e advogados entrarem no fórum sabendo que existe a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Eu acho que temos de fazer uma grande cobrança junto a esses Prefeitos para que um plano como esse dê certo.
Encerro as minhas palavras, mais uma vez, dizendo que as portas da Secretaria Nacional de Direitos Humanos estão abertas a toda colaboração construtiva e, sem dúvida alguma, no próximo ano, se for o caso, estaremos aqui, nesta mesa, ou nesta platéia, dando continuidade a esse esforço da Câmara dos Deputados, com quem tenho me identificado em todas as campanhas, em todos os trabalhos. Acho indispensável essa parceria entre Executivo e Legislativo.
Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Muito obrigado ao Dr. José Gregori, Secretário Nacional de Direitos Humanos, pela brilhante explanação.
De parte do Congresso Nacional, informo aos presentes que existe um compromisso da Comissão de Direitos Humanos - aliás, esse compromisso foi ratificado por ocasião da última reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, reunião esta que o Dr. José Gregori presidiu - de que a Comissão de Direitos Humanos, com todos os seus integrantes, tenha uma audiência com o Sr. Presidente da República, na qual estaremos fazendo gestão para que o Executivo se empenhe no sentido de que tenhamos prioridades nos projetos que são de autoria do Executivo e que tratam, por exemplo, da federalização dos crimes contra os direitos humanos e da proteção a vítimas e testemunhas. Esses dois projetos estão no Congresso Nacional, mas, infelizmente, ainda não receberam a prioridade necessária, por isso, ainda não tiveram a tramitação devida. No entanto, todos os membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados estão imbuídos no mesmo espírito, que é tentar junto ao Presidente da República essa prioridade.
V.Sas. devem saber perfeitamente que os projetos nesta Casa só andam se o Governo tiver participação no sentido do entendimento político. A Comissão está com essa responsabilidade. Estamos aguardando tão somente a data para essa audiência em que todos os componentes da Comissão levarão, pessoalmente, esse apelo ao Presidente da República.
Dando seqüência ao segundo painel, concedo a palavra ao Prof. Paulo Sérgio Pinheiro, Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
O SR. PAULO SÉRGIO PINHEIRO - Bom dia. Em primeiro lugar, quero saudar essa conferência, que é um acontecimento extraordinário.
Quero saudar, também, a Comissão de Direitos Humanos, o Deputado Eraldo Trindade e toda a sua equipe, o Deputado Pedro Wilson e os colaboradores por esse magnífico trabalho. Esse pequeno grupo dá um extraordinário testemunho de uma realização eminentemente suprapartidária. Penso que a conferência dá essa demonstração de que é possível, num largo espectro de opiniões e de partidos políticos, continuar a luta pelos direitos humanos.
Eu também deveria ter saudado todos os companheiros de Mesa. Fico muito contente por ter sido convidado. Vou tentar ser o mais breve possível. Quero simplesmente comentar alguns apontamentos sobre o programa e ter o cuidado de não repetir o que disse há um ano.
Vou comentar rapidamente vários apontamentos. Penso que a primeira coisa que temos de relembrar - e de alguma forma eu anunciava isso -, é que a luta pelos direitos humanos, em qualquer sociedade, é um processo extremamente contraditório; evidentemente, sem vocação partidária.
O Dr. José Gregori dizia, antes da queda do muro, que ele não estava aparelhando a política de direitos humanos. É evidente que isso seria absolutamente inaceitável. Qualquer que seja o Governo democrático e as sociedades civis respectivas, têm responsabilidades compartilhadas, e essa parceria é fundada em princípios rígidos e irrenunciáveis.
Gosto muito de um militante argentino que dirige o Centro de Estudos Legais Sociais. Ele diz que somos basicamente "principistas" e não há por quê renunciar a isso. Já estamos mais convencidos de que o Programa Nacional de Direitos Humanos não é nenhuma porção ou varinha mágica que vai, em uma sociedade extremamente desigual, com uma das piores distribuições de renda do mundo, hierarquizada, racista, em que as instituições fundamentais de controle do Estado de Direito funcionam precariamente, de repente, fazer com que os direitos humanos sejam respeitados pelo mero enunciar do Programa Nacional de Direitos Humanos.
Devemos sempre lembrar que não há política sem contradição; não há processo sem avanço e sem recuo; e não há luta pelos direitos humanos sem conflitos, obstáculos e resistência.
Negar essa realidade, a meu ver, é recusar a própria luta. Penso que na luta pelos direitos humanos há uma metáfora da viagem e do navegante que não tem porto final. A luta pela democracia e pela política é uma luta sem porto final. Penso que essa metáfora também serve para os direitos humanos.
Com essas observações, gostaria de fazer três perguntas. Primeira, quais foram o impacto e os significados do PNDH? Qual a diferença da existência do programa no Brasil? O programa é um ponto de partida para a reforma do Estado e a democratização da sociedade brasileira?
Nessa série de apontamentos, queria registrar algo que ocorreu bem no começo deste ano. Aliás, a própria Secretaria Nacional de Direitos Humanos, desde 1985, esperava que os governos criassem algo nesse sentido. Penso que devemos registrar isso como algo extremamente positivo; não se trata de fazer homenagens aqui ao nosso companheiro e amigo José Gregori.
Penso que os Secretários estão em um lugar muito interessante. Eu estava procurando, hoje de manhã, várias palavras. Eu ia falar nó, talvez elo, talvez lugar da confluência da sociedade civil e o Governo. O Subsecretário de Estado dos Estados Unidos, que assume mais ou menos o posto de Secretário Nacional de Direitos Humanos americano, é alguém que vem diretamente da sociedade civil e que faz relatórios bastante devastadores sobre a situação dos direitos humanos nos Estados Unidos. Ele demonstrou como sendo um elo que vive essa contradição. Evidentemente que se trata de um funcionário de governo que está condenado a fazer parceria com a sociedade civil, não há outro jeito. E a sociedade civil tem de se aproveitar, tem de se valer dessa parceria, de uma forma crítica, contraditória e, às vezes, com alguns desencontros.
Eu só citaria um exemplo, que não é a maior realização. Eu estava fora do Brasil nessa período e li nos jornais e nas revistas sobre a questão da aplicação da pena de reclusão e dos benefícios da pena dos seqüestradores canadenses. No Brasil viu-se um delírio de xenofobia e de complexo de inferioridade em relação a potências estrangeiras, potência como o Canadá. A impressão que eu tive é de que a Secretaria estava cometendo um crime de lesa majestade contra os presos. Na realidade, deveríamos encarar essa questão com grande claridade. As forças progressistas em vários desses países apelavam para várias organização no Brasil no sentido de que algo fosse feito em relação a esses desastrados que cometeram o seqüestro com sentido de timing perfeito, do tempo maravilhoso. Aliás, eles escolheram um dia formidável para fazer aquele memorável seqüestro.
Parece-me que a Secretaria investe desde a questão dos desaparecidos até em outras questões espinhosas que não vou declarar, até esse problema extremamente controvertido, que, na realidade, é o cumprimento de acordos que o Brasil realizou. Também foi, modestamente, uma oportunidade para tomada de consciência da necessidade de uma política de benefício da pena estendida a toda a população carcerária. Em vez de serem privilegiados, não houve a transparência em relação ao enorme problema que acontece no Brasil: os benefícios da pena não estão sendo concedidos à maioria esmagadora dos presos brasileiros.
Eu disse ao Dr. José Gregori que iria dizer isso. Penso que é importante essa história. Vários setores da mídia tiveram uma reação xenófoba, chauvinista e absolutamente despreocupada com o cumprimento da lei no que diz respeito às penas no Brasil.
O que o programa já dizia aqui outra vez, é que se trata de um quadro de referência para concretização das garantias do estado de direito e para a ação em parceria do Estado com a sociedade civil de um quadro de referência móvel. Isso ficou claro na primeira conferência. Não se trata de um programa engessado. Alguns grupos sociais não se acharam suficientemente tratados no programa. Eles têm de ser incluídos. Cito um exemplo: nós recebemos uma delegação de ciganos do Brasil. O programa não tratou suficientemente desse exemplo. Cito só um exemplo, que parece um pouco extemporâneo para o Brasil, mas que nós devíamos ter contemplados. Trata-se de um sem-número de questões que devem ser contempladas.
Também penso que é importante superarmos a questão que o programa não tratou dos direitos sociais, econômicos e culturais. Quando eu debato isso fora do Brasil, eu digo: gostaria de saber qual a democracia que até hoje fez um programa de direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Eu não conheço. Talvez alguém da conferência possa me apontar.
A sociedade civil, o que tem de fazer? A sociedade civil tem de aproveitar o fato de que houve esse compromisso do Governo de implantar uma política oficial de direitos humanos. Isso faz uma enorme diferença e é básico para que os movimentos sociais possam organizar-se. É evidente que as garantias básicas do cidadão devem estar em plena vigência.
Qual a diferença que ocorre em relação ao passado? Justamente porque se trata de uma política oficial de Governo é que o Governo Federal não dá sustentação, como ocorreu durante o regime autoritário, ou se omite, como na democracia pré-64. O Governo não se omite diante das violações dos direitos humanos.
Temos vários exemplos. Eu vou citar só dois pequenos exemplos. Primeiro, é preciso levar em conta qual a tensão básica da realização dos direitos humanos no Brasil. Não vou nomear nenhum Estado. Há Estados e há personalidades dentro de Governos que não são tão pró-ativos, mas estão fazendo trabalhos formidáveis. Esse é o grande milagre brasileiro. Em qualquer Estado, sempre há alguém dentro do Governo, além da sociedade civil, evidentemente, tentando fazer uma política pró-ativa em direitos humanos.
Cito só um exemplo. O Deputado Eraldo Trindade lembrava aqui a questão do CDDPH - Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. O CDDPH não tem, stricto sensu, competência para convocar Governador, Procurador-Geral do Estado, Presidentes de Tribunais de Justiça. Desde o início deste Governo, essas personalidades comparecem ao CDDPH. Na última reunião, tivemos a emocionante visita do Presidente do Tribunal de Justiça do Acre, que veio denunciar, juntamente com o Subprocurador da República, os esquadrões da morte, que estão, impunemente, atuando no Estado do Acre. O Sr. Desembargador apresentou documentos e mostrou o esforço que ele está fazendo com a Procuradoria-Geral da República para coibir esses abusos.
Quanto aos programas estaduais, por enquanto, temos de falar no singular: o Programa Estadual de Direitos Humanos de São Paulo foi um extraordinário processo de mobilização. Não se trata de um programa da Secretaria. Durante todo o Governo, houve fóruns de cidadania, um sem-número de encontros que resultaram no Programa Estadual. Parece-me que outros Estados estão a caminho disso. Aliás, é ótimo que outros Estados tenham esses quadros de referência.
Na área internacional, vai acontecer algo que vários de nós esperamos - o Secretário Belisário dos Santos Júnior faz tempo que espera: uma solução amistosa no que diz respeito ao 42º DP. Alguns companheiros jornalistas não entenderam bem que o Governo não quer ser condenado. Nenhum Governo gosta de ser condenado. A solução amistosa vai ser um enorme progresso em relação ao horror, à asfixia dos 18 presos do 42º DP. O Estado brasileiro reconhece que o Governo passado cometeu uma grave violação de direitos humanos e, além de reconhecer, indeniza as vítimas sem esperar o processo judicial e toma algumas medidas contra funcionários policiais. Está para acontecer em relação à barbárie do massacre do Carandiru.
Hoje, vou ser bem claro, ele está aqui. Não se trata do representante do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos - Deputado Hélio Bicudo; trata-se do membro brasileiro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Mas quem foi que contou com o apoio da sociedade civil e do Governo brasileiro? Quem mais independente poderíamos ter na Comissão Interamericana de Direito Humanos que o Deputado Hélio Bicudo? É até um pouco de ousadia governamental colocar o Deputado Hélio Bicudo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Mas me parece que isso é um sinal de que esse engajamento em relação à política de direitos humanos é algo para valer.
Do alto da minha responsabilidade, digo que é inexorável que o Brasil vá reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana. Não vai dar outra, isso vai ter de acontecer. É importante que o Governo Federal não assuma isso sozinho. É preciso que o Congresso Nacional e outros Poderes no Brasil também se mobilizem para apoiar o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana. Tenho a firme convicção de que isso é um processo inexorável. O Brasil, brevemente, irá reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana. Não há como escapar desse destino.
É preciso também não menosprezarmos o que foi realizado este ano: a tipificação do crime de tortura. Havia sete ou oito projetos na Câmara dos Deputados. Foi ótimo que isso tenha sido aprovado três dias depois do caso da favela naval. Foi aprovado porque apareceu cena de tortura. Ótimo por um lado, mas péssimo para a violação de direitos humanos. Foi muito bom o Congresso Nacional ter-se mobilizado e aprovado esse projeto. A criminalização do porte ilegal de arma também foi algo extremamente positivo. Espero que a Comissão de Direitos Humanos, juntamente com o Senador Élcio Álvares, que estava na nossa Comissão do CDDPH, enfim, que o Congresso Nacional termine a transferência da competência das Polícias Militares para a Justiça Civil. Todos os massacres estão sendo pronunciados, graças à transferência. Os culpados estão sendo pronunciados graças a essa transferência da competência. É preciso que o Congresso Nacional aprove a proposta que veio na esteira da proposta do Deputado Hélio Bicudo, do Ministro Nelson Jobim, e acabe definitivamente com essa excrescência brasileira, restaurando, como em qualquer democracia que se preze, a competência do Judiciário e do Civil.
O Deputado também lembrou algo que vai resolver melhor essa tensão entre Governo Federal e Governo Estadual: a definição de um tipo de crime federal de direitos humanos. Esse é um bom projeto, porque não vai fazer aquilo que juízes, desembargadores e advogados adoram, que é o conflito de competência. Não vai acontecer isso, porque vai ser simplesmente uma declaração de interesse do Ministério Público Federal por algumas graves violações de direitos humanos.
O Dr. José Gregori e o Deputado lembraram isso. Penso que isso vai fazer alguma diferença. Quais são as perspectivas? São de continuarmos sendo otimistas na ação e pessimistas em relação ao horizonte. Os resultados dessa conferência vão ser uma extraordinária contribuição para o aprimoramento e para que o processo continue mais ágil.
Finalmente, queria dizer que me parece que o programa e o núcleo de implementação deverá ser mais dinamizado e é onde o Movimento Nacional dos Direitos Humanos tem uma cadeira. O Núcleo de Fiscalização e Implementação do Programa está começando a preparar o relatório nacional dos direitos humanos, que a Secretaria Nacional de Direitos Humanos deverá publicar no dia 10 de dezembro.
Esse relatório está sendo feito em cima do que estamos chamando de pontos focais, em cada Estado, com os Governadores, o Ministério Público e entidades da sociedade civil. Cada Estado vai ter o seu relatório, baseado num questionário básico que a Secretaria elaborou. Acho que esse relatório vai ser uma contribuição de transparência.
Ele não será diferente dos outros relatórios, do ótimo relatório da Comissão Interamericana, que acabou de ser publicado, do relatório da anistia ou do relatório da Human Rights Watch. Não vai ser uma outra visão, mas simplesmente uma afirmação definida de transparência, no âmbito dessa Secretaria, que está nessa esquisita confluência da sociedade civil e do Governo.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - A Organização da III Conferência Nacional de Direitos Humanos agradece ao Professor Paulo Sérgio Pinheiro a honrosa presença e registra a importância de suas palavras neste evento.
Seguindo a programação, passamos a palavra agora ao Sr. Secretário Executivo do Movimento Nacional de Direitos Humanos, o Reverendo Romeu Olmar Klich.
O SR. ROMEU OLMAR KLICH - Sr. Presidente, senhores membros da Mesa, senhoras e senhores conferencistas, é inegável e indiscutível a relevância que o Programa Nacional de Direitos Humanos tem para a sociedade brasileira. Digo isso porque ele traz em si a potencialidade, ou é capaz de constituir-se em um instrumento para a sociedade brasileira apto a implementar mudanças qualitativas e quantitativas no tratamento dos direitos humanos no Brasil, apesar das suas limitações. É bom que se diga que, ao priorizar os direitos civis e políticos, como faz, ele, de alguma forma, não respeita, ou quebra a universalidade, a indivisibilidade e a interdisciplinariedade dos direitos humanos.
No entanto, gostaria de servir-me de um pressuposto que vincule a realidade concreta das pessoas, seu cotidiano, e aquilo que o próprio programa e as declarações prevêem e procuram de alguma forma garantir, ou seja, aquilo que aparece de forma descritiva no discurso, na letra, no papel e na vida.
Por que faço isso? Porque o Movimento Nacional de Direitos Humanos, através das suas quase trezentas entidades presentes em todos os Estados da Federação, se defronta diariamente com o cotidiano concreto da vida dos cidadãos, ao ser procurado, ao abordar, ao procurar ter algum tipo de intervenção nas questões de violação de direitos humanos.
Todos sabemos que nossa cabeça está onde pisam nossos pés. E é nessa perspectiva que eu gostaria de traçar algumas considerações sobre a concretização do Programa Nacional de Direitos Humanos e a criação dos programas estaduais.
Ao fazer isso, lembro - alguns de vocês já me ouviram falar, pois tenho sempre como propósito fazer referência a esse caso - da menina chamada Mariângela, uma mistura talvez de Maria e de anjo, de 14 anos de idade, prostituta, mãe aos 12 anos, que perambula ainda hoje pelas ruas de Foz do Iguaçu, de onde viemos.
No ano passado, tivemos contato com essa menina. Vi que nela está personificado o extremo da violação dos direitos humanos, porque além de criança é uma mulher; além de mulher, é negra; e além de negra, é prostituta. Ao conversar com essa menina, ao ouvir dela suas perspectivas para o futuro, sobre o que queria para si, a única coisa que nos respondia era nada, perspectiva nenhuma.
É nesse momento que nos questionamos: de que adianta tanto empenho? De que adianta uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, uma Constituição, que de alguma forma contempla tudo isso? Uma legislação que também procura garantir esses direitos? De que adianta um Programa Nacional de Direitos Humanos? E todos nós sabemos da distância que existe entre aquilo que ele prevê e a realidade concreta que cada um de nós vivemos. Ele é muito conhecido por nós e pelo Ministério da Justiça, mas o povo não conhece; não só o povo, mas Governadores e Parlamentares não o conhecem.
Penso que é fundamental a divulgação ampla do Programa Nacional de Direitos Humanos, para, então, a partir daí, podermos garantir os seus desdobramentos e aquilo que ele mesmo prevê.
Além disso, somos levados a nos questionar sobre as responsabilidades de concretização desse programa. De quem é a responsabilidade das proposituras que contém? Fazem-se necessários mecanismos responsáveis para executar as ações que prevê, para ultrapassar esse caráter discursivo e se tornar uma realidade concreta na nossa vida. São necessários também recursos humanos.
E não é só isso. Nós do Movimento entendemos a real necessidade de sua vinculação ao Orçamento. Como implementar aquilo que está previsto sem recursos financeiros? Como instituir um programa desse tipo nos Estados e Municípios? Porque é lá, nos Estados e Municípios, que acontece a violação e que deveria acontecer a garantia dos direitos humanos.
Então, é necessário e fundamental que ele saia do papel e que se constitua uma realidade concreta em nosso cotidiano.
Esse programa deve ter também a sensibilidade, como já está de alguma forma dito, de convocar para uma parceria os Estados e Municípios, porque a vida acontece em cerca de cinco mil Municípios do nosso País, nos 26 Estados. Há esse nível local, concreto da realidade. Daí a necessidade de uma parceria nesse sentido.
No entanto, é preciso fazer o que precisa ser feito, todos nós sabemos. Agora, esse fazer acontece quando se faz junto, quando, a exemplo do Estado de São Paulo, se elaboram programas estaduais. Isso já é garantia de desdobramento dele mesmo.
Além disso, nos programas de direitos humanos é fundamental incluir, definir questões concretas dos problemas com que nos defrontamos no nosso cotidiano, sobretudo neste momento do cinqüentenário das declarações, quando inúmeras reflexões são feitas, inúmeras propostas surgem, em todos os lugares do nosso País e pelo mundo afora, no decorrer deste ano comemorativo. A atual conjuntura indica o quanto estamos longe daquilo que declaramos e almejamos.
A par de todas essas cartas declaratórias, de todos esses desejos, de todas essas intenções formuladas, elaboradas e manifestadas nos tratados, nos acordos e convenções, a par de toda a legislação vigente em nosso País, garantindo e assegurando, de alguma forma, os direitos dos cidadãos, a realidade das violações se sobrepõe: direitos individuais e sobretudo direitos coletivos são violados. As doenças, as epidemias, a fome, o desemprego e a ignorância constituem, então, um desafio para todos nós.
Mas o que ocorre é que se, por um lado, temos talvez uma das legislações mais avançadas, que garante o respeito aos direitos humanos, por outro lado, perguntamo-nos: por que não se concretiza o que ali está previsto? Por que há essa distância entre aquilo que se apresenta e a realidade concreta? De que forma isso pode ser superado? De que forma essas distâncias podem ser encurtadas? É que os dias atuais exigem muito mais do que declarações, intenções e manifestações.
A maior crítica, talvez, que se pode fazer ao Programa Nacional de Direitos Humanos é justamente essa desvinculação que acontece entre o cotidiano concreto em que vivem as pessoas, o Plano Plurianual e o Orçamento Público, propriamente dito. O atendimento aos direitos humanos não pode mais prescindir dessas questões. Ninguém, em sã consciência, pode ater-se a intenções, a manifestações, ainda mais no momento em que os direitos sociais, culturais e econômicos exigem uma atenção especial de todos nós.
Portanto, gostaríamos de atuar em prol dos direitos humanos. Mas não temos condições, não temos dinheiro. É inconcebível num momento como esse! (Palmas.) Quantas vezes os criminosos, os violadores de direitos humanos ficaram impunes porque nós e sobretudo quem tem a maior responsabilidade nisso tudo omitimo-nos ante à imediata atuação contra esses violadores de direitos.
Portanto, pretendemos concretamente que haja previsão para a concretização de cada item previsto no programa em todos os seus níveis. Para tanto, o Movimento Nacional de Direitos Humanos faz a seguinte proposta: que as entidades promotoras e participantes desta conferência constituam uma comissão que trabalhe nesse sentido e façam principalmente a vinculação do Programa ao Orçamento da União a partir de agora.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e os demais organizadores desta convenção agradecem ao Reverendo Romeu Olmar Klich, Secretário Executivo do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, a presença e participação nesta reunião.
Voltando à programação, concedo a palavra ao Sr. Deputado Mário Mamede, Representante do Fórum das Comissões Legislativas de Direitos Humanos e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Ceará.
O SR. MARIO MAMEDE - Bom dia a todos! Peço a todos os ilustres companheiros que compõem esta Mesa que permitam que eu me dirija à Drª. Maria do Perpétuo Socorro Prado, figura minoritária nesta Mesa do ponto de vista do gênero, para saudá-la em nome de todos nós que viabilizamos a III Conferência Nacional dos Direitos Humanos. (Palmas.)
Quero, inicialmente, apontar o fato central que move a todos nós neste e em todos os momentos na luta pelos direitos humanos: nossas apreciações e críticas são feitas aqui com o intuito de contribuir efetivamente com a luta pelos direitos humanos, que não pode ser de poucos, de uma vanguarda, mas de muitos, de todos, de um povo e de uma nação. As críticas são feitas de maneira muito honesta e sincera por parte de todos.
Portanto, não poderia aqui de maneira alguma, em nenhum fórum, ser abordada a visão maniqueísta, como acontece, em alguns momentos, em alguns fóruns menores, onde há pouca compreensão da importância universal dessa luta: posições contra e a favor do Governo; um lado bom e um lado mau em disputa. Em absoluto.
Portanto, desejo abordar algumas questões a partir de ontem, quando deixei esta Casa depois de assistir a formidáveis palestras de pessoas ilustres.
Ao chegar no hotel, talvez pelos efeitos da viagem e de uma noite mal dormida, procurei fazer uma retrospectiva de tudo aquilo que tinha ouvido e aprendido e engrandecido todos nós. Mas também desejei relaxar um pouco, porque foram dois dias exaustivos de agenda e liguei a televisão na tentativa de assistir a alguma programação agradável, um momento de lazer, de entretenimento, de descontração. Apareceu-me um canal, não sei exatamente qual, que transmitia o programa da Márcia, retratando nacionalmente, através dos meios que a moderna tecnologia oferece e que o satélite permite, dramas sociais, como, por exemplo, o de um casal cuja relação era muito conflitante: existia uma amante, uma filha desprotegida, de um lado, uma filha abandonada, de outro; uma situação de guerra em que as pessoas estavam sendo publicamente execradas, diminuídas, humilhadas, com todos os seus direitos negados. Era um programa televisivo em que a platéia, como nos tempos dos cristãos que eram jogados aos leões, se deliciava, aplaudia de pé e ficava contra ou a favor daquele personagem. A apresentadora Márcia manipulava toda aquela tragédia humana.
Senti-me agredido com aquela situação e rapidamente mudei de canal. Caí no Ratinho, a que nunca tinha visto. Meu Deus! Minha primeira reação foi de desligar a televisão. Perguntei-me: onde estou? Em que país e em que cidade estou? A que Estado nacional pertenço? Qual é a sociedade da qual faço parte? Mas deixei correr um pouco. A situação realmente é muito feia.
Aquele é um retrato da nossa sociedade, do nosso Estado, das nossas relações, dos nossos preconceitos, das nossas discriminações. É o retrato de uma sociedade que foi construída por uma elite que teima e continua teimando em confundir privilégios com direitos.
Perguntei-me: onde está o projeto que trata do controle social dos meios de comunicação, que, em absoluto, não é censura? Todos os países modernos e democráticos têm alguma forma de controle social. Não está tramitando no Congresso Nacional, certamente por efeitos de lobbies poderosos. Onde estão os importantes projetos que elaboramos ao longo de tanto tempo, desde a Conferência de Viena, por exemplo, pelo menos naquilo que minha vista e ação política alcançam? Por que eles não estão tramitando efetivamente no Congresso Nacional?
Então, comecei a repensar em tudo aquilo que havia, de algum modo, tentado esquematizar para, merecendo a confiança da Comissão Nacional de Direitos Humanos e dos meus pares, poder fazer minimamente uma avaliação da situação estadual sobre a implementação dos Programas Estaduais de Direitos Humanos, obedecendo a um programa nacional.
Em primeiro lugar, devo dizer que é formidável, para mim, sermos o terceiro país do mundo a obedecer à orientação do Encontro de Viena e formular nosso Programa Nacional de Direitos Humanos. É admirável que o Governo Federal tenha abordado esse aspecto da luta pelos direitos humanos na sua totalidade como discurso oficial. É muito bom termos na Secretaria Nacional de Direitos Humanos nosso querido José Gregori. Acho tudo isso positivo, como também algumas iniciativas que o Governo tem tomado no sentido de procurar modificar esse dramático quadro de exclusão social em que estamos vivendo.
Mas, por outro lado, tenho de dizer obrigatoriamente que há muitas críticas com relação à política de Governo quando, por vários mecanismos, aumenta a exclusão social: nega direitos e as pessoas são levadas ao desemprego.
Há pouco tempo, dizia ao Prof. Paulo Sérgio Pinheiro que isso é uma discussão ideológica, permanente e inevitavelmente tensa, sobre a qual devemos debruçar-nos com muito cuidado.
A primeira questão fundamental, a meu ver, é que não conseguimos modificar nosso quadro de organização social, política e econômica. Somos uma sociedade concentradora de renda, de riqueza e de acumulação de poder. E as elites brasileiras não querem efetivamente mudar esse quadro, pelo menos até a data de hoje e a virada do milênio. Parece-me que não há prenúncio quanto à modificação de uma organização social mais justa, humana, fraterna e solidária. Parece haver teimosia de um segmento da sociedade em manter esse modelo de exclusão social.
A outra questão é a seguinte: no que diz respeito aos direitos humanos e outros aspectos da vida nacional e social, não fomos capazes ainda de estabelecer um projeto nacional para acabar com a fome, um consórcio entre Estado e sociedade para combater efetivamente a miséria, com políticas largas, abrangentes; não fomos capazes de enfrentar debates sobre a questão prisional, com a profundidade e premência que hoje essa situação exige de nós; não fomos capazes, enquanto sociedade e Estado, de estabelecer uma bandeira nacional, um projeto estratégico de curto prazo para combater a chaga do analfabetismo; não fomos capazes, até o momento, de estabelecer a questão dos direitos humanos como uma bandeira e projeto nacional, como prioridade nº 1 de governo, dentro das quais outras se colocarão naturalmente, dada a abrangência e largueza desse leque dessa expressão chamada direitos humanos. Mas em toda e qualquer análise que se faça sobre os direitos humanos, o principal é o direito inarredável à vida.
Penso que, ao longo de uma discussão séria e necessária, podemos buscar a formulação desse pacto Estado e sociedade. Mas antes da formulação desse pacto, é preciso que o Governo defina o nível de prioridade que está dando aos direitos humanos.
Sabemos que não é fácil repensar o modelo social, o modelo de organização política e enfrentar toda a questão da reorganização do grande capital internacional. Sabemos de tudo isso. Mas é preciso que o Governo Federal e, por conseqüência, os estaduais nos digam claramente o nível de prioridade que querem estabelecer para a luta pelos direitos humanos, qual é sua face quanto aos direitos humanos, de maneira clara e transparente.
Dito isso, algumas questões saltam com muita visibilidade.
Primeiro, será que a Secretaria de Direitos Humanos, com todo respeito que temos demonstrado, e merecidamente, ao Dr. José Gregori, não deveria ser uma secretaria de maior porte na estrutura organizacional do Governo? Não deveria ela ficar vinculada diretamente ao Gabinete do Sr. Presidente e não em uma situação de vinculação hierarquicamente colocada abaixo do Ministro da Justiça? Essa não é uma crítica ao Ministro da Justiça, digo isso apenas porque, por questão cultural, ao longo de anos, a Secretaria de Justiça e, por conseqüência, o Ministério da Justiça são vistos pela sociedade muito mais como órgãos tomadores de conta de presos. Elas se atrofiaram ao longo dos anos.
Quando se fala em Secretaria de Justiça no Estado do Ceará significa dizer que o Secretário irá cuidar dos presos. Os agentes políticos, a imprensa e a sociedade não conseguem ver uma função além dessa. Portanto, essa questão tem todo um estigma que, ao meu modo de ver, tem que ser revertido, privilegiando-se os direitos humanos, para se colocar a secretaria num patamar de maior grandeza, pela importância e desafios que são apresentados à Secretaria, ao Governo, à sociedade, ao Dr. José Gregori. (Palmas.)
Outra coisa que também me salta à vista nesta discussão, do ponto de vista da implementação estadual, é o fato de que se o Governo tem como prioridade, se tem capacidade de chamar a sociedade para discutir - e fomos capazes de aceitar o desafio, colocando-nos como parceiros sinceros, realizamos conferências estaduais, várias atividades regionais, na pessoa do Dr. Paulo Sérgio Pinheiro, que mereceu a confiança do Estado e da sociedade para conduzir esse trabalho com muita habilidade e competência -, se o Governo agora tem um Programa Nacional de Direitos Humanos, que está completando dois anos, precisa ser o grande animador da implementação estadual. Essa questão está ficando muito na mão de uma vanguarda, de alguns abnegados, de poucos sonhadores e dos Parlamentares que ocupam, na sua grande maioria, esse espectro da chamada oposição política ao Governo. As ações das Comissões de Direitos Humanos terminam perpassando, em âmbito estadual, como ações da oposição ao Governo e não da luta pela cidadania. (Palmas.)
Portanto, as derrotas parlamentares nessa área são freqüentes; as derrotas dos Parlamentares envolvidos nessa luta, que procuram implementar esse Programa Nacional de Direitos Humanos nos Estados, terminam sendo lutas muito difíceis, quase sempre derrotadas dentro do Parlamento.
Será que é só no Parlamento ou deverá ficar somente na alçada dos movimentos de igreja, de militantes, no Movimento Nacional de Direitos Humanos a tentativa de se implementarem os programas estaduais? Não seria necessário o Governo Federal descer aos Estados, através de agentes políticos, para animar essa implementação em âmbito dos Estados, chamando, por exemplo - a meu modo de ver, um organismo fundamental na implementação -, o Ministério Público? Qual a outra instituição que se adequaria mais, até para cumprir os preceitos constitucionais, que seria mais formidável para animar, implementar, chamando a sociedade para discutir, a imprensa, outros agentes políticos, para implementar, nos Estados, os Programas Estaduais de Direitos Humanos?
Parece-me que o Ministério Público ainda não compreendeu isso na sua totalidade, ainda não tem dimensão da envergadura daquilo que a Constituição Federal lhe garante, não tem dimensão ainda da importância do plano estadual de Direitos Humanos, até porque, quando se conversa, se percebe que muitos agentes do Ministério Público não têm conhecimento do Programa na sua totalidade.
Outro ponto interessante se refere aos aspectos relativos a falta de compromisso do Governo ou uma certa falta de vontade política em cumprir aquilo que a Constituição Federal já garante, já obriga, já determina e que é inarredável para a cidadania, absolutamente inarredável. (Palmas.)
Quais são os Estados representados neste plenário que têm efetivamente funcionando, com estrutura adequada, sua Defensoria Pública? (Palmas) Quais são os Estados? (Pausa.) Quatro ou cinco Estados foram citados. Dentro da Federação, não constituem a maioria.
No Estado do Ceará, lutamos com muita dificuldade. Somos 184 Municípios e em 130 não há defensores públicos. No nosso presídio maior, chamado PPS, palco de vários atos dramáticos, só temos dois defensores públicos para atender a população de 800 presos. E o Governo estadual diz que não tem dinheiro para implementar defensoria pública porque custa muito caro.
Portanto, questiono a prioridade do Estado em relação a algumas questões de direitos humanos, alguns aspectos.
Desses vários componentes, temos a desarticulação política: falta animação política; falta a presença do Governo Federal, através de seus agentes animadores nos Estados; falta uma articulação com outras instituições, como, por exemplo, citei aqui - devo demonstrar meu profundo e mais elevado respeito ao Ministério Público -, do porte, da importância do Ministério Público para implementar estadualmente; falta uma relação política do Poder Executivo com o Poder Legislativo, para não ficar essa luta entre oposição e a situação governamental; falta trazer a sociedade ao debate.
Então, há esse desinteresse, essa desarticulação, esse descompromisso de que falei; em alguns aspectos, não podem ser adjetivados de outra maneira, nem esse certo descompasso, uma vez que ficamos navegando no mar de tempestade, de intempéries, de adversidade, de incompreensões às vezes.
Ainda assim observam-se situações paradoxais, e quero apontar algumas, porque seria impossível acompanhar a tarefa analisando a situação de cada Estado, o tempo não me permitiria nem a elaboração nem a exposição, mas há uma luta nacional pela autonomia dos órgãos periciais.
A sociedade, em grande parte, compreende que os órgãos periciais, Instituto Médico Legal, Instituto de Criminalística e Identificação não podem ficar subordinados à esfera policial, porque não são órgãos policiais, são órgãos técnico-científicos. O modelo perpassou toda a ditadura militar na América Latina e não deve continuar na sociedade democrática.
Temos essa compreensão, até porque isso está contemplado no Plano Nacional de Direitos Humanos, que diz, quanto a esse aspecto, que é preciso fortalecer Institutos Médicos Legais e de Criminalística, adotando medidas que assegurem sua excelência técnica e progressiva autonomia, articulando-os com universidade, com vistas a aumentar a absorção de tecnologias.
Devo dizer, de passagem, de maneira respeitosa, que esta proposta não é exatamente aquela que queriam importantes segmentos e representantes que participaram da formulação do programa. Foi um meio termo entre o tencionamento feito pela sociedade e a proposta que o Governo pôde acatar.
Nossa proposta era de autonomia plena dos órgãos periciais nos seus aspectos técnicos, administrativos e financeiros. (Palmas.) Nossa proposta era essa, mas foi impossível e entendemos esse processo dialético.
Agora, em São Paulo, o Governo Mário Covas, do mesmo partido do Governo Federal, deu um passo interessante que considero formidável: criou uma Superintendência Técnica Científica englobando os três órgãos periciais e lhes dando maior autonomia, caráter mais científico, transformando-a em Superintendência de Polícia Científica. Acho que é um passo formidável, que devo elogiar.
No Estado do Ceará, onde há uma luta de oito anos por essa questão, consoante com os ideais do Plano, o Governador do Estado agora mandou mensagem para a assembléia e, apesar dos inúmeros clamores, apelos, debates na imprensa, tentativa de articulação com a bancada, através das várias comissões, o projeto está passando de maneira vitoriosa, está subordinado ao delegado de política, voltou à concepção de dez anos atrás.
São governantes do mesmo partido do Sr. Presidente: no Ceará, Tasso Jereissati, em São Paulo, Mário Covas, mas com posturas completamente dissociadas, divergentes e conflitantes em relação àquilo que emana, orienta, direciona, aconselha o Plano Nacional de Direitos Humanos.
Vejam o seguinte: em Minas Gerais, por exemplo, a informação pode ser confirmada, desde novembro o Conselho Estadual de Direitos Humanos indicou a figura do ouvidor do organismo policial - desde novembro. O Governador, do mesmo partido do Presidente, que deveria ter uma consonância também com os anseios do Plano Nacional de Direitos Humanos, não acata a indicação do Conselho Estadual de Direitos Humanos, não ratifica e não procede à nomeação do ouvidor do organismo policial, que tem a confiança da sociedade civil.
No Ceará, não temos Ouvidoria da Polícia Civil nem da Polícia Militar e temos um Conselho Estadual de Direitos Humanos com formação muito interessante: ele nasce não com identidade própria, mas a partir da criação da Ouvidoria-Geral do Estado, para atender às preocupações e aos interesses do Estado, dentro da qual fica vinculada à estrutura do Conselho Estadual de Direitos Humanos.
Mas há um vício de origem, no meu modo de entender: a pessoa que preside o Conselho Estadual de Direitos Humanos só pode ser a Ouvidora-Geral do Estado, ninguém mais. Nenhum dos conselheiros é digno da mesma confiança, só ela, pois é um cargo de livre exoneração, portanto, de livre nomeação. No momento em que houver qualquer situação de confronto entre autoridade do Estado e aquele que tenciona o conselho, logicamente esse cargo será de confiança do Governador, logo de livre exoneração.
Essas questões têm que ser analisadas, e poderíamos talvez nos estender um pouco no debate para mostrar que não fomos capazes, por exemplo, de avançar em nada do ponto de vista da organização policial do Estado brasileiro, uma questão formidável na luta pelos direitos humanos. Do ponto de vista global, nacional, os avanços são absolutamente insignificantes; não se conseguiu modificar a estrutura das organizações policiais, que continua com uma concepção militarizada, autoritária e, muitas vezes, antipovo. (Palmas.)
Não conseguimos sair do discurso superficial e insuficiente de tentar fazer alguma crítica à organização e concepção do Poder Judiciário brasileiro, mantendo-nos no discurso insuficiente de que é preciso exercer-se controle externo sobre a atividade administrativa dos senhores juízes. Não é suficiente, precisa se reformular. O Poder Judiciário brasileiro está muito distante da cidadania, está muitas vezes dissociado das necessidades do cotidiano do povo, preocupando-se muito mais com a questão patrimonial e a manutenção do status quo.
Vejo essas questões pilares com preocupação. Estamos tratando da periferia do problema, debatendo com os Estados com dificuldades e limitações; os Estados, embora dos mesmos partidos políticos que deveriam seguir as diretrizes do Programa Nacional de Direitos Humanos, não conseguem estabelecer uma política única ou um projeto único. Podemos observar que as lutas avançam, que a tensão é maior ou menor e que as conquistas são mais ou menos importantes de acordo com a capacidade política, com a capacidade de enfrentamento e, muitas vezes, em situação de risco dos agentes locais, que continuam sendo a vanguarda.
Efetivamente, no meu modo de ver, não houve empenho pela implementação do Programa Estadual dos Direitos Humanos na maioria dos Estados brasileiros.
Obrigado. Desculpe-me por alongar muito a minha fala. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Cumprimentamos o Deputado Mario Mamede por sua brilhante participação nesta conferência.
Passamos a palavra ao Secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo, Dr. Belisário dos Santos Júnior.
O SR. BELISÁRIO DOS SANTOS JÚNIOR - Sr. Presidente, caríssimos amigos, queria fazer uma nota de rodapé inicial, já que o Sr. Paulo Sérgio Pinheiro, que costuma fazê-la, não fez nenhuma. Farei a primeira.
Achei fundamental contar para os senhores uma experiência ocorrida na FEBEM, penúltimo lugar onde estivemos antes do anúncio do Programa Estadual de Direitos Humanos. Antes da Conferência realizada em São Paulo, há um ano, na realidade, participamos também de uma miniconferência na FEBEM. Um desses garotos filósofos, que costumam habitar a FEBEM e que costumam ser segregados pela sociedade - e ao final da miniconferência as crianças não discutiram nada sobre a situação delas, mas discutiram, como se fossem Deputados e membros de organizações de direitos humanos, questões gerais do Programa Estadual de Direitos Humanos -, disse o seguinte: "Gostei muito dessa falação. Mas gostaria de dizer a vocês o seguinte: há alguns anos isso teria sido impossível." Era muita emoção que estava surgindo ali. Não prestamos atenção àquela fala.
Mas queria dizer, caríssimos José Gregori e Paulo Sérgio Pinheiro, caríssimos Deputados Eraldo Trindade, Pedro Wilson, Nilmário Miranda, Hélio Bicudo, que hoje, ao se completar um aniversário significativo, com todo esse esforço, independentemente de cada meta que tenha sido atingida, houve mobilização. Hoje queremos passar do discurso à prática. Mas como foi difícil chegar ao discurso, como foi difícil inserir os direitos humanos no discurso!
Os senhores vão lembrar que há um tempo havia os chamados direitos fundamentais - vamos denominá-los assim, por que se denominá-los direitos humanos, vai trazer uma carga...! E mercê desse trabalho, caro José Gregori, caro Paulo Sérgio Pinheiro, acho que esse trabalho começou a incorporar o discurso. E do discurso à prática é questão de, às vezes, forçar, de trazer a dimensão cotidiana, a dimensão concreta dos direitos humanos, fazer com que as pessoas entendam que a implementação dos direitos humanos não é uma coisa teórica. Ela vai mudar no dia seguinte, ela vai mudar a dimensão cotidiana das pessoas. E daí vamos conseguir uma verdadeira revolução. A pessoa vai poder associar voto com mudança de condição de vida e, portanto, vai parar de votar em discurso e passará a votar em coerência de vida, votar em princípios, votar em coisas concretas que foram ligadas por princípios. Assim, amarro a segunda nota de rodapé, que é a história dos princípios.
Portanto, realizar as metas do Programa Nacional e do Programa Estadual de São Paulo é importante. Mas é importante saber como vamos realizá-las.
Quando o Governo do Estado de São Paulo desejava realizar o seu Programa Estadual, alguns companheiros faziam terrorismo, dizendo que iriam fazer um programa mais rápido que o de vocês. E eu respondia sempre que não estávamos muito preocupados em ser o primeiro. Até, de certa forma, estou constrangido de ser o primeiro, porque há outros lugares que estão fazendo ações em cima do próprio Programa Nacional. São Paulo não está preocupado em ser o primeiro ou o segundo. Estávamos preocupados em seguir quatro vertentes principais.
Primeiro, a nova concepção de direitos humanos. Quer dizer, aquela concepção que se fortalece em Viena, que diz que os direitos civis não se dissociam dos direitos sociais e que os direitos são universais.
A vertente da Municipalização trata de levar esse programa para o lugar onde será necessária a sua implantação. Se esses Programas Nacional e Estaduais não chegarem ao Município, falhamos.
Em terceiro lugar, a participação. Fazer um programa só de Governo é muito difícil. Mas é muito menos complicado do que fazer um programa com a sociedade; é muito menos complicado do que fazer um programa com a Igreja; e muito menos complicado do que fazer um programa com a universidade.
Então, tentar essa dimensão, espalhando o programa no interior do Governo, talvez seja a característica do programa de São Paulo. As pessoas que mais falam em direitos humanos são as que estão vinculadas à área policial militar. Há pessoas falando em direitos humanos na Secretaria da Fazenda - olha que conquista, Sr. Presidente! Falar de programas de qualidade, com essa vertente de direitos humanos!
A quarta vertente, a quarta ótica, o quarto princípio é fazer tudo isso com a comunidade, através de programas concretos, resolvendo violações concretas, superando problemas concretos. Assim, realmente, chegaremos a bons termos concretos, porque se chegarmos a portos concretos e seguros, diremos que valeu a pena esse esforço.
Estou vendo lutadores aqui. Lembraria, então, algumas coisas que chegaram a portos importantes. Na Superintendência da Polícia Técnica e Científica, vejo lutadores importantes, que até agora fazem sinal de vitória, pela forma como isso foi construído. Isso não é um ato de Governo. Não nos trancamos no gabinete para fazermos o que é bom. Não é isso. Isso era um clamor. É importante que isso tenha sido discutido. Não era tudo o que eles queriam. Mas eles se mobilizaram de uma forma diferente da que faziam normalmente. Eles se mobilizaram na Conferência Estadual de Direitos Humanos; ou seja, depois de um ponto consensual das 300 entidades presentes e das 600 que participaram do conjunto, eles trouxeram um ponto no programa estadual, que, depois, o Governo teve de cumprir, porque era um consenso.
Lembro-me da indenização às vítimas de violações gravíssimas aos direitos humanos, que é o Estado dando conseqüência ao que ele fala. O Estado diz para respeitarmos os direitos humanos, mas, às vezes, o seu próprio agente não o faz. O Estado então vai defender-se em juízo, dizendo que aquela violação não foi bem assim, que aquela pessoa não provou tal coisa e temos a dimensão.
O Programa Estadual está fazendo um ano. Ele está exatamente no seu 10º mês e deverá divulgar todas as iniciativas de Governo que estarão cumprindo esses 303 pontos consensuais. Alguns pontos não terão sido cumpridos. Uma das dimensões que a Comissão Intermitente dos Direitos Humanos captou bem no seu relatório é a contradição existente entre o Governo Federal, Estadual, Municipais, entre setores do Governo, entre a sociedade e o Estado. Há resistências. Por vezes, o alinhamento pela defesa dos direitos humanos não se passa por partido, não se passa por bancadas de Governo. Ele é meio torto, é costurado de uma forma que o pessoal de uma bancada de Oposição soma com parte da Situação. Parte do Governo é de um lado, parte do Governo não adotou aquela retórica.
Enfim, essa é uma postura absolutamente difícil. Os programas que foram implementados, primeiramente visam a facilitar a queda de muros entre o Estado e a sociedade, mas também entre os Poderes, inclusive no Poder Executivo.
Ainda tenho dois minutos. Farei uma rápida referência a programas existentes e farei uma proposta final.
Como conseqüência desses princípios, é importante que os Programas Estaduais, Municipais sejam criados ou o cumprimento direto do Programa Nacional, que está ocorrendo em todos os Municípios.
Caro José Gregori, chegamos a um Município e o cidadão vem, cheio de orgulho, com um papel, dizendo que imprimiu o Programa Estadual. Não, às vezes, imprimiu o Programa Nacional de Direitos Humanos, que está circulando ali. É o que importa. Mas quando realizamos esse Programa de Direitos Humanos, o que se tem em mente é devolver ao Estado a finalidade de fazer o bem comum.
Portanto, assim como o Programa de Integração da Cidadania, há outros programas em que resolvemos situações concretas. E eles cumprem todos os outros princípios que enumerava assim. Esse exemplo do Programa de Integração da Cidadania, Centro de Integração e a Jornada de Cidadania visam exatamente a isso. Tem-se por base o Poder Judiciário, que tem uma forma clássica de agir e solucionar conflitos, e o inserimos de forma diferente na comunidade, direto na periferia. O Ministério Público de São Paulo tem teses consagradas em conferências nacionais sobre o Programa de Integração de Cidadania, e o inserimos de uma forma também diferente. O Estado cumpre a sua função tradicional de dar documento, de requalificar profissionalmente. Só que faz tudo isso no centro de integração, tratando com a comunidade, que ajuda na administração, estabelecendo uma sinergia especial com todos esses órgãos.
Dos centros físicos de Integração de Cidadania surgiram os conceitos de jornada e cidadania, ou seja, a periferia não atendida por esses centros participa deles através de jornadas. Esse projeto tem por objetivo levar documentação à população. Mas se faz muito mais do que isso. Discute-se sobre política comunitária, sobre entorpecentes, sobre a proteção dos consumidores e o sobre o compromisso de se estabelecer um núcleo de direitos humanos acima dos partidos, acima das brigas comunitárias .
Estamos notando que em cada programa de São Paulo não são só os bons resultados na superação de algumas violações, mas a forma que isso está sendo feito, ou seja, o Poder Judiciário une-se ao Poder Executivo; o Ministério Público participa. A comunidade discute formas de solução alternativa para combater conflitos diretamente na comunidade. Diminui-se a distância entre o Estado e a sociedade e, portanto, diminui-se seguramente os espaços de violência.
Poderia seguir citando alguns programas que deram muito certo em São Paulo. O ombudsman da Polícia, em que alguém extremamente qualificado, mas fora do marco partidário oficial do Governo, está instalado lá, critica a polícia e sugere providências concretas para melhorar a situação policial. Poderia falar sobre a formação de agentes de cidadania, poderia falar sobre medidas que a USP e outras universidades vão adotar ainda no curso deste ano, seja em comemoração dos dois cinqüentenários, seja na própria programação das suas atividades normais. Mas gostaria de encerrar a minha participação dizendo uma coisa fundamental.
Acho que poderíamos fazer uma discussão, ainda este ano, sobre a possibilidade concreta da implementação de programas estaduais ou municipais. Não sei se se faria isso no Estado de São Paulo, não tenho nenhuma veleidade por São Paulo. Se for o caso de termos de convocar, junto com a Assembléia Legislativa, o Núcleo de Estudos da Violência, para fazermos a II Conferência Estadual de Direitos Humanos, para discutirmos o programa estadual. O Movimento Nacional de Direitos Humanos está convidado para participar disso. Não sei se esse é o espaço. Se vai ser lá ou em outro lugar. Só acho que a par de ver as conseqüências dos resultados do programa nacional, temos de começar a falar das organizações que cuidam de programas: como são feitos os programas locais, programas regionais, programas estaduais. Temos de nos preocupar expressamente com isso, convocando todos os setores que participaram de todas as outras experiências.
Discutir programas estaduais e programas municipais significa estabelecer pontos de consenso, significa levar para dentro de uma câmara de negociação situações, casos e fatos. Se não fizermos isso, teremos de discutir judicialmente, em torno de regras clássicas impostas por uma forma jurídica de pensar, que privilegia o sistema, em detrimento do problema que ele deveria solucionar.
Mais do que a obtenção de resultados, essas câmaras, que são os Programas Nacional, Estaduais e Municipais, são instâncias de reflexão, instâncias de negociação e instâncias de consenso.
Nisso talvez esteja a virtude principal. O resto são resultados que seguramente serão obtidos.
Repito o que disse no começo: se tivesse o poder de trazer aquele garoto da FEBEM aqui, ele diria: "Olha, isso daqui seguramente é um grande avanço". Não notamos porque todos que eu estou vendo aqui são uns lutadores de direitos humanos.
Às vezes, falamos: "Puxa, as mesmas caras!". Pegando a fotografia do ano passado e comparando-a com uma fotografia da presente reunião, quase 90% das pessoas seriam as mesmas. Mas o momento é diferente e o garoto da FEBEM captou bem isso. Nós conseguimos tirar esta história toda do discurso. Não há mais vergonha de se falar em direitos humanos, não há mais vergonha de se falar em direito à segurança, não há mais vergonha de se discutir direitos humanos.
Hoje, dizemos: "Estou aqui, sim, pelo direito à vida, e daí?"; "estou aqui, sim, para combater o fim da impunidade"; "é isso mesmo, estou aqui em nome dos direitos humanos".
Hoje, não temos vergonha de falar isso - se é que algum dia tivemos - mas outras pessoas estão se somando a esse discurso.
Está na hora de passarmos para a prática, de incorporarmos às políticas de Governo esse discurso. Isto seguramente será alcançado à medida que estabelecermos pontos e patamares, que são na realidade os programas municipais, estaduais, regionais, seja lá o que for, ou a própria implantação direta do Programa Nacional. Eu convido, portanto, todos a essa reflexão.
São Paulo teve de avançar. Cometemos erros grandes, obtivemos acertos importantes, levamos para dentro de todas as Secretarias de Estado essa discussão; ou seja, cada um desses 303 pontos está sendo objeto de discussão, ou de tentativa de colocação no Orçamento, ou de alguma providência que dê resultados no futuro, mas, de qualquer forma, estabelecemos coisas de ordem prática, questionários, formulários, programas de computador, enfim, caminhamos.
Assim, mais do que nossos acertos, queríamos disponibilizar nossos erros, para que eles não sejam cometidos por quem tiver a veleidade de estabelecer essa instância de negociação. Dirijo-me mais aos movimentos do que ao próprio Governo, porque estamos na fase periódica dos mandatos e, portanto, não sei se os governos estaduais ou municipais terão interesse nisso. Mas seguramente as organizações não-governamentais terão interesse em saber como é que elas cobram dos governos essas providências.
Então, eu faço um convite para que possamos fazer, ainda este ano, um grande debate, sob o patrocínio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, com a participação, seguramente, de todos aqueles que cometeram grandes acertos e muitos erros em São Paulo, a fim de que possamos descobrir um caminho pelo qual esse discurso se fortaleça e surja uma prática para que possamos alcançar - é o que queremos - uma sociedade livre, justa e solidária.
Muito obrigado. (Palmas.)

DEBATES

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Agradecemos ao Secretário de Estado de Justiça e Cidadania de São Paulo, Sr. Belisário dos Santos Júnior, e registramos o brilho de sua participação.
Passamos agora à fase de debates. Nesta fase, concedemos, de início, a palavra a Dra. Maria do Perpétuo Socorro Prado, Coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Manaus.
A SRA. MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO PRADO - Bom dia a todos. Todos os expositores fizeram considerações muito sérias, comprometendo-se com a causa dos direitos humanos. Estamos aqui na III Conferência de Direitos Humanos, mas temos de dizer que os direitos humanos passam por uma situação de classe e de interesses de grupos. Então, quando estamos aqui discutindo com a sociedade civil a implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos do Governo Federal, nós, do Movimento Nacional de Direitos Humanos, em Manaus - onde se cogitava, um ano atrás, a realização de um debate com o tema "Um ano de esquecimento do Programa de Direitos Humanos em Manaus" -, podemos dizer que hoje são dois anos de esquecimento deste mesmo programa no Estado do Amazonas. (Palmas.) Infelizmente, esta não é só a realidade do Amazonas, mas é também, sabemos disso, a realidade da maioria dos Estados do País.
Há o empenho de trabalharmos em parceria, Governo e sociedade civil. Nós, inclusive, estimulamos alguns encontros desse tipo no final de 1996 para discutirmos essa realidade com as instituições do Estado. Queríamos estimular, já que fazemos parte de uma organização não-governamental, essa discussão com o Estado.
Em 1997, ano passado, o Movimento Nacional de Direitos Humanos realizou, em parceria com o Ministério da Justiça, oito conferências nas oito regionais do movimento, onde discutimos e trabalhamos também o Programa Nacional de Direitos Humanos. E ao ouvir todos os que trabalharam e contribuíram para a implementação desse programa, nós nos perguntamos várias coisas. Por exemplo: como implementar tal programa em um Estado onde há omissão do Governador de Estado, ou seja, do próprio Executivo e das instituições que deveriam atuar na área de Direitos Humanos, onde há Secretário de Segurança e Secretário de Justiça e Cidadania? Mas alguém disse que o Secretário de Cidadania está preocupando-se com os presos, e o Secretário de Segurança está fazendo papel de xerife, indo aos bairros também fazer o papel de policial. Mas tudo isso acontece sem que eles se preocupem com a questão da política pública, da segurança do Estado e da cidadania.
Não generalizamos, porque contamos com pessoas, nessas instituições, que têm boa vontade, mas elas também não têm como levar a cabo isso. Eu falo do Estado do Amazonas e do Estado do Acre, da qual sou Conselheira do Regional Norte 1, que engloba Estados como o Amazonas, Acre e Rondônia.
Pois bem, em Manaus, a maior Capital da regional, encontramos muita dificuldade para atuar. Há muito desrespeito ao programa. Há, também, desconhecimento quando se fala dele. Também questionamos a questão de como massificar direitos humanos, quando temos esses programas - que já foram levantados aqui, por exemplo, do Ratinho e da Márcia - que criam uma contracultura de direitos humanos. Como a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, como o Ministério da Justiça podem massificar direitos humanos? De que forma? Perguntamos. E nas escolas? Não se poderia já criar uma disciplina de direitos humanos? (Palmas.) Isso já seria um passo.
Enfim, há coisas que haveria condições de encaminhar, mas encontramos barreiras para encaminhá-las. Vivemos em um País onde há chacinas, há esquadrões da morte e envolvimento de policiais nessas chacinas e nesses esquadrões da morte. Apesar de tudo isso, as testemunhas não recebem proteção. Sabemos que existe, através do Movimento Nacional de Direitos Humanos, em alguns Estados, esse programa de proteção às testemunhas - em cinco Estados. No nosso ainda não temos; por isso, ainda há um clima de impunidade muito grande no nosso Estado e as organizações de direitos humanos sentem-se tímidas.
Trabalhamos, desde a Presidência do Dr. Hélio Bicudo na Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, na tentativa de tirar o Secretário de Segurança do Estado do Amazonas de seu posto, pois ele atua de forma arbitrária, contra os direitos humanos. Tivemos inclusive a ação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos nesse sentido. Mas o que se fazer quando um Governador do Estado mantém firmemente aquela pessoa, que continua ameaçando a população? O que se fazer quando o Programa Nacional de Direitos Humanos diz que os policiais envolvidos em crimes de violação de Direitos Humanos não podem mais estar trabalhando, mas eles continuam trabalhando e são chamados a atuar quando já estão até afastados? O que fazer diante de tanta violência, quando os meios de comunicação contribuem para isso e o Congresso dificulta a regulamentação de leis que venham a dar condições básicas de direitos à população?
Então, vemos que a raiz do problema está muito mais além do que imaginamos. Temos de trabalhar com a população mesmo, não é só divulgar documentos, mas é trabalhar de forma mais popular. É isso que os movimentos de direitos humanos já vêm fazendo, mas eles são formiguinhas, pequenas coisas diante de um mundo de violação de direitos humanos.
Eu acho que era isso que eu queria dizer. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - A Mesa agradece a participação à Dra. Maria do Perpétuo Socorro Prado, Coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Manaus, e registra a contribuição de sua participação como debatedora.
Prosseguindo com a programação, tenho o prazer de oferecer a palavra agora ao Deputado Nilmário Miranda, que, dentre outras coisas, foi Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que está promovendo este evento. (Palmas.)
O SR. DEPUTADO NILMÁRIO MIRANDA - Bom dia a todos. Não vou poder estar aqui amanhã - justamente amanhã, quando teremos o resultado da avaliação. Então, eu queria deixar desde já o meu registro.
Quero dar felicitações à Comissão de Direitos Humanos, que, pela terceira vez, exerce papel fundamental na realização desta Conferência. É o terceiro ano consecutivo. Quero saudar os Deputados Eraldo Trindade e Osmar Leitão, além do Deputado Pedro Wilson, que também ajudou nesta organização.
Aproveito também para saudar os que trabalham nesta Comissão. Há alguns anos, criamos um grupo homogêneo, um grupo muito bom e muito respeitado em nosso País e em outros países, sobretudo a Sra. Suely Belato e o Sr. Augustino Veit, dois assessores, companheiros, técnicos, profissionais de direitos humanos que vêm cumprindo papel admirável. Eu, que faço parte desta Comissão, posso dizer que até no Parlatino e mesmo em outros países esse grupo tem prestígio. Eu queria deixar então as felicitações a todos os funcionários e à Mesa Diretora. (Palmas.)
Quero ainda abordar um tema, mesmo depois da exposição de bons companheiros. Quero falar da reforma do Estado. No que diz respeito aos direitos humanos, acho que esse assunto ficou um pouco para trás. Gostaria de defender a tese de que o Ministério da Justiça não deveria entrar na cota das alianças políticas ou na cota da distribuição para políticos.
O Ministério da Justiça cuida de estrangeiros, de índios, da Polícia Federal, do sistema penitenciário, da situação da criança. Tivemos uma experiência, nesses últimos anos - três anos de conferência -, boa e muito proveitosa com o Nelson Jobim, mas, depois, houve um inequívoco retrocesso com o Ministro que o sucedeu, porque o mesmo não tinha vocação para a questão dos direitos humanos. E agora, com o Ministro atual, não temos ainda avaliação, porque é muito recente; ele também não tinha tradição.
Temos que começar a defender a tese de que o Ministério da Justiça deve ser um Ministério dos Direitos Humanos, um Ministério que não vá para a cota política, não vá para pessoas que não têm vocação. (Palmas.) Isso seria um avanço institucional no País. Sabemos que isso não é fácil. Já defendemos tanta coisa que parecia impossível conseguir e conquistamos. Não vejo por que também não começar a defender essa tese. Mas, enquanto isso não se realiza, apóio o que o Deputado Mário Mamede disse, que a Secretaria Nacional de Direitos Humanos seja uma secretaria diretamente ligada à Presidência da República e que tenha uma estrutura mais forte, com mais poderes e um orçamento próprio para implementar o Programa Nacional de Direitos Humanos.
Hoje, os avanços que temos são inequívocos; todos reconhecem. Isso deve muito à militância de José Gregori e de sua ligação com o Presidente da República. (Palmas.) Mas queríamos que isso fosse uma coisa mais institucional e que ele tivesse muito mais poderes para a sua implementação.
O terceiro ponto é o CDDPH. Já disse, na conferência anterior, que foi uma das coisas frustrantes para mim ter participado do Conselho de Defesa de Direito da Pessoa Humana. Ele deveria ser o principal instrumento da esfera pública, não estatal, para implementação da política de direitos humanos no País; ele não tem poder nenhum. O CDDPH se faz com aquelas pessoas admiráveis que o compõem. Ele toma conhecimento de questões fundamentais, mas pouco pode fazer. Tem uma iniciativa e nenhum poder de fiscalização sobre o Estado, que normalmente é o maior violador de direitos humanos, seja no âmbito Federal, seja nos próprios Estados.
Há um projeto de lei na Câmara dos Deputados que está abandonado, desde o primeiro grupo que se formou pós-Viena, que propunha a reformulação do CDDPH. Mas ele está engavetado. Acho que se trata de um projeto estratégico dos direitos humanos no País e precisa ser retomado e aprovado. É um projeto de consenso dos movimentos do País todo e contempla o que melhor se elaborou em direitos humanos.
Ainda com relação à reforma do Estado, diria que a nossa Polícia Federal vem exercendo um grande papel quanto mais avança na questão dos direitos humanos. Se avançarmos na federalização de alguns crimes, é evidente que a Polícia Federal passará a desempenhar um grande papel. Mas ela está flagrantemente desaparelhada. Às vezes reivindicamos à Polícia Federal que vá a alguns Estados onde a impunidade se faz presente, como no caso citado por Socorro, no Amazonas, ou no Acre, em Alagoas, onde escandalosamente a estrutura policial acoberta o crime, oficial ou não. Por isso, pedimos que a Polícia Federal atue, mas sempre esbarramos na autonomia dos Estados. O que não impediu, por exemplo, a Polícia Federal de ser utilizada agora para, em evidente abuso de autoridade, a meu juízo, procurar indiciar líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ligados à questão dos saques no Nordeste, o que me parece uma contradição também. (Palmas.)
Então, acho que a reforma do Estado deveria alcançar a Polícia Federal, aparelhando-a e redefinindo seus papéis. O Ministério Público Federal é também uma agência básica para uma política de direitos humanos no País, embora não esteja fortalecido da maneira que o País necessita, inclusive para atuar nos Estados, como no caso denunciado aqui por Socorro, onde a estrutura de Governo vai de encontro aos direitos humanos. Há também a FUNAI, o INCRA, quem cuida da política penitenciária no âmbito Federal, enfim, a reforma do Estado não alcançou esse tipo de agência ainda. Temos também o próprio Ministério do Trabalho. Depois ouviremos o presidente da ABAP, Carlos Fernandes, que falará a respeito. Parece uma vergonha o que está acontecendo com a anistia no Brasil. Por exemplo, as aposentadorias especiais, aquelas pessoas que ainda ficaram para trás, o Estado está em débito há décadas com essas pessoas. (Palmas.)
Acho que também deve-se dar mais poder ao Secretário Nacional de Direitos Humanos em situações como a que foi citada por Mário Mamede, sobre Minas Gerais, envolvendo a designação do ouvidor de polícia. Foi aprovada uma lei e sancionada pelo Governador. O Conselho Estadual indicou o ouvidor e agora o Governador se recusa a sancionar, a fazer designação do ouvidor, pondo em xeque o próprio Conselho. É muito grave ter uma lei que não é cumprida e um Conselho que não é ouvido. Os poucos que lutam por direitos humanos não estão sendo respeitados. É claro que o Secretário Nacional e o Ministro da Justiça, agindo com habilidade, preservando inclusive as autonomias dos entes da Federação, poderiam contribuir muito com dezenas de situações desse tipo.
Do ponto de vista do Legislativo, esses boletins da Secretaria Nacional de Direitos Humanos elencam os avanços que tivemos e com os quais a Comissão de Direitos Humanos da Câmara muito cooperou.
Dr. José Gregori, só faria um pedido para que, nesse elenco de avanços de direitos humanos, não fossem incluídas a lavagem de dinheiro e mesmo do crime organizado, o porte de armas, porque não me parecem ser questões diretamente relacionadas com direitos humanos. Todas as demais estão apropriadamente destacadas; foram grandes conquistas nesse período.
Mas queria levantar algumas delas, as quais acho que devemos situar como novos objetivos fundamentais. Um dos pontos que já falei é sobre a lei que reformula o Conselho de Defesa de Direito da Pessoa Humana. Outro é o fim da Justiça Militar. Acho que deve ser nossa meta. O Paulo Sérgio Pinheiro disse aqui, com muita justeza, que isso tem que ser a plataforma de todos. Não basta a conquista pela metade, como na luta do Deputado Hélio Bicudo para conseguir a transferência de competência dos crimes de militares. A lei ficou incompleta. E a existência da Justiça Militar ainda possibilita que lesões corporais continuem no seu âmbito. Evidentemente, isso é uma resistência inútil ao avanço dos direitos humanos, ao aperfeiçoamento institucional.
Sobre os delitos contra os direitos humanos, acho que temos também uma oportunidade agora, porque o Deputado José Aníbal é o Presidente da Comissão de Justiça. E essa discussão parou por causa dos Governos, da base governista, que não têm interesse em fazer essa discussão. O Deputado José Aníbal é um Deputado identificado e, por isso, talvez seja o momento de realizar essa discussão. Houve uma resistência imensa na Comissão de Justiça, mas não passou dali a discussão dos delitos sobre direitos humanos.
Outra questão também que está um pouco paralisada, jogada para escanteio, é a da reforma das polícias. Na época da favela Naval se falou muito sobre isso, mas, depois do impacto inicial, foi para um lugar secundário. A Deputada Zulaiê Cobra está batalhando sobre isso, mas sentimos que não se trata de uma coisa importante para a maioria governista. Acho que deveria ser retomada a importância da reforma das polícias.
Acabou a análise de casos sobre a lei dos mortos e dos desaparecidos políticos. Há poucos dias, com relativo êxito, mais de 280 casos de vítimas da ditadura foram indenizados. O Estado reconheceu sua responsabilidade naquelas mortes e desaparecimentos, porque violou os direitos humanos. Mas infelizmente ficou alguma coisa para trás. Acho que o Dr. José Gregori andou falando sobre isso, depois não ouvimos mais nada. O ex-Ministro chegou a falar também e disse que ia mandar um projeto para cá, mas não mandou. Depois do mês de fevereiro é que se falou um pouco nisso, mas, de lá para cá, só o silêncio.
Essa seria uma lei que contemplaria os casos que ficaram para trás. Por exemplo, o caso daquelas pessoas que requereram depois do dia 14 de maio de 1996. São pouquíssimos casos. É um absurdo termos trabalhando tanto nessa questão de mortes de desaparecidos políticos e deixar esses casos simplesmente para trás. Isso pode ser resolvido com prorrogação da função desta Comissão Especial. Os que morreram em passeatas e em greves, em 1968 e 1964, também ficaram de fora, dadas as limitações da Lei nº 9.140. Também acho que, por uma questão de justiça para com aquelas famílias e com a sociedade, os que morreram após 1979, porque a lei também estabeleceu um limite: até agosto de 1979... Temos o caso de três argentinos que foram seqüestrados e desapareceram. Há o caso da Lídia Monteiro, secretária da OAB no Rio, vítima daquela carta-bomba, e o caso do Dias da Silva, que não puderam sequer ser analisados, porque esses casos ocorreram depois de agosto de 1979. Isso também foi admitido pelo Governo, que disse que faria um projeto de lei, mas esse projeto não veio. No Congresso, não se toca mais no assunto. Acho que isso é uma coisa importante.
Queria também registrar, na linha de sugestões para os Estados, que três Estados do País já têm leis que indenizam torturados que estão vivos, sobreviventes da ditadura militar. O Paraná indenizou 237 pessoas torturadas e concluiu o trabalho. Santa Catarina aprovou uma lei dessa e vai iniciar o pagamento das indenizações. No Rio Grande do Sul ainda está em curso o reconhecimento de torturados vivos. E há projetos em outros Estados também. Acho que em relação a esse assunto todos os outros Estados merecem tratamento idêntico ao do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Com relação às políticas públicas, creio que o Romeu Olmar Klich tocou na questão central. Não vou nem entrar em detalhes. A questão central, para mim, do orçamento das políticas dos direitos humanos é o Orçamento da União. É ali que vemos também a limitação do plano, a distância entre a intenção e a prática, a distância entre o que está projetado e o que aconteceu de fato nesses dois anos, com todos os avanços que tivemos nas parcerias, todos os avanços destacados. Os dois boletins registram muito bem todos os avanços. Todos receberam e vão poder aquilatar cada um, confrontando com a sua própria experiência. Mas o Orçamento é questão básica.
Então, essa proposta de a conferência formar um grupo de acompanhamento do plano e de propostas para o Orçamento, acho que é um avanço muito importante e deveria ser, para não dispersar em mil questões, reforçada a proposta do Movimento Nacional dos Direitos Humanos.
Por fim, gostaria de falar sobre os meios de comunicação. No ano passado, argumentei nesta Comissão que alguns programas de televisão e de rádio destroem o trabalho paciente realizado pela Secretaria Nacional e por todos os movimentos. Está parado há cinco anos no Senado Federal o projeto que cria o Conselho Nacional de Comunicação Social. Ele não tem poder deliberativo, só é opinativo, só teria força moral; mesmo assim, não sai do Senado Federal. Os advogados, as igrejas e os jornalistas indicaram representantes. Só falta, única e tão-somente, o Senado Federal aprovar. Já passaram três Presidentes, estamos no terceiro Presidente desde que o projeto do conselho está lá parado. Creio que, muito bem lembrado, isso deve ser objeto também da questão dos direitos humanos. Esses programas do Ratinho e da Márcia justificam a inclusão também na nossa pauta de prioridades do projeto que cria o Conselho Nacional de Comunicação Social. Depende de um único ato do Presidente do Senado Federal a aprovação desse projeto para que se possa discutir esses intocáveis tabus, que não deveriam ser tabus, porque os meios de comunicação são concessão pública e deveriam ter um controle social democrático, sem censura. Por isso, deveríamos incluí-lo também na nossa plataforma. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Cumprimentamos o nobre Deputado Nilmário Miranda pela sua brilhante participação.
Quando encerrarmos a fase de exposição dos debatedores, estaremos abrindo o debate ao Plenário. Solicitamos aos conferencistas presentes que quiserem fazer uso da palavra na fase de debates que se manifestem dos seus lugares, levantando o braço. Os funcionários da Comissão de Direitos Humanos estarão recolhendo os dados para a lista de inscrição.
Neste debate a que me refiro, quando aberto ao Plenário, cada debatedor fará uso da palavra por três minutos. Justifica-se a exigüidade do tempo pela preocupação de tentar atender o maior número possível de conferencistas que aqui estão honrando este evento.
Retornando à programação, a Mesa passa a palavra ao terceiro debatedor programado, o Presidente da Associação Brasileira dos Anistiados Políticos, Dr. Carlos Fernandes. (Palmas.)
O SR. CARLOS FERNANDES - Em nome de todos os anistiados e perseguidos políticos brasileiros, saúdo nossa Mesa, na qual destaco a presença do Dr. José Gregori, digno Secretário Nacional de Direitos Humanos, e saúdo os nossos companheiros presentes neste plenário.
Inicialmente, elogio o Dr. José Gregori pelo discurso proferido ontem, com a conclusão e o mesmo rumo de pensamento das suas palavras de hoje. No discurso proferido ontem por S.Sa., notamos três aspectos fundamentais: a experiência do homem que está lidando com os assuntos no dia-a-dia, a maturidade do ser humano e a sua humildade em reconhecer as limitações que existem e que tudo está por fazer; e hoje mesmo, até por estar aqui, a humildade em ter ouvidos para as críticas.
A humildade é, talvez, a maior qualidade do ser humano, é a que mais lhe dá dignidade. Digo isso antecipadamente para que o Sr. Secretário possa sentir que nas nossas palavras, como em todas ditas aqui, não há nenhum propósito de conflito. Pelo contrário, queremos ressaltar que é necessário ultrapassarmos a fase de ódio determinado e explícito que se manifestou principalmente a partir do golpe militar de 31 de março de 1964.
Ainda não saímos daquele esquema de ódio. Ainda convivem com as instituições democráticas os homens que pensam daquela forma; ainda agem no subsolo da nossa democracia as pessoas que mantêm os preconceitos, a perseguição e a violência, interferindo nas decisões do Governo que, muitas vezes, por uma aparência de imparcialidade, na realidade, acaba fortalecendo a continuidade da violência e da injustiça. (Palmas.)
No Brasil, há algum tempo, vimos o que aconteceu com nossos companheiros da PETROBRÁS. Quantos novos perseguidos políticos o Governo quer criar? Estamos assistindo ao que está acontecendo com o MST, e lembro que o Ministro Iris Rezende, num momento muito infeliz, fez uma reunião secreta com os secretários de segurança no Nordeste brasileiro e disse-lhes que o Movimento dos Sem-Terra era para ser reprimido.
Então, não é possível que se mantenha essa atitude política de conflito, quando realmente se quer fazer uma revolução social pacífica neste País, quando realmente se quer respeitar os direitos das criaturas humanas à terra, ao trabalho, à produção, à saúde e à educação. (Palmas.)
Não fazemos de forma nenhuma, Sr. Secretário, das nossas palavras uma espada, mas não é possível desconhecermos que a realidade não é a transformação favorável à efetivação dos direitos humanos. Pelo contrário, a realidade é a continuidade da política de repressão e de ódio das forças militares e policiais contra o povo brasileiro. (Palmas.)
O Deputado Nilmário Miranda, há pouco, citou o CDDPH. Poucos talvez saibam, mas o CDDPH foi criado em 16 de março de 1964, pelo Presidente João Goulart, por determinação de órgãos internacionais da ONU. Infelizmente, só foi regulamentado pelo General Médici, por pressão internacional, e é evidente que a sua regulamentação não atende aos interesses da sociedade brasileira neste momento, porque ele ainda é um documento da ditadura.
Então, se o Governo não tomar uma posição concreta e continuar ponderando as forças reacionárias que aí estão, não dando forças, não dando palavras, não dando ação às forças democráticas e populares, continuaremos sob o domínio da ditadura, que ainda estamos vivendo.
Quanto à questão dos anistiados, gostaríamos de ponderar e pedir ao Sr. Secretário - em nome dessa humildade e dessa evidente atividade em favor dos direitos humanos que S.Sa. exerce como ouvidor deste Governo, com o qual não estamos satisfeitos - que levasse em consideração todas as provas que estão nesse dossiê - que entregamos a S.Sa., em mãos -, porque desde outubro de 1995 estamos tentando conversar com o Governo e não pudemos ainda sentar à sua mesa.
É impossível que as pessoas que julgam os casos de anistia, tanto dos mortos, quanto dos desaparecidos e dos que estão vivos, sejam pessoas - como já bem foi dito aqui - incompetentes, desconhecedoras da Lei da Anistia e até de princípios jurídicos fundamentais básicos, como o princípio da irretroatividade da lei que prejudica; desconhecedoras de que, mais do que obedientes a chefes políticos ou a Ministros, nomeados por partidos políticos, têm de fazer justiça e dar pareceres de acordo com a realidade e não com as ordens que recebem, porque o que há nessa questão da anistia é decisão política - conforme dito aqui em relação a toda a questão de direitos humanos. É falsa a alegação de que os problemas são de orçamento, porque as verbas são misérrimas. (Palmas.)
Cito o caso especial da D. Amelinha Teles - amiga do nosso digno Secretário e presente nesta reunião -, que deveria receber 1 mil e 300 reais de aposentadoria, recebeu apenas 600 reais e agora o INSS está reduzindo para 300 reais. Parece-me que isso é questão de orçamento.
Devo citar também que existem 400 anistiados políticos que foram absolutamente prejudicados, presos, torturados e estão recebendo salário mínimo, quando a lei estabelece que deveriam receber como se estivessem em atividade. Não é possível que esses homens, que foram líderes sindicais, trabalhadores importantes nas suas profissões, estejam recebendo apenas salário mínimo. Muitos deles com câncer e morrendo por já atingirem os 60, 70 ou 80 anos.
Não é possível que o Secretário-Executivo do Ministério do Trabalho alegue mentiras para encobrir, por exemplo, que um homem morto em conseqüência de cirrose no fígado por ter levado pontapés e ter sido pisoteado nesse órgão não tenha direito à aposentadoria. Não é possível se dizer - como é dito nos processos do trabalho - que homens que ficaram dez meses na cadeia não puderam comprovar o vínculo da cadeia e da perseguição política com o prejuízo profissional. Por isso, não se dá a devida anistia.
Ficaríamos falando horas se não tivéssemos um pouco de consideração pela necessidade de usarmos o tempo objetivamente.
Fazemos hoje a entrega, ao Sr. Secretário, de uma dossiê alentado com todas as provas sobre o que estamos alegando e pedimos encarecidamente a S.Sa., em nome desta assembléia, em nome dos direitos humanos, em nome do povo brasileiro, que se sente à mesa conosco, com todas as entidades de anistia do Brasil, e nos abra o caminho.
Estamos pedindo e implorando, desde 1995, que o Presidente Fernando Henrique nos ouça e até hoje, apesar de o Presidente Mário Soares ter solicitado a S.Exa. que abrisse as portas, não o fez. (Palmas.)

OUTRAS PARTICIPAÇÕES

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Em nome da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e demais organizadores deste evento, agradecemos ao Dr. Carlos Fernandes, Presidente da Associação Brasileira dos Anistiados Políticos, a presença e a participação.
O Conselho Federal pede para anunciarmos que a OAB estará promovendo a reunião das Comissões de Direitos Humanos no dia 14 de maio, hoje, às 17 horas, na Comissão Nacional de Defesa dos Direitos Humanos.
A organização lembra ao Plenário que após o almoço serão instalados grupos temáticos, nos plenários 9 a 13, no corredor das Comissões, no anexo II da Câmara dos Deputados, no andar térreo. O trabalho desses grupos deverá se estender até, no máximo, às 19 horas. Cada grupo deverá eleger um Relator, que, na plenária geral de amanhã, pela manhã, relatará as conclusões desses grupos. Também na sessão plenária de amanhã será o momento mais adequado - adverte a organização - para a apresentação de moções.
Concederei a palavra aos inscritos pela ordem de inscrição. Repetindo o critério do primeiro painel de ontem, cada orador, sem interrupção, sucederá o outro. Esgotada a lista de inscrição, faremos uma rodada na mesa, abrindo oportunidade para que os senhores conferencistas e debatedores possam fazer qualquer abordagem que desejarem, principalmente em cima das intervenções dos senhores conferencistas.
Como já dissemos, muito na intenção de atender a todos, estamos estipulando um tempo. Não é do feitio do Parlamentar estipular tempo, mas há necessidade de buscarmos atender a todos.
Chamamos o primeiro inscrito, o Vice-Presidente da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Dr. Guilherme Delgado.
O SR. GUILHERME DELGADO - Minhas saudações a todos aqui presentes. Eu queria, brevemente, fazer uma comunicação - aliás, o tempo me obriga a ser bastante sintético - que tem tudo a ver com o que foi exposto nesta Mesa e com os objetivos desta conferência.
A comunicação é a seguinte: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, da qual a Comissão de Justiça e Paz é um órgão auxiliar, está, juntamente com outras 25 entidades nacionais e regionais e também com a agenda aberta à adesão de outros participantes, tomando a iniciativa popular de projeto de lei de combate à corrupção eleitoral.
Esta iniciativa popular envolve a coleta nacional de assinaturas de, no mínimo, um milhão de eleitores e teria por objetivo ingressar com um projeto de lei de modificação do Código Eleitoral para as eleições do ano 2000. Evidentemente, não podemos ingressar com alteração na legislação eleitoral para a eleição em curso. Mas o objetivo desta iniciativa é aproveitar o período de campanha eleitoral, que se inicia logo em breve, para que haja uma mobilização e uma conscientização, tendo em vista os objetivos desta iniciativa.
Vou brevemente sumariar o que está em discussão. Primeiro: o Código Eleitoral, no art. 299, tipifica como crime eleitoral - portanto, passível de prisão - a doação, qualquer processo de oferecer, prometer, solicitar ou receber bens em troca de voto. Este procedimento é altamente difícil de comprovação, dado que envolve toda uma prova material, testemunhal e isso impossibilita a punição do crime eleitoral. O que está se propondo é a transformação do crime eleitoral em infração eleitoral passível de punição administrativa mediante a cassação do registro por decisão administrativa do Juiz.
Portanto, a partir dessa mudança, uma vez conscientizada, aceita e aprovada, ter-se-ia um controle político muito maior e a possibilidade de, uma vez cassado o registro e o diploma do partido ou do candidato que notoriamente oferecesse vantagens ou usasse do cargo administrativo para obter vantagens, obter votos, comprar votos, termos uma forma muito importante de transformar o voto, ou seja, o controle do voto num controle de cidadania.
Não quero estender-me mais para não tomar o tempo dos demais depoentes, mas esse projeto precisa da adesão das entidades e das pessoas. Temos aqui nas mesas à frente, na ante-sala no plenário, uma descrição completa do projeto e o texto para ser objeto de conhecimento e eventualmente de adesão dos participantes desta conferência.
Muito obrigado. (Palmas).

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Quem ocupa esta cadeira aqui é encarregado também das informações não tão simpáticas. A organização informa que ao começo da fala do primeiro inscrito encerraram-se as inscrições. Isto foi dito para que possamos, então, controlar o tempo.
Passo a palavra à Sra. Maria Amélia Teles.
Uma boa providência seria que o próximo orador já se preparasse e se aproximasse - Heloísa Grecco.
A SRA. MARIA AMÉLIA TELES - Bom-dia. Saudamos os participantes da III Conferência Nacional dos Direitos Humanos. Muitas das críticas ou das observações que temos de fazer foram feitas de forma bastante brilhante pelos debatedores, particularmente o Dr. Carlos Fernandes e o Deputado Nilmário Miranda, mas temos aqui o compromisso de reafirmar e apresentar algumas questões.
A primeira é em relação à questão do respeito à Constituição quando se fala em direitos humanos, que foi lembrado pelo Deputado Mamede e que queremos reforçar. Não há como viabilizarmos políticas públicas sem o respeito à Constituição.
Trabalhamos com a Constituição e a levamos para as bases, para os setores populares e vimos, com muito desgosto, como estamos vendo muitas vezes o próprio Congresso, juntamente com o Poder Executivo, o desrespeito ao se votar leis inconstitucionais. Isso tem acontecido em nosso País: desrespeito aos direitos sociais e econômicos dos trabalhadores.
A outra questão é a seguinte: quando se fala em direitos humanos, temos de pensar nos Municípios. Já foi dito aqui muito bem -e eu queria lembrar - que a cidade de São Paulo, em que pesem todas as dificuldades, está fazendo e tem feito o Plano Municipal de Direitos Humanos, que é - não foi falado aqui - um trabalho da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de São Paulo.
Com esse plano municipal temos o compromisso - e acho que deve ser o compromisso de todos nós que estamos aqui nesta Conferência Nacional - de transformá-lo em um programa municipal de direitos humanos, para que realmente as políticas, as propostas que fazemos aqui sejam realizadas de fato nos Municípios, particularmente no Município de São Paulo.
A outra questão é a seguinte: quando falamos de direitos humanos - e aqui vêm representantes do Governo Federal falar sobre isso -, esquecemo-nos de prestar contas de pelo menos dois segmentos que são fundamentais. Não se falou aqui dos direitos das mulheres, não se prestou contas do que se fez em relação aos direitos das mulheres, e da discriminação racial. (Palmas). Quer dizer, não considerar as questões de gene e as questões de raça e etnia em nosso País é excluir de qualquer política mais da metade da população.
A última questão que quero lembrar é a dos desaparecidos políticos. Quando o Governo fala em desaparecidos políticos é como se tudo estivesse resolvido. Isso não é verdade. Estamos no processo de resolver essa situação. É um caso antigo, é um tema antigo neste País, mas não vamos deixar esquecer. Estamos em todas as conferências lembrando que eles existiram e continuam existindo e buscamos o resgate dessas pessoas, dessa história. (Palmas). É esse nosso papel.
Sr. Presidente, para que a comissão que existe no Ministério da Justiça continue seu trabalho é necessário, é fundamental que se abram os arquivos das Forças Armadas, do Serviço Nacional de Informações, enfim, da Polícia Federal, porque queremos, sim, que se cumpra a segunda fase deste trabalho, que é a localização dos restos mortais. Queremos dar um sepultamento digno para todos aqueles que tombaram na luta pela democracia neste País. (Palmas).

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Chamo a terceira inscrita, conferencista Heloísa Grecco, e anuncio o nome da quarta inscrita, conferencista Cecília Coimbra.
A SRA. HELOÍSA GRECO - Bom-dia, senhores membros da Mesa, bom-dia a todos, meu nome é Heloísa Greco, faço parte da Coordenação do Movimento Tortura Nunca Mais de Minas Gerais. Vou apresentar algumas coisas aqui porque, afinal de contas, foi para isso que vim.
A primeira coisa é o seguinte: acho que aqui no Brasil vivemos em uma situação de tanta iniqüidade, quer dizer, a barbárie é tanta que qualquer avanço que façamos a tendência é cairmos num certo ufanismo. A Sra. Helena Grecco, que é Coordenadora do Movimento Tortura Nunca Mais de Minas Gerais, costuma dizer que passamos direto da pré-barbárie para a pós-barbárie. Portanto, se voltarmos para a barbárie já é avanço. É isso que temos de reverter.
Nossa referência não pode ser o passado obscuro da ditadura militar, isso é uma não-referência. Nossa referência tem de ser a política de direitos humanos, os princípios e a pulsão de vida que isso traz. O que queremos? Queremos avançar, queremos construir uma política de direitos humanos. É claro que todos esses planos, os discursos e a própria prática fazem com esse processo avance. É a própria gramática, como o Prof. Paulo Sérgio Pinheiro gosta de dizer. A gramática muda e avançamos nisso. Mas acho que precisamos ter uns certos cuidados para não naturalizar nossas limitações e nossa indigência, que ainda é grande nesse sentido, e, principalmente, não banalizar certas coisas.
Vou levantar algumas questões, como, por exemplo, o direito à memória. A companheira Amelinha levantou a importância do resgate da história, do resgate dos nossos companheiros mortos e desaparecidos políticos. Para isso temos de ter o direito à memória. Como avançamos nessa direção? É a abertura dos arquivos, sim, a abertura dos arquivos dos órgãos militares, como o SNI, Exército, Marinha, Aeronáutica, DOPS, Polícia Federal, todos esses... E para isso basta vontade política. Não entendo qual o obstáculo que se interpõe a isso.
Em Minas Gerais a coisa talvez já esteja mais complicada, porque lá estamos com atraso de quase dez anos em relação a isso. Existe uma lei estadual, que é a Lei nº 10.360, de 27 de dezembro de 1990, que determina que os arquivos em Minas Gerais sejam transferidos para o arquivo público mineiro. Isso não aconteceu até hoje. Está em curso atualmente na Assembléia Legislativa de Minas Gerais uma CPI para tratar dessa questão.
Acho um atraso de vida muito grande termos de instalar uma CPI para isso. Por que isso acontece? A única coisa que podemos pensar é que os membros das chamadas comunidade de informação da época da ditadura militar continuam atuando.
Em Minas Gerais há uma evidência: o componente mais odioso, talvez, disso tudo, o senhor Ariovaldo Doris Silva, que é torturador contumaz, citado cinco vezes no volume 3, tomo 2, "Os Funcionários do Projeto Brasil Nunca Mais", como participante direto das torturas no próprio recinto do DOPS, que é objeto da CPI, continua Coordenador de Informações do COSEG, o órgão geral de informações que passou a ser o gerador dessas informações a partir de 1976, enquanto o DOPS continuou como órgão operacional.
Fico pensando assim: que democracia mais esquisita é essa, que convive com uma coisa dessas! Que democracia mais esquisita é essa, onde, a toda hora, volta e meia, nós, do movimentos de direitos humanos, temos de falar que não fica bem um Governo que se diz democrático empregar pessoas que cometeram crimes de lesa-humanidade.
O último caso mais expressivo foi o do General Fayad, um torturador notório que foi nomeado para determinado cargo pelo Governo Federal e continuou lá até haver uma pressão nacional e internacional muito grande, de todos os cantos do Brasil e do mundo. Isso é complicado, é um atraso de vida, não teríamos de fazer isso, poderíamos estar fazendo outras coisas até muito mais importantes, mas enquanto não limparmos esse quadro não dá para passar do tal antagonismo para o protagonismo.
Acho que ninguém é maniqueísta, acho que a relação tem de ser dialética, sim, mas não dá para perder a substância crítica também, porque do contrário não avançamos. (Palmas).
Há uma outra coisa que eu também gostaria de contar, é a questão da organização da estrutura da polícia do Estado brasileiro. Enquanto a polícia atuar nas ruas como o Exército no campo de batalha, para eliminar o inimigo, não vamos avançar nos direitos humanos. Isso é uma reciclagem perversa da lei de segurança nacional. Na época da ditadura militar os inimigos internos éramos nós, os estudantes, os opositores, os guerrilheiros, os chamados subversivos. Agora, os inimigos internos são quem? Nada mais, nada menos do que três quartos da população, que vivem no limiar da linha de miséria e já são fustigados diariamente pelas relações de opressão e exploração.
Não dá para conviver com isso. Não dá para conviver, tampouco, com essa Justiça Militar, que é entulho. Nisso tudo há pessoas que são responsáveis, temos de responsabilizar o Governo Federal, sim. Até estranho o fato de o Secretário de Direitos Humanos ter saído na hora dos debates, era importante ele estar aqui neste momento. (Palmas). É um momento em que a sociedade civil está-se manifestando. Acho que enquanto houver a prática de criminalizar o movimento social e as lutas populares, não vamos avançar.
O que fez o Ministro Renan Calheiros - constrange-me até falar Ministro Renan Calheiros, mas é dele que se trata -, ao indiciar os companheiros do MST e determinar a prisão preventiva de líderes importantes, como o João Pedro Stedile, para mim é reciclagem da Lei de Segurança Nacional. (Palmas.) Isso é um absurdo, não dá para conviver com essa situação.
Para concluir, no que se refere à própria organização desta conferência, acho-a importante e até um alento para estarmos aqui dela participando. Contudo, note-se que aqui consta: "O Poder Judiciário e os Direitos Humanos", "O Poder Legislativo e os Direitos Humanos", "O Poder Executivo e os Direitos Humanos". E quanto à sociedade civil e os direitos humanos? E quanto aos mecanismos de contra-poder e de defesa que a sociedade civil tem de criar para isso, quando sabemos que os direitos humanos não estão limitados ao espaço institucional - o espaço instituinte é até mais importante que o espaço institucional?
Essas eram as questões que queria levantar, as quais acho que teremos oportunidade de discutir nos grupos de trabalho.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Mais uma informação para os senhores conferencistas: o Movimento Nacional de Direitos Humanos comunica a realização de reunião de seu Conselho Nacional nos dias 15 e 16, iniciando-se logo após o término desta conferência.
Peço aos senhores conferencistas que policiem seu tempo e, com isso, evitem a intervenção da Mesa.
Concedo a palavra à conferencista Cecília Coimbra e anuncio a próxima conferencista, Sra. Afonsa Gregória Oliveira.
A SRA. CECÍLIA COIMBRA - Ao Sr. Presidente e a todos o meu bom-dia. Vou ser muito pontual com relação a uma série de questões que foram discutidas aqui. É lamentável que o Sr. José Gregori tenha tido de se retirar, assim com é lamentável que o Sr. Belisário dos Santos Júnior tenha se retirado, porque vou tratar de uma questão específica de São Paulo. (Palmas.)
Sou Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, e uma das questões que temos levantado muito é que, como bem disse o companheiro Carlos Fernandes, falar de direitos humanos quando se tenta negar a história recente de um país é realmente um paradoxo. Para nós, só há sentido em falar de direitos humanos se efetivamente resgatarmos todo um período de nossa história que ainda continua sendo mantido em sigilo, com documentos confidenciais e secretos.
A respeito do que as companheiras Maria Amélia Teles e Heloísa Grego trataram aqui, devo dizer que estamos lançando, no Rio de Janeiro, uma grande campanha de âmbito nacional e até internacional pela abertura dos chamados arquivos secretos. Não podemos concordar que documentação oficial que diga respeito à história do País seja mantida em sigilo, sob a alegação de que esses arquivos não existem. Sabemos que os arquivos das Forças Armadas existem, mais do que comprovações disso nos têm sido dadas, principalmente através da imprensa.
Estivemos, há uma semana, com o Ministro da Justiça, Renan Calheiros, e isso lhe foi claramente dito. Ainda que algumas negociações com as Forças Armadas sejam necessárias, que de imediato o Governo Federal abra os arquivos da Polícia Federal e do SNI. Por que isso não é feito? Essa é uma questão que estamos levando a todos os companheiros. Isso é importante para que a segunda fase da comissão efetivamente aconteça, do contrário não poderemos localizar nenhum daqueles restos mortais.
A Lei nº 9.140/95 - gostaria que o Sr. José Gregori estivesse presente - é um primeiro passo importante, sim, mas é uma lei extremamente perversa, porque colocou o ônus das provas sobre os familiares; ou seja, o Estado brasileiro, que seqüestrou, torturou, matou e escondeu cadáveres, em momento algum abriu seus arquivos, (Palmas), que têm de ser procurados, como temos feitos nos últimos anos, pelas entidades de direitos humanos e pelos familiares. Isso é inadmissível. Queremos, para que a segunda fase realmente aconteça, que esses arquivos sejam abertos.
O segundo ponto diz respeito, especificamente, à questão da vala de Perus, em São Paulo. A Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e os Grupos Tortura Nunca Mais têm recebido um apoio muito grande do Sr. Belisário dos Santos Júnior, Secretário de Justiça do Estado de São Paulo. Foi formada uma comissão graças à qual se conseguiu ir à UNICAMP ver a situação em que se encontram as ossadas da vala de Perus. É uma coisa impactante e revoltante. Havia três ossadas que já estavam para ser identificadas e foram misturadas a mais de mil ossadas, e nada foi feito.
O Sr. Badan Palhares foi o responsável por essa "brincadeira" com os familiares de mortos e desaparecidos políticos, e estamos encaminhando um pedido ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo com relação à atitude ética desse profissional. Estamos também querendo saber da UNICAMP, responsável por isso, por que os sacos com os restos mortais retirados da vala de Perus foram misturados e colocados numa sala sem condições para tanto, onde havia cadeiras sobre as ossadas. Estamos chegando à conclusão de que vai ser muito difícil a identificação de quaisquer restos mortais dos opositores políticos.
Deixo-lhes essa denúncia, passando à Mesa estas fotografias, que pertencem à Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Obrigada a todos. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Concedo a palavra à conferencista Afonsa Gregória Oliveira. Adianto o anúncio da próxima conferencista, Francisca Alves Ribeiro.
A SRA. AFONSA GREGÓRIA OLIVEIRA - Sr. Presidente, membros da mesa, senhoras e senhores, boa-tarde. Participo desta conferência não para fazer denúncias generalizadas, mas uma denúncia específica, porque tive meu irmão e um amigo dele, no dia 7 de fevereiro último, torturados e assassinados pela Polícia Militar da Cidade de Barreiras, na Bahia.
Foi um crime hediondo que chocou Brasília, toda a região próxima ao Distrito Federal e o Estado da Bahia, no entanto, como eu soube agora, os bandidos... Não os considero policiais militares, o verdadeiro policial militar não pratica esse tipo de crime. Vi, nesta conferência, que a maioria dos crimes de tortura ou contra os direitos humanos é praticado por policiais militares, como aconteceu na minha família. Meu irmão, depois de se ter identificado como policial civil, foi torturado com fogo por duas horas e meia e, depois, assassinado cruelmente pela falsa Polícia Militar de Barreiras.
O que me choca é o descompasso entre o poder da Polícia, que vem acompanhando o caso, e o Poder Judiciário, porque os homens identificados como os assassinos cruéis estão soltos.
Vim, portanto, aqui fazer este registro. Já estive com o Deputado Eraldo Trindade e com o Sr. José Gregori, conto com o apoio do Conselho Federal de Direitos Humanos, da Ordem dos Advogados do Brasil, e peço apoio a essas entidades para que se faça justiça.
Os direitos humanos, no Brasil, chegam até a pessoa que tem um certo nível de cultura. O povo mesmo, analfabeto, não consegue chegar à imprensa e reclamar seus direitos. Os direitos humanos têm de passar também pelas escolas. Precisamos, sim, instruir nosso povo sobre os direitos que tem. (Palmas.) Houve pessoas que me procuraram, aqui em Brasília, porque não tiveram acesso à imprensa e ao Poder Público para denunciar dores e mortes provocadas por falsos policiais militares.
Faço este registro aqui porque hoje, neste País, vive-se uma questão muito séria. Hoje em dia, nossos filhos estão perdendo a capacidade de chorar, estão-se tornando adultos sem a capacidade de ser solidários com a dor alheia, o que frontalmente ofende os direitos humanos, porque quando o homem perde sua capacidade de chorar e de se comover diante da dor humana, ele perde a capacidade de ser humano.
Choco-me quando vejo que nossos filhos têm como referência as lutas de ninjas exibidas na televisão, que seus ídolos são atores como Arnold Schwartznegger, um monte de músculos que só espalha violência na tela da televisão. São essas as referências que têm nossos filhos e com as quais eles crescem, de forma que a vida humana não tem mais sentido para eles. Hoje em dia, a televisão mostra barbáries, e já não nos comovemos mais com elas, porque estamos empedernidos diante da miséria alheia.
A seca, nada mais comove o ser humano. Estou aqui para clamar por justiça. Vemos hoje muitos grupos de vingadores no Brasil porque a Justiça está falhando. No meu caso houve muitos conflitos. O poder militar agiu para que prendessem esses homens, mas a Justiça foi também muito ágil e os liberou. Onde fica a Justiça? Onde estão os direitos humanos?
Os direitos humanos que a sociedade brasileira conhece são aqueles de a Comissão de Direitos Humanos ir até os presídios ver como estão sendo tratados nossos presos. E como ficam as famílias das vítimas?
Consegui chegar à imprensa, à Ordem dos Advogados do Brasil e ao Ministro da Justiça, mas, infelizmente, não consegui fazer com que a Justiça pensasse na dor de minha família e da família do Daniel. Meu irmão foi ultrajado, torturado e morto por ser negro. Somos negros, sim, com muito orgulho. (Palmas.) E esses negros vão continuar a dar muito trabalho àqueles falsos policiais militares.
Não condeno a Polícia Militar ou a Civil, mas sei que o nosso Brasil já chegou a um nível de desenvolvimento tal que podemos pensar melhor nossas polícias, reciclá-las não só quanto a equipamentos materiais mas com "equipamentos humanos". O que se vê, hoje em dia, são verdadeiros bandidos que infiltram nessas polícias e saem à caça de pessoas indefesas. E quanto menor for a capacidade e a cultura desses bandidos, maior sua violência.
Meu irmão era um policial civil de Brasília e tem voz para falar por ele, mas muitos se calam. E as famílias engolem o ultraje e a dor porque não podem chegar até os direitos humanos.
Então, nesta conferência, faço um apelo ao Deputado Eraldo Trindade, a quem expus as fotos do caso, ao Sr. José Gregori, que tomou conhecimento do caso, ao Dr. Romani, que ali está presente, e a todas as entidades aqui presentes para que me ajudem a buscar a justiça, porque não quero ser mais uma a gritar pela vingança.
Obrigada a todos. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Concedo a palavra à conferencista Francisca Alves Ribeiro e anuncio o próximo conferencista, Padre Francisco Reardon.
A SRA. FRANCISCA ALVES RIBEIRO - Sr. Presidente, em primeiro lugar, desejo cumprimentar a Mesa e todo o público. É um prazer muito grande ter oportunidade de participar da III Conferência Nacional dos Direitos Humanos.
Na nossa cidade, através do Reverendo Romeu Olmar Klich, criamos a Comissão Provisória dos Direitos Humanos. Sou do interior da Bahia, a 902 quilômetros de Salvador e a 800 quilômetros de Brasília. Sou Vereadora pela Oposição em primeiro mandato. (Palmas.)
Fizemos uma primeira denúncia de corrupção em nosso Município e, depois disso, descobrimos que há um esquema muito forte de corrupção envolvendo tráfico de drogas e armas, roubo de carros e prostituição infantil. À época estive aqui com o Sr. José Gregori, na Comissão de Direitos Humanos, quando então dela faziam parte o Deputado Pedro Wilson e a Dra. Sueli, e saí daqui escoltada pela Polícia Federal por ter sido ameaçada de morte naquela cidade. As ameaças continuam, só que hoje de forma mais sutil.
Não acreditamos em nenhum apoio da Justiça do Estado da Bahia. Ultimamente, até o Promotor da cidade tem vindo para cima de nós. Como sou mulher, sou discriminada publicamente: dizem que vão cortar meu cabelo e arrancar minha roupa na rua. Quando denunciamos isso, o Promotor deu parecer favorável àqueles a quem denunciamos e, ultimamente, meu processo foi até arquivado. Eu o trouxe aqui, na forma de um dossiê, que pretendo entregar nas mãos de algumas pessoas presentes nesta conferência.
Quero dizer que, lá, a prostituição infantil é promovida por alguns políticos da cidade, envolvendo as pessoas que têm dinheiro. Fizemos a denúncia à Comissão de Direitos Humanos, que a mandou para o Gabinete do Promotor, e foram ouvidos apenas uma mulher, porque era mãe solteira e tinha um bordel, um homossexual pobre e negro e um fotógrafo, que foi encontrado com fotografias das meninas peladas. Dos grandes, até hoje não existe nenhum depoimento registrado nessa delegacia.
Na quarta-feira, dia 20, estou sendo intimada para depor como testemunha de tortura na delegacia, porque não vi com os olhos, mas ouvi um policial torturar um rapaz até a morte: negro, filho de uma prostituta negra. A menina falou aqui muito bem.
O Deputado Erado Trindade disse que esta Conferência não é deliberativa. Então, precisamos saber quem vai deliberar sobre essas questões que estão chegando à nossa comunidade, porque não temos mais a quem apelar. Disse numa sessão que batíamos à porta do Ministério Público. Na nossa cidade, nem na porta do Ministério Público podemos mais bater, porque o Promotor desacata Vereador e diz o seguinte: "Se tocar-lhe o dedo, vou mandar a polícia prender". E manda mesmo.
A nossa salvaguarda nessa comunidade é a Igreja Católica e o movimento de mulher, que me acompanha até as sessões da Câmara. Se formos pelo policial e pelo Promotor de Justiça daquela cidade, estamos todos mortos.
Quero, neste momento, dizer que continuo sendo ameaçada. Pode ser que um dia verão nos jornais manchete sobre mais uma pessoa que foi morta naquela cidade.
Fui ao DEPIN, em Salvador, e não apuraram o caso. Fui à Secretaria de Segurança do Estado e estive aqui em todos os lugares em que pude bater às portas. Contudo, até hoje o processo não foi encaminhado, não foi apurado. Eu tenho vários panfletos que foram colocados debaixo das portas dizendo "Seu fim está próximo", e a Justiça até hoje não fez nada.
Como essa menina acabou de dizer aqui: estou aqui também pedindo justiça, não só por mim, mas por todos aqueles que têm vontade de fazer um trabalho sério na nossa cidade.
Lá há um grande índice de roubo de carros, eles fazem desmonte de carro. Há pessoas que nos oferecem carro, dizendo: "Você quer um carro do ano que custa dois mil reais?". Temos informações até do local em que estão desmontando os carros. Sabemos quem são os chefões da cidade, mas se divulgarmos o nome e isso chegar ao conhecimento deles, vamos ser "apagados", inclusive dentro da nossa casa.
Onde vai ficar a questão dos direitos humanos? As pessoas que pensam diferente querem fazer justiça neste País. Vamos ficar como? Então, essa é uma questão que não pode ser só discutida, sem ser deliberativa, como falou o Deputado. Temos que partir para a deliberação.
Temos que ver a questão do Ministério Público, que se diz Ministério Público, mas quando batemos na porta, ele bate a mão na mesa e diz: "Aqui quem manda sou eu!" E como fica a situação do povo brasileiro em uma cidade igual a nossa, a 900 quilômetros de Salvador e a 800 de Brasília?
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Tem a palavra o próximo conferencista, Padre Francisco Reardon. Já anuncio o próximo conferencista, Sr. Jacinto Teles.
O SR. FRANCISCO REARDON - Boa-tarde a todos. Sou o Padre Chico, da Pastoral Carcerária, coordenador nacional pela CNBB.
Sempre tentamos ligar a questão dos 170.000 presos do País à questão dos pobres, porque 95% dos presos do País são da classe pobre. Queria comentar um pouco certa impressão em alguns momentos hoje de manhã, como se fôssemos aqui um grande clube. Está todo mundo junto e tudo o mais.
Reconheço nas Mesas de ontem e hoje os esforços das pessoas bem intencionadas. E realmente avançamos muito na questão dos direitos humanos. Não avançamos o bastante, porque ainda temos gente nossa sendo morta impunemente por agentes do Estado, em todos os Estados da Federação.
O problema, na minha área da pastoral carcerária, são os presos; 95% deles são pobres, não têm advogado; onze mil deles não deveriam estar mais na cadeia, deveriam estar de volta, com as famílias. E não estão porque não têm advogados. O Secretário de Direitos Humanos pede que eles façam um documento com seus respectivos advogados, mas não existe advogado para pobre - não existe. As Procuradorias de Assistência Judiciária não funcionam, a Defensoria funciona muito pouco no País e o serviço jurídico terceirizado, tipo FUNAP, também não funciona.
Estamos fazendo um trabalho em São Paulo e identificamos onde estão os gargalos, as rebeliões nas prisões. Por que o juiz sempre tem que ir? Porque a raiva dos presos é porque o seu direito de estar fora da cadeia, de volta à família, não está sendo respeitado. O juiz vai e confirma isso: "Nós vamos ver teu processo".
Então, os gargalos estão dentro do próprio Executivo. E os Executivos estadual e federal têm essa idéia de que você e eu temos que colaborar com eles; sentar numa dessas câmaras, colaborar com eles e fazer como eles querem que seja feito, fazendo de conta que preso não está sendo morto e torturado; fazendo de conta que cidadão livre, negro e pobre não está sendo preso sob suspeita de qualquer coisa inventada e torturado por policiais bêbados e drogados.
O Poder Executivo - tenho andado o Brasil todo verificando a questão carcerária - não tem poder de correção. Não corrige nada. As Corregedorias do sistema penitenciário não investigam nada. No ano passado, a Pastoral Carcerária levou 25 casos comprovados de tortura física e mental contra presos na masmorra da Casa de Detenção, envolvendo 400 ou 450 presos, machucados por funcionários hediondos. Preso está lá porque assaltou. Quem toma conta mata e tortura; quem toma conta de preso é pior que preso vinte e cinco vezes. A Corregedoria, a Secretaria do Estado de São Paulo não investigou nada. Aliás, pegam nosso nome e dão para diretores e guardas dos presídios, para eles poderem ameaçar os agentes da pastoral.
O vigésimo sexto caso, que seria o primeiro caso novo deste ano novo, de 1998, resolvi levar para um juiz, direto. Ele acolheu. Deu o maior bafafá nos jornais e o juiz foi removido na outra semana. Vinte e quatro torturados comprovados. Pegamos 107 torturados no coração da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Quatorze delegacias especializadas, mil policiais trabalhando, 356 presos sendo torturados toda noite pelo GARRA - Grupo Armado de Repressão contra Roubos e Assaltos -, que não tem nada a ver com preso. Já é uma indisciplina. Cento e sete presos, dos 350, foram confirmados pelo IML como casos legítimos de tortura. Onde está a coisa! Onde está a coisa? O GARRA está entrando no sábado à noite ou no domingo à noite, provocando os presos novamente.
A cúpula da Polícia Civil é muito bem intencionada, muito aberta. Agora, o problema não está na cúpula. O problema está nos policiais profissionais, de formação ruim, de formação antidemocrática.
Poderíamos ir falando mais e mais, mais um monte de recortes - vocês estão acostumados... Nós já banalizamos, já aceitamos...
Quando aceitamos que preso pode ser torturado, o próximo passo é o irmão da moça ser morto pelo policial aqui fora. Quando aceitamos, em outras reportagens, que presos convivam com doenças infecto-contagiosas, de notificação obrigatória pela Organização Mundial de Saúde, como tuberculose, AIDS, meningite e mil e uma outras coisas; quando obrigamos um preso, um ser humano, um cidadão a fazer isso, estamos deixando a porta aberta para o sucateamento da saúde pública, o que já está acontecendo - já aconteceu. Então, a questão do preso está ligada à questão do pobre aqui no Brasil.
Gostaria de poder colaborar, mas eu não posso colaborar se tenho que vender a minha alma e fazer de conta que o Estado não está matando o nosso povo. (Palmas.)
Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Passando a palavra ao Conferencista Jacinto Teles, anuncio o próximo Conferencista, Cláudio Luís Meirão.
O SR. JACINTO TELES - Bom-dia aos Conferencistas aqui presentes. Meu nome é Jacinto Teles. Represento, nesta ocasião, o Sindicato dos Policiais Civis Penitenciários do Estado do Piauí que, gostaríamos de registrar também, tem um Departamento de Direitos Humanos, cujo diretor se encontra presente neste evento. É a terceira vez que participamos deste movimento.
Gostaríamos de saudar a plenária, através da companheira Daisy Benedito, defensora dos direitos das presas negras, das mulheres, de uma forma geral, no Brasil.
Ouvimos aqui atentamente as questões, inclusive as críticas à instituição policial, quer seja civil ou militar. E concordamos plenamente. Não somos hipócritas de dizer que não acontecem, que não continuam acontecendo as violações aos direitos do cidadão pela própria Polícia. Mas, infelizmente, em decorrência do tempo, gostaríamos de nos ater principalmente a um caso mais específico do Estado do Piauí.
A própria Comissão de Direitos Humanos desta Casa Legislativa é testemunha do nosso trabalho em defesa da cidadania naquele Estado. Inclusive nos ajudou quando entramos com uma ação popular para tornar nulo todos os atos de delegados militares, que são, no Piauí, os delegados regionais e todos os do interior do Estado, e para tornar nulas todas as nomeações de diretores de estabelecimentos penitenciários que até hoje são ilegais. Com exceção de uma penitenciária, que tem o diretor investido legalmente na função, as demais são dirigidas por militares e não atendem aos requisitos estabelecidos no art. 75, da Lei de Execução Penal.
Pois bem, nosso sindicato foi fechado por um ano e dois meses, por imposição do Governo do Estado, através de um juiz singular da Justiça piauiense. Mas essa mesma Justiça e o próprio Supremo Tribunal Federal fizeram uma revisão. E ganhamos por unanimidade a nossa reabertura. Isso não bastou ao Governo do Estado, que continuou com a perseguição. Um segmento retrógrado, atrasado, arcaico, que é minoria na Polícia Civil e Militar do Piauí, mas que tem o poder de fogo, que decide, porque a cúpula - ao contrário do Estado de São Paulo, que não é a cúpula, no Piauí, a partir do Sr. Secretário de Segurança Pública, que advém do regime militar, que já era Secretário naquela ocasião - estava descontente com nosso trabalho em defesa da cidadania...
Quando a Arquidiocese, que nos ajuda juntamente com alguns membros do Ministério Públio, apoiou nosso evento - a repercussão foi grande de um debate nosso na televisão - metralharam o nosso sindicato, no mês próximo passado, com mais de vinte tiros. Inclusive, já noticiamos o fato ao Secretário Nacional de Direitos Humanos, ao Ministro da Justiça, ao Presidente desta Comissão de Direitos Humanos. Conforme a perícia técnica constatou, foram usados mais de vinte tiros.
Companheiros, senhoras e senhores, estamos aqui, como foi dito por outras pessoas que me antecederam, pedindo justiça. Até quando vamos ser cerceados no nosso direito à liberdade de expressão? Até quando vamos ser impedidos de falar a verdade? Eles não admitem que um sindicato de policiais civis - porque a polícia, a maioria, quer a reestruturação, quer a democratização - fale a verdade, fale das torturas, fale das atrocidades acontecidas no meio policial, sobretudo com o total apoio do poder público, sob a tutela do Estado.
No meu Estado, infelizmente, não existe sequer o Conselho Estadual de Direitos e de Defesa da Pessoa Humana. O Governo reluta em implementar esse Conselho. Já pedimos e reiteramos diversas vezes em seminários, inclusive com a presença do Deputado Pedro Wilson, que esteve lá conosco, do Padre Chico, que é um colaborador nosso nessa luta lá no Estado do Piauí, e o Governo não nos atende.
Agora mesmo, o Dr. Romani, do Conselho Federal da OAB, mais especificamente da Comissão de Direitos Humanos, esteve lá e assinou um documento com a Arquidiocese de Teresina, com o Ministério Público do Estado do Piauí, com diversos outros segmentos, inclusive conosco, Sindicato dos Policiais Civis, e com o Superintendente da Polícia Federal, pedindo a intervenção do Governo Federal nas cúpulas da Polícia Civil e Militar do Piauí, para que o cidadão comum, o pobre, que é quem mais precisa da ação da polícia, que é para onde ele corre primeiro, tenha acesso à segurança pública de qualidade. Infelizmente, o Governo ainda não entendeu. Aliás, vem considerando a autonomia dos Estados. Mas, primeiro, pedimos ao Governador que se sensibilize e encaminhe. Mas o Governador já disse, alto e bom tom, que não vai pedir, porque já paga as instituições para fazer isso. Tenta confundir a opinião pública.
Estamos aqui levando essa nossa preocupação. Da mesma forma, nesse documento, solicitamos que o Ministério da Justiça designe um delegado da Polícia Federal para apurar o atentado ao sindicato, porque, na realidade, eles querem atingir a nós, diretores da entidade.
Então, fica aqui o nosso apelo. E tenham certeza de que vamos continuar lutando. Fazemos parte, também, da executiva da Confederação Brasileira da Polícia Civil, dos policiais civis, trabalhadores, e vamos continuar lutando por uma polícia cidadã e, sobretudo, democrática.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Passando a palavra ao próximo conferencista, Cláudio Luís Beirão, anuncio o seguinte, Padre Pierre Roy.
O SR. CLÁUDIO LUÍS BEIRÃO - Não poderia deixar de registrar neste plenário, já esvaziado, infelizmente - da própria Mesa já se retiraram algumas pessoas também, que têm outros compromissos, acredito -, a questão indígena. (Palmas.) Em relação ao programa, o Governo nada fez para a questão indígena. Quando ele, nesse material, faz uma síntese do que foi feito, percebemos que praticamente não fez nada.
Senão vejamos: aqui diz, nesse material que vocês receberam, que o Governo instituiu o Decreto nº 1.775. O Decreto n° 1775 foi instituído em 8 de janeiro de 1996, antes do programa. Inclusive, a I Conferência Nacional de Direitos Humanos repudiou, aprovou a moção aqui de repúdio a esse decreto. Esse é um exemplo. Se veio o decreto, não veio de forma alguma para acabar - como dizia o Governo - com as ações na Justiça, como se o decreto tivesse o poder de acabar com ações na Justiça. Não. Pelo contrário, temos hoje cerca de quinze mandados de segurança contra o decreto, contra a demarcação. Como o Governo diz que existem discursos falaciosos, este é um discurso falacioso do Governo - isso sim.
Outra coisa que podemos verificar nesse material que todos receberam é a questão da retirada de garimpeiros da terra ianomami. No Programa Nacional de Direitos Humanos o que se fala, o que se propõe é uma vigilância permanente. Esse tipo de ação, que foi feita em fevereiro de 1998, em fevereiro deste ano, é: a Polícia Federal vai lá, as Forças Armadas vão lá, e retiram os garimpeiros. Eles saem. No outro dia, eles entram novamente. Então, isso não é uma vigilância permanente.
Quanto à questão da demarcação, o Governo disse: "Nós estamos ganhando em todos os Governos: ganhamos do Fernando Collor, ganhamos do Itamar, ganhamos de todos os Presidentes". A verdade é que o Governo tem, a cada ano, reduzido o orçamento da FUNAI. Inclusive, no Programa Nacional de Direitos Humanos ele se comprometia a dar um orçamento para a FUNAI, um orçamento que fosse necessário para que a FUNAI cumprisse o seu dever, particularmente a demarcação. Ele não faz orçamento. A cada ano ele tem diminuído - 70% este ano. O orçamento de 1998 foi reduzido para 70%. A vigilância também foi reduzida.
Então, na questão indígena, se olharmos os quatro pontos que eles colocam como síntese, o Governo não fez nada. Esperamos que com a pressão da sociedade ele faça alguma coisa.
É necessária a aprovação do estatuto. O Governo também tem ido na contramão do estatuto, apoiando projetos de leis esparsas, como o projeto de mineração em terra indígena, outros projetos como os de saúde, projetos de educação, projetos que não são os projetos do estatuto, um projeto unificado, que o próprio programa diz.
Infelizmente, essa observação deveria ser feita precisamente para o Secretário de Direitos Humanos, que, infelizmente, teve que se retirar, e para, talvez se fosse o caso, o Secretário Executivo de implementação do programa.
No decorrer dessa conferência, esperamos que se reafirme o programa e que se coloque a necessidade de o Governo cumprir o que foi compromisso dele no Programa Nacional dos Direitos Humanos.
Era o que tinha a dizer.(Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Convidando o conferencista Pierre Roy, anuncio a próxima conferencista, Sra. Marilda Helena Santos.
O SR. PIERRE ROY- Padre Pierre Roy, dos Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Movimento Nacional de Direitos Humanos. Abordarei três questões bem breves. Quero reafirmar uma questão que o Reverendo Olmar assinalou: o Programa Nacional de Direitos Humanos não contempla os direito sociais e econômicos, e a não-existência dessa interligação pode inviabilizar qualquer programa defendendo os direitos civis políticos. O programa estadual de São Paulo remete a essa situação. Então, é aviso para os outros Estados e programas municipais que vão ser implementados e feitos para contemplar a questão de direitos sociais e econômicos.
O segundo problema é a questão do programa de proteção à testemunha. Foi pedido ao Dr. José Gregori, ao Pinheiro e à Secretaria Nacional de Direitos Humanos para ampliar o programa, para que não atenda somente às questões, os testemunhos formalmente registrados em processos, já que o Ministério Público deveria automaticamente fazer; ampliar, pegar os casos que o próprio Governo e o Ministério Público não podem resolver, não vão resolver. Um exemplo é o caso da Vereadora da Bahia.
Nós, no Rio de Janeiro, temos a experiência. Atendemos vários casos em que famílias, pessoas foram perseguidas pela polícia, por gangues e por traficantes. O Governo não pode e não vai atender esses casos. E se não existem entidades que podem atender esses casos, como conseguimos atender vários casos nesse sentido - e há mais casos que estão na lista de espera -, então, não vai ser possível. Precisamos de recursos, elementos - porque atendemos isso com recursos próprios, precários - para poder ampliar esse programa.
A terceira questão, também dentro do programa. A Secretaria Nacional de Direitos Humanos tem como uma das suas prioridades esse programa e toma, a título experimental, claramente quatro Estados - Bahia, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e o Rio de Janeiro - para sua implementação. Infelizmente, podemos avisar que no Rio de Janeiro já foram tomadas todas as medidas para implementar o programa, mas podem tirar o Rio de Janeiro da lista, porque não está acontecendo, pelo simples fato de que, no último momento, o Governo do Estado não aceitou fazer parceria com entidades da sociedade civil, entendendo ele que já está pagando as instituições governamentais para fazer o trabalho.
Então, nesse sentido, não é a questão tanto do Rio de Janeiro ou do Governador, mas é para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos entender que se não há recursos, se não há mecanismos para implementar os programas fora de qualquer Governo - outros Governos também podem entender dessa maneira os programas -, se não existe a força necessária para realizá-los, não vão acontecer os programas,
Obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Passando a palavra à conferencista Marilda Helena Santos, anuncio o próximo conferencista, Deputado Sérgio Silva.
A SRA. MARILDA HELENA SANTOS - Boa-tarde a todos, boa-tarde aos integrantes da Mesa. Sou Promotora de Justiça e represento o Ministério Público do Estado de Goiás aqui hoje, até porque coordeno o Centro de Defesa do Cidadão daquele Estado. Graças a Deus, não represento o Ministério Público da Bahia. Eu me envergonho quando vejo um depoimento sofrido, como o que presenciamos aqui por parte de uma Vereadora de Município daquele Estado.
Nós, em Goiás, temos a Corregedoria da Procuradoria-Geral de Justiça. Entendo que a Vereadora deve, se já não o fez, reclamar à Corregedoria e até mesmo, se for o caso - porque não conheço os detalhes da questão, que foi trazida sem maiores informações à plenária -, que ela também proceda a requerimento de instauração de inquérito policial. Prevaricação é crime. E o Ministério Público não está livre de ser processado criminalmente. Costumo dizer em todos os meus pronunciamentos que nós erramos e queremos arcar com as conseqüências dos nossos erros. Devemos isso à sociedade. O Ministério Público representa e há de defender essa sociedade. Não pode, de maneira alguma, trabalhar contra ela.
Agora, quero dizer ao Deputado Mário Mamede, quando S.Exa. genericamente fala a respeito de omissão por parte do Ministério Público, que o Ministério Público recebeu, sim, uma sobrecarga com a Constituição de 1988. E é evidente que ainda não tem estrutura para atender as necessidades da população, as suas atribuições. Agora, é preciso, Deputado, que o senhor reconheça, como representante do Legislativo, ainda que não da Câmara Federal, que o Legislativo está devendo muito diante desse Programa Nacional de Direitos Humanos.
O senhor sabia, Deputado, que o Ministério Público tem que controlar a atividade externa da polícia? E temos um plano, um Programa Nacional de Direitos Humanos; temos uma Constituição Federal completando dois anos e ainda esse dispositivo não foi regulamentado. E tantos outros estão sem regulamentação. Isso ata as mãos do Ministério Público, que precisa de normas. Não são normas que vão resolver nossos problemas. Temos - costumo dizer isso e acredito que a maioria dos senhores concorda -, um País de papel. Temos leis demais, concretização e respeito de menos pela população. Mas em muitas das nossas ações precisamos dessas leis, e não temos iniciativa de leis - o senhor desconhece isso, Deputado. Não temos também orçamento - e não poderíamos ter - para estarmos muitas vezes trabalhando na implementação desse programa.
Quero dizer do descaso do Governo Federal. Eu me fiz aqui presente não foi tanto para gritar, não foi tanto para dizer que o Ministério Público precisa e quer trabalhar mais e muitas vezes não o faz por essas dificuldades que, talvez, o representante do Poder Legislativo desconheça. E ele também, mesmo não estando aqui, está precisando trabalhar um pouco mais. O nosso Congresso precisa deixar de engavetar os nossos projetos de lei, que interessam e que significam a implementação desse programa. E não o faz.
Mas eu aqui me fiz principalmente presente para reclamar do nosso Executivo. Há um desprezo muito grande. O Secretário Nacional de Direitos Humanos tinha outros afazeres e não podia ficar aqui conosco. Ele não podia estar aqui para ouvir reclamações, porque ele não tem respostas.
Fico preocupada, porque tenho lutado para que o Governo do Estado de Goiás institua um Programa Estadual de Direitos Humanos. Fico preocupada quando vejo um programa desse, que mais parece um engodo. Um dos expositores da Mesa disse que, se fotografássemos a platéia, teríamos o mesmo retrato na I Conferência, na II Conferência e na III Conferência Nacional de Direitos Humanos. Mas não temos só o retrato dessa platéia, não. Temos os mesmos discursos, porque esse programa não saiu do papel. Depois de tudo o que analisamos no ano passado, que havia significado avanço dentro desse programa, nada mais se deu, porque a sociedade brasileira derramou sangue. E foi à custa do sangue dessa sociedade, dessa população sofrida, que pudemos dizer que avançamos alguma coisa nesse programa; ou seja, o Governo Federal, responsável pela implementação desse programa, quase nada ou muito pouco fez por ele.
Hoje, temos o desprazer de receber por parte do Governo Federal mais uma vez o que significaria a implementação desse programa, que também, como já foi muito bem explorado aqui, não passa de engodo; ou seja, será que vamos nos reunir mais quantas vezes?
E fico questionando, quando luto para que o Governo do Estado institua o Programa Estadual de Direitos Humanos: será que vamos enganar a população do meu Estado, dizendo, como dizemos aqui com tanto orgulho, que o Brasil é o terceiro do mundo a ter um programa desse? Goiás vai ser o segundo ou terceiro a ter um programa desse, que não vai ser concretizado. Até quando vamos ficar nessa conversa, que não avança? Aí me lembro do - não quero dizer saudoso - ex-Ministro Sérgio Motta. Vou repetir as palavras dele. Elas me parecem até de certa maneira desagradáveis, mas estamos nesse processo. E o Deputado Nilmário - só para encerrar - diz o seguinte: "Nós precisamos criar uma Comissão que vá fiscalizar a Comissão Nacional de Direitos Humanos, que vá fiscalizar a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que vá fiscalizar o Ministério da Justiça, para que esse programa seja implementado. Depois, nós vamos nos reunir para criar um grupo que vai monitorar a Comissão, que vai monitorar outra Comissão, que vai monitorar a Secretaria, que vai monitorar o Ministério da Justiça".
É preciso que o Governo Federal se faça mais presente, é preciso que ele seja responsável realmente por este programa que instituiu e que ele não nos engane. Quando eu digo isso, é evidente que eu quero, sim, que todos cobrem e que trabalhem junto com o Ministério Público. Não quero ser uma representante do Ministério Público que chegue aqui e ache que isso é louvável, mas distribuam um programa que no meu Estado também não estará sendo implementado.
Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Passo a palavra ao conferencista Deputado Sérgio Silva e anuncio a próxima conferencista, Raimunda Guedes.
O SR. DEPUTADO SÉRGIO SILVA - Senhoras e senhores, boa-tarde. Cumprimento a Mesa de personalidades e autoridades, cumprimento todo Plenário distinto aqui presente. Quero dar apenas uma informação e fazer uma sugestão. A informação refere-se ao Estado de Santa Catarina. Sou Deputado Estadual, Presidente da Comissão de Direitos Humanos. Este ano, temos como meta a formulação e a implementação do nosso Programa Estadual dos Direitos Humanos. A Assembléia Legislativa convidou inúmeras entidades a participar da sua elaboração, até porque apenas queremos ser o agente agregador das idéias. Assim estamos fazendo. Temos um calendário já aprovado por essas entidades e temos uma série de passos que estão rigorosamente sendo cumpridos, a exemplo de algumas entidades aqui presentes, como a Procuradoria-Geral do Estado, a OAB, também aqui presente, e outras entidades que estão nos acompanhando nesta viagem a Brasília.
Queremos dizer que o Programa, tanto nacional como estadual, é baseado em metas. E meta é tudo aquilo que pode ser mensurável no tempo e no espaço. Portanto, considero fundamental que os programas sejam introduzidos em Estados e Municípios, para que tenhamos um horizonte a respeito do que queremos para os direitos humanos no nosso País, no nosso Estado, nas nossas cidades. Essa é a informação.
Imagino este fórum adequado, pelas personalidades que estão aqui presentes e pelas autoridades que o compõem, para ser o agente que irá medir como estamos com o Programa Nacional. Eu entendo que uma das competências da III Conferência Nacional, complementando o que disse a representante do Ministério Público de Goiás, é o que deve determinar como nós avançamos, se avançamos e quanto avançamos nas metas que o próprio Governo, junto com as entidades, reuniu no nosso Programa Nacional. E que as próximas conferências tenham o cuidado, se a sugestão for acatada, de começar a medir os avanços dessas metas ou os retrocessos, caso, infelizmente, eles tenham acontecido.
Assim teremos a condição, além de trazermos aqui o que foi trazido de conhecimento, de experiência, belíssimas e verdadeiras aulas que foram dadas, de ter também uma parte prática: a monitoração ou, melhor dizendo, o acompanhamento das metas que nós, brasileiros, nos propusemos cumprir.
Portanto, fica a sugestão para que, nas seqüências dos trabalhos programáticos que serão desenvolvidos hoje à tarde e amanhã, no encerramento dos trabalhos, tenhamos também a condição de, ao final, conseguirmos monitorar e avaliar o quanto já cumprimos das metas de curto, médio e longo prazos.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Convidando a conferencista Raimunda Guedes, anuncio o próximo e último conferencista inscrito, Rubens Pinto Lira.
A SRA. RAIMUNDA GUEDES - Boa-tarde a todos. Meu nome é Raimunda Guedes. Sou assistente jurídica, trabalho no Ministério da Cultura.
É um tanto frustrante participar desses trabalhos, quando desconfiamos que não vai levar a canto algum, não vai dar qualquer resultado. Mas entre a ação e a omissão, é melhor nos posicionarmos em torno da ação; que cada um possa fazer o que lhe caiba, na oportunidade que surge.
Não vou falar da questão da mulher negra, excluída da sociedade, até porque algumas pessoas aqui já fizeram isso, graças a Deus. Mas existe um setor da nossa sociedade que nunca está representado em canto nenhum, não tem direito a voz, nem voto.
O Dr. Carlos Fernandes - parece que saiu, é uma pena; além do Dr. Gregori, ele também saiu - falou da raiva, da perseguição militar, que foi aplicada aos presos políticos e que ainda persiste nos dias de hoje.
Imaginem os senhores os rapazes submetidos ao serviço militar obrigatório. Se esses meninos têm tendência ao chamado socialismo, comunismo; se os pais e os parentes são tidos como assim, o que é que eles sofreram e ainda sofrem? Porque o juízo de valor ainda permanece no chamado serviço militar obrigatório. Imaginem as condições do adolescente negro submetido ao serviço militar obrigatório, onde ele aprende que realmente é inferior: tem superior, tem o superior do superior etc, e ele é alijado à camada mais baixa da sociedade.
Eu tive a infeliz oportunidade de denunciar isso. Escrevi um livro sobre o fato que ocorreu em 1986, onde um dos meu filhos prestava serviço militar. Eu esperava que as organizações de direitos humanos - tive muito apoio da imprensa, inclusive da grande imprensa, tipo revista Veja, Jornal do Brasil, O Globo etc. Eu achava que as organizações de direitos humanos fossem encampar essa questão, mas parece que isso não foi feito até hoje.
Então, muita gente morreu prestando serviço militar. Muita gente sofreu perseguição prestando serviço militar. E isso é, sim, uma questão de direitos humanos (Palmas.). Por que se indenizam presos políticos que desapareceram por responsabilidade dos militares e não os rapazes que estavam prestando serviço militar que morreram, foram mutilados ou desaparecidos também? Por que não se fazer isso, por que não se agendar isso? Então, esses meninos, esses rapazes não falam, não se expressam, não clamam - nem isso eles fazem.
Depois que assumi essa luta, ouço de homens de todas as idades as experiências que eles tiveram, os casos que presenciaram. É triste, doloroso, é difícil dormir com isso. Então, a partir daí, eu até esqueci por que devia lutar por ser negra, por ser minoria, por ser excluída. Alguém pode ser negro e não sofrer discriminação racial desde quando assuma o papel de só limpar o chão, lavar roupa etc. Aí está bom, não tem problema. Recebe roupa usada, uma cesta de Natal etc. Mas quando um negro assume, consegue vencer barreiras para ser doutor, assistente jurídico etc, a coisa pega.
Mas eu esqueci disso tudo. E quero aqui, perante os senhores que se dedicam à questão dos direitos humanos, solicitar que voltem um pouco de sua atenção e de seu tempo para esses meninos que sofrem, porque o serviço militar ainda continua sendo obrigatório. Os meninos já crescem pensando: "Quando chegar a data, o que eu faço?" Aí, a família: "Não, vamos transferir você para uma cidade onde seja possível escapar; vamos arrumar um atestado falso ou coisa assim." Então, isso não é admissível.
Eu ouvi o Secretário Gregori falando das vantagens do serviço voluntário, mas não é só o serviço voluntário que existe. Existe serviço obrigatório e as suas seqüelas e conseqüências.
Em segundo lugar - vou ser breve, parece que o tempo é escasso -, sobre a questão do tabagismo, o próximo dia 31 de maio será o Dia Internacional contra o tabagismo. As nossas televisões mostram como é bonito o mundo de Marlboro, não é? Aquela sensação de riqueza, aquela fantasia, beleza, sucesso etc, etc, etc. Isso incute nas pessoas que, para ter sucesso, para ser bem-sucedido, é preciso fumar. Mas sabemos que não é isso. Por trás do uso do fumo existe uma grande possibilidade de se morrer de derrame, de mil e uma doenças, de ataque cardíaco etc. E o pior é quando você é não-fumante e tem de trabalhar com fumante, porque compartilha aquela fumaça e adoece também.
Então, são coisas pequenas, coisas simples, fáceis de pôr em prática. Primeiro: por que admitir essa propaganda perversa na televisão? Segundo: existe uma lei proibindo o uso do fumo em locais fechados, por que não se respeita isso? Nos Estados Unidos é proibido fumar nos prédios públicos. As pessoas, querendo ou não, vão tomando consciência do perigo do fumo. Então, por que não fazer isso? É simples, é prático e já existe lei pronta para isso.
Por fim, quero agradecer a todos a oportunidade, a todos os organizadores, e mais uma vez reforçar a questão dos sem-voz do serviço militar obrigatório. Não sou homem, nunca prestei serviço militar obrigatório, mas ouço as histórias tristes de cada pessoa que passou por isso, ou da sua família, ou do seu vizinho, que ouviu contar. E não é admissível que essas coisas passem assim em brancas nuvens. Devemos tomar providências conjuntas. Isto o Governo pode fazer: primeiro, proibir a propaganda enganosa do cigarro, que não traz felicidade, não traz riqueza, não traz nada; segundo, tratar, oferecer tratamento às pessoas dependentes químicas do cigarro; e, por fim, proibir o uso do cigarro em locais públicos, em locais freqüentados por pessoas não fumantes. Em síntese, determinar os lugares onde se possa fumar, de modo que a fumaça de um não prejudique a saúde de quem não fuma. Não é nada contra o fumante, mas é um apelo à vida.
Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Passo a palavra ao conferencista Rubens Pinto Lira.
O SR. RUBENS PINTO LIRA - Queria fazer uma ponderação à Mesa no sentido da organização dos trabalhos da próxima conferência. Após nosso sentimento de culpa por falar agora e o da Mesa, pela maior dificuldade em controlar a palavra, porque ela não foi suficientemente democratizada de forma adequada, faço uma sugestão. Peço à Comissão da Câmara dos Deputados, ao Movimento Nacional dos Direitos Humanos que pensem em uma próxima organização em que se dê espaço efetivo aos participantes da conferência. Existe muita gente com qualificação que gostaria de dar seus testemunhos, de intervir.
Aqui fica uma situação delicada. As pessoas, cansadas, intervêm com preocupações também de poderem ser objetivas etc.
Faço essa sugestão e proponho que na análise de temas - por exemplo, como nos temas de ontem, apesar do brilhantismo dos conferencistas - verifique-se a pertinência em relação às prioridades do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, interesse da maioria dos que estão aqui. Que se começasse a conferência pelo relatório de uma Comissão independente, escolhida pelos participantes da conferência, para fazer uma avaliação crítica, construtiva, é claro, mas crítica do que foi feito e do que não foi feito. Isso eu acho importante.
Bem, três intervenções telegráficas. Primeiro, com relação à questão dos meios de comunicação. Não se trata apenas do controle dos programas de baixíssimo nível, da necessidade de modificar isso e de criar o Conselho Nacional de Comunicação.
Eu chamo atenção para a questão da liberdade de expressão, pedra angular da democracia. No dia 5 de maio, no "Bom-dia Brasil", a Rede Globo noticiou - e eu transmiti isso a alguns dos presentes - como tragédia nacional a derrota do Governo a respeito da modificação do limite da idade de aposentadoria. Uma tragédia nacional, assim foi declarado, e os opositores assimilados a antipatriotas. Nenhuma voz dissidente para registrar uma opinião que não fosse a do pensamento único nesse campo e em todos os outros.
Essa questão dos meios de comunicação é essencial. E apelo para os presentes que dêem todo o destaque a esse problema nos grupos. Não há democracia se não houver a livre formação da vontade política, que só acontece quando há confronto de idéias. Essa não é uma posição avançadinha, mas a de Noberto Bobbio e de qualquer democrata.
O Governo não fará isso. Não é por acaso que até agora esse tema não está no Programa de Direitos Humanos. Respeito a figura extraordinária do Secretário de Direitos Humanos - e não é da boca para fora -, mas é preciso que ele tenha respaldo, e que questões dessa natureza sejam apresentadas. Haverá a maior resistência no Congresso Nacional para se retirar dessa máfia que monopoliza os meios de comunicação o monopólio da verdade, ou melhor, o monopólio de suas mentiras. (Palmas.) A mentira maior é a privação do confronto. Não interessa se a verdade está de um lado ou de outro. O que interessa é que ela seja expressa e debatida.
Segundo ponto: monitoramento. Temos de contar com o monitoramento, além do de Paulo Sérgio Pinheiro, que é a figura mais brilhante e autêntica do grupo nomeado oficialmente pelo Governo, também das entidades da sociedade civil.
Em relação à intervenção do Deputado Mário Mamede, que considerei a mais prática e efetiva entre as brilhantes intervenções, só discordo de um ponto. Não é o Ministério Público. Tive outra interpretação. Creio que V.Exa. colocou o Ministério Público num patamar superior. O Ministério Público tem uma função essencial e precisa efetivamente ser renovado. Aqui temos exemplos de brilhantes Promotores, porém, a maioria dos Estados ainda deixa muitíssimo a desejar. Mas não é isso. Quem tem a função de organizar os planos estaduais de direitos humanos, por lei, são os Conselhos Estaduais de Direitos Humanos e, onde não existem, o Movimento Nacional de Direitos Humanos. Sugiro então que se constitua uma comissão de monitoramento independente e permanente, que se possa reunir a cada dois ou três meses. Ela vai captar todas as novidades e transformações que forem ocorrendo.
Por fim, a Lei de Segurança Nacional. Há alguns anos, um ou dois, conversei com figuras eminentes que julgavam que essa lei estava superada e não recepcionada pela Constituição. Contudo, a Lei de Segurança Nacional está sendo aplicada. E nunca, nas conferências de movimentos de direitos humanos, registrou-se a questão da sua revogação. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - De acordo com a prática adotada para o primeiro painel, a Presidência oferece a palavra aos membros da Mesa, uma única vez, pedindo que eles próprios cronometrem seu tempo, para que não haja intervenção da Presidência.
Está aberta a palavra aos membros da Mesa.
O SR. MÁRIO MAMEDE - Senhoras e senhores, agradeço o convite para participar desta Mesa. Foi uma honra para mim. Logicamente, muito poderia ser dito e discutido. A limitação de tempo é algo terrível para nós, porque o assunto é muito abrangente. Eu havia anotado pelo menos oito tópicos, mas é impossível que consiga abordar com alguma profundidade ou de maneira conseqüente algum deles. Vou tentar encontrar uma maneira de me dividir nas tarefas de grupo.
Registro duas coisas. Como a Dra. Marilda lamentavelmente ausentou-se, não poderei abordar a questão olhando para ela, como eu gostaria. Acho que ela se equivocou com relação ao que eu disse sobre o Ministério Público. Acredito que o Ministério Público deverá ser - e constitucionalmente deve ser - um dos mais formidáveis órgãos para animação, implementação, cobrança, monitoramento e fiscalização de qualquer política de direitos humanos ou de garantia do direito à cidadania. Eu disse que, lamentavelmente, nem todos os promotores públicos, nem todos os que fazem o Ministério Público já incorporaram esses novos valores garantidos pela Constituição que a sociedade a eles confiou. Foi isso o que falei.
Tenho uma aliança muito forte com as pessoas que compõem o Ministério Público do Ceará, tanto no âmbito da Procuradoria-Geral de Justiça como no âmbito da Procuradoria-Geral da República no Ceará. Talvez eu seja o Parlamentar que mais encaminhe demandas; talvez o Parlamentar que mais estabeleça parcerias efetivas; mas, seguramente, sou o Parlamentar que mais tem exercido críticas ao Ministério Público no meu Estado. Portanto, não assumo essa posição, pois ela é de isenção e irresponsabilidade política. Acho que a Dra. Marilda equivocou-se quando analisou minha postura como uma crítica negativa ao Ministério Público.
Por fim, tenho aqui uma tarefa que gostaria de ao menos iniciar em dez segundos, se os senhores me permitem. Estamos diante de uma seca muito grave no Nordeste brasileiro. A CNBB tem um relatório, conhecido nacional e internacionalmente, que registra que de 1979 a 1986, período de cinco anos de seca continuada, registraram-se cerca de 4 milhões de mortes no Nordeste brasileiro. Estamos iniciando o mês de maio, a seca ainda irá tornar-se mais aguda, e a fome já é insuportável. Não sabemos como será o decorrer do ano.
O Governo Federal sabia, desde setembro do ano passado, que a seca adquiriria feições dramáticas, e passou essa informação aos Governantes do Nordeste. As entidades de direitos humanos já fizeram pelo menos três reuniões bastante demoradas. Amanhã, sexta-feira - não estarei na comissão, mas a assembléia estará representada -, iremos ao Ministério Público pedir-lhe que enfrente com a devida envergadura a discussão sobre os saques, dada a sua legitimidade, o roubo famélico, o roubo pela necessidade. Que ele enfrente e não permita que se agigante, como está acontecendo no Ceará, a ação policialesca de combater miseráveis e punir aqueles que estão lutando para sobreviver. (Palmas.)
Agradeço as manifestações, que considero um gesto de profunda solidariedade.
Tenho aqui um documento que passarei às entidades da Mesa e, se a Comissão me apoiar, a outras pessoas, para ampliar sua compilação. O documento está assinado por seis entidades de direitos humanos: OAB, Assembléia, Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, Centro de Promoção de Direitos Humanos da Arquidiocese, Centro de Defesa da Criança e do Adolescente - uma preocupação muito grande nas áreas de seca - e Anistia Internacional. O que desejamos é que a problemática da seca no Nordeste brasileiro seja tratada como uma questão inarredável de direitos humanos. Agradeço a atenção e peço desculpas pelo abuso de tempo nesta intervenção final. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Mais algum membro da Mesa deseja fazer uso da palavra?
O SR. BELISÁRIO DOS SANTOS JUNIOR - Tenho três notas urgentes e rápidas a abordar.
Cecília, com relação às ossadas, a UNICAMP recebeu ofício da Comissão. Porém, como a resposta da UNICAMP tardava, o Secretário de Segurança Pública e eu, como Secretário da Justiça, oficiamos ao Reitor. Eu, pessoalmente, comuniquei-me com ele. Ainda ontem ele me pediu um prazo - que achei bastante razoável e já comuniquei aos familiares - para devolução das ossadas e preparação dos relatórios finais dos trabalhos da UNICAMP, que, segundo a própria universidade, estão concluídos. Seguramente, após isso deliberaremos sobre o que fazer, até porque a comissão, como outras comissões de São Paulo, está composta majoritariamente por representantes de familiares.
Segundo ponto, a questão dos presos. Padre Chico, temos ambos a mesma preocupação de que essa evolução, a substituição de uma cultura que viola os direitos humanos para uma cultura que os respeite, é um processo. Então, creio que ainda durante muito tempo vamos cruzar com informações em que há vontade política do Governador, do Secretário e de vários escalões, mas há também a violação dos direitos humanos. Durante algum tempo ainda conviveremos com isso. O que não podemos é conviver com a impunidade e com determinadas situações que preservam uma esfera de violação dos direitos humanos. Há muitos anos, em São Paulo é gravíssimo o problema das cadeias e das delegacias de polícia. E isso não ocorre só naquele Estado. De um lado, desviam a Polícia Civil de sua função de polícia investigava, de polícia judiciária, e a transformam em carcereira. De outro lado, violam profundamente o direito dos presos.
O Governo do Estado de São Paulo, apesar de encontrar obstáculos, dispõe de recursos do Governo Federal para construir 21 novas penitenciárias. A política não é construir mais cadeias, mas para se esvaziarem as delegacias de polícia e aquele complexo onde ainda há 6 mil presos e não cabe nem a metade, precisamos construir. Ainda que violando nossa filosofia de como tratar o preso, que não é construindo mais cadeias, mas para substituir a forma degradante como ele vive hoje, estamos tentando criar essas 18 mil novas vagas.
Inequivocamente, sempre haverá essa questão do processo. Às vezes, quando se cria um programa nacional de direitos humanos, alguém diz: olha lá, não cumpriu tudo o que disse. Mas isso é um processo. Precisamos tomar cuidado para que nessa fase de avanço dos direitos humanos não batamos nos amigos. Não vou falar nada em defesa do Sr. José Gregori, até porque quem falou na ausência dele também já se retirou.
Nós falamos e temos de ser coerentes com aquilo que dizemos. A Promotora fez algumas referências e foi pessimista. Eu gostaria até de dar a ela uma palavra de otimismo: acho que é possível, sim. Estamos cumprindo várias etapas do programa. E temos de bater nos inimigos; bater nos amigos é muito complicado, porque criamos diferenças que na realidade não existem.
Última referência. O Programa Nacional de Direitos Humanos refere-se de uma forma muito sucinta aos direitos econômicos sociais, até mesmo nos dois primeiros pontos. É que um programa estadual como o de São Paulo tem mais possibilidade de ser referido. Mas estamos realizando a política de assentamentos, a reforma agrária, a política de uso das terras devolutas, o uso das terras devolutas públicas para assentamento de sem-terra cadastrados no movimento social - essa é uma pista interessante para os Estados -, a regularização de pequenas posses e um programa que julgo fantástico, que é a localização, regularização e outorga da propriedade para as comunidades de quilombos. Para quem acha que não há quilombos em São Paulo, já localizamos 21.
Eram essas as marcas que eu queria abordar.
O fim desta fala é um fim otimista. Devemos consolidar o patamar em que estamos sem achar que atingimos o necessário. Temos de caminhar para frente, mas não caminharemos bem se não reconhecermos efetivamente que há muita coisa por cumprir. Não podemos ficar naquele diálogo de surdos em que uns falam nos avanços, outros falam no que não foi feito. É possível comunicar essas linguagens. Foi feita alguma coisa? Foi. Há muito o que fazer? Há. A partir desse consenso, vamos marchar para frente. A fotografia das pessoas pode ser a mesma, mas, seguramente, o patamar de civilização, o patamar de direitos humanos que atingimos não é o mesmo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Convido todos para a plenária de amanhã e chamo a atenção para os trabalhos da parte da tarde de hoje.
A Mesa agradece a todos a presença, principalmente aos que ficaram conosco até o final. (Palmas.)
Está encerrada a reunião.

Plenária Final
15/05/98

O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Reabrimos agora os trabalhos da 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos.
Esta fase final tem por objetivo a apresentação das conclusões dos grupos de trabalho e das moções a serem aprovadas por esta Conferência.
A organização deste evento achou por bem designar um relator-geral para colaborar com a Mesa elaborando um relatório que sistematize os resultados dos grupos de trabalho. Para isso, estamos designando o assessor jurídico da Comissão de Direitos Humanos, Dr. Augustino Veit, que já está aqui presente.
Convidamos para compor a Mesa os relatores dos grupos de trabalho. Do Grupo de Trabalho nº 1, a Sra. Jussara de Goiás; do Grupo de Trabalho nº 2, o Sr. Narciso Pires; do Grupo de Trabalho nº 3, a Sra. Maria Lúcia Karam; do Grupo de Trabalho nº 4, o Sr. Cláudio Luiz Beirão; e do Grupo nº 5, Sr. Tarcísio Dal Mazo Jardim.
Passaremos a palavra ao relator de cada grupo, que exporá suas conclusões por dez minutos. Depois, abriremos as inscrições para os debates. Cada inscrito terá direito a cinco minutos. Por favor, os interessados dirijam-se aos funcionários da Comissão que se encontram nas laterais do plenário. Primeiro, ouviremos os relatores, debateremos o assunto e, posteriormente, apresentaremos as moções que já estão na mesa e outras que receberemos durante os trabalhos.
Peço aos participantes que peguem o certificado de participação na Conferência no balcão de credenciamento, durante o período da reunião.
Estabeleceremos o encerramento dos trabalhos para as 12h30min ou 13h, de maneira que nos programemos. Assim, não acontecerá aquele esvaziamento característico, exatamente por sabermos o horário do término da reunião.
Concedo a palavra à Sra. Jussara de Goiás, relatora do Grupo de Trabalho nº 1.
A SRA. JUSSARA DE GOIÁS - O tema do nosso grupo foi "Programa Nacional de Direitos Humanos - Aperfeiçoamento e Implementação".
Tivemos uma participação bastante representativa. Felizmente, as pessoas tiveram interesse em discutir o assunto. Fizemos uma relação de assinaturas de todos os participantes e a entregamos à organização da Conferência.
Resumindo todas as discussões, que foram muito ricas - em função do tempo não foi possível escrever detalhadamente sobre todos os assuntos -, tentamos sistematizar o trabalho. O Grupo, por favor, sinta-se à vontade para acreescentar algo, se sentir necessidade de fazê-lo.
Dividimos a primeira parte em seis pontos:
I. Ampliação do Programa Nacional de Direitos Humanos
1.1. O Programa Nacional de Direitos Humanos deverá contemplar os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, de forma a garantir a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos.
1.2. Formulação da Política Nacional de Direitos Humanos, contemplando articuladamente os três níveis: federal, estadual e municipal.
1.3. Inclusão em todos os níveis de execução orçamentária de recursos destinados à implementação da Política Nacional de Direitos Humanos.
1.4. Realização de Conferência Nacional dos Direitos Humanos, com caráter deliberativo, para definição das diretrizes, metas e ações para a Política Nacional de Direitos Humanos, com a participação de representantes da sociedade civil organizada, Poder Executivo (federal, estadual e municipal), Poder Judiciário, Ministério Público (federal, estadual e municipal) e Poder Legislativo (federal, estadual e municipal).
II. Inclusões no texto do atual Programa Nacional dos Direitos Humanos dos seguintes itens:
2.1. As conclusões aprovadas por ocasião da 2ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, relativas aos direitos dos homossexuais, gays, lésbicas e travestis, constantes das páginas 123, 124 e 125.
2.2. As conclusões aprovadas por ocasião da 2ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, relativas aos direitos das mulheres, constantes das páginas 115 e 116.
III. Ações imediatas
3.1. Cumprimento imediato da implementação da autonomia dos órgãos periciais, em nível federal, por intermédio de emenda à Constituição, inserindo-a nas funções essenciais à Justiça.
3.1.1. Fortalecer os Institutos de Criminalística e o Instituto Médico Legal, adotando medidas que assegurem a sua excelência técnica e progressiva autonomia por meio da instalação da Superintendência de Polícia Técnico-Científica, com orçamento próprio.
3.2. Criação de um plano de reequipamento dos Institutos de Criminalística e Medicina Legal, a ser elaborado e efetivado pelo Governo Federal.
3.3. Implementação de programas de lazer e cultura para crianças e adolescentes nos assentamentos rurais e urbanos.
3.4. Revogação imediata da Lei de Segurança Nacional.
3.5. Educação pública, gratuita e de qualidade deve ser prioridade absoluta como forma de garantir a construção de uma cultura em direitos humanos, a democratização da universidade, valorização das instituições de ensino e de seus profissionais.
3.6. Implementação imediata do disposto nas páginas 35 e 36 acerca da Educação e Cidadania - Base para uma Cultura em Direitos Humanos.
3.7. Definição de critérios objetivos e transparentes para a escolha do Prêmio Nacional de Direitos Humanos, oferecido pelo Governo Federal, com monitoramento da sociedade civil.
3.8. Criação de mecanismos que assegurem o acesso às informações relativas ao direito do consumidor, em especial para a apuração dos produtos e serviços oferecidos à população.
3.9. Implementação das ações previstas nas páginas 29, 30 e 31 do Programa Nacional de Direitos Humanos, referentes à população negra.
3.10. Implementação de um processo amplo de consulta ao conjunto da população negra, em especial as mulheres negras, sobre cotas para participação no serviço público e universidades.
3.11. Constituição de Conselhos Estaduais de Direitos Humanos, com a participação majoritária de representantes da sociedade civil organizada.
3.12. Criação de Ouvidorias nos serviços públicos municipal, estadual e federal dotados de autonomia em relação ao órgão fiscalizado.
3.13. Cumprimento imediato da lei que proíbe o fumo em recintos fechados e proibição da propaganda enganosa sobre o fumo.
3.14. Humanização e monitoramento dos programas de treinamento de cabos e soldados das Forças Armadas.
3.14.1. Criação de Programa de Indenização, Apoio e Tratamento às Vítimas de abusos efetuados no decorrer dos treinamentos militares.
3.15. Assegurar atendimento digno aos homossexuais, gays e travestis nas delegacias de polícia.
3.16. Definição imediata de referencial para identificação do significado temporal de curto, médio e longo prazos.
Quanto tempo é considerado prazo curto? Já se passaram dois anos desde a implantação do Programa.
3.17. Que o Governo Federal assuma integralmente os custos provenientes dos saques em razão da seca, tendo em vista que os mesmos são frutos de sua omissão.
IV. Aprovação imediata dos seguintes projetos de lei:
4.1. PL que regulamenta a profissão do Agente Comunitário de Saúde.
4.2. PL que trata do trabalho escravo, em tramitação no Senado Federal, já aprovado na Câmara dos Deputados.
4.3. PL que trata da democratização dos meios de comunicação social.
4.4. PL que trata da autonomia dos órgãos de identificação criminalística.
4.5. PL que trata do Programa de Proteção às Vitimas e Testemunhas.
4.6. PL que trata do Estatuto das Sociedades Indígenas.
V. Discussão ou formulação de projetos de lei:
5.1. Discussão do PL nº 1.610, em conjunto com as sociedades indígenas organizadas.
5.2. Apresentação de PL que caracterize os chamados "crimes de ódio", estabelecendo a obrigatoriedade pelos órgãos oficiais de pesquisa da produção de dados estatísticos sobre os crimes praticados.
5.3. Discussão ou formulação de PLs que tratem da biopirataria dos recursos naturais das comunidades indígenas.
VI. Monitoramento do Plano Nacional de Direitos Humanos:
Criação de uma Comissão de cinco membros, indicados no final desta Conferência por seus participantes.
VII. 4ª Conferência Nacional de Direitos Humanos
7.1. Iniciar a Conferência com a apresentação de um relatório crítico sobre a execução do Programa Nacional de Direitos Humanos.
7.1.1. Produção de um relatório paralelo, pela sociedade civil, sobre o PNDH, como forma de garantir o monitoramento do mesmo.
7.2. Assegurar amplo espaço de participação nos debates que se seguem às palestras.
7.3. Manutenção da realização de Conferências Nacionais anuais.
7.3.1. Realização de Conferências Nacionais a cada dois anos.
7.4. Rodízio dos lugares de realização da Conferência Nacional.
Isso foi o que sistematizamos. Valéria e eu trabalhamos na coordenação e na relatoria. Gostaria de consultar o grupo se faltou alguma proposta, se desejam acrescentar algo.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Primeiro, vamos apresentar todos os relatórios e, em seguida, passaremos ao debate.
Concedo a palavra à Sra. Maria Lúcia Karam, relatora do Grupo 3.
A SRA. MARIA LÚCIA KARAM - O Grupo de Trabalho nº 3 discutiu "As relações do Poder Judiciário com os direitos humanos".
Diante das limitações da discussão realizada em uma única tarde, sem uma pauta previamente preparada e amadurecida, o grupo de trabalho entendeu que as conclusões e as propostas deveriam conter apenas sinalizações das linhas gerais a serem seguidas em posterior aprofundamento do tema, em discussões a se desenvolverem pelo conjunto da sociedade, com uma conseqüente viabilização de propostas concretas.
Levando-se em conta a preocupação central no sentido de se caminhar para uma maior democratização do Poder Judiciário, de modo a obter de seus órgãos uma atuação comprometida com a garantia e a efetivação dos direitos humanos, recomendam-se três grandes eixos de discussão:
1. As relações do Poder Judiciário com a sociedade e as questões do consentimento, do controle e da participação populares em relação aos órgãos do Estado.
2. A estruturação e a atuação do Poder Judiciário: aplicação da lei e a efetivação dos direitos humanos.
3. A atuação do Poder Judiciário na execução penal: a pena privativa de liberdade surgindo como ponto central das preocupações em torno da efetivação dos direitos humanos.
1. Poder Judiciário e sociedade
Diante da necessidade primordial de romper com o isolamento e a postura conservadora do Poder Judiciário, tornando-o mais conhecedor da realidade e mais próximo das reivindicações e lutas desenvolvidas na sociedade, bem como de submeter sua atuação aos necessários consentimento, controle e participação populares, sugere-se:
- o desenvolvimento de discussões em torno das formas de ingresso no Poder Judiciário, nos diversos graus de jurisdição: concurso público, participação dos Poderes Executivo e Legislativo, eleição, etc;
- a exigência de conhecimentos sobre a disciplina Direitos Humanos para o ingresso no Poder Judiciário, bem como a sua introdução nos currículos das Escolas da Magistratura, enfatizando não só o estudo teórico, como o contato com a realidade;
- o desenvolvimento de discussões em torno da criação e ampliação de órgãos colegiados, integrados por juízes togados e leigos, asseguradores de uma participação popular direta no exercício da função jurisdicional, à semelhança do júri e dos juizados especiais, como previsto na Constituição;
- o desenvolvimento de discussões em torno da descentralização do Poder Judiciário, a partir da experiência dos juizados especiais e dos juizados itinerantes.
- o desenvolvimento de discussões em torno dos mecanismos possíveis de controle popular sobre o Poder Judiciário (conselhos,ombudsman,etc.);
- o desenvolvimento de discussões em torno dos mecanismos internos de democratização do Poder Judiciário (publicidade dos processos administrativos, escolha dos órgãos de direção dos tribunais, etc.);
- aproximação imediata das entidades ligadas à defesa dos direitos humanos com os órgãos do Poder Judiciário e com as entidades representativas dos magistrados, seja através de reuniões, debates e propostas, seja através da divulgação de documentos produzidos, a começar pelas conclusões desta 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos.
2. Aplicação da Lei e Efetivação dos Direitos Humanos. Neste ponto, o grupo de trabalho priorizou, em sua discussão, questionando-as, por expressiva maioria, as propostas da chamada federalização dos direitos humanos, em que se apresenta a transferência para a Justiça Federal da competência para o conhecimento de causas relativas a direitos humanos - transferência objeto de mais de um projeto de emenda constitucional -, como forma de tornar aqueles direitos mais efetivos, entendendo os que assim se expressaram que tais propostas, além de conduzirem a uma indefinida distribuição de competência, partem de uma suposição, não comprovada, de atuação mais independente dos órgãos da órbita federal, rompendo ainda com a desejável aproximação ao conflito e à realidade, que se faz, em qualquer âmbito da atuação estatal, por órgãos descentralizados. A independência do Poder Judiciário local pode ser atingida por sua democratização, como sugerida no item anterior.
Entendeu também o grupo de trabalho que a simplificação dos procedimentos e a criação de outros mecanismos asseguradores de um amplo e efetivo acesso à Justiça fazem-se necessárias à aplicação da lei, de forma comprometida com a efetivação dos direitos humanos, questão intimamente relacionada com os pontos abordados no item anterior, assim exigindo o desenvolvimento das discussões antes sugeridas. 3. Poder Judiciário e Execução Penal. Destacando como preocupação maior e mais urgente nas discussões em torno do comprometimento do Poder Judiciário, com a garantia e a efetivação dos direitos humanos sua atuação na execução da pena privativa de liberdade, o Grupo de Trabalho sugere:
- implementar os Conselhos da Comunidade previstos na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), órgãos viabilizadores da participação popular junto ao Poder Judiciário;
- maior presença dos órgaõs da execução penal (juízes, Ministério Público, Conselhos, etc.) na fiscalização dos estabelecimentos prisionais, inclusive com inspeções sem prévia comunicação;
- repensar o âmbito de competência das Varas de Execução Penal, considerando, inclusive, a possibilidade de transferi-la para o juízo da condenação, especialmente no que se refere às medidas alternativas à prisão;
- empreender ações sensibilizadoras dos juízes, no sentido de uma maior aplicação de penas alternativas à prisão e de cumprimento, em prisão domiciliar, das penas privativas de liberdade impostas a presos doentes, a preocupação maior, neste ponto, voltando-se especialmente para aqueles atingidos pela AIDS.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Gostaria de anunciar a presença da Deputada Maria Laura, do PT do Distrito Federal, que nos honra com a sua participação.
Passo a palavra ao Sr. Cláudio Luiz Beirão, relator do Grupo de Trabalho nº 4.
O SR. CLÁUDIO LUIZ BEIRÃO - O Grupo de Trabalho nº 4 tratou do tema: "O Poder Legislativo e os Direitos Humanos". Primeiro foram apresentados, pela assessoria, as nove proposições que tramitam no Legislativo - seis projetos de lei e três projetos de emenda constitucional - e que seriam necessárias à implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos. Estes seriam os projetos prioritários, e o grupo discutiria quais as formas de uma tramitação mais acelerada:
- PL nº 2.057/91, que dispõe sobre os estatutos das sociedades indígenas;
- PL n º 4.715/94, que transforma o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em Conselho Nacional de Direitos Humanos e dá outras providências;
- PL nº 585/95, que dispõe sobre os direitos básicos dos portadores do vírus da AIDS e dá outras providências;
- PL nº 627/95, que regulamenta o procedimento de titulação de propriedades imobiliárias aos remanescentes de quilombos, na forma do art. 68 do Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, estabelece normas de proteção ao patrimônio cultural brasileiro e dá outras providências;
- PL nº 2.684/96 (nº na Cãmara) /PLC 32/97 (nº no Senado Federal), que altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o qual inclui entre as penas restritivas de direitos a prestação pecuniária, a perda de bens e valores e o recolhimento domiciliar, caracterizando como penas alternativas;
- PL nº 3.599/97, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas e institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas;
- PEC nº 46/91, que introduz modificações na estrutura policial, desmilitarizando a polícia, submetendo-a à fiscalização do Judiciário e, quanto à polícia judiciária, à supervisão do Ministério Público, alterando o art.125, que se refere à Justiça Militar Estadual, da nova Constituição Federal;
- PEC nº 232/95, que dá nova redação ao art. 243 e a seu parágrafo único da Constituição Federal, estabelecendo a pena de perdimento da gleba onde for constatado conduta que favoreça ou configure trabalho forçado e escravo, com a reversão dessas áreas aos programas de assentamento de colonos e destinando os bens apreendidos para programas de fiscalização e repressão a essas condutas;
- PEC nº 368/96, que atribui competência à Justiça Federal para julgar crimes praticados contra os direitos humanos. Em seguida, o grupo franqueou a palavra aos conferencistas que estavam presentes à discussão, para que eles apresentassem alguns projetos que fossem incluídos como prioridades. Foram propostos três projetos de lei, mas o pessoal já me advertiu de que há um quarto projeto, que não foi incluído por mim.
Os três projetos são:
- PL nº 1.289/91, que amplia para o estrangeiro em situação ilegal no território nacional o prazo para requerer o registro provisório;
- PL nº 1.813/91, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil e dá outras providências;
- PLP nº 142/97, que dispõe sobre o procedimento do contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.
O PL que falta nesta lista é o de nº 4.365/98, que dispõe sobre a violência doméstica e é de autoria da Deputada Maria Laura. Quem passou o nome não soube dizer como era a formulação da ementa. Depois, nós o discutiremos melhor neste plenário.
Para esses projetos o grupo aprovou, por unanimidade, a apresentação ao plenário da Conferência de uma moção a ser encaminhada ao Congresso Nacional para aprovação dessas proposições, em regime de urgência. Em relação a cada projeto, é necessário que saia desta Conferência uma carta às autoridades competentes, como presidentes de Comissões, relatores, os Presidentes da Câmara e do Senado, onde eles estão parados, apontando a necessidade de urgência na tramitação dos mesmos. Também uma carta semelhante seria encaminhada aos líderes dos partidos, pedindo o o apoio deles para a posição adotada pelo grupo. Essa foi uma moção geral aprovada pelo grupo.
O grupo, considerando que existem 198 projetos de lei que tratam dos direitos das mulheres, propõe que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara discuta o tema " violência doméstica" - com base no projeto de lei da Deputada Maria Laura - em audiência pública e considere também outros projetos semelhantes que tratam desse assunto e tramitam no Congresso Nacional, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.
Em seguida, discutiu-se sobre a participação dos militares brasileiros na chamada "Escola das Américas" e qual seria a forma de impedir essa prática. Foi aprovada uma moção a ser encaminhada aos Ministros militares, recomendando o não-envio de seus membros, como alunos ou instrutores, para essa "Escola". Sobre o assunto outra moção será encaminhada ao Deputado Nilmário Miranda, para ser apresentada ao PARLATINO, ressaltando a preocupação com essa instituição e os males produzidos nos países latino-americanos.
Em relação aos opositores do regime militar, o grupo discutiu a formação de um grupo de revisão das legislações que tratam desse assunto, visando a corrigir algumas injustiças, como: não ampliação do prazo de abrangência da Lei nº 9.140/95; que sejam contemplados os mortos em manifestações de ruas; que seja discutida a reparação de danos materiais a todos os perseguidos e outros assuntos que não foram abrangidos pela lei. Esse grupo de revisão deverá ter assessoria especial das entidades que discutem o tema.
O Grupo propõe uma moção pedindo ao Presidente da República a expulsão e a anistia dos presos do caso Abílio Diniz.
Foi também aprovada moção a ser apreciada por esta Conferência, solicitando ao Presidente da República o envio dos tratados de transferência de presos entre o Brasil e o Chile e entre o Brasil e a Argentina, para serem apreciados pelo Congresso. Outra moção será encaminhada ao Congresso Nacional para aprovação desses tratados.
O Grupo também aprovou, como moção, a solicitação de criação, em todas as Câmaras de Vereadores, de Comissões de Defesa dos Direitos Humanos, assim como a discussão, pelas Câmaras e Assembléias Legislativas, da criação dos programas estaduais e municipais. Esses programas devem ser incentivados e reconhecidos pelos Estados e Municípios.
Estes foram os assuntos tratados pelo Grupo.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Obrigado, Cláudio, pelo relato das conclusões do Grupo 4.
Passamos a palavra ao relator do Grupo de Trabalho nº 5, Sr. Tarcísio Dal Mazo Jardim.
O SR. TARCÍSIO DAL MAZO JARDIM - De acordo com as conclusões do Grupo de Trabalho nº 5, que trata das "Normas internacionais e reconhecimento da jurisdição das cortes internacionais pelo Brasil", chegamos a sete moções, que eu lerei aqui, na íntegra.
Moção pelo reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Recomendamos uma indicação legislativa, nos termos do art. 113, inciso I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a fim de o Presidente da República declarar ao Secretário-Geral da OEA, segundo o art. 62 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (já aprovada pelo Congresso Nacional e ratificado pelo Executivo Federal), que reconhece como obrigatória a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Moção sobre a Conferência de Roma, que estabelecerá a Corte Penal Internacional. Recomendamos que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil se pronuncie de forma clara, perante a opinião pública, sobre a aprovação do tratado que instituirá a Corte Penal Internacional, esclarecendo os seguintes pontos: papel do Conselho de Segurança e da Promotoria; concepção da complementariedade de jurisdições; tipificação dos crimes; medidas de proteção às testemunhas e vítimas.
Recomendamos também que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil inclua na delegação que representará o País na Conferência de Roma o Ministro do referido Ministério, o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, um representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, um representante da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça e um representante da sociedade civil ligado à luta pelos direitos humanos.
Também solicitamos uma reunião, em nome da 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, com os responsáveis do Ministério de Relações Exteriores brasileiro pelo tema.
Acreditamos, sobre a questão, que:
a. o Conselho de Segurança não pode ter a prerrogativa de evitar a investigação e o julgamento de casos sob sua análise pela Corte Internacional Penal;
b. a Promotoria deve ter o poder de iniciar o processo, chamado o poder de gatilho, trigger, em todos os tipos criminais, tendo por base as informações das vítimas, das ONGs ou de outras fontes;
c. o poder de decidir sobre questões ligadas à complementariedade da jurisdição da Corte Penal Internacional, em relação ao direito interno, deve ser dos juízes da Corte Internacional;
d. a competência da Corte Penal Internacional não deve ser limitada aos cidadãos dos Estados que tenham ratificado o tratado;
e. no tratado instituidor da Corte não pode haver a hipótese de o Estado reconhecer, de forma facultativa, a competência da jurisdição internacional caso a caso;
f. deve-se ressaltar a inclusão, como crime de guerra, do estupro sistemático em época de conflito e a utilização de crianças como soldados;
g. deve ser incluído algum mecanismo efetivo de proteção às testemunhas e vítimas;
h. não devem ser incluídos os crimes de terrorismo e de tráfico de entorpecentes, pois esses servirão de escusas para a responsabilidade dos agentes estatais.
A terceira moção é pela aprovação da Convenção Interamericana de Desaparecimento Forçado de Pessoas e da Convenção nº 138 da OIT. Exigimos que o Congresso Nacional aprove essas Convenções. A Convenção nº 138 da OIT versa sobre direitos da criança e do adolescente, obviamente para depois ser ratificado pelo Poder Executivo.
A quarta moção é pelo comprometimento do Brasil com os mecanismos de implementação da Convenção das Nações Unidas contra a tortura e do Pacto de Direitos Civis e Políticos.
Recomendamos que o Executivo brasileiro vincule-se ao Protocolo Facultativo do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e ao art. 22 da Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura, instrumentos instituidores do direito de petição individual junto aos órgãos de implementação internacional do Pacto e da Convenção referidos.
A quinta moção é pela federalização dos crimes fundados em tratados de proteção da pessoa humana.
Com o objetivo de cumprir fielmente as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil e facilitar a fiscalização da sociedade civil e dos órgãos de fiscalização, que o Congresso Nacional aprove legislação para federalizar os crimes fundados em tratados de proteção da pessoa humana.
A sexta moção é em prol da implementação de ações emergenciais para o Nordeste.
Considerando a situação atual de emergência e de risco de vida dos flagelados nordestinos, em verdadeiro estado de necessidade e calamidade pública, atingidos pela adversidade da catástrofe de estiagem prolongada, com duração prevista para cinco anos ininterruptos, a qual é agravada ainda pelos fatores de exclusão e de desigualdade sociais vigentes na região;
Considerando também a profunda discrepância entre a situação desastrosa existente e os objetivos publicamente assumidos pelo Governo brasileiro de realização plena dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de todos os brasileiros e brasileiras;
Requeremos que o Governo intensifique ao máximo as ações articuladas no sentido de aliviar esta situação de emergência, abrangendo iniciativas e esforços de âmbito nacional, bem como no de considerar a possibilidade do recebimento imediato de ajuda alimentar humanitária internacional, destinada às populações do Nordeste afligidas pela fome, pela falta de água, pela estiagem prolongada.
Por fim, a última moção é pela elaboração e apresentação pelo Governo brasileiro do informe sobre a situação dos direitos econômicos, sociais e culturais no Brasil.
Considerando a situação de fome e miséria que milhões de brasileiros vivem na atualidade;
Considerando que no Brasil o acesso ao trabalho, à terra, à educação, à saúde de milhões de brasileiros está cada vez mais restrita;
Considerando o aumento da violência contra as populações carentes e marginalizadas no Brasil;
Considerando as obrigações assumidas pelo Estado brasileiro junto aos instrumentos internacionais de direitos humanos;
Considerando o compromisso que os Estados signatários do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em apresentar periodicamente o informe sobre a situação e as ações implementadas para realização desses direitos;
Requeremos que o Governo brasileiro elabore, com o envolvimento da sociedade civil, e apresente no âmbito internacional o respectivo informe.
Este é o relatório do Grupo de Trabalho n° 5.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Estão sendo providenciadas cópias do relatório do Grupo de Trabalho nº 2.
A partir de agora estão abertas as inscrições, que serão feitas pelos funcionários. Quem quiser inscrever-se levante a mão, e o funcionário anotará o nome do interessado. Os componentes do grupo que tenham alguma correção ou acréscimo a fazer podem inscrever-se, de imediato, para a fase de discussão.
Concedo a palavra ao Sr. Narciso Pires, relator do Grupo de Trabalho nº 2.
O SR. NARCISO PIRES - O tema do nosso Grupo é "Formas de articulação visando à criação de Programas Estaduais de Direitos Humanos".
Coordenadores: Romeu Olmar Klich, Secretário Executivo do Movimento Nacional de Direitos Humanos, e Belisário dos Santos Júnior, Secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo.
Relatores: Socorro Prado, do CDDH da CNBB de Manaus e Conselheira do Movimento Nacional de Direitos Humanos - Norte I, e Narciso Pires, do Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná e Conselheiro do Movimento Nacional dos Direitos Humanos - Sul II.
A Comissão Temática chegou à conclusão, pelos relatos das experiências dos Estados, que existem quatro realidades distintas quanto ao potencial de articulação visando à criação de Programas Estaduais de Direitos Humanos.
Primeiro cenário.
A iniciativa é de entidades governamentais do Executivo - é o caso do Estado de São Paulo.
A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, entidade governamental do Poder Executivo, tomou a iniciativa.
Vamos citar os passos do procedimento de toda essa articulação.
Primeiro passo: organização, no primeiro semestre de 1996, do 1º Fórum Estadual de Minorias, com a participação de 350 ONGs e entidades governamentais nas áreas de educação, saúde, moradia, criança e adolescente, trabalho, além de segmentos como negros, mulheres, índios, homossexuais, líderes religiosos, moradores de rua, sem teto, trabalhadores rurais e outros segmentos.
Neste fórum foi proposto, pela primeira vez, o Programa Estadual de Direitos Humanos a partir de ampla discussão. As reuniões do fórum incluíam sempre um diagnóstico da situação dos direitos humanos a partir da realidade de cada segmento e propostas de superação dos problemas a curto, médio e longo prazos.
Segundo passo: com base nas propostas do fórum foi realizada uma segunda rodada de consultas à sociedade civil, já com vistas ao Programa Estadual. Essa fase incluiu a realização de oito audiências públicas nas regiões administrativas do Estado, nas Câmaras Municipais, algumas delas com caráter intermunicipal.
Terceiro passo: a partir dos subsídios recolhidos nos dois passos anteriores foram adotadas duas providências:
a - formação de um grupo de acompanhamento do Programa Estadual de Direitos Humanos, integrado pela própria Secretaria de Justiça, pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, com o objetivo de preparar a Iª Conferência Estadual de Direitos Humanos;
b - contratação pela Secretaria da Justiça do Núcleo de Estudos da Violência para prestar assessoria técnica ao programa.
Quarto passo: realização da Iª Conferência Estadual de Direitos Humanos na Assembléia Legislativa, com a participação de 350 representantes de entidades governamentais e não-governamentais, durante a qual as propostas passaram por uma terceira discussão.
Quinto passo: sistematização final das propostas. O texto final do programa inclui 303 propostas temáticas.
Sexto passo: lançamento do Programa Estadual, pelo Governador do Estado, em 14 de setembro de 1997. Na mesma data ele foi publicado pelo Diário Oficial do Estado como decreto governamental, que também instituiu a Comissão Especial de Acompanhamento da Implantação do Programa Estadual de Direitos Humanos.
Sétimo passo: início das atividades de monitoramento do Programa Estadual de Direitos Humanos, através da Comissão Especial integrada por representantes do Governo do Estado, dos Conselhos Estaduais, de Organizações Não-Governamentais, além de observadores do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Poder Legislativo.
Oitavo passo: criação de comissões do Programa Estadual de Direitos Humanos nas Secretarias do Estado e início da elaboração do seu primeiro relatório a ser lançado em junho de 1998.
Nono passo: aprofundamento do processo de conhecimento e integração do Programa Estadual de Direitos Humanos com outros planos e programas municipais e estaduais com o Programa Nacional de Direitos Humanos; início do processo de preparação da IIª Conferência Estadual de Direitos Humanos.
Décimo e último passo: no segundo semestre de 1998 serão realizados eventos ligados ao primeiro aniversário do Programa Estadual de Direitos Humanos e aos cinqüenta anos da Declaração Universal de Direitos Humanos.
Segundo cenário.
A iniciativa é de uma entidade governamental do Poder Legislativo - Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da Câmara Municipal de Vereadores de São Paulo -, que se associa a outras entidades governamentais, Fórum Municipal de Direitos da Pessoa Humana, sem contar, no entanto, com o apoio do Poder Executivo.

O fórum reúne entidades tais como de mulheres, sindicalistas, negros, indígenas, homossexuais - gays e lésbicas; pastorais -, saúde, carcerária, migrantes, criança, adolescente, portadores de deficiência, comitê de combate ao trabalho infantil, trabalhadoras e trabalhadores do sexo, portadores do vírus HIV, AIDS, idosos, anistiados políticos e familiares de mortos e desaparecidos políticos.
Essa articulação organizou a Iª Conferência Municipal de Direitos Humanos da cidade de São Paulo, que reuniu 150 entidades para discutir e aprovar o Plano Municipal de Direitos Humanos.
Fazendo uma distinção entre plano e programa, o plano não é assumido pelo Poder Executivo; ele passa a ser programa na medida em que o Executivo assume o plano. Torna-se, então, um Programa de Direitos Humanos.
Luta, agora, para transformar o Plano Municipal de Direitos Humanos em Programa Municipal de Direitos Humanos, o que pressuporia a sua encampação pela Prefeitura Municipal de São Paulo, que se mantém, no entanto, refratária à proposta.
Terceiro cenário.
A iniciativa é de ONGs de Direitos Humanos, que se articulam com entidades governamentais, percebendo um espaço de ocupação e implementação das políticas públicas de Direitos Humanos e outras entidades do movimento social e sindical.
Quarto cenário.
A iniciativa é de ONGs que se articulam com outras entidades do movimento social e sindical, mas encontra resistência de entidades governamentais, principalmente do Executivo.
Entendemos que foram esses quatro cenários existentes enquanto espaço de articulação.
Propostas à IIIª Conferência Nacional de Direitos Humanos para encaminhar essa articulação:
1 - que esta conferência oriente as entidades de direitos humanos para criação de grupos de trabalho nos Estados, com a presença de membros do Executivo, do Ministério Público, do Legislativo, da magistratura, entidades do movimento social e sindical e também outras entidades governamentais;
2 - criar instrumentos legais de pressão e coerção às pessoas que desrespeitam os direitos humanos e introduzir elementos na Constituição que possibilitem a intervenção nos Estados para a apuração de crimes de direitos humanos;
3 - propõe ao Ministério da Justiça a destinação de recursos para a realização de eventos de direitos humanos nos Estados e Municípios do País, conforme consta do PNDH;
4 - que na construção dos conselhos estaduais e municipais de direitos humanos articule-se toda a sociedade civil organizada, assim como as entidades governamentais do Executivo, Legislativo, Judiciário, do Município, do Estado e da República.
Que se dê prioridade a uma ação organizativa de direitos humanos nas cidades do interior, nos colégios, nas fábricas, nos conselhos profissionais, nos sindicatos, visando a estimular a organização do tecido social voltada para uma nova cultura de direitos humanos, centrada na construção de uma sociedade mais solidária, mais fraterna e mais igualitária;
5 - que seja realizado, em setembro deste ano, em São Paulo, por iniciativa da Secretaria do Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, em parceria com entidades não-governamentais e governamentais interessadas, como, por exemplo, o Movimento Nacional de Direitos Humanos, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal paulistana e o Núcleo de Estudos da Violência da USP, um seminário sobre o tema "Consolidação dos Planos e Programas Municipais e Estaduais de Direitos Humanos. Instrumentos, táticas e estratégias". O evento terá como marco o 50º aniversário da Declaração Universal de Direitos Humanos e o 1º aniversário do Programa Estadual de Direitos Humanos de São Paulo. Deverá discutir um plano de ação para o período 1999/2003 e se propõe que seja realizado no Memorial da América Latina.
Foram apresentadas 12 moções, que passarei a ler. Peço a compreensão dos companheiros que apresentaram as moções, pois fizemos uma verdadeira síntese, já que era um calhamaço de moções. Se houver alguma dúvida, por gentileza, interfiram e corrijam o que está sendo relatado.
Primeira moção: recomendar a criação e devida instalação em todos os Estados da Federação de Conselhos Estaduais de Direitos Humanos para a efetivação de Programas Estaduais de Direitos Humanos.
Segunda moção: que os Governos Estaduais não continuem desrespeitando os mais elementares direitos constitucionais e trabalhistas dos servidores públicos (policiais militares e civis), vitimados em serviço por morte ou invalidez, retirando de suas famílias gratificações salariais a que tinham direito no momento da ocorrência quando em escala oficial de serviço.
Terceira moção: de protesto ao Governo do Ceará, que, através da Mensagem nº 6.360, de 8 de abril de 1998, em tramitação na Assembléia Legislativa, adota uma postura contrária às entidades de direitos humanos, às associações e sindicatos de profissionais de perícia forense e à orientação do Programa Nacional de Direitos Humanos ao subordinar o Instituto Médico Legal, o Instituto de Perícia Criminal e o Instituto de Identificação ao superintendente de Polícia Civil.
Quarta moção: abertura dos arquivos das Forças Armadas e demais arquivos secretos do Regime Militar e a ampliação da Lei nº 9.140, de 1995, até o final do regime militar e o reconhecimento das pessoas assassinadas na rua em manifestações contra a ditadura; que o Governo Federal assuma a responsabilidade de investigar e identificar todas as ossadas já encontradas pelos esforços das entidades de direitos humanos e familiares de mortos e desaparecidos; e pela criação de uma lei federal que propicie a reparação de danos morais e materiais a todos aqueles que foram presos e perseguidos pela ditadura militar, à semelhança das leis já promulgadas em alguns Estados, como Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Quinta moção: de apoio à campanha internacional "Uma flor para as mulheres de Kaboul", campanha liderada pelo Parlamento europeu e que tem por objetivo preservar os direitos humanos das mulheres afegãs.
Sexta moção: de repúdio contra o Governo do Estado do Piauí pela sua omissão em relação à não-implantação do Programa Estadual de Direitos Humanos naquele Estado.
Sétima moção: de repúdio às declarações do Ministro da Justiça, Renan Calheiros, por pedir a prisão preventiva das principais lideranças do MST por incentivar os saques por parte dos flagelados da seca.
Oitava moção: para inclusão em todos os Programas Estaduais de Direitos Humanos de mutirões, com a participação da OAB e da Defensoria Pública, onde houver, para o exame e tomada de medidas necessárias para a defesa dos direitos humanos das pessoas presas nas delegacias de polícia e distritos policiais.
Nona moção: de protesto junto ao Reitor da UNICAMP por dois fatos: primeiro, atuação do perito Badan Palhares no caso das ossadas retiradas da vala comum de Perus, que vem sendo marcada pela falta de transparência e pelo desrespeito à memória dos mortos e desaparecidos políticos comuns; segundo, a simples devolução dos restos mortais não significa resolução daquilo que a sociedade solicitou à UNICAMP, qual seja, a apuração científica da identidade daquelas vítimas da violência.
Diante disto, reivindicamos que a UNICAMP notifique formalmente o Sr. Badan Palhares sobre o que pensamos a respeito do seu desempenho. Exigimos que o Reitor daquela Universidade explique à sociedade brasileira os motivos de sua decisão de devolver as ossadas.
Homenageamos os mortos e desaparecidos políticos, alguns dos quais executados sumariamente e jogados na vala de Perus. Solidarizamo-nos com a luta dos familiares e companheiros dos mortos e desaparecidos pela sua coragem e tenacidade na luta pela verdade.
Décima moção: de apoio à proposta de emendas aditivas aos arts. 392, 393 e 394 do anteprojeto do Código Penal brasileiro, tipificando como crime contra a cidadania a discriminação por orientação sexual, pois a mesma proposta representa um passo fundamental na consolidação dos direitos humanos dos cidadãos homossexuais no Brasil.
Décima primeira moção: de repúdio ao atentado sofrido pelo Presidente do Sindicato dos Policias Civis Penitenciários e Servidores da Secretaria da Justiça e da Cidadania do Estado do Piauí, no dia 14 de abril de 1998, às 23h30min, quando foram disparados cerca de vinte tiros contra a sede da entidade.
Décima segunda moção: de apoio ao reconhecimento do valor democrático desta Conferência Anual como um espaço de avaliação e articulação em defesa das políticas públicas, tão necessárias para a conquista de uma sociedade digna e do estado de direito; o incentivo para a criação e manifestação das comissões legislativas, municipais e estaduais de direitos humanos, de modo a favorecer o crescimento de uma cultura de direitos humanos, passo fundamental para o resgate da dignidade e da justiça em nosso País; o reconhecimento do Plano Municipal de Direitos Humanos de São Paulo como passo fundamental para a viabilização de políticas públicas de direitos humanos, garantindo a participação da sociedade civil organizada.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Agradecemos ao Sr. Narciso Pires a colaboração. Vamos distribuir as moções do Grupo nº 2, para completar. Só faltou o Grupo n° 1 relatar as suas moções, para que o plenário tenha conhecimento de todas. Estamos abertos a sugestões.
A nossa companheira Jussara vai apresentar as sugestões de moções do Grupo nº 1.
A SRA. JUSSARA DE GOIÁS - Tinha entendido que seria em um outro momento.
Na verdade, o nosso grupo não discutiu moções. Como eu tinha moções a apresentar e fiquei envolvida no trabalho de relatoria, acabei me esquecendo de expor as minhas propostas ao grupo, o que vou fazer agora para o plenário.
A moção, apresentada pelo Grupo nº 2, sobre o apoio à campanha "Uma flor para as mulheres de Kaboul" também foi apresentada no meu grupo, para ser trazida a plenário. Quero reforçar que o Grupo nº 1 também recebeu essa solicitação de moção.
Gostaria de apresentar a solicitação de moção de repúdio ao Juiz da Vara de Infância e Juventude de Jundiaí em relação aos casos das adoções internacionais, gravíssimos, que estão acontecendo lá. As mães estão se organizando porque estão perdendo seus filhos. As crianças são retiradas das mães, e ninguém sabe para onde estão indo.
Além da moção, queria solicitar a criação de uma comissão interna da Comissão de Direitos Humanos, para que, junto com a Frente Parlamentar pelos Direitos da Criança, fosse imediatamente a Jundiaí ouvir as mães e saber o que verdadeiramente está acontecendo naquela cidade. (Palmas.)
Esse problema já foi identificado por duas CPIs: a que investigou o assassinato de crianças, em 1992, e a que investigou a exploração sexual, em 1993. Elas já apontavam que a Vara da Infância e a Justiça de Jundiaí eram uma ponte na linha do tráfico de crianças para o exterior. Até hoje isso não foi devidamente levado a sério, e o resultado que estamos vendo é cada vez mais grave. Por isso estou sugerindo a criação dessa comissão.
Apresento também uma moção para o Senado Federal, solicitando que aprove imediatamente quatro projetos, aprovados na Câmara dos Deputados em dezembro, que contribuem para o combate ao trabalho infantil.
São os seguintes projetos: o que garante creches em empresas que tenham até trinta mulheres a partir de dezesseis anos; o que tipifica como crime o trabalho escravo...
Agora só me lembrei de dois, mas no debate, se me lembrar, informarei. Esses quatro projetos precisam chegar a Genebra em junho, como compromisso do Brasil, o único que assumiu a adesão à Marcha Global contra o Trabalho Infantil. Portanto, no mínimo deve isso. São quatro projetos já discutidos, acordados, aprovados por acordo de Liderança, com urgência urgentíssima. Penso que no Senado também não oferecerão resistência. Se caminharmos por um acordo, aprovaremos imediatamente esses quatro projetos.
Encaminhamos a moção a todos os Senadores, aos Líderes dos partidos, pedindo a indicação imediata dos seus representantes para a comissão criada com a finalidade de aprovar a PEC que proíbe o trabalho infantil até os catorze anos. O Brasil deve isso às suas crianças. Não regulamentou a Convenção nº 138 até hoje. Para apreciar a PEC do Presidente, enviada em 1996, até o dia 5 de maio não tinha sido sequer criada Comissão. Foi criada no último dia 5 de maio, depois de tanta pressão da Marcha Global. Que pelo menos seja feita a indicação dos Parlamentares que irão compor essa Comissão para iniciar a discussão da retirada da nossa Constituição da expressão "salvo na condição de aprendiz". Essas são as moções.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Agradecemos à Jussara a participação.
Vamos abrir as inscrições para os que desejarem apresentar sugestões. A orientação inicial está mantida. Vamos debater e discutir o conteúdo apresentado pelos grupos. Como já apresentamos as diversas moções provenientes dos grupos, é evidente que na discussão, se alguém tiver sugestões, que as façam.
Vamos abrir o debate. O Sr. Carlos Sinoreli já pode se dirigir à mesa, enquanto o Sr. Narciso Pires faz a correção de uma moção que leu.
O SR. NARCISO PIRES - Foi uma falha, mas trata-se da quarta moção, que fala sobre a abertura dos arquivos das Forças Armadas e demais arquivos secretos do Regime Militar. Acrescentaríamos, por solicitação de Minas Gerais, uma moção no sentido de que o Governo do Estado de Minas Gerais faça a transferência imediata dos arquivos da COSEG relativos ao período da ditadura militar (1964/1981), para o Arquivo Público Mineiro e a demissão do torturador Ariovaldo da Silva, Coordenador de Informação do COSEG.
A Socorro, nossa companheira de relatoria, lerá outra proposta.
A SRA. MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO - Há outra proposta, aprovada pelo Plenário. É a do Grupo Estruturação, um grupo homossexual do Distrito Federal, que pede a contemplação, no programa, dos direitos dos homossexuais. O grupo expõe o seguinte e pede que seja acrescentado à proposta: a IIIª Conferência recomenda que na elaboração dos planos e programas estaduais e municipais sejam contempladas as ações prioritárias em relação a gays, lésbicas e travestis, aprovadas na IIª Conferência.
Faltou na proposta de São Paulo, sobre o seminário nacional, acrescentar os Conselhos Estaduais.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - O nosso Relator-Geral fará a sistematização, pois algumas propostas se repetem nos grupos.
Passaremos imediatamente aos debates. A Mesa será rígida com o tempo de cinco minutos, para que todos possam ter oportunidade.
Passo a palavra ao Sr. Carlos Sinoreli, da Câmara Municipal de Campinas, e, em seguida, ao Sr. Joaquim Ventura, de Cuiabá.
O SR. CARLOS SINORELI - A mim me parece que o grande problema dessas conferências é o acompanhamento do programa. Ontem, por exemplo, desde a abertura, estamos vendo que, no fundo, quem faz o acompanhamento são os mesmos que estão na direção do programa, por mais que se fique falando o tempo todo que não podemos fazer mais do que isso ou qual foi o país que fez isso. A impressão que temos é de que ou fazemos a 4ª Conferência um pouco mais forte do que a 3ª e 2ª Conferência, ou ficaremos aqui repetindo as mesmas coisas: pegamos o programa e lemos.
O Programa Nacional já está sendo criticado desde o segundo encontro, porque não trata dos direitos sociais, econômicos e culturais. Veio aqui o Prof. Paulo Pinheiro e disse que, se nenhum país faz isso, por que temos então que fazer? Acho isso um absurdo vindo do Prof. Paulo Pinheiro! (Palmas.)
O plano de São Paulo foi elaborado muito mais democraticamente e já apresenta direitos sociais, econômicos, culturais etc. No entanto, apresenta uma grave falha no acompanhamento. O acompanhamento foi feito em São Paulo, a partir do Executivo, que nomeou a equipe de acompanhamento. Portanto, não há opositor à equipe de acompanhamento. (Palmas.) Esse problema é gravíssimo, e acho que a conferência tem que tomar frente quanto a isso.
O Grupo nº 1 foi muito feliz ao dizer, primeiramente, que tem que ser deliberativo; ele também acrescentou, se não me engano no item 7, algumas coisas importantes. Queria solidificar isso no seguinte sentido de que a 4ª Conferência seja deliberativa, mas que tenha, primeiro, uma base, ou seja, que se inicie nos Municípios e nos Estados, ou regiões. Que tenhamos conferências preparatórias à 4ª Conferência Nacional, que se poderiam iniciar em janeiro ou fevereiro do ano que vem e terminar em maio, com a 4ª Conferência. Que houvesse conferências preparatórias municipais, estaduais ou regionais, caso fosse possível. Segundo, que na 4ª Conferência tivéssemos indicados, não só pelo grupo de acompanhamento do programa, mas também pela sociedade civil, alguns analistas que pudessem trazer a visão da sociedade civil sobre o programa e sobre a realização. É duro se chegar à 4ª Conferência e ver que o Secretário - uma pessoa fantástica por quem temos um respeito profundíssimo, que há muitos anos luta pelos direitos humanos - está subordinado a uma figura como Renan Calheiros. Quer dizer, é algo complicado e não podemos fazer uma crítica aqui. (Palmas) Essa análise tem que ser feita pela sociedade civil, pelas organizações que estão na luta dos direitos humanos, para se dizer ao Governo e à Secretaria que dessa forma não está funcionando.
A proposta é a de que a 4ª Conferência seja deliberativa, e, como o Grupo nº 1 disse, que seja no ano que vem, não seja bianual; e que seja precedida por conferências preparatórias estaduais, municipais ou regionais.
Gostaria de propor um Encontro Nacional de Comissões Legislativas de Direitos Humanos. Muitas cidades já têm Comissões Legislativas Permanentes de Direitos Humanos, mas não existe contato entre as mesmas. Algumas estão realizando coisas que outras não estão; algumas estão com muitas dificuldades, outras indo bem na frente. Queria propor que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados pudesse realizar - quem sabe até julho, porque depois não funciona nada - um Encontro Nacional de Comissões Legislativas de Direitos Humanos, principalmente das Comissões municipais.
Por fim, que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados nos envie uma relação de todos os projetos que dizem respeito ao Programa Nacional de Direitos Humanos ou daqueles que sejam pertinentes ao tema, a fim de que possamos acompanhá-los do ponto em que estão. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Muito obrigado, Sr. Carlos Sinoreli.
Com a palavra o Sr. Joaquim Ventura, de Cuiabá. Em seguida, falará o Sr. Alberi Espíndola, da Associação Brasileira de Criminalística.
O SR. JOAQUIM VENTURA - Bom dia a todos. Sou Joaquim Ventura, de Cuiabá.
Estamos distribuindo uma nota de repúdio aos os métodos e programas da Polícia Militar de Mato Grosso.
Citarei um caso ocorrido em Mato Grosso, mas fato como esse acontece em todo o País.
No dia 5 de abril, dois cadetes da Polícia Militar, que cursavam o 3º ano, morreram durante exercício de treinamento em caça na divisa do Brasil com a Bolívia. Esse treinamento estava sendo realizado às 2h30min da manhã. Eles já haviam feito o exercício durante todo o dia. Colocaram gelo nas suas mãos para que eles não dormissem, mas os dois morreram afogados e foram praticamente devorados pelos jacarés e piranhas existentes no rio.
Queremos apresentar uma moção de repúdio à Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, porque as famílias dos cadetes só ficaram sabendo do falecimento dos mesmos seis horas depois do acontecimento e por meio de um telefonema anônimo. O Comando da Polícia Militar de Mato Grosso em nenhum momento procurou as famílias dos dois cadetes para os devidos esclarecimentos. Ressalte-se que essa nota de repúdio foi feita pelas famílias. Estamos encaminhando a mesma à Mesa, como também foi distribuída à imprensa de Mato Grosso. Entendemos que esse caso deve ter repercussão nacional, para que todos dele tenham conhecimento. Lembro que essa questão já foi discutida pelo nosso grupo.
Com relação ao Grupo nº 1, acho que faltou acrescentar que, caso eu não esteja enganado, tivemos acesso ao relatório oficial só agora na 3ª Conferência. Então, que esse relatório chegue em tempo hábil às bases para que possamos discuti-lo e tirarmos dele alguns encaminhamentos.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz)- Muito obrigado, Sr. Joaquim Ventura. Depois V.Sa. encaminha à Mesa a sugestão de moção.
Registro a presença das Sras. Edinira Martins Rodrigues, Coordenadora das Orientadoras Educacionais da Fundação Educacional do Distrito Federal; Eloísa Helena Dias da Silva, Técnica da Fundação Educacional do Distrito Federal; Maria Vieira de Morais, Coordenadora da Fundação Educacional do Distrito Federal; e Naira de Araújo Pereira, Diretora-Tesoureira da Ação Liberal Feminina.
Passo a palavra ao Sr. Alberi Espíndola, da Associação Brasileira de Criminalística. Em seguida falará o Sr. Dermi Azevedo, da Secretaria de Justiça de São Paulo.
O SR. ALBERI ESPÍNDOLA - Só pediria a atenção da relatora do Grupo nº 1, para fins de clareza e de que não haja omissão, para o subitem 4.4, em que consta: "PL que trata da autonomia dos órgãos de identificação criminalística". Esse texto gera uma pequena confusão e deixa os Institutos e Medicina-Legal de fora. O texto correto seria: "PL que trata da autonomia dos Institutos de Criminalística e Institutos de Medicina Legal".
Queria aproveitar para informar a todos que distribuímos uma proposta de nota de repúdio ao Governo do Estado do Ceará, de que gostaria de fazer a leitura. A colega Márcia está passando a nota, para que a subscrevam aqueles que concordarem.
Diz a nota:
Os participantes da 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, evento patrocinado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, reunidos em Brasília, Distrito Federal, no período de 13 a 15 de maio de 1998, vêm a público repudiar, veementemente, a atitude do Governo do Estado do Ceará, que, num lamentável retrocesso democrático, está patrocinando modificações na estrutura da segurança pública, onde tenta retornar os órgãos periciais (Institutos de Criminalística e de Medicina Legal) para a subordinação da Polícia Civil.
Lamentamos que o Governador Tasso Jereissati, um declarado democrata, tenha tomado absurda iniciativa em total contramão com a atual necessidade de, cada vez mais, solidificar as estruturas institucionais, a fim de se evitar episódios lamentáveis da recente História quanto à violação das garantias e direitos individuais da pessoa humana.
Frustra-nos que a mais alta autoridade do Estado do Ceará não reconheça, como o fazem os demais segmentos verdadeiramente democráticos, que a autonomia dos Institutos de Criminalística e de Medicina Legal é uma garantia da produção isenta da prova técnico-científica no sentido de subsidiar investigações criminais e processos judiciais de maneira eficaz, objetiva e com respaldo única e exclusivamente em fundamentação científica.
Estranhamos que o Governador do Estado do Ceará, Tasso Jereissati, em desacordo com o Programa Nacional de Direitos Humanos, que prevê a progressiva autonomia dos órgãos periciais, cujo compromisso foi assumido pelo Presidente da República, que é o líder maior da base partidária do Governador, venha tentar patrocinar esse retrocesso, demonstrando, com sua atitude, que pretende voltar às estruturas policiais da época da ditadura, cuja história triste nos relata tantas violações da integridade física e psicológica do cidadão.
Em desacordo, também, com seu companheiro de partido, o Governador do Estado de São Paulo, Mário Covas, que, num ato de vanguarda democrática e não se sujeitando a grupos de pressão, regulamentou a autonomia da perícia oficial naquele Estado no dia 9 de fevereiro de 1998.
Apelamos ao Governador do Estado do Ceará para que não se deixe levar por interesses de grupos policiais que ainda querem, a qualquer custo, manter as estruturas arcaicas do sistema policial repressivo, cujo controle da perícia para eles é fundamental.
Contamos com o bom senso e o espírito público do Governador.
Ao final dos trabalhos, entregaremos à Mesa o abaixo-assinado para o qual estão sendo coletadas assinaturas. Pedimos à Presidência que, solenemente, faça a entrega do mesmo ao Deputado Mário Mamede, que está clamando por um apoio nesse sentido.O Deputado Mário Mamede fará a entrega ao Governador, via Presidente da Assembléia Legislativa, para que toda a Casa Parlamentar do Estado do Ceará tome conhecimento desse absurdo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Muito obrigado, Sr. Alberi Espíndola.
Passo a palavra ao Sr. Dermi Azevedo, da Secretaria de Justiça de São Paulo.
Se houver alguma moção, não precisa ser lida na íntegra. É só apresentar o conteúdo e encaminhá-la à Mesa.
A próxima expositora será a Sra. Antonieta Magalhães Aguiar.
O SR. DERMI AZEVEDO - O primeiro ponto que quero abordar é relativo ao item 3.16, ou seja, a uma frase do grupo de trabalho sobre o aperfeiçoamento e implementação do Programa Nacional. Fizemos um grande esforço na tentativa de compreender essa frase, mas, realmente, foi impossível. Não dá para entender exatamente, por mais hermenêutica que se utilize, o que quer dizer "definição imediata de referencial para identificação do significado temporal de curto, médio e longo prazo". Com certeza, quem formulou a proposta deveria reeditá-la de forma compreensível aos comuns mortais.
O segundo ponto é relativo a uma moção do Grupo nº 2 sobre a questão dos restos mortais da vala de Perus. É uma correção que queremos fazer, como autores da proposta e com base nas observações feitas pelas companheiras dos familiares dos mortos e desaparecidos políticos.
Objetivamente, fomos testemunha do que significou a descoberta daquela vala do Cemitério de Perus, em São Paulo, do esforço empreendido pelas organizações de luta pelos direitos humanos, pela Anistia, pela Prefeita da época da cidade de São Paulo, Luíza Erundina, e o que significou a localização daquela vala comum e a transferência daquelas ossadas para a UNICAMP para a devida identificação. Também somos testemunha do descaso com que o perito Fortunato Badan Palhares tratou esta questão durantes todos esses anos.
Na verdade, não é a UNICAMP que está devolvendo as ossadas; são os próprios familiares que em parceria com as Secretarias de Segurança Pública de São Paulo e da Justiça estão pedindo a devolução das ossadas para encaminhá-las à Universidade de São Paulo - USP -, para que realmente seja feito o trabalho que já deveria ter sido feito há muito tempo.
Feitos estes esclarecimentos, reiteramos os termos da moção já apresentada.
Pedimos aos companheiros atenção para o terceiro ponto. Estamos profundamente preocupados com os rumos da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Nós temos consciência de que os Srs. Deputados são os nossos mandatários. Temos consciência de que esta Comissão não nasceu de forma burocrática. Ela nasceu à luz da mobilização dos movimentos sociais, do crescimento da consciência e de cidadania da Nação brasileira. Tudo o que tem sido feito, inclusive a gestação e a realização destas conferências nacionais, deve-se ao trabalho da Comissão de Direitos Humanos. E a Comissão de Direitos Humanos não estaria fazendo este trabalho se não fosse a dedicação dos seus funcionários que, mais do que servidores, são militantes. (Palmas).
Deste modo queremos deixar clara a nossa preocupação com a possibilidade de afastamento dos assessores desta Comissão, particularmente os companheiros Augustino Veit e Suely Belato. (Palmas). Queremos dizer ao ilustre Deputado Eraldo Trindade, Presidente desta Comissão, que nós, como diz a televisão, ficaremos de olho para que isso não aconteça. Essas duas pessoas não são simplesmente servidores do Estado, são militantes de direitos humanos. Elas devem continuar na Comissão para que o trabalho tenha a continuidade e aprofundamento. Muito obrigado. (Palmas).
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Obrigado, Dermi. O Deputado Eraldo Trindade receberá esta opinião aqui. Pela aclamação do Plenário, ela é unânime.
Com a palavra a Sra. Antonieta Magalhães Aguiar, Conselheira Federal da OAB, membro da Comissão de Direitos Humanos. Quero anunciar também a presença da Ana Lúcia Ribeiro, Diretora-Médica do Centro Nacional Berthalutz, da Flórida Mariana Acioli, Presidente do Centro Nacional Berthalutz, e da Vereadora Lúcia Pacífico, que é membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Agradecemos-lhes a presença.
O próximo, depois da Sra. Antonieta, é Carlos Fernandes que é da Associação Brasileira de Anistiados Políticos. Com a palavra a Sra. Antonieta.
A SRA. ANTONIETA MAGALHÃES AGUIAR - Eu pediria vênia à Mesa, em nome da democracia, para ler moção de apoio aos atingidos pela seca do Nordeste da Comissão de Direitos Humanos da OAB.
A 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada nos dias 13, 14 e 15 de maio de 1998, em Brasília, manifesta o seu integral apoio aos atingidos pela seca do Nordeste contra a fome, a falta de água e a omissão das autoridades federais, estaduais e municipais que se têm revelado morosas na viabilização de soluções competentes e definitivas.
Considerando a realidade do flagelo que se abate sobre as populações inteiras que habitam o sertão nordestino, é a seca tragédia periódica e criminosamente reeditada há quatro séculos. Fonte propiciadora de miséria e de manipulações políticas de governos e oligarquias rurais.
A história mostra e a ciência moderna confirma que o Nordeste brasileiro possui os recursos naturais de que precisa para o desenvolvimento de assentamentos humanos, com sistema de produção adequado em formas eqüitativa de organização social.
Não estamos diante, portanto, de uma situação sem esperança, mas de um conjunto de circunstâncias sócio-econômicas e ambientais que requerem somente a atenção devida e o tratamento prioritário por parte dos seus governantes.
Os estoques reguladores do Governo Federal estão apodrecendo nos armazéns, conforme amplamente noticiado pela imprensa, em detrimento da fome que continua matando com requintes de crueldade, como uma tortura lenta. A fome e a sede são as piores das torturas.
Convocamos a sociedade brasileira a manifestar-se de forma concreta e eficaz contra a indústria da seca que beneficia as oligarquias nordestinas. (Palmas). Registramos nossa solidariedade aos flagelados e exigimos:
1º - A decretação do estado de calamidade pública nos Estados atingidos pela seca, propiciando a agilização na liberação dos devidos recursos;
2º - Aceitação pelo Governo Federal das ajudas internacionais, porventura oferecidas emergencialmente;
3º - A urgente liberação dos estoques reguladores do Governo Federal e sua imediata distribuição às vítimas da seca;
4º - Atenção especial aos estudos e ações que visem criar alternativas para gerar água no Nordeste, como a transposição das águas do Rio São Francisco; e
5º - Moralização das ações dos órgãos criados para o combate à seca, a exemplo do DNOCS."
Esta é a proposição da Comissão Nacional de Direitos Humanos para esta plenária.
Sr. Presidente, gostaria de, neste momento, aproveitar este fórum de debates para, como militante da defesa da população infanto-juvenil e consciente de que direitos humanos englobam políticas sociais básicas, garantidas no art. 5º da Constituição Federal, e que os mecanismos de implementação de elaboração e fiscalização destas políticas sociais básicas também estão elencadas no art. 204 da Constituição Federal, através dos conselhos paritários, tanto no âmbito da saúde, da educação, da assistência social, dos direitos da criança e do adolescente, gostaríamos de propor aqui, com relação ao conselho nacional e aos conselhos estadual e municipal, com os seus respectivos fundos - sabemos que os Governos não querem abrir mão de elaborarem suas políticas muitas vezes assistencialistas, na maioria das vezes populistas, mesmo que tenha afeição assistencialista - uma administração participativa. A administração participativa, em alguns lugares, mesmo de partidos progressistas, é viável. Portanto, gostaríamos que esta Casa, através da Comissão de Direitos Humanos, criasse mecanismos no sentido de que o Ministério Público, que tem um raio de ação muito forte, seja incumbido de ajuizar ações civis públicas para que a sociedade civil ganhe espaço e que, efetivamente, as administrações participativas neste País, no âmbito nacional, estadual e municipal, sejam implementadas através dos seus conselhos paritários, com a participação da sociedade civil nestes conselhos.
Em 1992 todos os governantes deste País assinaram o pacto pela infância, dando prioridade absoluta à questão do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas até hoje esta lei civilizatória não foi implantada neste País por falta de vontade política dos nossos governantes.
O Ministério Público tem que sair da omissão, da letargia e realmente se incumbir do seu papel. O seu raio de ação é forte, o seu poder é constitucional. Ele não pode ficar submisso ao Executivo. Ele tem, efetivamente, que implementar ações civis públicas para garantir a plena cidadania neste Estado Democrático que o Brasil pelo menos diz estar passando. (Palmas).
Era o que eu tinha a dizer. (Palmas).
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Gostaria de chamar Carlos Fernandes, da Associação Brasileira de Anistiados Políticos e Rosiana Queiroz que será a próxima oradora, do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
O SR. CARLOS FERNANDES - Muito obrigado. Nós gostaríamos de pedir a todos os presentes nesta conferência que assinassem um abaixo-assinado do Comitê Contra a Perseguição e Prisão Política no Brasil, sobre os presos e condenados a 28 anos de prisão pelo seqüestro do empresário Abílio Diniz. Como todos sabem, esta pena de 28 anos não é imposta no Brasil nem mesmo aos piores criminosos da nossa sociedade e foi levada a este extremo por uma questão de perseguição política. É necessário lembrar que, à época, os presos que fizeram parte daquele seqüestro foram torturados. Foram colocadas neles as camisas da propaganda do PT, da candidatura do Lula à Presidência da República. Eles foram fotografados com essas camisas. Usou-se esse fato como forma de obter votos para o nosso ilustre e maravilhoso Presidente Fernando Collor.
Vamos distribuir alguns papéis que não estão com muito espaço. Gostaríamos que os senhores assinassem embaixo e até no verso para que na próxima oportunidade, possivelmente na semana que vem, quando a Comissão de Direitos Humanos estará com o Presidente da República entregando o resultado desta conferência, entregarmos também estas mais de 3 mil assinaturas pedindo não à extradição dos presos, mas, sim, a sua expulsão. Por quê? Porque a extradição leva à prisão nos países de origem, possivelmente até mais repressores do que aqui, e a anistia para o preso brasileiro. Distribuiremos estes papéis.
Segundo assunto. Pedimos à Casa que o Projeto de Lei nº 4.245, do Deputado Carlos Alberto Campista, seja objetivamente incluído também nas decisões do Grupo nº 4 da legislação. Parece-me que isso foi esquecido no relatório da Comissão.
Gostaríamos também que a moção proposta pelo Grupo Tortura Nunca Mais, ao mesmo tempo que seja incluída, como já foi aprovada para a remessa à Presidência da República, seja incluída também no assunto relativo ao grupo de revisão que será criado na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos a partir da próxima semana. É assunto também do Grupo nº 4, que deve incluir, além do Projeto de Lei nº 4.245, a moção sobre indenização aos anistiados. Muito obrigado.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Passo a palavra a Rosiana Queiroz. O próximo orador é o Padre Chico, da Pastoral da Carcerária.
A SRA. ROSIANA QUEIROZ - Acho que há uma lacuna nas moções: a imunidade parlamentar. Esta é uma questão com que o Brasil tem que ser preocupar. Muitas pessoas que se elegem Deputados Federais, Estaduais e mesmo Vereadores são violadoras de direitos humanos, praticam violência nos Estados. Elas chegam ao Parlamento com esta carga e o Parlamento dá a elas o direito de não serem julgadas por causa da chamada imunidade parlamentar.
Queremos apresentar a seguinte proposta à Mesa: uma moção de apoio aos projetos que estão em tramitação, pedindo ao Congresso imediata decisão contra a imunidade parlamentar. Queremos também frisar que esta questão da imunidade é coisa muito séria. No Estado de Alagoas ela é estendida a ex-Deputados. Pessoas que passaram um ou dois anos no cargo têm direito à imunidade parlamentar. Ou seja, muitas vezes pessoas que reconhecidamente estão envolvidas em violência, em crimes, não podem, de jeito algum, ser punidas.
Nesse sentido, o Movimento Nacional de Direitos Humanos está promovendo a Campanha Nacional contra a Impunidade, em Alagoas. Uma das questões levantadas foi a da imunidade parlamentar, principalmente em Alagoas, Estado que tem esse diferencial. Parece-me que as coisas no Nordeste sempre aparecem de uma maneira diferente.
Eu e o Sr. Marcelo vamos redigir essa moção e depois a passaremos para a Mesa.
O SR. COORDENADOR (deputado Agnelo Queiroz) - Passo a palavra para o Padre Francisco Reardon. A próxima a falar é Regina Pedroso, pesquisadora da Universidade de São Paulo e participante da Pastoral CarcerÁria da CNBB.
O SR. FRANCISCO REARDON - Bom-dia a todos. Vou tratar de quatro pontos. No relatório do Grupo 3 houve uma discussão sobre se se deveria ou não federalizar os crimes contra os direitos humanos. O porquê de questionarmos é que já existem bastantes casos de corrupção e casos criminais que estão na esfera federal há vários anos e nunca foram resolvidos. Temos muito receio de que a Justiça Federal trate crimes contra os direitos humanos da mesma forma como trata crimes de corrupção dos políticos. Esta foi a nossa ressalva.
Gostaríamos que, nos crimes contra os direitos humanos de qualquer espécie, a Polícia Federal os investigasse, e não a polícia local, que muitas vezes pertence a grupos que violam os direitos humanos.
Em segundo lugar, no Grupo 2, essa questão de articulação visa à criação de planos estaduais. O pessoal de São Paulo estava em peso expondo o Plano Estadual de Direitos Humanos. Quanto a isso, só tenho uma ressalva a fazer. Quem está acompanhando o Plano Estadual de Direitos Humanos são todos amigos. (Risos.) No entanto, a criançada está sendo morta, os jovens estão sendo torturados, e os presos torturados e mortos, e não nos podemos queixar a ninguém no Estado. (Palmas.) Isso é devido a esses amigos no Estado de São Paulo e à falta de acompanhamento efetivo pelo CONDEP. Aliás, o CONDEP é tudo: quem sai de lá vai trabalhar na Secretaria de Administração Penitenciária, órgão que pratica mais violações contra os direitos humanos. No Estado de São Paulo é impossível encontrar alguém que ouça qualquer coisa sobre direitos humanos dos pobres e dos presos. Fui obrigado a enviar dois dossiês para a OEA, no ano passado, e outro dossiê contra a tortura para a sede da ONU, em Genebra. Isso porque o Estado de São Paulo não faz nada contra tortura e morte dos seus pobres e dos seus presos. Então, quanto a essa atitude de não se bater nos amigos, entre bater nos amigos ou escolher a vida de um preso ou de um menor, fico com o menor e com o preso. (Palmas.)
Trata-se de um problema estrutural. Essa idéia da CNEV e da CONDEP, junto com o CDH da Assembléia, significa dois contra um. O único que faz alguma coisa no Estado é o CDH da Assembléia Legislativa, que pode mudar na nova conjuntura político-eleitoral. Precisamos ter muito cuidado com isso.
Outro ponto seria uma recomendação aos Estados para que pensem seriamente em implantar a sua própria academia penitenciária. Chega de ir para outros Estados e voltar com idéias nazistas. O que se faz no Japão não funciona aqui no Brasil. Cada Estado precisa ter a sua própria academia penitenciária, aproveitando-se dos recursos e do pessoal das ONGs na matéria de direitos humanos.
Acho que essa conferência vai mexer muito com os brios aqui. Não aceito mais, no quarto ano, vir aqui e ficar um dia todo ouvindo autoridades falarem sobre o que não conhecem. Temos que falar primeiro, e a autoridade tem de ouvir. (Palmas.) A autoridade vem das nuvens, das conferências internacionais e diz "abobrinha". Digo isso com todo o respeito a essas pessoas, pois as conheço bem. Elas estavam comigo lá em São Paulo, há anos, na militância, mas agora estão nas nuvens. Quando a sociedade civil começa a falar pelas ONGs, ninguém mais aparece para ouvir nada, temos de discutir em plenário num tipo de vácuo.
Então, fica a metodologia da próxima conferência: a sociedade civil fala primeiro na primeira manhã. À tarde, as autoridades falam, sob a condição de falarem se tiverem assistido à conferência na parte da manhã. (Palmas.)
Quando formos para os grupos de discussão, teremos muito mais conteúdo, porque a autoridade terá tido uma chance de ver que os planos nacionais e estaduais não batem com o que se passa com o povo: sofrimento, morte. Hoje temos mais dificuldades em defender a vida do povo do que no tempo da ditadura. Que a verdade seja dita. Temos mais dificuldades hoje do que antes. E é tudo amigo. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (deputado Agnelo Queiroz) - Chamamos a Sra. Regina Pedroso, pesquisadora da Universidade de São Paulo. Anuncio a presença de Amaquésia Fernandes, orientador da Fundação Educacional, e de José Carlos Zanetti Assessor de Projetos da Coordenadoria Ecumênica de Serviço. Depois da Sra. Regina Pedroso, ouviremos a Sra. Deise Benedicto.
A SRA. REGINA PEDROSO - Em primeiro lugar, bom-dia a todos. Gostaria de fazer três observações sobre a exposição feita ontem no Grupo 3, que tratou do Poder Judiciário.
A meu ver, faltou uma certa objetividade na redação dessas propostas. Ontem foram discutidas propostas concretas e não estou vendo expressas neste papel essas propostas.
Gostaria, então, de fazer aqui três observações que ontem foram discutidas e acrescentar uma nova que apareceu agora. Com relação ao item três, "O Poder Judiciário e a Execução Penal", há um item, acho que é o segundo, sob o título "A Maior Presença dos Órgãos da Execução Penal". Em primeiro lugar, como pode haver uma maior presença dos órgãos da execução penal se não há presença efetiva? Então, "maior presença" é uma expressão imprópria. Estes órgãos já deveriam estar atuando. A LEP prevê isso.
Gostaria de substituir essa redação por uma nova. Deveria ser criada uma "instância de fiscalização dos estabelecimentos penitenciários, tal qual a existente no Conselho da Europa, com autonomia e poder sobre a matéria". Aliás, isso foi proposto pela Dra. Silma Marlice Madlen durante a discussão ontem.
O segundo ponto seria sobre "empreender ações sensibilizadoras dos juízes, no sentido de uma maior aplicação das penas alternativas". "Ações sensibilizadoras" é uma expressão muito vaga. O que significa sensibilizar o juiz? Ele já deveria estar sensibilizado. Então, ninguém quer sensibilizar juiz.
Proponho aqui o que foi sugerido ontem: a redação de um guia, que deveria ser feita pelo Conselho Penitenciário em conjunto com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, esclarecendo as experiências e variedades de aplicação das penas alternativas no Brasil. Infelizmente, o juiz, principalmente em São Paulo - a realidade que conheço -, desconhece a realidade da aplicação das penas alternativas. O juiz não as aplica, porque diz que não existe controle, que as entidades não controlam o apenado. Eles, os juízes, preferem aplicar a multa. Falta, então, uma visão da realidade, do que está acontecendo na sociedade.
O terceiro ponto se refere ao item um, na primeira página, que é "Poder Judiciário e Sociedade". No segundo ponto, nesse item, temos "A exigência de conhecimento sobre a disciplina de direitos humanos", etc., e, no final, enfatiza-se não só o estudo teórico, como também o contato com a realidade. Esse contato com a realidade foi esclarecido também objetivamente ontem. A Sra. Deise Benedicto propôs a criação de um estágio obrigatório para juízes, antes de assumirem efetivamente as suas funções, junto a entidades carentes, presídios e assentamentos de terra. Esta é uma forma de se fazer com que o juiz conheça a realidade social do País. (Palmas.)
Segundo uma proposta sugerida aqui pelo Sr. Jacinto Teles Coutinho, do Piauí, a efetivação da Lei de Execução Penal deve passar pela renovação do currículo do agente penitenciário e dirigente penitenciário, por meio da implantação efetiva das academias penitenciárias nos Estados. Hoje sabemos que poucos Estados implantaram as academias penitenciárias.
Obrigada.
O SR. COORDENADOR (deputado Agnelo Queiroz) - Muito obrigado, Sra. Regina Pedroso.
Passo a palavra à Sra. Deise Benedicto, Assistente Jurídica da Pastoral Carcerária. As pessoas que ainda desejam inscrever-se podem passar o nome aos funcionários encarregados.
A SRA. DEISE BENEDICTO - Bom-dia a todos. Gostaria de destacar mais uma vez a questão do "Poder Judiciário e Execução Penal".
No ano passado, fizemos uma sugestão, que não foi acatada: a criação de uma vara de execução penal feminina nos grandes Estados, para que houvesse uma maior sensibilização da problemática da mulher nas prisões. (Palmas.) Sugerimos a criação de uma vara de execução penal feminina que trate apenas dos problemas das mulheres, como é o caso dos exames ginecológicos, do tratamento de doenças infecto-contagiosas, da questão da gravidez e da amamentação. Que isso seja efetivamente garantido por um juiz da vara de execução, o que não ocorre nos grandes Estados, a exemplo de São Paulo.
Também foi proposta ontem a melhoria das condições de trabalho dos funcionários dos Tribunais de Justiça de São Paulo e de outros Estados. Está defasado o número de funcionários dos Tribunais de Justiça. Não há funcionários suficientes para atender à demanda dos processos, principalmente na área criminal, como também há falta de juízes. Isso está acarretando o atravancamento do Judiciário.
Busca-se não só melhores condições de trabalho. Como sabemos, o Poder Judiciário não é totalmente informatizado. Há setores do Judiciário que mal têm maquinas de escrever, onde nem sequer há papel higiênico para os funcionários. Isso é um exemplo de São Paulo. O que dizer de outros Estados e do interior, onde não sabemos em que condições os juízes vão trabalhar? E o que dizer dos funcionários? Acho que tem de se dar atenção aos funcionários do Poder Judiciário.
Seria também necessária a criação de um plano de carreira para os funcionários do Poder Judiciário. Não existe nenhum plano de carreira. O escrevente forma-se em Direito e morre como escrevente, se não tiver quem o indique para outra função, aquele "QI". Sabemos muito bem que o Poder Judiciário é um órgão político e que as promoções não ocorrem por merecimento nem por antigüidade, mas por indicação. Quem não for bem indicado vai morrer como escrevente, cheirando o pó dos processos.
Outro ponto seria a garantia da reformulação dos cursos para todos aqueles que ingressam no Poder Judiciário, principalmente o curso de Direitos Humanos e a garantia dos direitos humanos para os funcionários do Tribunal de Justiça.
Em São Paulo, os funcionários do Tribunal de Justiça não têm nenhuma garantia. Em São Paulo, nem sequer existe a CIPA. Isto é, se o Tribunal de Justiça pegar fogo, ninguém sabe como se usa o extintor. Como podemos acreditar num Poder Judiciário que julga os outros, que aplica a lei, quando seus próprios funcionários têm os seus direitos humanos violados? Acho que é muito importante pensarmos na questão dos funcionários do Poder Judiciário.
Meu amigo Mário Mamede, Deputado Estadual do PT do Ceará, trouxe um jornal do dia 13 que noticiava o seguinte: "A Justiça impede o casamento de um presidiário". O Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará impediu que um presidiário se casasse na Igreja. Isso mostra o abuso de autoridade do Poder Judiciário em certas regiões.
A Lei de Execução Penal não impede que nenhuma pessoa com condenação transitada em julgado se case. Tanto é que o padre da arquidiocese do Ceará disse que foi uma decisão autoritária, que impede que o preso se ressocialize. O casamento também faz parte da ressocialização do presidiário como cidadão.
Está aqui uma mostra da atuação do Judiciário no Brasil: um Desembargador impede uma pessoa de exercitar o direito de casar-se e ser feliz. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - A partir desta intervenção, declaro encerradas as inscrições.
Passo a palavra à Sra. Ana Guerra, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Poços de Caldas.
A SRA. ANA GUERRA - Bom-dia a todos. Venho de uma cidade privilegiada, porque tem 150 mil habitantes e apenas dezesseis menores na rua. O que me traz aqui é que esses dezesseis menores estão sofrendo as maiores atrocidades. São dezesseis crianças infratoras porque dependentes de cola e de Thiner - apenas um deles é dependente de crack. No entanto, sofrem violência da Polícia Militar, da Polícia Civil e, principalmente, do Comissariado de Menores, ligado ao Juizado da Infância e da Adolescência.
Sou Presidente da Comissão de Direitos Humanos na Câmara Municipal. Ouvimos todas as nossas crianças denunciarem, claramente, a prática de tortura, inclusive identificando o nome dos torturadores.
Trouxe um relatório para entregar à Comissão de Direitos Humanos, mas não poderia deixar de apresentar nesta Conferência uma moção de repúdio à Juíza da Infância e da Adolescência, diretora do Fórum da Comarca de Poços de Caldas, em Minas Gerais, que, com todo o respeito aos representantes do Judiciário aqui presentes, que, sei, são diferentes dos outros do nosso País, mostra que o Judiciário se torna alheio e onipotente quando se pronuncia sobre violação dos direitos humanos.
A Juíza Onísia tem a coragem e a ousadia de dizer que direitos humanos tratam unicamente de bandidos e usa a mídia - muito comum a juízes de cidades do interior, que dispõem de amplo espaço para discussão e autoridade - para dizer que a questão da violência contra os menores de rua está unicamente relacionada com os Poderes Executivo e Legislativo, tornando-se, assim, o Judiciário alheio.
Trouxe uma matéria feita a partir do momento em que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara começou a ouvir os menores individualmente. As Polícias Militar e Civil abriram inquérito para os denunciados. A Juíza recusou-se a encaminhar seus comissariados à Câmara Municipal, como também se negou a conversar conosco, que fazemos parte da Comissão. Em contrapartida, deu uma entrevista ao jornal de maior circulação de Poços de Caldas, Jornal da Mantiqueira, na qual se posiciona em relação à questão do menor abandonado. S.Exa. diz que o problema é do Executivo e do Legislativo, que o soltam na mão do Judiciário, colocando este na posição de vilão, pois é o Judiciário quem aplica as leis. Afirma a Juíza: "O Legislativo fabrica leis políticas impraticáveis, inaplicáveis e solta-as nas mãos do Judiciário, para que ele as aplique." As leis inaplicáveis a que se refere é o Estatuto da Criança e do Adolescente. E acrescenta: "O menor infrator não pode ir à cadeia, porque tem de ser recuperado. Concordo. Mas o Executivo deu uma estrutura para esse menino ser recuperado? Não deu. Onde eu coloco esses meninos? Na porta do Legislativo, que faz as leis". S.Exa. diz coisas que nos deixam indignados: "O Judiciário passa a ser um Poder sem armas". E continua: "Há a questão dos direitos humanos. Veja bem: uma criatura que matou a pedradas uma criança de 10 anos, surdo-muda, pode reivindicar direitos humanos?" Essa criatura a que ela se refere é também um menor de 14 anos, dependente de crack. "A criatura que fez isso é humana? Não é. Então, não pode reivindicar direitos humanos. Eles vêm atrás da gente, e a vítima, que foi ao túmulo, não tem direitos humanos. Para esta, o direito acabou. Para o que ficou e matou, todos os direitos lhe são garantidos". S.Exa. também utiliza o espaço da mídia para solicitar uma repressão necessária aos meninos: "É preciso que haja uma política preventiva e outra repressiva". Essas são as palavras da Juíza da Infância e da Adolescência do Município de Poços de Caldas.
Gostaria de entregar à Comissão dos Direitos Humanos um relatório que fala das crianças torturadas pelos comissariados de menores, a ponto de determinadas comissárias colocarem luvas de látex, introduzirem o dedo na vagina e no ânus de crianças de 14 anos, para detectar a presença de drogas. Sabemos que maconha, cola e cocaína não podem ser usados com tanto requinte assim!
Gostaria de contar com V.Exas. para a moção de repúdio, porque a própria Juíza de Direito propaga a violação dos direitos humanos.
Quero também denunciar a questão do alheamento do Judiciário em relação às questões que envolvem direitos humanos. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra ao Sr. Marcelo Nascimento.
O SR. MARCELO NASCIMENTO - Sou Presidente do Grupo Gay de Alagoas e representante da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Conferencistas, considerando que nos últimos trinta anos foram assassinados, no Brasil, mais de 1.300 homossexuais masculinos e femininos; considerando que recente relatório da Anistia Internacional coloca o Brasil na triste condição de campeão mundial de assassinatos de gays, lésbicas e travestis; considerando que pesquisas da DataFolha e da Agência Estado confirmam que de todas as minorias sociais os homossexuais são as principais vítimas de preconceito e descriminação, mais odiados do que negros, índios, judeus, mulheres e idosos; vimos recomendar que seja incorporado ao relatório do Grupo IV, entre as emendas constitucionais que necessitam de tramitação mais acelerada, a PEC nº 139/95, que proíbe a discriminação por orientação sexual na Constituição Federal.
Outra sugestão nossa é no sentido de que se destaque a importância da inclusão das propostas aprovadas na II Conferência Nacional de Direitos Humanos, relativas aos direitos humanos de homossexuais, no Plano Nacional de Direitos Humanos, visando à consolidação do direito dos cidadãos homossexuais, já contemplado no relatório do Grupo cujo tema foi "Aperfeiçoamento e Implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos".
Gostaria apenas de fazer um breve comentário a respeito da indiferença do Governo Federal em relação aos direitos humanos de gays, lésbicas e travestis. Embora o Plano Nacional de Direitos Humanos tenha reconhecido que as populações são vulneráveis à violência e à discriminação, não consta daquele Plano, até a presente data, nenhuma medida, a curto, médio ou longo prazos, para coibir a violência contra a minoria homossexual. Faz-se, portanto, necessário que o Governo Federal, por intermédio da Secretaria de Direitos Humanos, inclua as 21 propostas sugeridas pela Conferência passada.
Por último, quero dizer que o grupo do qual fiz parte sugeriu uma moção de apoio, da qual gostaria de fazer a leitura de um parágrafo:
Considerando que os homossexuais devem ter os mesmos direitos de cidadania que os demais cidadãos brasileiros, através da presente moção, manifesto integral apoio - os conferencistas - à proposta de emendas aditivas aos artigos 392, 393 e 394 do Anteprojeto do Código Penal brasileiro, tipificando como crime contra a cidadania a discriminação por orientação sexual, pois a mesma proposta representa um passo fundamental na consolidação dos direitos humanos dos cidadãos homossexuais no Brasil.
Era o que tinha a dizer.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a Palavra à Sra. Marilena Libardoni.
A SRA. MARILENA LIBARDONI - Sou do Colegiado do CFEMEA e quero fazer uma nova moção ao Grupo V, cujo tema é "Normas Internacionais de Direitos Humanos e Reconhecimento da Jurisdição das Cortes Internacionais no Brasil". A moção é pelo comprometimento do Brasil com a aprovação do protocolo facultativo à Convenção para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher.
Recomendamos que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil pronuncie-se de forma clara e decisiva pela aprovação do protocolo facultativo, que dá cumprimento às resoluções de Viena, de 1993, e de Beijing, de 1995. Recomendamos ainda que o Ministério das Relações Exteriores inclua na delegação que representará o Brasil na reunião da Comissão da Condição Civil e Política da Mulher e na reunião do Grupo de Trabalho do Protocolo Facultativo, em março de 1999, representante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, representante da Bancada Feminina no Congresso Nacional, representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e representante da sociedade civil, mais especificamente do movimento de mulheres.
Quero esclarecer que nos dois anos anteriores, na reunião da Comissão, diversos países da América Latina estiveram presentes. Há um movimento para que a região tenha uma posição bastante firme pela aprovação de um protocolo efetivo. O Brasil esteve pouco presente nos dois anos passados. Esperamos que no próximo ano essa situação mude e o nosso País volte a ter nesse foro o papel decisivo que sempre teve.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra à Sra. Iaris Ramalho.
A SRA. IARIS RAMALHO - Sugerimos a inclusão no relatório do Grupo IV do Projeto de Lei nº 1.609/96, que trata do estupro, transferindo-o do rol de crimes contra os costumes para o de crimes contra as pessoas. Tal projeto de lei já está em andamento neste Congresso.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra ao Sr. Rinaldo Ribeiro.
O SR. RINALDO RIBEIRO - Quero abordar três pontos. O primeiro deles refere-se ao que foi sugerido pelo Vereador de Campinas Carlos Fernandes, no encontro entre as Câmaras Legislativas ocorrido em julho, se não me engano. Proponho que seja feito um trabalho maior com as câmaras legislativas que ainda não têm comissões de direitos humanos. Seria interessante que fossem mandados para todas as câmaras legislativas do Brasil guias informativos sobre o papel que deverão exercer e a importância da instalação de uma comissão de direitos humanos. Reforço a idéia do encontro.
O segundo ponto diz respeito ao item 1 do Grupo de Trabalho 3. Foi muito interessante a complementação feita pela Sra. Regina Pedroso em relação à exigência de conhecimentos sobre a disciplina Direitos Humanos. Espero que isso seja feito em nível teórico, mas seja aplicado em entidades carentes.
Ontem, apresentei ao grupo a complementação dessa proposta: que também seja incluído estágio para os estudantes universitários, em especial do curso de Direito - eu curso Direito -, porque noto que existe certa mentalidade conservadora. E os estudantes de hoje serão os advogados, os promotores e os policiais de amanhã. Nesse sentido, desejo incluir no curso o estágio para os estudantes.
O terceiro ponto que desejo abordar, diante de tantas moções aqui apresentadas, é um pedido de moção especial de apoio aos professores, técnicos e estudantes universitários brasileiros que estão em greve. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra ao Sr. Alan Pascal.
O SR. ALAN PASCAL - Faço parte do Vida Brasil, de Salvador, e da Coordenação do Fundo de Direitos Humanos daquela Capital.
Quero voltar ao resumo da Conferência do ano passado, constante da página 122, sobre os direitos dos portadores de deficiência. No item 2, eles reconhecem que essa área é bastante genérica, dando a impressão de que foi feita de improviso e sem o envolvimento de pessoas ou organismos do setor. Por essa razão, pareceu-nos incompleto e insuficiente, conforme constatado no ano passado.
O Grupo 1, do qual fiz parte ontem, em nenhum momento tocou na questão do portador de deficiência. Estou pedindo que sejam incluídas no item 2 do Grupo 1 as conclusões aprovadas no ano passado. Peço que isso seja destacado.
No que diz respeito ao item 6, Conferência Nacional de Direitos Humanos, ontem defendi que seria muito interessante que na próxima Conferência fosse obrigatório que cada Estado enviasse dois relatórios. O primeiro seria mandado pelo Governo, com informações sobre o que foi feito no que se refere a direitos humanos no Estado. O segundo, pela sociedade civil, que poderia contrapor-se ao Governo ou reconhecer os esforços por ele feitos. (Palmas.)
Gostaria que isso fosse mais bem explicado, para que as pessoas entendessem por que citei esse ponto. Afinal, esta seria a única maneira de a sociedade civil fiscalizar e acompanhar o programa do Governo. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Tem a palavra o Sr. Nestor Pedro. (Pausa.)
Concedo a palavra ao Sr. Luiz Mello de Almeida, que representa o Grupo Estruturação, grupo homossexual de Brasília.
O SR. LUIZ MELLO DE ALMEIDA - Boa tarde. Sou do Grupo Estruturação, grupo homossexual de Brasília.
Desejo fazer o registro de um ato falho bastante interessante, ocorrido quando da elaboração do relatório do Grupo 2, que trata das articulações com vistas à elaboração dos planos e dos programas estaduais de direitos humanos.
O Plenário da Comissão apresentou duas propostas. Uma no sentido de que na próxima revisão do PNDH sejam incluídas todas as medidas previstas em relação à homossexualidade e já aprovadas pela II Conferência. Simultaneamente, também propusemos que seja recomendado a todas as autoridades e associações da sociedade civil envolvidas na elaboração de planos e programas municipais e estaduais de direitos humanos que contemplem as medidas aprovadas pela II Conferência em relação à homossexualidade. E, na plenária de hoje, ficamos surpresos ao constatarmos que essas propostas não foram absorvidas pelo relatório produzido pelos relatores. Por isso é que dissemos que esse é um ato falho. E, seguramente, como todo ato falho, não é consciente, mas inconsciente.
Uma das formas de maior discriminação e preconceito em relação a alguns agrupamentos sociais é desconhecer a sua existência. Nós, homossexuais, além de muitas vezes sermos ignorados pelo Governo, também somos ignorados pela sociedade civil. Quando são anunciadas as minorias existentes no País, sempre sãos citados os negros, as mulheres, os deficientes, os estrangeiros, etc. Estamos aqui para dizer que, segundo estudos existentes no âmbito mundial, somos aproximadamente 10% da população brasileira e, ainda, 10% da população mundial. Registramos a importância de os direitos dos homossexuais serem garantidos pelo Governo e, efetivamente, discutidos em todas as instâncias da sociedade civil.
As pessoas têm de se lembrar de que nós, homossexuais, somos uma das últimas minorias a emergir na arena política e reivindicar direitos porque, infelizmente, somos a minoria que significa palavrão e cuja forma de amar é considerada abjeta. Quando aparecemos nos meios de comunicação de massa não podemos expressar afetividade. Todos vocês, que acompanham as discussões nos meios de comunicação, poderão ver, na próxima novela das 20h, um casal de lésbicas. A recomendação da direção da televisão que exibirá essa novela é no sentido de que não seja expressa qualquer cena amorosa ou qualquer palavra de afetividade.
Portanto, gostaria de registrar que, com certeza, não é sintomática a forma como os homossexuais vêm sendo tratados no Brasil e no mundo, de maneira geral. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Peço ao Sr. Luiz Mello de Almeida que entregue à Mesa sua sugestão.
Concedo a palavra ao Sr. Nestor Pedro.
O SR. NESTOR PEDRO - Quero insistir na necessidade de se criar em Brasília um grupo para intensificar os trabalhos emergenciais. Seria bom que conseguíssemos amadurecer a idéia do que isso significa para os direitos humanos. Insisto nisso porque participo da Ação da Cidadania, que é mais uma iniciativa para responder às emergências. Até agora, em todas as conferências, não foi priorizada essa questão. Há muitos tipos de emergência. A civilização está em emergência, mas poucos conseguem entender isso.
Há muitos grupos que estão trabalhando, mas que não estão participando das conferências em Brasília. Um deles é a Legião da Boa Vontade. Não sei de nenhuma pessoa vinculada a este grupo que tenha comparecido às conferências.
Todos nós que aqui estamos entendemos isso, mas é preciso compreendermos o que o Betinho significou para esta civilização, e não apenas para o Brasil. Se quisermos continuar com todas as hipercomplexidades para recriar uma civilização baseada nos direitos humanos, numa estrutura jurídica ética e moral, teremos de esperar séculos. Se não conseguirmos evitar que continue o massacre silencioso, que todos nós conhecemos, não poderemos tratar do assunto da reestruturação. Aquele que se sentir predisposto que participe desse pequeno grupo, assim como eu. Afinal, até agora, não tive a chance de participar dos elos de ligação entre uma conferência e outra, o que seria talvez um fórum permanente, para intensificar os trabalhos em Brasília. Fala-se da seca no Nordeste. Mas muitos de nós sabemos que Brasília tem problemas iguais aos de Bangladesh e aos do Nordeste.
Portanto, seria necessário integrar o grupo que não consegue, por alguma razão, vir às conferências aos que já estão trabalhando com direitos humanos, mesmo que seja usando a cultura da estatística, por amostragem. Mas é preciso que materializemos isso. Se conseguirmos entender, filosoficamente, assuntos superiores, o mais pode menos. Em Brasília, especificamente na rodoviária do Plano Piloto, existem crianças trabalhando, mulheres grávidas, idosos. É preciso que isso seja encarado a partir desta Conferência. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra ao Sr. Geovani de Oliveira Tavares.
Fazemos um apelo aos expositores no sentido de que se concentrem nas sugestões constantes dos relatórios, porque o prazo já terminou. Portanto, a Mesa pede, encarecidamente, a todos os oradores muita objetividade, para que ainda possamos aprovar as moções.
O SR. GEOVANI DE OLIVEIRA TAVARES - Eu sou Geovani Tavares, da Ordem dos Advogados do Brasil do Ceará e da Comissão de Direitos Humanos.
Não lerei as moções em atenção ao pedido do Sr. Presidente da Comissão, mas farei o resumo dos fatos que vim relatar.
O primeiro fato é que 28 crianças do Estado do Ceará morreram sob os cuidados do Estado, ou seja, nas creches mantidas pelo Estado. Isso já foi apurado, em relatório, pela Ordem dos Advogados do Brasil. Trago aqui o relatório e a moção, como proposta, para serem aprovadas por esta Conferência.
O segundo ponto da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho Federal é a moção de apoio às mulheres de Cabul, que já foi referida e formalizada.
O terceiro ponto é referente a moção de apoio que diz:
Em sua edição do dia 10 do corrente mês, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, denuncia graves violações dos direitos humanos ao Estatuto da Criança e do Adolescente que estão sendo perpetradas por autoridades do Instituto Central de Menores, na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
Vamos protocolar esta moção.
Encerrando as minhas palavras, devo dizer que há uma notícia positiva que, ao mesmo tempo, causa descontentamento. Estamos acompanhando, no Estado do Ceará, casos de tortura. Por via judicial, já ganhamos indenizações. O Poder Judiciário determinou a condenação do Estado no sentido de pagar indenizações. Mas a execução essas indenizações, pelo fato de o Estado não reconhecer a sua responsabilidade, tem sido muito lenta e dificultosa, e muitas vezes nem se tem esperança do recebimento por parte da família dessa indenização.
O apelo que fazemos é para que no relatório do grupo do Poder Judiciário, do qual participo, inclua-se, com muita atenção, essa questão da alteração, no Poder Judiciário, do seu compromisso de cumprimento da lei. Que haja instrumentos que garantam o cumprimento da lei, a execução das sentenças. Vou entregar e protocolar as moções.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Têm a palavra a Sra. Jussara e, em seguida, o Sr. Cláudio.
A SRA. JUSSARA DE GOIÁS - Foi solicitado ao Grupo 1 esclarecer o sentido da expressão "referencial de identificação temporal", constante do item 3.16. Significa que queremos saber quantos anos podem ser considerados curto prazo. Dois anos já se passaram. Serão quatro, cinco anos? Quantos anos podem ser considerados médio prazo? Seis, dez anos? E também não temos a menor idéia de quantos anos podem ser considerados longo prazo. É uma questão de definição. Tem de haver um referencial que estabeleça quantos anos caracterizam médio e curto prazos.
Há algumas questões que quero abordar rapidamente. Serei bastante objetiva.
Primeiro, é necessário que o Governo Federal implemente uma campanha nacional, permanente e sistemática, de informação e de formação de consciência sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Não dá mais para conviver com o desserviço dos meios de comunicação, que passam informações sistematicamente erradas e equivocadas sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa campanha deve também promover a discussão acerca do tratamento dispensado ao menor pelos meios de comunicação. Parece que ninguém tira mais da consciência a situação do menor. O menor sempre é o agressor, o infrator, sempre é aquele que está ameaçando a sociedade, é violento, é o pivete, o negro e o pobre. Não há menor, há criança e adolescente. Então, precisamos que haja uma campanha sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de que ele se torne realmente um projeto de sociedade, como é a Lei nº 8.069.
Outra questão. O Sr. Carlos Sinoreli, primeiro expositor de hoje, disse que o Governo precisa pensar na escolha dos seus Ministros. Só me lembrei de que o Ministro que acaba de sair da Pasta da Justiça é daquele governo responsável pela tragédia do Césio 137, ocorrida em Goiânia e que vitimou muitas pessoas.
As vítimas do Césio 137 estão fora das nossas discussões, até mesmo das nossas, dos militantes dos direitos humanos. O lixo atômico continua em Goiânia, e as pessoas continuam morrendo. As famílias atingidas estão abandonadas, fora de toda a discussão de garantia de direitos humanos. E tudo isso acontece bem perto de nós.
Em relação à seca no Nordeste, fiz um levantamento rápido, baseado no relatório final do orçamento aprovado para o ano de 1998, de pontos que precisamos conhecer. Há recursos aprovados. Portanto, tem-se de encontrar uma forma de liberação dos mesmos. Só na Comissão de Seguridade Social foram aprovados 35 milhões para ações de combate à fome e à pobreza. A Comissão de Trabalho aprovou mais 35 milhões para ações de combate à fome e à pobreza. Só para a Região Nordeste, somando as emendas de bancada, as de região e as individuais - cada Parlamentar pode dispor de 1,5 milhão e definir em que vai ser aplicado - temos 1 bilhão, 780 milhões previstos.
É óbvio que a solidariedade é importante, mas os recursos previstos no Orçamento têm de chegar lá. E a sociedade deve acompanhar e monitorar.
Essa é uma discussão a ser mais aprofundada. Só queria dar essa informação. Abram o relatório aprovado na Comissão e no Congresso e irão encontrar esses valores.
Quero fazer uma proposta concreta em relação a todos os projetos sugeridos, e são muitos. Proponho que se reúnam todos os projetos indicados pelos grupos para que, num esforço concentrado da Comissão de Direitos Humanos, com planejamento, possamos definir um quadro, a ser chamado de Projetos Prioritários para a Consolidação dos Direitos Humanos no Brasil. Depois, divulga-se esse quadro, que facilitará a identificação da situação e dos problemas de cada projeto. Haverá discussão com as bancadas e também com o Relator sobre o parecer, a fim de identificar problemas e encontrar soluções. Haverá discussão com as Lideranças. Serão realizadas audiências públicas, se necessário. Tudo isso com o objetivo de conseguir aprovação em regime de urgência urgentíssima. Enfim, escolhemos alguns projetos, e nesse sentido trabalharemos em esforço concentrado.
O INESC se coloca à disposição para, junto com a Comissão, trabalhar esse tipo de proposta que estamos apresentando aqui. Há outros assessores do INESC, e tenho certeza de que iremos priorizar esse tipo de ação junto com a Comissão de Direitos Humanos.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Têm a palavra o Sr. Cláudio e, depois, o Sr. Marcelo Santa Cruz.
O SR. CLÁUDIO LUIZ BEIRÃO - Também sou relator e esqueci de apresentar uma moção no meu grupo. Vou fazê-lo agora.
No mês de março, os povos tupiniquim e guarani fizeram uma demarcação no Espírito Santo, no Município de Aracruz. Eles mesmos fizeram a demarcação, que o Governo não estava querendo fazer. O que aconteceu? Depois dessa atitude, que teve o apoio da sociedade organizada do Espírito Santo, dos movimentos populares, o Governo Federal, por intermédio da FUNAI, determinou à Polícia Federal impedir a entrada de qualquer pessoa que não fosse índio no território dos povos tupiniquim e guarani. Além disso, tentaram expulsar o Sr. Winfridus, um estrangeiro missionário do CIMI. Fizemos uma mobilização. Como se não bastasse, o Presidente da FUNAI baixou uma portaria proibindo a entrada de qualquer pessoa estranha nessas áreas, a não ser as autorizadas por ele. E criou-se uma confusão com a proibição da entrada de qualquer pessoa que não fosse índio em território indígena. Isso é um absurdo.
Como Assessor Jurídico do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, proponho uma moção aos participantes desta conferência. Vou lê-la, para que possamos entender do que se trata.
Durante a demarcação de sua terra tradicional, em março do corrente, os povos tupiniquim e guarani foram impedidos de manter contato com os movimentos sociais e a sociedade civil organizada do Espírito Santo, que apoiaram essa luta.
A FUNAI utilizou um forte aparato policial para impedir o acesso de pessoas e ajuda aos índios. Para reforçar essa atitude, o Presidente da FUNAI publicou as Portarias nºs 253 e 268, proibindo a entrada de qualquer pessoa nessas terras indígenas, exceto aquelas que ele autorizar. Essas portarias são ilegais. O órgão não tem competência normativa para disciplinar essa matéria e fere os direitos dos povos indígenas. Essa atitude atinge a Constituição Federal, que determinou a respeito das formas de organização social, os usos, costumes, crenças, línguas e tradições dos povos indígenas.
Toda pessoa que ingressa nessas terras deve submeter-se à vontade dos índios, em respeito à Constituição, e não ao Presidente da FUNAI. Esse ato vem interferir na administração interna das comunidades e é uma forma de impedir o contato dessas com outras organizações que apóiam a luta pela garantia e posse das terras tradicionais tupiniquim e guarani.
Os índios encontram-se violentados e constrangidos na liberdade de comunicação e de reunião dentro de suas terras tradicionais com pessoas físicas ou pessoas jurídicas, especialmente aquelas que os apóiam.
Toda vez que eles precisam se reunir com as organizações que os apóiam têm de sair do seu território.
Nesse sentido, estamos propondo uma moção requerendo ao Presidente da FUNAI e ao Ministério da Justiça - a quem o Presidente da FUNAI é subordinado - a revogação das Portarias nºs 253 e 268 da FUNAI, que ferem os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, o direito de reunião e de comunicação e a autonomia dos povos indígenas. É esta a moção que estamos apresentando.
Outra questão que quero abordar é relativa ao Grupo 1, que propôs a discussão do PL nº 1.610 em conjunto com a sociedade indígena organizada. Não sei como isso se dará, porque o PL nº 1.610, que trata da mineração em terra indígena, é matéria do estatuto. Nós estamos defendendo que essa matéria fique no estatuto, não seja matéria avulsa, como está propondo o próprio Governo, que retirou a parte da mineração e fez um projeto. Aprovando esse projeto, eles esquecem o estatuto e não haverá como regulamentar outros direitos que os índios têm.
No meu ponto de vista, tínhamos de aprovar uma moção contra esse projeto.
A SRA. JUSSARA - Só esclarecendo. Foi entregue a solicitação ao grupo, por escrito, pelo Álvaro e por outro representante da sociedade indígena que estava com a gente. Tem-se de fazer uma discussão com eles mesmos.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Sugiro que a gente discuta já com o Relator Geral esse entendimento.
Passamos a palavra para o Sr. Marcelo Santa Cruz e depois para o Sr. Cássio, da Associação Brasileira de Criminalística.

O SR. MARCELO SANTA CRUZ - Sou do Centro D. Hélder Câmara, de Recife, que trabalha com crianças e adolescentes, e sou também Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Olinda. Sou Vereador em Olinda pelo PT.
Gostaria de fazer rápidas ponderações. Primeiro, acredito que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados deveria ter um melhor entrosamento com as Comissões Municipais de Direitos Humanos e também com as câmaras estaduais.
Consegui vir para a este encontro porque dele tomei conhecimento através do Centro D. Hélder Câmara, que participa da implantação do Programa Nacional de Direitos Humanos. Fiz um pedido à Câmara dos Deputados para que enviasse à Câmara Municipal de Olinda uma solicitação para que esta custeasse minhas despesas, a fim de que pudesse comparecer a este encontro. E mesmo assim há uma dificuldade, porque, muitas vezes, embora haja as Comissões Municipais de Direitos Humanos, o Poder Legislativo não facilita a ida a congressos que tratam especificamente do tema direitos humanos. Acho que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados poderia ter um melhor entrosamento com as Comissões Municipais de Direitos Humanos e estimular sua participação. Talvez devesse fazer um encontro entre as Comissões Municipais de Direitos Humanos e as Comissões Estaduais de Direitos Humanos.
Queria também chamar a atenção para o fato de que o Plano Nacional de Direito Humanos em Pernambuco vai muito bem. Há várias discussões e seminários. Mas as violações aos direitos humanos continuam ocorrendo. O Presídio Aníbal Bruno, o principal presídio de Recife e que tem capacidade para 450 pessoas, abriga 2.125 pessoas. O outro presídio, que tem capacidade para 350 pessoas, abriga 950. Essas violações continuam ocorrendo apesar das nossas discussões.
Com a seca no Nordeste - já foram apresentadas algumas moções nesse sentido -, o Ministro da Justiça, Sr. Renan Calheiros, esteve em Pernambuco e reuniu-se na SUDENE. Todo o mundo pensava que ia sair uma solução para a questão da seca, e, no entanto, o que saiu foi uma reunião com os comandos militares do Nordeste e com os Secretários de Segurança do Nordeste. Foi anunciado que os inquéritos contra o MST seriam transferidos para a Polícia Federal e que seria pedida a prisão preventiva dos líderes do Movimento dos Sem-Terra, que estariam estimulando os saques.
No caso específico de Pernambuco, havia dois agricultores presos no Presídio Aníbal Bruno, há uma semana, acusados de terem participado de um saque. Olhem bem. O delegado local e o juiz da cidade de Aliança enquadraram esses dois sem-terra, que teriam participado desse saque, em roubo qualificado, com pena de quatro a dez anos, agravada com metade da pena. Esses dois agricultores permaneceram oito dias presos. Foi impetrado um habeas corpus, por intermédio de minha pessoa, e o desembargador manteve os dois sem-terra presos durante oito dias e estranhou muito quando solicitei que me desse o pedido de informação, porque pretendia ir à cidade do interior apanhar aquele pedido de informação com a juíza da cidade de Aliança. Ele disse: "Mas são seis horas da tarde!" Eu disse: "Eu sei onde é a casa da juíza". E disse mais: "Se fosse o filho de um juiz, de um Parlamentar ou de alguém que pertencesse à elite política deste País, não se agiria dessa forma? O habeas corpus não é impetrado até por telegrama? Não é, às vezes, até por telefone que se soltam as pessoas que estão presas? Então, por que esses agricultores permaneceram oito dias presos?"
Foram soltos somente ontem, e mesmo assim estão respondendo o processo em liberdade.
O Sr. Renan Calheiros disse a respeito desses dois que estão na relação dos dezessete dos quais ia pedir prisão preventiva. Dissemos lá em Pernambuco - e aqui repetimos - que, na época da ditadura, as torturas e violências ocorriam nas delegacias, nos quartéis, mas, quando chegava no tribunal, apesar de ser militar, era dada a aparência de legalidade. (Palmas.)
Não será agora que juízes federais, que têm uma formação jurídica, democrática, vão ser feitores do Sr. Renan Calheiros, ao decretar prisão preventiva sem fundamentação e sem nenhum respaldo legal. O procedimento tem que ser normal, jamais através de inquérito feito pela Polícia Federal. E a prisão preventiva jamais deveria ser decretada por juízes que têm formação jurídica e democrática.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra a Cássio Rosa, da Associação Brasileira de Criminalística e, depois, a Nazaré Zenaide, pelo Conselho Estadual da Paraíba.
Convido o Deputado Mário Mamede, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia do Ceará, para presidir os trabalhos.
O SR. CÁSSIO THIONE ALMEIDA DE ROSA - Vou ser bastante rápido e objetivo e falar sobre um assunto específico.
Antes de mais nada, gostaria de me apresentar. Sou perito criminal do Distrito Federal e Secretário da Associação Brasileira de Criminalística.
Com relação à realização de perícias em locais de crime, destaco que o que acontece hoje no interior do Brasil é um quadro bastante triste. O Código de Processo Penal prevê que, em todos os locais onde haja delitos e tenham sido deixados vestígios, sejam realizadas perícias. O que se tem visto é que, nas grandes Capitais e nos Estados ricos, o Código tem sido cumprido à risca. Mas no interior, onde ocorrem muitas violações de direitos humanos, os locais nem chegam a ser periciados. Isso é uma verdadeira omissão do Estado, uma vez que não equipou os institutos de criminalística e não deu condições para lotar peritos nessas localidades mais afastadas. Isso tem prejudicado muito a imagem da nossa categoria.
Além do mais, a preocupação do Governo é só quando ocorrem casos de repercussão, como o do PC Farias e o de Corumbiara. Aí, sim, os órgãos oficiais deslocam peritos que consideramos verdadeiras estrelas, que se encontram em gabinetes, na UNICAMP e outros locais, muitas vezes passando por cima até do próprio Código de Processo Penal, porque enviam um médico legista sem a experiência e a atribuição legal para fazer um exame de local - essa é que é a verdade. E o médico legista tem de ficar circunscrito ao exame cadavérico e à emissão de um laudo cadavérico. Nesses casos, então, como muita gente gosta de aparecer,vai querer trabalhar.
Aproveito a oportunidade para colocar a Associação Brasileira de Criminalística à disposição das pessoas que tiverem casos ou interesse em nos procurar. Temos articulação também com os órgãos que representam as associações de médicos legistas no Brasil.
Nossa associação tem uma preocupação também em sanar os problemas relacionados aos direitos humanos. Muitas vezes, existem laudos confeccionados de forma duvidosa. Isso acontecia muito na época da repressão. E o próprio Programa Nacional dos Direitos Humanos estabelece que na luta contra a impunidade os estudos de criminalística devem receber uma atenção toda especial dos órgãos oficiais.
Àqueles que porventura tiverem necessidade das nossas orientações, dou o telefone da associação aqui em Brasília: 345-8288.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Muito obrigado.
Chamamos a companheira Nazaré Zenaide, do Conselho Estadual da Paraíba, e, logo a seguir, Mohamed Abdarrahmane, da Embaixada do Kwait.
A SRA. NAZARÉ ZENAIDE - Bom dia para todos.
Gostaria de levantar uma questão sobre a indicação de cinco membros do Grupo 1 tirados desta assembléia.
Alerto sobre a necessidade de que essa comissão seja formada por diferentes Estados, com cinco ou mais representantes, e que haja intercâmbio permanente, informando o que está acontecendo.
Se é uma comissão de fiscalização, temos de, no decorrer do ano, não só nesta conferência, ter conhecimento do que está sendo feito e também das necessidades de apoio. Muitas vezes, é preciso mobilização em âmbito nacional para que quem participar da conferência possa acompanhar e dar apoio a determinadas ações que essa comissão de acompanhamento e monitoramento vai realizar.
Alerto para esse fato a fim de que não haja concentração em alguns Estados, mas haja membros de vários Estados e Regiões.
Outra questão é a reintrodução na programação da Conferência Nacional de Direitos Humanos dos grupos temáticos. Por quê? Porque os grupos temáticos realizados nas conferências anteriores mostraram a importância de, nesses encontros, haver uma discussão mais pormenorizada e aprofundada do que está sendo feito nas diversas áreas, no âmbito de organizações governamentais ou não-governamentais - isso implementa, articula e aprofunda a temática.
Devemos também introduzir nos grupos temáticos a discussão educação para os direitos humanos, que não foi incluída nas conferências anteriores. É importante que esse seja um dos temas abordados na discussão do grupo.
Vejam: nesta conferência foi introduzida a discussão sobre os plano estaduais e municipais. Mas é fundamental também que esses grupos temáticos aprofundem o assunto. A complexidade em direitos humanos é muito ampla.
Outra questão abordada na conferência do ano passado foi a da inclusão dos direitos humanos como tema nos órgãos de financiamento de pesquisa. Direitos humanos precisam ser considerados área de conhecimento de pesquisa e aprofundamento, e não foram incluídos como área de fomento à pesquisa.
É preciso que o MEC também fortaleça os cursos de pós-graduação em direitos humanos. Existe na Paraíba um curso de especialização, e em Brasília vai começar agora. Acontece que, com a retirada de recursos para especialização da CAPES, nem todas os profissionais que estão trabalhando em delegacias, em Polícia Militar, em universidade e ONGs têm condições de pagar curso de especialização em direitos humanos. E é uma área em que se precisa aprofundar conhecimento e prática séria. Para isso, é preciso ter pesquisa, ensino de qualidade e extensão, trabalho junto à sociedade.
Gostaria de pedir à Comissão de Direitos Humanos, que está organizando o evento, que as moções que estão saindo da conferência sejam passadas para as entidades que estão participando, porque é uma questão política, e nós que estamos voltando para os Estados precisamos passar para nossos representados. Estamos representando pessoas e temos um papel de devolver para eles o que está acontecendo aqui. E, como as moções são atos políticos desta conferência, seria importante que a Comissão enviasse essas moções para todas as entidades presentes à conferência.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Muito obrigado.
Tenho uma questão de ordem prática para o Plenário avaliar: a companheira Lúcia Pacífico, Vereadora de Belo Horizonte, da Comissão de Direitos Humanos, está com problema de horário de vôo. Peço a compreensão do Plenário, da Mesa e do companheiro Mohamed para que ela fale agora, em intervenção breve, em função do horário de vôo.
Agradeço ao companheiro, ao Plenário e à Mesa a atenção.
A SRA. LÚCIA PACÍFICO - Boa tarde a todos. Agradeço aos colegas a compreensão.
Farei algumas intervenções rápidas. Na primeira, reforço a questão de reuniões preliminares das comissões de direitos humanos das Câmaras Municipais, como muito bem disse nosso colega de Campinas, antes da realização das próximas conferências nacionais de direitos humanos - escrevi para ser mais didática.
A segunda é instituir um sistema permanente de informações às comissões de direitos humanos municipais e estaduais e também aos movimentos civis de proteção aos direitos humanos das atividades realizadas, do que está se passando aqui na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, e também ajudar a viabilizar a vinda de representantes legítimos aos fóruns de debates - só estou aqui porque participei da reunião do Encontro Nacional de Vereadores que está acontecendo aqui em Brasília - e a participação de representantes legítimos de movimentos civis de direitos humanos na organização e programação da IV Conferência Nacional dos Direitos Humanos.
Finalmente, trago a este fórum uma moção de repúdio, porque tenho sentido na pele lá na entidade que presido, a Confederação Nacional das Donas de Casa e Consumidoras, às revistas íntimas nas funcionárias de fábricas, lojas, supermercados e outro tipo de comércio, assim como aos consumidores nas lojas, levando-os a vexames públicos e colocando-os em situações constrangedoras, proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de novembro de 1990.
Muito obrigada pela compreensão de vocês. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Muito obrigado.
Com a palavra o Sr. Mohamed Abdarrahmane.
O próximo é Narciso Pires, a quem pedimos que se aproxime, por favor.
O SR. MOHAMED ABDARRAHMANE - Vou fazer uma intervenção em nome pessoal, como participante deste congresso, sem estar representando um governo.
Aqui ouvimos vários relatos de desrespeito e violação de direitos humanos praticados no Brasil e no âmbito internacional também. Lembro que há exatos cinqüenta anos - mais ou menos o tempo que se comemora da Declaração de Direitos Humanos - o povo palestino vem sendo desrespeitado nos seus direitos humanos.
O Estado de Israel tem sistematicamente violado os direitos desse povo, que, durante todo esse tempo, vem sofrendo humilhação. O povo palestino teve de ser exilado, teve de deixar sua pátria, e suporta todo tipo de sofrimento, todos sabemos.
O atual Governo israelense está irredutível e vem violando também acordos internacionais que foram assinados para que se chegue à paz naquela região de extrema importância para o mundo. Ele continua desrespeitando todas as resoluções das Nações Unidas, e o povo palestino continua nessa situação de sofrimento e de violência diária, cometida contra crianças, mulheres, velhos, sem realmente ter condições de responder à altura essas violações.
Registro esse fato diante deste congresso a fim de que seja incluído repúdio ao atual Governo de Israel pela sua violação dos princípios básicos de direitos humanos em terras palestinas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Muito obrigado.
O próximo é Adélio Mendes, Promotor de Execução Penal do Paraná.
O SR. ADÉLIO MENDES - Gostaríamos de levantar rapidamente a questão do pedido dos grupos Tortura Nunca Mais de criação de lei federal para indenização de ex-presos políticos torturados durante a ditadura militar.
Sou do grupo Tortura Nunca Mais do Paraná, Estado pioneiro na criação de lei estadual que atendeu exatamente a essa questão. Na seqüência, vieram o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Nossa comissão já terminou seus trabalhos: cerca de 243 processos foram solicitados, e 235, atendidos. Os não atendidos estavam ou fora do prazo ou não tinham sido de fato presos.
É importante resgatar que a lei pedida em âmbito federal, nesses mesmos termos do Paraná e de Santa Catarina, difere substancialmente da proposta da anistia excepcional que já existe, por uma razão muito simples: a lei do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul prevê a indenização por seqüelas e torturas, seqüelas psicológicas e físicas, e a aposentadoria excepcional por anistia é uma decorrência de perdas profissionais, em razão das perseguições pela ditadura militar. Entendemos que é importante a criação desta lei até para que se discuta a questão da tortura no Brasil.
No Paraná todas as audiências foram públicas, e tivemos o entendimento de que essa questão não era meramente uma reparação aos ex-presos políticos, mas um resgate dos direitos humanos e uma sinalização para uma sociedade futura que respeite os direitos fundamentais dos seres humanos.
A questão da tortura foi levantada, e nosso grupo propõe hoje que se faça uma campanha estadual - estamos encaminhando nesse sentido -, com a proposta Tortura: Silêncio Nunca Mais. As delegacias de polícia do Paraná e do Brasil inteiro, cerca de 98%, praticam tortura como principal método investigatório: prende-se para investigar, quando se deveria investigar para prender.
Entendemos que o silêncio das autoridades policiais e civis, da própria sociedade em relação à tortura proporciona sua continuidade como o principal método investigatório nas delegacias de Polícia.
Vamos propor uma moção de apoio ao Promotor Público de União da Vitória, Estado do Paraná, que indiciou diversos policiais por crime de tortura. No entanto, houve uma reação da própria sociedade e de elementos da sociedade, que realizaram passeatas de repúdio à ação punitiva do promotor. É importante que essa conferência envie a esse promotor uma moção de apoio pela sua postura corajosa, que já indiciou, só em União da Vitória, uma cidade pequena, onze membros da Polícia Civil e da Policia Militar por crime de tortura. É importante essa postura.
Sabemos que esses processos de tortura ocorrem por todo o Estado. No entanto, os promotores e juízes têm receio da própria reação popular em relação à punição de policiais.
Uma postura decisiva e uma campanha esclarecedora à respeito da tortura se fazem fundamentais.
Entendemos esse encaminhamento e propomos essa moção. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Obrigado, companheiro.
Há cinco inscrições. São 13h, e o tempo trabalha contra nós neste momento. Logicamente, a Mesa não poderia pedir a este ou aquele companheiro que retire sua inscrição.
Para garantir democraticamente este espaço, pedimos a cada um que seja bem sintético, a fim de que todos falem, porque ainda temos que tomar algumas decisões fundamentais no fechamento desta conferência.
O SR. NARCISO PIRES - Sr. Presidente, em especial Dra. Maria Lúcia Karam, no Grupo 3, Poder Judiciário, Execução Penal, tenho uma sugestão para alterar a redação.
Entendo que a fiscalização nos estabelecimentos prisionais não deve pesar simplesmente no âmbito de execução penal, até porque a Lei de Execução Penal é única para o País, e a realidade prisional do Pará não é diferente da dos demais Estados.
Assim, entendo que nesse item 2 da sugestão deveria ocorrer uma mudança, para se ter maior presença dos órgãos de execução penal, do juízo singular, juiz, Ministério Público e conselhos, porque há o conselho da comunidade e o conselho de política criminal e penitenciária que fiscalizam a execução da pena. Juízes e Ministério Público, conselhos, etc., na fiscalização dos estabelecimentos prisionais, inclusive com inspeção sem prévia comunicação.
Sou Promotor de Execução Penal no Pará. Fiscalizo cadeia pública e penitenciária, em conjunto com uma juíza. Trabalhamos na execução penal, verificando presos condenados. Quem fiscaliza a parte de presos provisórios são os juízes singulares ou juízes do conhecimento. Então, deveria ser acrescentado aí órgãos de execução penal e do juízo singular, ou toda a população carcerária das penitenciárias, cadeias públicas ou cadeiões, como já ouvi, estará sendo colocada para os promotores e juízes de execução, que não têm competência para isso.
E ainda, no item 3, entendo que transferir ou estender a execução penal para os juízes da condenação é um assunto que deve ser repensado, porque o juiz do conhecimento ou da condenação, depois, se ficar ainda para administrar a execução, tendo inúmeros processos para instruir, acabará deixando a execução penal em segundo plano, e ficarão muitos presos esperando chegar seu momento ou que se lembrem dele para lhe darem remissão, progressão, regressão, se for o caso, livramento, indulto, ou outro benefício a que tenha direito pela Lei de Execução Penal.
Então, deve ser repensado esse ponto de vista.
Obrigado. (Palmas).
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Estou inscrito e falarei muito brevemente.
Faço uma ponderação no documento do Grupo 5, na página 3, quando pedem, e fico muito sensibilizado, que a situação do Nordeste seja vista de maneira mais prioritária pelo Governo, inclusive aberta à ajuda humanitária. Mas o texto coloca a temporariedade, que haverá cinco anos ininterruptos de seca.
Pela ausência da fonte de onde essa informação foi tirada, para nos resguardar, peço para ser retirada essa temporariedade, e apenas colocar diante da possibilidade de uma seca prolongada. Acho mais pertinente que não nos arrisquemos a uma crítica de autoridades que se sintam melindradas com nossa posição.
Se houver concordância do Plenário, poderíamos fazer a retirada da temporariedade. (Palmas.)
Muito obrigado.
Com a palavra a companheira Raimunda Guedes. Peço a todos que, daqui para a frente - desculpem-me, mas a Mesa tem esse papel -, mantenham uma fala bastante breve e objetiva. Faltam quatro inscritos.
A SRA. RAIMUNDA GUEDES - Boa tarde a todos.
Na condição de mulher negra de nível superior que ganha mais de dez salários mínimos por mês, o que representa menos de 1% da população negra do País, tenho obrigação de estar aqui falando em nome daqueles que não têm sequer direito à voz.
Peço à Mesa para reforçar a questão da implementação da ação afirmativa com relação a homens e mulheres negros, apesar dos 110 anos de atraso, tempo em que foi extinta a escravidão. Apesar dessa demora, ainda é possível, e o Governo Federal sinaliza nesse sentido, implementar uma política de ação afirmativa com relação aos homens e mulheres negros descendentes da escravidão.
O segundo ponto é a questão do serviço militar obrigatório. Os maus tratos, as mortes - e foi citado aqui por um companheiro do Mato Grosso que dois cadetes morreram em treinamento devorados por peixes. É assim que acontece, e as famílias não são indenizadas, não são sequer notificadas, nem é dada a devida atenção que o caso requer.
É necessário que as entidades que discutem, que trabalham em torno dos direitos humanos se voltem para essa questão das pessoas que morrem em treinamento em entidades militares, quaisquer que sejam as Armas, no âmbito estadual ou federal. Isso acontece sempre, e não há reparação, não há sequer discussão, uma tomada de responsabilidade. Simplesmente as pessoas morrem, e o que se diz é que foi acidente, e acabou.
Em terceiro lugar, rapidamente, 31 de maio é o Dia Internacional Sem Tabaco. Essa é uma questão em que fico me batendo o tempo todo, porque já tive uma indicação para aposentadoria por invalidez, coração dilatado, grande, pressão altíssima, por causa de fumaça de cigarro alheio no meu local de trabalho. Comecei a pesquisar e vi que a coisa é muito séria. Existe uma lei proibindo o uso de cigarros em locais onde permaneçam ou transitem pessoas. O Governo Federal pode, sim, primeiramente, proibir a propaganda do cigarro, que é enganosa, com aquele mundo de Marlboro, aquela coisa bonita, todo o mundo feliz, cheio de dinheiro, saudável. Não é isso o que acontece. A cada tragada de cigarro são jogadas no meio ambiente 4.700 substâncias tóxicas, cancerígenas, asfixiantes, que fazem mal à saúde de qualquer ser vivente. É preciso que se atente para isso. Respirar ar puro é um direito humano. O planeta também se ressente com esse mal, porque o planeta Terra é também um ser vivo.
Agradeço a oportunidade e reivindico que as questões que levantei, das pessoas que morrem em treinamento nas Forças Armadas, da implementação das ações afirmativas com relação ao negro e do combate ao tabagismo, sejam levadas a sério.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Com a palavra o Sr. Praman, do Instituto Quíron, e, logo a seguir, o Sr. Jacinto Teles, do SINPOL do Piauí.
A Sra. Maria Lúcia Karam pode ir se aproximando, pois será a última companheira inscrita a falar.
O SR. DEVA PRAMAN - Falarei sobre dois assuntos.
Primeiro, foi pedido um levantamento dos projetos sobre direitos humanos em tramitação. Não entendi bem, mas acredito que seja do Congresso, e não da Câmara. Gostaria que fosse encaminhada, juntamente com esse levantamento, relação com os dados completos dos participantes desta conferência, para facilitar e fortalecer a comunicação entre nossas entidades.
Segundo assunto: proponho uma moção de apoio à Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Formulamos requerimento fundamentado no art. 253 ao Presidente da Câmara dos Deputados e até agora não recebemos notícias - como se sabe, nesta Casa o Regimento vale de acordo com o interesse político, infelizmente.
Minha moção à Comissão de Direitos Humanos é para que ela acate esse requerimento e instale comissão para apurar o que foi publicado no último dia 16 de março na principal manchete da Folha de S.Paulo, que o País é um dos líderes em morte no parto. Não é apenas uma matéria, porque se baseia num relatório da OMS - Organização Mundial de Saúde que mostra claramente a situação de total menosprezo pela mulher brasileira.
Além disso, sabemos que o Brasil é líder mundial em cesarianas. Essa questão de morte não só dos bebês como das mães nos partos é gravíssima no País. Basta dizer que a matéria apenas cita, entre muitos outros itens, o fato de que estamos muito à frente de países de quinto mundo, países africanos e asiáticos.
Nosso pedido ao Presidente da Câmara não foi atendido ainda. Acreditamos que esta Comissão tem poderes para instalar uma comissão para que se comece a apurar essa situação.
Mais grave ainda, consta também que existe uma tecnologia apropriada para isso que foi recomendada pela OMS ao Governo brasileiro e aos demais governos e que não está sendo cumprida pela Ministério da Saúde. Existe a tecnologia, foi recomendada, e não foi aplicada.
Penso que a Comissão de Direitos Humanos tem poderes para instalar uma comissão para apurar essa questão, para chamar o Sr. Ministro a pelo menos cumprir as suas obrigações.
O art. 253 do Regimento desta Casa diz claramente que, quando há omissão de autoridade, é obrigação da Câmara dos Deputados instalar Comissão para apurar. O Presidente desta Casa, simplesmente, não deu resposta ao ofício até a presente data. Então, acredito que a Comissão de Direitos Humanos, que vem realmente prestando um serviço, eu diria, pelo menos, diferenciado, muito diferenciado do que acontece aqui nesta Casa, instale esta Comissão. Muito obrigado.
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Os próximos companheiros inscritos são Jacinto Teles, Maria Lúcia Karam e Alberi Espíndula, que deseja fazer a entrega de um documento à Mesa. Solicitamos ao companheiro bastante brevidade, até porque o plenário já está se esvaziando.
O SR. JACINTO TELES - Boa tarde às companheiras e companheiros deste Plenário. Nós representamos os policiais civis e penitenciários do Estado do Piauí. Estamos aqui para reiterar alguns pontos do relatório da I Conferência Nacional de Direitos Humanos.
Queremos reiterar aqui o cumprimento integral das regras mínimas da ONU para tratamentos de reclusos pelos Estados brasileiros, e que seja, à propósito do que já está naquele relatório, reiterado que o Ministério da Justiça condicione a liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional ao fiel cumprimento dessas normas, sob pena de não iniciarmos nunca a ressocialização do sistema penitenciário.
Por outro lado, queremos reiterar também com relação à segurança pública, no que diz respeito ao cargo de Delegado Geral, ou Chefe de Polícia, como queira, obedecendo a peculiaridade de cada Estado, que seja eleito pelos trabalhadores que compõem a instituição policial, objetivando a independência, a autonomia administrativa e financeira dessa instituição, sobretudo para prestar um serviço realmente ao alcance da sociedade.
Por último, queremos apresentar uma nota de repúdio contra a Proposta de Emenda Constitucional nº 514/97, encaminhada pelo Poder Executivo a esta Casa Legislativa e que, taxativamente, descumpre o estabelecido no art. 23, inciso IV, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, quando prevê a extinção dos sindicatos de trabalhadores da área de segurança pública e penitenciária e, ainda, que esses profissionais não possam se organizar politicamente e não tenham o direito de greve. Isso é um verdadeiro contra-senso no ano em que vamos comemorar o cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
As notas de repúdio, só para complementar, devem ser também encaminhadas às autoridades, ou instituições públicas que foram repudiadas, e não somente a nós, signatários das mesmas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Com a palavra a companheira Maria Lúcia Karam.
A SRA. MARIA LÚCIA KARAM - Queria fazer alguns esclarecimentos sobre o relatório do Grupo 3, que foi questionado aqui.
Em primeiro lugar, vou-me referir ao tema constante do item 1, Poder Judiciário e Sociedade. Um integrante do grupo veio aqui reclamar sobre a omissão da proposta de criação de estágios obrigatórios para juízes em hospitais, assentamentos de terras, etc. Como ficou esclarecido na introdução do nosso relatório, o grupo não trabalhou com propostas concretas, mas com linhas gerais de encaminhamento de discussão, por um aprofundamento da discussão com a sociedade, porque em uma tarde apenas, sem uma pauta prévia, com a participação de pessoas que jamais haviam se reunido antes, era absolutamente impossível e temerário encaminhar propostas concretas em relação a tema tão importante como é a atuação do Poder Judiciário, a sua desejável atuação, comprometida com os direitos humanos.
Esse tipo de proposta concreta de realização de estágios para juízes em hospitais, assentamentos de terras, etc. é uma proposta que evidentemente mereceria um mínimo de discussão e que, de alguma forma, foi aqui contemplada quando se enfatizou não só o estudo teórico, como o contato com a realidade. Como fazer esse contato com a realidade é algo a ser discutido, e não me parece que se possa, dentro de linhas gerais, fazer essa sugestão tão concreta e tão discutível. Ela não foi discutida no grupo, mas apenas levantada, como vários outros temas, apenas sob a forma de pensamentos e exemplos das pessoas que se manifestaram.
Esse tipo de questão só poderia assumir a forma de proposta do grupo se fosse discutida e aprovada. Tenho certeza de que muitos dos que ali estavam não aprovariam esse tipo de proposta.
Foi também claramente debatido pelo grupo que o relatório apenas apontaria linhas gerais, e não propostas concretas, até porque as propostas concretas não foram votadas.
Quanto ao último item, o Poder Judiciário e a Execução Penal, que já é um tema restrito, tendo em vista que não se tratava de uma discussão sobre sistema penal, ou sistema penitenciário, mas apenas de uma discussão sobre a atuação do Poder Judiciário de forma a comprometê-lo com a realização dos direitos humanos, de acordo com esse tema mais genérico, surgiu a preocupação da maioria das pessoas do grupo com a execução penal, o ponto mais preocupante em torno da atuação do Poder Judiciário.
Estamos discutindo apenas Poder Judiciário e, dentro dessa discussão de Poder Judiciário, estamos discutindo apenas execução penal. Portanto não há que se incluir em tal item fiscalização de presos provisórios, porque presos provisórios não são condenados e não cumprem penas. Logo, não se pode falar de execução penal em relação a presos provisórios. São coisas diferentes, e é muito importante não confundir isso. A prisão provisória jamais poderá ser confundida, porque seria uma das mais graves violações a um direito fundamental, que é o direito ao devido processo legal, com execução de pena. Portanto, quando tratamos de um tema específico, como o da execução da pena, não podemos nos referir a presos provisórios. Esse é outro tema, cuja discussão sugerimos para uma outra reunião.
Da mesma forma, as propostas de academias penitenciárias e a proposta de criação de uma instância de controle autônoma tampouco passam pela atuação do Poder Judiciário. O que discutimos no grupo foi apenas a atuação do Poder Judiciário. É preciso ter um mínimo de rigor técnico quando se elabora algum tipo de proposta, algum tipo de discussão. Quer dizer, não cabe inserir num relatório que discute Poder Judiciário questões que dizem respeito ao sistema penitenciário ou ao sistema penal, que são outras discussões mais amplas. Não podemos misturar.
Da mesma forma para proposta de outro companheiro do grupo ratificando aquele estágio em assentamentos, hospitais e tal em relação às Faculdades de Direito, porque, também, não estamos tratando de Faculdades de Direito, mas única e exclusivamente de Poder Judiciário.
Quanto à reclamação sobre a proposta de redação de um guia esclarecendo experiências e variedades de penas alternativas, questionou-se aqui a redação, que era no sentido de empreender ações sensibilizadoras dos juízes no sentido de maior aplicação de penas alternativas. A expressão "ações sensibilizadoras" foi retirada de uma das intervenções. Essas ações sensibilizadoras evidentemente se relacionam com a proposta constante do item mais geral, o item 1, que é o de aproximação imediata das entidades ligadas à defesa dos direitos humanos com os órgãos do Poder Judiciário, com as entidades representativas dos magistrados, seja através de reuniões, debates e propostas, seja através de divulgação de documentos produzidos, e que abrange guias e cartilhas, como foi sugerido.
Enfim, são coisas muito específicas que não podem ser discutidas em propostas de linhas gerais. A conclusão do grupo foi pela necessidade da aproximação dessas entidades de direitos humanos com os juízes. Como fazer essa aproximação, cada entidade deve pensar e propor. Não se pode incluir aqui coisas específicas, como a distribuição de cartilhas para juízes, que, talvez, não seja a forma mais recomendável de aproximação com os juízes.
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - A Mesa entende que, pela metodologia dos trabalhos e argumentações apresentadas, essa questão será remetida para um item que a Conferência considera como orientação de discussão. Parece-me que não há consenso e, com o plenário esvaziado, neste dia, temos a responsabilidade de procurar encaminhar dessa maneira para não negar a discussão, mas também não sugerir uma questão que não admite consenso. Pelo menos, é o entendimento da Mesa neste instante.
Então, esse ponto fica para o item de orientação para discussões, ou posteriores discussões.
Queremos chamar, não para falação, mas para entrega de documento à Mesa, os companheiros Espíndula e Márcia. Os companheiros levantam uma questão de esclarecimento.
(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Consta do relatório como sugestão para posterior discussão, ou como desdobramento de discussão. Não consta como resolução, pelos motivos já apresentados pela Mesa.
Há outra pessoa pedindo esclarecimento?
(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - A Mesa entende de maneira diferente. Constatamos que esse assunto é polêmico, que não tem como ser equacionado no terceiro dia de uma conferência de direitos humanos de abrangência nacional, num plenário vazio.
As resoluções e as críticas ao Judiciário feitas nesta Conferência estão documentadas em várias resoluções de outros grupos e em várias moções. Entendemos que não se pode, democraticamente, negar essa discussão, até porque ela tem relevo e pertinência, no modo de compreender da Mesa, mas não se pode admiti-la como resolução. A Mesa, de maneira responsável, conseqüente e democrática, procurando atender e entender a questão apresentada neste momento, vai orientar a Comissão de Sistematização no sentido de que esse assunto fique como indicativo pertinente para discussões conseqüentes e desdobramento desta Conferência.
Fica como indicativo de discussão. É considerada pertinente a idéia e a proposta, mas não é resolução da Conferência, é um encaminhamento de sugestão para discussão em fórum de direitos humanos.
(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Nós ouvimos as duas partes aqui. Está demonstrado que não aconteceu, nem existe consenso.
A SRA MARIA LUCIA KARAM - Não é isso, não. Há um consenso que está expresso no relatório, e há um dissenso de algumas pessoas participantes do grupo que se manifestaram hoje aqui e gostariam de ter as suas propostas incluídas. Mas o relatório expressa o consenso do grupo no sentido de não se afastar da discussão sobre o Poder Judiciário, mas ter um mínimo de responsabilidade para não fazer propostas que dependeriam de uma discussão com toda a sociedade, e não de uma comissão, em uma tarde. Há propostas concretas de aprofundamento da discussão sobre determinados pontos.
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) Obrigado. A Mesa está exatamente querendo contornar essa questão da maneira mais correta, conforme entendeu. Não há outra. (Palmas.)
A Mesa reafirma a sua convicção e a sua decisão de que esse assunto será enviado para a Comissão de Sistematização, com decisão da Mesa que dirige os trabalhos. Esse assunto será apresentado como orientação da discussão, pela pertinência da proposta, em busca de desdobramento e aprofundamento das questões aqui levantadas quanto a esse aspecto. (Palmas.)
Pedimos ao companheiro Alberi que se manifeste, como solicitou, de maneira bem abreviada. Se desejar, pode se aproximar.
O SR. ALBERI ESPÍNDULA - Vamos chamar para fazer a entrega do documento o Dr. Cássio Thione Almeida, Primeiro Secretário da Associação Brasileira de Criminalística; a Dra. Márcia, Presidente do Sindicato dos Peritos Criminais de São Paulo, e o Dr. Luiz Henrique, Presidente da Associação Brasiliense dos Peritos em Criminalística.
Queremos agradecer a todos pela assinatura e apoio a essa nota de repúdio ao Governo do Estado do Ceará. Especialmente, pedimos à Dra. Márcia que faça a entrega do documento, num ato simbólico, ao Governador do Estado do Ceará, que é do mesmo partido do Governador de São Paulo, que recentemente tomou uma iniciativa muito alvissareira e importante quanto à autonomia dos órgãos periciais do Estado.
Esperamos que o Governador do Estado do Ceará se sensibilize com essas medidas.
Pedimos que se faça a entrega. (Pausa para a entrega.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - O documento está entregue.
Podemos estabelecer o compromisso de que segunda-feira pela manhã o documento chegará às mãos do Presidente da Assembléia, onde a matéria tramita na Comissão de Constituição e Justiça, para a discussão, e, se aprovada, irá a Plenário na terça ou quarta-feira. Há urgência, e prometo cumprir a tarefa que no momento me é confiada.
Pediria que companheiros de outros Estados se manifestassem diretamente ao Governador, independentemente de terem assinado a nota, pois achamos que o retrocesso é insuportável, subordinando a atividade pericial ao Delegado Geral de Polícia.
Temos ainda alguns encaminhamentos breves.
Há compreensão da Mesa de que, pelos motivos já expostos, ficaria muito difícil e possivelmente - sem negar a importância e a estima que temos por todos os companheiros e pelas instituições que se fizeram e se fazem presentes a esta Conferência - insatisfatória, neste momento, pois não haveria uma representatividade plena da participação nesta Conferência, a tentativa de escolher, com um plenário já bastante esvaziado, a comissão sugerida e aprovada, ou seja, a Comissão de Monitoramento do Plano Nacional de Direitos Humanos.
Para contornar esse obstáculo, a Mesa tem uma proposta, que gostaria de submeter à apreciação dos presentes, informando, de antemão, que acha essa saída interessante, pois não negará a decisão do plenário e viabilizará a nossa vontade, as nossas intenções. A proposta é que a Comissão que organizou esta Conferência - o nome da Comissão está no folder, e o nome das pessoas - possa merecer a consciência do Plenário e da Mesa para dar condição a essa tarefa ou, pelo menos, que possa configurar o início dessa tarefa. (Palmas.)
Podemos concordar que a Comissão que organizou este evento fica com a missão de iniciar a tarefa de monitoramento e a promoção dos passos necessários para buscar uma representação que atenda à nossa vontade, a de um monitoramento mais próximo, mais aguerrido do Plano Nacional de Direitos Humanos.
Por fim, são 13h30, e, tendo em vista que ainda resta uma série de moções que, a nosso modo de ver, não estabelecem polêmicas - são moções importantes -, poderíamos, se o Plenário concordar, remetê-las à Comissão de Sistematização, para que sejam incluídas como resoluções deste Plenário. (Palmas.)
Queremos agradecer a todas as entidades e pessoas que participaram pela presença de cada instituição e de cada um que aqui veio com a sua inteligência, com a sua generosidade, com a sua boa vontade, com a sua energia, com o seu ânimo, abrilhantar este encontro.
Queremos fazer uma agradecimento particular àqueles que viabilizaram este encontro, àqueles que no dia-a-dia compõem a Assessoria, os funcionários, nossos companheiros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Sem a zelosa e dedicada participação deles a realização deste encontro seria impossível e, seguramente, não alcançaríamos tamanho êxito.
Sabemos de antemão que vamos sair daqui com um pouco frustrados. Talvez na cabeça de alguns permeie um certo desânimo; no coração de outros, uma certa desesperança. Mas creio que temos condições de avançar, a nossa utopia é muito bonita, o nosso sonho é de construção permanente. A utopia dos direitos humanos, que se confunde com a utopia da democracia, é infinita na sua busca, na sua construção, no seu esforço cotidiano de pessoas que aqui estão, de outros que não puderam vir, de pessoas que anonimamente se dedicam, com dignidade e esforço, respeitando o próximo. Achamos que todas essas pontinhas de desesperança, de desânimo, de indignação, de inquietação, pela implementação muito lenta do plano, muito aquém da nossa vontade e do nosso desejo, serão para nós motivo de feedback positivo. Elas nos animarão para, cada vez mais, sermos ousados, usarmos todos os mecanismos de pressão democrática, respeitando as instituições, mas cobrando delas, questionando de maneira muito severa, quando necessário, para que o povo deste País efetivamente possa ter o direito de sentir-se portador de direitos. Muito obrigado. (Palmas.)

Está encerrada a III Conferência Nacional de Direitos Humanos.








RELATÓRIOS DOS GRUPOS DE TRABALHO


GRUPO TEMÁTICO Nº 1 :

PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS - APERFEIÇOAMENTO E IMPLEMENTAÇÃO

Coordenadoras: Valéria Getúlio e Jussara de Goiás

I. AMPLIAÇÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

1.1. O Programa Nacional de Direitos Humanos deverá contemplar os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de forma a garantir a universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos.

1.2. Formulação da Política Nacional de Direitos Humanos contemplando articuladamente os .três níveis: federal, estadual e municipal.

1.3. Inclusão em todos os níveis de execução orçamentária de recursos destinados a implementação da Política Nacional de Direitos Humanos.

1.4. Realização de Conferência Nacional de Direitos Humanos, com caráter deliberativo, para a definição das diretrizes, metas e ações para a Política Nacional de Direitos Humanos, com a participação de representantes da sociedade civil organizada, poder executivo (federal, estadual, municipal), poder judiciário e ministério público (federal, estadual e municipal) e poder legislativo (federal, estadual e municipal).

II. INCLUSÕES NO TEXTO DO ATUAL PROGRAMA NACIONAL DOS SEGUINTES ITENS

2.1. As conclusões aprovadas por ocasião da II Conferência Nacional de Direitos Humanos, relativas aos DIREITOS DOS HOMOSSEXUAIS, GAYS, LESBICAS E TRAVESTIS, constantes nas páginas 123, 124 e 125.

2.2. As conclusões aprovadas por ocasião da II Conferência Nacional de Direitos Humanos, relativas aos DIREITOS DAS MULHERES, constantes nas páginas 115 e 116.

III. AÇÕES IMEDIATAS

3.1. Cumprimento imediato da implementação da autonomia dos órgãos Periciais, em nível Federal, por intermédio de Emenda à Constituição, inserindo-a nas funções essenciais à justiça.

3.1.1. Fortalecer os Institutos de Criminalistica e o Instituto Medico Legal adotando medidas que assegurem a sua excelência técnica e progressiva autonomia, por meio da instalação da Superintendência de Polícia Técnico-Científica, com orçamento próprio.

3.2. Criação de um plano de reequipamento dos Institutos de Criminalistica e de Medicina Legal, a ser elaborado e efetivado pelo Governo Federal.
3.3. Implementação de programas de lazer e cultura para crianças e adolescentes nos assentamentos rurais e urbanos.

3.4. Revogação imediata da Lei de Segurança Nacional.

3.5. A Educação pública, gratuíta e de qualidade deve ser prioridade absoluta como forma de garantir a construção de uma cultura em direitos humanos, a democratização da universidade, valorização das instituições de ensino e de seus profissionais .

3.6. Implementação imediata do disposto às páginas 35 e 36 acerca da EDUCAÇÃO E CIDADANIA - BASE PARA UMA CULTURA EM DIREITOS HUMANOS.

3.7. Definição de críterios objetivos e transparêntes para a escolha do Prêmio Nacional de Direitos Humanos, oferecido pelo Governo Federal, com monitoramento da sociedade civil.

3.8. Criação de mecanismos que assegurem o acesso as informações relativas ao Direito do Consumidor, em especial, para a apuração dos produtos e serviços oferecidos a população.

3.9. Implementação das ações previstas nas páginas 29, 30 e 31 do Programa Nacional de Direitos Humanos referentes a POPULAÇÃO NEGRA.

3.10. Implementação de um processo amplo de consulta ao conjunto da população negra, em especial as mulheres negras, sobre cotas para participação no serviço público e universidades.

3.11. Constituição de Conselhos Estaduais de Direitos Humanos, com a participação majoritária nesses Conselhos de representantes da sociedade civil organizada.

3.12. Criação de Ouvidorias no serviço público municipal, estadual e federal dotados de autonomia em relação ao órgão fiscalizado.

3.13. Cumprimento imediato da Lei Federal que proibe o Fumo em Recintos Fechados e Proibição da propaganda enganosa sobre o Fumo.

3.14. Humanização e monitoramento dos programas de treinamento de cabos e soldados das Forças Armadas.

3.14.1. Criação de Programa de Idenização, Apoio e Tratamento as Vítimas de abusos efetuados no decorrer dos treinamentos militares.

3.15. Assegurar o atendimento digno aos homossexuais, gays e travestis nas delegaciais de polícia.

3.16. Definição imediata de referencial para a identificação do significado temporal de curto, médio e longo prazo.

3.17. Que o Governo Federal assuma integralmente os custos provenientes dos saques em razão das secas, tendo em vista que os mesmos são frutos de sua omissão.

IV. APROVAÇÃO IMEDIATA DOS SEGUINTES PROJETOS DE LEI

4.1. PL que regulamenta a profissão de Agente de Saúde Comunitário.

4.2. PL que trata do Trabalho Escravo, em tramitação no Senado Federal, já aprovado pela Câmara.

4.3. PL que trata da Democratização dos Meios de Comunicação Social.

4.4. PL que trata da Autonomia dos Órgãos de Identificação Criminalistica.

4.5. PL que trata do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas.

3.6. PL que trata do Estatuto das Sociedades Indigenas.

V. DISCUSSÃO OU FORMULAÇÃO DE PROJETOS DE LEI

5.1. Discussão do PL 1.610, em conjunto com a sociedades indigenas organizadas.

5.2. Apresentação de PL que caracterize os chamados "Crimes de Ódio", estabelecendo a obrigatoriedade pelos órgãos oficiais de pesquisa, da produção de dados estatísticos sobre os crimes praticados.

5.3. Discussão ou formalação de PLs que tratem da biopirataria dos recursos naturais das comunidades indígenas.

VI. MONITORAMENTO DO PNDH

6.1 Criação de uma Comissão de 5 membros, indicados no final desta conferência por seus participantes.

VII. IV CONFERÊNCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS.

7.1. Iniciar a Conferência com a apresentação de um relatório crítico sobre a execução do Programa Nacional de Direitos Humanos

7.1.1. Produção de relatório paralelo, pela sociedade civil, sobre o PNDH, como forma de garantir o monitoramento do mesmo.

7.2. Assegurar amplo espaço para participação nos debates que se seguem as palestras.

7.3. Manutenção da realização de Conferências Nacionais anuais

7.3.1. Realização de Conferências Nacionais a cada dois anos.

7.4. Rodizio dos lugares de realização da Conferência Nacional
.
GRUPO TEMÁTICO Nº 2:

FORMAS DE ARTICULAÇÃO VISANDO A CRIAÇÃO DE PROGRAMAS ESTADUAIS DE DIREITOS HUMANOS

Coordenadores: Romeu Olmar Klich (Secr. Exec. Do Mov. Nac. de Direitos Humanos)
Belisário dos Santos Jr (Secr. De Justiça e Cidadania do Est. De São Paulo)

Relatores: Socorro Prado (CDDH da CNBB de Manaus e Cons. Do MNDH - Norte I)
Narciso Pires ( Gr. Tortura Nunca Mais do Paraná e Cons. Do MNDH - Sul II)

A Comissão temática chegou a conclusão pelos relatos das experiências dos Estados que existem quatro realidades distintas quanto ao potencial de articulação visando a criação de Programas Estaduais de Direitos humanos:

1º CENÁRIO:

A iniciativa é de entidades governamentais do executivo (O caso do Estado de S. Paulo)

a- A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania tomou a iniciativa:

1º passo: Organização no primeiro semestre de 1996 do 1º Fórum Estadual de Minorias com a participação de 350 ONGs e entidades governamentais nas áreas de educação, saúde, moradia, criança e adolescente, trabalho, além de segmentos como negros, mulheres, índios, homossexuais, líderes religiosos, moradores de rua (sem teto), trabalhadores rurais e outros segmentos.
Neste Fórum foi proposto pela primeira vez o Programa Estadual de Direitos Humanos à partir de uma ampla discussão. As reuniões do Fórum incluíam sempre um diagnóstico da situação dos direitos humanos à partir da realidade de cada segmento e propostas de superação dos problemas a curto, a médio e a longo prazo.

2º passo: Com base nas propostas do Fórum foi realizada uma Segunda rodada de consultas à sociedade civil já com vistas ao Programa Estadual. Esta fase incluiu a realização de oito audiências públicas nas regiões administrativas do Estado nas Câmaras Municipais, algumas delas com caráter intermunicipal.

3º passo: À partir dos subsídios recolhidos nos dois passos anteriores foram adotadas duas providências:

a- Formação de um grupo de acompanhamento do Programa Estadual de Direitos Humanos (integrado pela própria Secretaria da Justiça, pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP e pela Comissão de DH da Ass. Legislativa) com o objetivo de preparar a 1ª Conferência Estadual de DH.

b- Contratação pela Secr. Da Just. Do Núcleo de Estudos da Violência para prestar assessoria técnica ao Programa.

4º passo: Realização da 1ª Conferência Estadual de Direitos Humanos na Ass. Legislativa com a participação de 350 representantes de entidades governamentais e não governamentais, durante a qual as propostas passaram por uma terceira discussão.

5º passo: Sistematização final das propostas. O texto final do Programa inclui 303 propostas temáticas.

6º passo: Lançamento do Programa Estadual, pelo Governador do Estado em 14 de setembro de 1997. Na mesma data ele foi publicado no Diário Oficial do Estado como Decreto Governamental, que também instituiu a Comissão Especial de Acompanhamento da implantação do PEDH.

7º passo: Início das atividades de monitoramento do PEDH através da Comissão Especial integrada por representantes do Governo do Estado, dos Conselhos Estaduais, ONGs, além de observadores do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Poder Legislativo.
8º passo: Criação de Comissões do PEDH nas Secretarias do Estado e início da elaboração do seu primeiro relatório a ser lançado em junho de 1998.

9º passo: Aprofundamento do processo de conhecimento e integração do PEDH com outros planos e programas municipais e estaduais e com o Programa Nacional de DH; início do processo de preparação da Segunda Conferência Estadual de Direitos Humanos.

10º passo: No segundo semestre de 1998 serão realizados eventos ligados ao primeiro aniversário do PEDH e aos Cinqüenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

2º CENÁRIO:

A iniciativa é de uma entidade governamental do legislativo (Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da Câmara Municipal de Vereadores de S. Paulo) que se associa com outras entidades governamentais, Fórum Municipal de Direitos da Pessoa Humana, sem contar, no entanto, com o apoio do poder executivo.

O Fórum reúne entidades tais como, de mulheres, sindicalistas, negros, indígenas, homossexuais (gays e lésbicas), pastorais (saúde, carcerária, migrantes, criança e adolescente), portadores de deficiência, comitê de combate ao trabalho infantil, trabalhadoras(es) do sexo, portadores do HIV/AIDS, idosos, anistiados políticos e familiares de mortos e desaparecidos políticos.

Esta articulação organizou a 1ª Conferência Municipal de Direitos Humanos da cidade de S. Paulo que reuniu 150 entidades para discutir e aprovar o Plano Municipal de Direitos Humanos.

Luta agora para transformar o Plano Municipal de Direitos Humanos em Programa Municipal de Direitos Humanos, o que pressuporia a sua encampação pela Prefeitura Municipal de S. Paulo, que mantém-se, no entanto, refratária à proposta.

3º CENÁRIO:

A iniciativa é de ONGs de Direitos Humanos que articula com entidades governamentais, (percebendo um espaço de ocupação e implementação das políticas públicas de DH) e outras entidades do Movimento Social e Sindical.

4º CENÁRIO:

A iniciativa é de ONGs que articula com outras entidades do movimento social e sindical, mas que encontra resistência de entidades governamentais, principalmente, do executivo.

p>PROPOSTAS À III CONFERÊNCIA NACIONAL DE DH:

1- Que esta Conferência oriente as Entidades de DH para a criação de Grupos de Trabalho nos Estados com a presença de membros do Executivo, Ministério Público, Legislativo, Magistratura e entidades do movimento social e sindical e outras entidades governamentais.

2- Cria instrumentos legais de pressão e coerção às pessoas que desrespeitam os DH e introduzir elementos na Constituição que possibilitem a intervenção nos Estados para a apuração de crimes de DH.

3- Propõe ao Ministério da Justiça a destinação de recursos para a realização de eventos de DH nos Estados e municípios do país, conforme consta no PNDH.

4- Que na construção dos Conselhos Estaduais e municipais de DH, articule-se toda a sociedade civil organizada e as entidades governamentais do executivo, legislativo, judiciário, do município, do Estado e da República.
Que se dê prioridade a uma ação organizativa de DH, nas cidades do interior, nos colégios, nas fábricas, nos Conselhos Profissionais, nos sindicatos, visando estimular a organização do tecido social voltada para uma nova cultura de DH, centrada na construção de uma sociedade mais solidária, mais fraterna e mais igualitária.

5- Que seja realizado, em setembro deste ano, em São Paulo, por iniciativa da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, em parceria com entidades não governamentais e governamentais interessadas (como, por exemplo, o Movimento Nacional de Direitos Humanos, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal paulistana e o Núcleo de Estudos da Violência, da USP), um seminário sobre o tema "Consolidação dos Planos e Programas Municipais e Estaduais de Direitos Humanos. Instrumentos, táticas e estratégias". O evento terá como marcos o 50o aniversário da Declaração Universal de Direitos Humanos e o primeiro aniversário do Programa Estadual de Direitos Humanos (SP). Deverá discutir um plano de ação para o período 1999/2003 e
se propõe que seja realizado no Memorial da América Latina.

MOÇÕES:

1- recomendar a criação e devida instalação em todos os Estados da Federação de Conselhos Estaduais de Direitos Humanos para a efetivação de Programas Estaduais de DH.

2- Que os governos estaduais não continuem desrespeitando os mais elementares direitos constitucionais e trabalhistas dos servidores públicos (policiais militares e civis) vitimados em serviço por morte ou invalidez, retirando de suas famílias gratificações salariais a que tinham direito no momento da ocorrência quando em escala oficial de serviço.

3- Moção de protesto ao Governo do Ceará que através da mensagem 6360 de 8 de abril de 1998, em tramitação na Ass. Legisl., adota uma postura contrária às entidades de direitos humanos, às associações e sindicatos de profissionais de perícia forense e a orientação de PNDH, ao subordinar IML, Inst. De Perícia Criminal e o Instituto de Identificação ao Superintendente de Polícia Civil.

4- Abertura dos Arquivos das Forças Armadas e demais arquivos secretos do Regime Militar e a ampliação da Lei 9.140/95 até o final do Regime Militar e o reconhecimento das pessoas assassinadas na rua em manifestações contra a Ditadura. Que o governo Federal assuma a responsabilidade de investigar e identificar todas as ossadas já encontradas pelos esforços das entidades de DH e familiares de mortos e desaparecidos. E pela criação de uma lei federal que propicie a reparação de danos morais e materiais a todos aqueles que foram presos e perseguidos pela Ditadura Militar à semelhança das leis já promulgadas em alguns estados como o Paraná, Sta. Catarina e Rio Grande do Sul.

5- Moção de apoio à campanha internacional "UMA FLOR PARA AS MULHERES DE KABOUL", campanha liderada pelo Parlamento Europeu e que tem por objetivo preservar os D.Hs. das mulheres afegãs.

6- Moção de repúdio contra o governo do Estado do Piauí pela sua omissão em relação a não implantação do P.E.de D.H. naquele Estado.

7- Moção de repúdio às declarações do Ministro da Justiça, Renan Calheiros, por pedir a prisão preventiva das principais lideranças do MST por incentivar os saques por parte dos flagelados da seca.

8- Para a inclusão em todos os PEDH de mutirões, com a participação da OAB e Defensoria Pública, onde houver, para o exame e tomada de medidas necessárias para a defesa dos direitos humanos das pessoas presas nas Delegacias de Polícia e Distritos Policiais.

9- Moção de protesto junto ao Reitor da UNICAMP por dois fatos: 1) A atuação do perito Badan Palhares no caso das ossadas retiradas da vala comum de Perus que vem sendo marcada pela falta de transparência e pelo desrespeito à memória dos mortos e desaparecidos comuns e políticos. 2) A simples devolução dos restos mortais não significa a resolução daquilo que a sociedade solicitou à UNICAMP,, qual seja, a apuração científica da identidade daquelas vítimas da violência.
Diante disto: reivindicamos que a UNICAMP notifique formalmente o Sr. Badan Palhares sobre o que pensamos a respeito do seu desempenho. Exigimos que o Reitor daquela Universidade explique a sociedade brasileira os motivos de sua decisão de devolver as ossadas. Homenageamos os mortos e desaparecidos políticos, alguns dos quais executados sumariamente e jogados na vala de Perus. Solidarizamo-nos com a luta dos familiares e companheiros dos mortos e desaparecidos políticos pela sua coragem e tenacidade na luta pela verdade.

10- Moção de apoio à proposta de emendas aditivas aos artigos 392, 393 e 394 do anteprojeto do Código penal brasileiro, tipificando como crime contra a cidadania a discriminação por orientação sexual, pois a mesma proposta representa um passo fundamental na consolidação dos direitos humanos dos cidadãos homossexuais no Brasil.

11- Moção de repúdio ao atentado sofrido presidente do Sindicato dos Policiais Civis Penitenciários e Servidores da Secretaria da Justiça e da Cidadania do Estado do Piauí, no dia 14 de abril de 1998, às 23:30 horas, quando foram disparados cerca de 20 tiros contra a sede da entidade.

12- Moção de apoio ao reconhecimento do valor democrático desta Conferência Anual como um espaço de avaliação e articulação em defesa das políticas públicas tão necessárias para a conquista de um sociedade digna e do Estado de Direito. O incentivo para a criação e manifestação das comissões legislativas, municipais e estaduais de direitos humanos de modo a favorecer o crescimento de uma cultura de DH, passo fundamental para o resgate da dignidade e da justiça em nosso país. O reconhecimento do Plano Municipal de DH de S. S. Paulo como passo fundamental para a viabilização de políticas de DHs, garantindo a participação da sociedade civil organizada.

GRUPO TEMÁTICO Nº 3:

O PODER JUDICIÁRIO E OS DIREITOS HUMANOS

Coordenação: Ela Wiecko Volkmer de Castilho
Relatoria: Maria Lúcia Karam
Apoio: Sueli Bellato

Introdução

Diante das limitações da discussão desenvolvida, em uma única tarde, sem uma pauta previamente preparada e amadurecida, o Grupo de Trabalho entendeu que as conclusões e propostas deveriam conter, apenas, sinalizações das linhas gerais a serem seguidas em um posterior aprofundamento do tema, em discussões a se desenvolverem pelo conjunto da sociedade, com a conseqüente viabilização de propostas concretas.

Tendo em conta a preocupação central no sentido de se caminhar para uma maior democratização do Poder Judiciário, de modo a obter de seus órgãos uma atuação comprometida com a garantia e a efetivação dos direitos humanos, recomendam-se três grandes eixos de discussão:

1 - As relações do Poder Judiciário com a sociedade e as questões do consentimento, do controle e da participação populares em relação aos órgãos do Estado;

2 - A estruturação e a atuação do Poder Judiciário: a aplicação da lei e a efetivação dos direitos humanos; e

3 - A atuação do Poder Judiciário na execução penal: a pena privativa de liberdade surgindo como ponto central das preocupações em torno da efetivação dos direitos humanos.

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1. Poder Judiciário e sociedade

- diante da necessidade primordial de romper com o isolamento e a postura conservadora do Poder Judiciário, tornando-o mais conhecedor da realidade e mais próximo das reivindicações e lutas desenvolvidas na sociedade, bem como de submeter sua atuação aos necessários consentimento, controle e participação populares, sugere-se:

- o desenvolvimento de discussões em torno das formas de ingresso no Poder Judiciário, nos diversos graus de jurisdição (concurso público, participação dos Poderes Executivo e Legislativo, eleição, etc.);

- a exigência de conhecimentos sobre a disciplina direitos humanos para o ingresso no Poder Judiciário, bem como sua introdução nos currículos das Escolas da Magistratura, enfatizando não só o estudo teórico como o contato com a realidade;

- o desenvolvimento de discussões em torno da criação e ampliação de órgãos colegiados, integrados por juízes togados e leigos, asseguradores de uma participação popular direta no exercício da função jurisdicional (júri, juizados especiais, etc.);

- o desenvolvimento de discussões em torno da descentralização do Poder Judiciário, a partir da experiência dos juizados especiais e dos juizados itinerantes;

- o desenvolvimento de discussões em torno dos mecanismos possíveis de controle popular sobre o Poder Judiciário (conselhos, ombudsman, etc.);

- o desenvolvimento de discussões em torno dos mecanismos internos de democratização do Poder Judiciário (publicidade dos processos administrativos, escolha dos órgãos de direção dos Tribunais, etc.);

- aproximação imediata das entidades ligadas à defesa dos direitos humanos com os órgãos do Poder Judiciário e com as entidades representativas dos magistrados, seja através de reuniões, debates e propostas, seja através da divulgação de documentos produzidos, a começar pelas conclusões desta 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos.

2. Aplicação da lei e efetivação dos direitos humanos

Neste ponto, o Grupo de Trabalho priorizou, em sua discussão, questionando-as, por expressiva maioria, as propostas da chamada federalização dos direitos humanos, em que se apresenta a transferência para a Justiça Federal da competência para o conhecimento de causas relativas a direitos humanos - transferência objeto de mais de um projeto de emenda constitucional -, como forma de tornar aqueles direitos mais efetivos, entendendo os que assim se expressaram que tais propostas, além de conduzirem a uma indefinida distribuição de competência, partem de uma suposição, não comprovada, de atuação mais independente dos órgãos da órbita federal, rompendo, ainda, com a desejável aproximação ao conflito e à realidade, que se faz, em qualquer âmbito da atuação estatal, por órgãos descentralizados. A independência do Poder Judiciário local pode ser atingida por sua democratização, como sugerida no item anterior.
Entendeu também o Grupo de Trabalho que a simplificação dos procedimentos e a criação de outros mecanismos asseguradores de um amplo e efetivo acesso à justiça fazem-se necessárias à aplicação da lei de forma comprometida com a efetivação dos direitos humanos, questão intimamente relacionada com os pontos abordados no item anterior, assim exigindo o desenvolvimento das discussões antes sugeridas.

3. Poder Judiciário e execução penal
Destacando, como preocupação maior e mais urgente nas discussões em torno do comprometimento do Poder Judiciário com a garantia e a efetivação dos direitos humanos, sua atuação na execução da pena privativa de liberdade, o Grupo de Trabalho sugere:
- implementar os Conselhos da Comunidade, previstos na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), órgãos viabilizadores da participação popular junto ao Poder Judiciário;

- maior presença dos órgãos da execução penal (juízes, Ministério Público, Conselhos, etc.) na fiscalização dos estabelecimentos prisionais, inclusive com inspeções sem prévia comunicação;

- repensar o âmbito de competência das Varas de Execução Penal, considerando, inclusive, a possibilidade de transferi-la para o juízo da condenação, especialmente no que se refere às medidas alternativas à prisão; e

- empreender ações sensibilizadoras dos juízes no sentido de uma maior aplicação de penas alternativas à prisão e de cumprimento, em prisão domiciliar, das penas privativas de liberdade impostas a presos doentes, a preocupação maior, neste ponto, voltando-se especialmente para aqueles atingidos pela aids.

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GRUPO TEMÁTICO Nº4:

O PODER LEGISLATIVO E OS DIREITOS HUMANOS

Coordenadores: Cecília Coimbra e Augustino Veit
Relatores: Cláudio Cluiz Beirão e Débora B. de Azevedo

O Grupo Temático Nº 4 da III Conferência Nacional de Direitos Humanos, foi composta por 17 conferencistas. A mesa dos trabalhos teve como coordenadores Cecília Coimbra e Agostinho, relator Cláudio Luiz e assessorada por Débora B. de Azevedo, assessora legistativa da Câmara dos Deputados. Início as 14 horas e 45 minutos.
Primeiro foram apresentados, pela assessoria, os projetos de lei (06) e projetos de emenda constitucional (03) que tramitam no legislativo e que são necessárias para implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos. Estes seriam os projetos prioritários e o grupo discutiria quais as formas de uma tramitação mais acelerada:

- PL 2.057/91. Dispõe sobre o estatuto das sociedades indígenas.

- PL 4.715/94. Transforma o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em Conselho Nacional dos Direitos Humanos e dá outras providências.

- PL 585/95. Dispõe sobre os direitos básicos dos portadores do vírus da AIDS e dá outras providências.

- PL 627/95. Regulamenta o procedimento de titulação de propriedade imobiliária aos remanescentes de quilombos, na forma do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estabelece normas de proteção ao patrimônio cultural brasileiro e dá outras providências.

- PL 2.684/96. (nº na Câmara)/PLC 32/97 (nº no Senado Federal). Altera dispositivos do Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal) - (Inclui entre as penas restritivas de direitos: a prestação pecuniária, a perda de bens e valores e o recolhimento domiciliar, caracterizando como penas alternativas)

- PL 3.599/97. Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas e institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas.

- PEC 46/91. Introduz modificações na estrutura policial (Desmilitarizando a polícia, submetendo-a à fiscalização do judiciário, e quanto à polícia judiciária, à supervisão do Ministério Público, alterando o art. 125, que se refere à Justiça Militar estadual, da nova Constituição Federal).
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- PEC 232/95. Dá nova redação ao artigo 243 e seu parágrafo único da Constituição Federal (Estabelecendo a pena de perdimento da gleba onde for constatada conduta que favoreça ou configure trabalho forçado e escravo, com a reversão dessas áreas aos programas de assentamento de colonos e destinando os bens apreendidos para programas de fiscalização e repressão a essas condutas).

- PEC 368/96. Atribui competência à Justiça Federal para julgar crimes praticados contra os direitos humanos.

Em seguida foi franqueada a palavra ao grupo para que apresentassem projetos para serem incluídos nesta prioridade.
Foram proposto a inclusão de 03 projetos de lei.

- PL 1289/91. Amplia para o estrangeiro em situação ilegal no território nacional o prazo para requerer o registro provisório.

- PL 1.813/91. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil e dá outras providências.

- PLP 142/97. Dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.

O Grupo 4 aprovou por unanimidade apresentação ao plenário da Conferência de uma moção a ser encaminhada ao Congresso Nacional para aprovação destas proposições, em regime de urgência. Em relação a cada um destes projetos, o Grupo 4, coloca a necessidade de ser encaminhada Cartas as competentes autoridades (presidentes de comissões, relatores, presidente do Senado ou da Câmara), onde tramita a respectiva proposição, pedindo urgência na apreciação e aprovação destes projetos prioritários. Deverá ser encaminhado cartas, também, aos lideres dos partidos no sentido de conseguir o apoio destes.

O grupo, considerando que existem cerca de 198 projetos de lei que tratam sobre direitos das mulheres, propõe que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara discuta o tema, "violência doméstica", em audiência pública consideram os projetos de lei que tratem do assunto e tramitam no Congresso Nacional.

Discutiu-se sobre a participação de militares brasileiros na chamada "Escola das Américas" e qual a forma de impedir esta pratica. Foi aprovado uma moção a ser encaminhada aos ministros militares recomendando o não envio de seus membros, como aluno ou intrutores, para esta "escola". Sobre o assunto outra moção será encaminhada ao deputado Nilmário Miranda para ser apresentado ao Parlatino colocando a preocupação com esta instituição e os males produzidos nos países latino americano.

Em relação as vítimas/opositores do regime militar propõem-se a formação de um grupo de revisão das legislações que tratam deste assunto visando corrigir as injustiças, como: a não ampliação do prazo de abrangência da Lei 9.140/95 e que seja contemplado aqueles que froam mortos en manifestações de rua; reparar os danos morais e materiais a todos os perseguidos; e outros assuntos que não fora abrangidos pela lei. Este grupo deverá ter assessoria especial das entidades que discutem o tema.
O Grupo propõe uma moção pedindo a expulsão e a anistia dos presos do caso Abílio Diniz .

Foi aprovado moção a ser apreciada por esta Conferência solicitando a Presidência da República o envio dos Tratados de Transferência de presos entre o Brasil e o Chile e o Brasil e a Argentina para ser apreciado pelo Congresso. Outra moção será encaminhada ao Congresso Nacional para aprovação destes tratados.

Aprovado, no grupo, moção sentido de solicitar a criação em todas as Câmara dos Vereadores das Comissões de Defesa dos Direitos Humanos.

O grupo aprovou moção para que as Câmaras e Assembléias Legislativas discutam a criação dos programas estaduais e municipais. Estes programas devem ser incentivados e
reconhecidos pelos Municípios e Estados.

GRUPO TEMÁTICO Nº 5:

AS NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E O RECONHECIMENTO DA JURISDIÇÃO DAS CORTES INTERNACIONAIS NO BRASIL

Coordenação: Tarcísio Dal Mazo e Renato Zerbini Ribeiro Leão

De acordo com os debates realizados no Grupo 5, que trata sobre normas internacionais e reconhecimento da jurisdição das cortes internacionais pelo Brasil, chegou-se às conclusões a seguir mencionadas.

DOCUMENTO I: MOÇÃO PELO RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA OBRIGATÓRIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Recomendamos uma indicação legislativa, nos termos do Art. 113, inc. I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a fim de o Presidente da República declarar ao Secretário-Geral da OEA, segundo o Art. 62 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (já aprovada pelo Congresso Nacional e ratificada pelo Executivo Federal), que reconhece como obrigatória a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

DOCUMENTO II: MOÇÃO SOBRE A CONFERÊNCIA DE ROMA QUE ESTABELECERÁ A CORTE PENAL INTERNACIONAL

Recomendamos que:

a. o Ministério das Relações Exteriores do Brasil pronuncie de forma clara, perante à opinião pública, sobre a aprovação do tratado que instituirá a Corte Penal Internacional, esclarecendo os seguintes pontos: papel do Conselho de Segurança e da Promotoria, concepção da complementariedade de jurisdições, tipificação dos crimes, medidas de proteção às testemunhas e vítimas;

b. o Ministério das Relações Exteriores do Brasil inclua na delegação, que representará o país na Conferência de Roma, o Ministro do referido Ministério, o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, um representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, um representante da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça e um representante da sociedade civil ligado à luta pelos direitos humanos;

Também solicitamos uma reunião, em nome da III Conferência Nacional de Direitos Humanos, com os responsáveis no Ministério das Relações Exteriores brasileiro pelo tema.

Acreditamos, sobre a questão, que:

a. o Conselho de Segurança não pode ter a prerrogativa de evitar a investigação e julgamento de casos sob sua análise pela Corte Penal Internacional;
b. a promotoria deve ter o poder de iniciar o processo (chamado de poder de gatilho - "trigger") em todos os tipos criminais, tendo por base as informações das vítimas, das ONGs ou de outras fontes;
c. o poder de decidir sobre questões ligadas a complementariedade da jurisdição da Corte Penal Internacional, em relação ao direito interno, deve ser dos juizes da Corte internacional;
d. a competência da Corte Penal Internacional não deve ser limitada aos cidadãos dos Estados que tenham ratificado o tratado;
e. no tratado instituidor da Corte, não pode haver a hipótese de o Estado reconhecer, de forma facultativa, a competência da jurisdição internacional caso a caso;
f. deve-se ressaltar a inclusão, como crime de guerra, do estupro sistemático em épocas de conflito e a utilização de crianças como soldados;
g. deve ser incluído algum mecanismo efetivo de proteção às testemunhas e vítimas;
h. não devem ser incluídos os crimes de terrorismo e de tráfico de entorpecentes, pois esses servirão de escusas para a responsabilidade dos agentes estatais.

DOCUMENTO III: MOÇÃO PELA APROVAÇÃO DA CONVENÇÃO INTERAMERICANA DE DESAPARECIMENTO FORÇADO DE PESSOAS E DA CONVENÇÃO Nº138 DA OIT

Exigimos que o Congresso Nacional aprove a Convenção Interamericana de Desaparecimento Forçado de Pessoas e a Convenção nº138 da OIT, que versa sobre direitos da criança e do adolescente.

DOCUMENTO IV: MOÇÃO PELO COMPROMETIMENTO DO BRASIL AOS MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A TORTURA E DO PACTO DE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Recomendamos que o Executivo brasileiro vincule-se ao Protocolo Facultativo do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e ao Art. 22 da Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura, que são instrumentos instituidores do direito de petição individual junto aos órgãos de implementação internacional do Pacto e da Convenção referidos.

DOCUMENTO V: MOÇÃO PELA FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES FUNDADOS EM TRATADOS DE PROTEÇÃO DE PESSOA HUMANA

Com o objetivo de cumprir fielmente as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil e facilitar a fiscalização da sociedade civil e dos órgãos de fiscalização, que o Congresso Nacional aprove legislação para federalizar os crimes fundados em tratados de proteção da pessoa humana.

DOCUMENTO VI: MOÇÃO EM PROL DA IMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES EMERGENCIAIS PARA O NORDESTE

Considerando a situação atual de emergência e de risco de vida dos flagelados nordestinos em verdadeiro estado de necessidade e de calamidade pública, atingidas pela adversidade da catástrofe de estiagem prolongada com duração prevista para cinco anos ininterruptos, a qual é agravada ainda pelos fatores de exclusão e de desigualdades sociais vigentes na região;

Considerando a profunda discrepância entre a situação desastrosa existente e os objetivos publicamente assumidos pelo governo brasileiro de realização plena dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de todos os brasileiros e brasileiras;

Requeremos que:

O governo intensifique ao máximo as ações articuladas no sentido de aliviar esta situação de emergência, abrangendo iniciativas e esforços de âmbito nacional, bem como o de considerar a possibilidade do recebimento imediato de ajuda alimentar humanitária internacional, destinada às populações do nordeste afligidas pela fome, pela falta de água, pela estiagem prolongada.

DOCUMENTO VII: MOÇÃO PELA ELABORAÇÃO E APRESENTAÇÃO PELO GOVERNO BRASILEIRO DO INFORME SOBRE A SITUAÇÃO DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS NO BRASIL

Considerando a situação de fome e miséria que milhões de brasileiros vivem na atualidade;

Considerando que no Brasil o acesso ao trabalho, à terra, à educação, à saúde de milhões de brasileiros está cada vez mais restrita;

Considerando o aumento da violência contra as populações carentes e marginalizadas no Brasil;

Considerando as obrigações assumidas pelo estado brasileiro junto aos instrumentos internacionais de direitos humanos;

Considerando o compromisso que os estados signatários do Pacto Internacional Sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em apresentar periodicamente o informe sobre a situação e as ações implementadas para realização destes direitos;

Requeremos:

Que o governo brasileiro elabore, com o envolvimento da sociedade civil, e apresente no âmbito internacional o respectivo informe.


MOÇÕES APRESENTADAS E APROVADAS EM PLENÁRIO

Além das moções a seguir enumeradas, outras foram apresentadas no âmbito dos Grupos Temáticos, em cujos relatórios elas estão relacionadas.

 

MOÇÃO Nº 1

ASSUNTO: Que o governo brasileiro não mais envie militares para treinamento e/ou instrução na Escola das Américas

Considerando:

1. Que a Escola das Américas, situada hoje no Forte Berring, Georgia, USA, desde os anos 50 vem treinando militares latino-americanos que, ao longo dos últimos 30 anos, vêm sendo utilizados para reprimir diferentes movimentos sociais democráticos;
2. Que, do Brasil foram enviados para treinamento e/ou dar instrução nos cursos da Escola das Américas 455 militares brasileiros;
3. 3. Que ficou comprovada a participação de, pelo menos, 22 desses militares em torturas, assassinatos, seqüestros e desaparecimentos de opositores políticos durante a ditadura militar;

Diante do exposto, nós participantes da 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, indicamos ao governo brasileiro que não mais envie militares à Escola das Américas.

Propuseram esta Moção: Grupos Tortura Nunca Mais do RJ/PE/MG
Missionários de Maryknoll de SP/PB
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.



MOÇÃO Nº 2

O Estado é responsável pelas lesões, mortes e desaparecimentos de jovens brasileiros na prestação do Serviço Militar Obrigatório, devendo, portanto, indenizar e pagar pensão às famílias dos soldados mortos em treinamento, bem como àqueles que sofreram lesões ou mutilações em seus corpos nos referidos treinamentos, devendo ter direito à devida reparação pelo Estado, a exemplo do que foi feito com relação aos desaparecidos ou mortos em razão da ditadura militar.

Essa reparação deve se estender aos estados, abrangendo os recrutas e oficiais em treinamento, qualquer que seja a força ou arma.

MOÇÃO Nº 3

Considerando que o direito de respirar ar puro é um direito humano fundamental, sendo o ar puro tão necessário à vida humana quanto a água limpa, e que a fumaça do cigarro contém cerca de 5 mil substâncias tóxicas que causam doenças cardíacas, cânceres, derrame cerebral e degeneração das funções humanas, pede-se

a) Proibições da veiculação da propaganda do cigarro nos meios televisivos.
b) Implantação, na rede pública hospitalar, de tratamento para os dependentes químicos do cigarro.
c) Severa observação do que prevê a lei 9.294 e decreto 2.018, ambos de 1996, que proíbem o uso do cigarro e outros produtos fumígenos onde haja permanência ou circulação de pessoas.

Moção proposta por Raimunda S. Guedes


MOÇÃO Nº 4

Moção pelo comprometimento do Brasil com a aprovação do protocolo facultativo à convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, CEDAN.
1. Recomendamos que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil se pronuncie de forma clara e decidida pela aprovação do protocolo facultativo à CEDAN, que dão cumprimento às resoluções de Viena 93 e Beijing 95.
2. Recomendamos ainda que o Ministério das Relações Exteriores inclua na delegação que representará o Brasil na reunião da Comissão da Condição Social e Política da Mulher (CSW) e da reunião do grupo de trabalho do protocolo facultativo, em março de 1999, de:

- Representante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher;
- Representantes da Bancada Feminina no Congresso Nacional;
- Representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados;
- Representantes da sociedade civil, mais especificamento do Movimento de Mulheres.


Marlene Libardoni - CEFEMEA
Consultora do IIDH às delegações Latinoamericanas no Grupo de Trabalho do Protocolo Facultativo


MOÇÃO Nº 5

DE PROTESTO À UNICAMP

Nós, participantes da 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em Brasília - DF, de 13 a 15 de maio de 1998, queremos protestar junto ao magnífico Reitor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), por dois fatos:

1. A atuação do perito Badan Palhares no caso das ossadas retiradas da vala comum de Perus, em São Paulo, envergonha a caminhada histórica da ciência no Brasil. Essa atuação tem sido marcada pela falta de transparência e pelo desrespeito à memória dos mortos e desaparecidos, comuns e políticos;
2. A simples devolução dos restos mortais não significa a resolução daquilo que a sociedade solicitou à UNICAMP, qual seja, a apuração científica da identidade daquelas vítimas da violência.

Diante Disto:

Reivindicamos que a UNICAMP notifique formalmente o Sr. Badan Palhares sobre o que pensamos a respeito do seu desempenho;
Exigimos que o reitor da UNICAMP explique à sociedade brasileira os motivos de sua decisão de devolver as ossadas;
Homenageamos os mortos e desaparecidos políticos, alguns dos quais executados sumariamente e jogados na vala de Perus;
Solidarizamo-nos com a luta dos familiares e companheiros dos mortos e desaparecidos políticos pela sua coragem e tenacidade na luta pela verdade.

Brasília, 15 de maio de 1998.

MOÇÃO Nº 6

De recomendação a todos os Estados da Federação de criação nos mesmos de Conselhos Estaduais de Direitos Humanos para a efetivação de Planos Estaduais de Direitos Humanos.

MOÇÃO Nº 7

Ao Governo do Estado do Paraná, apelando para que o mesmo efetive a lei nº 11.070, promulgada pela Assembléia Legislativa, que cria o Conselho Permanente de Direitos Humanos. Até o momento, não houve essa efetivação por falta de vontade política, uma vez que o Governo do Estado se recusa a nomear seus membros indicados pelas ONGs.

MOÇÃO Nº 8
DE DESAGRAVO, PROTESTO E REPÚDIO AO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ

Que, através da mensagem nº 6.380, de 8 de abril de 1998, em tramitação na Assembléia Legislativa, adota uma postura contrária às entidades de Direitos Humanos, às Associações e Sindicatos de Profissionais de Perícia Forense e a orientação do Programa Nacional de Direitos Humanos, ao subordinar o Instituto de Medicina Legal, o Instituto de Perícia Criminal e o Instituto de Identificação ao Superintendente de Polícia Civil.

MOÇÃO Nº 9

DE REPÚDIO

Às revistas íntimas nas funcionárias de fábricas, lojas, supermercados etc., assim como às revistas aos consumidores nas lojas, levando-os à vexames públicos e submetendo-os a situações constrangedoras, proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor - Lei nª 8.078, de setembro de 1990.

Moção proposta pela Vereadora Lúcia Pacífico Homem
Presidente da Confederação Nacional das Donas de Casa e Consumidores.

MOÇÃO Nº 10

1. Considerando a omissão de informações aos familiares dos cadetes PM Sérgio e Eraldo, mortos em 5 de abril, em Cáceres, MT;
2. Considerando os métodos e programas de formação dos policiais;
3. Considerando a lentidão na investigação dos fatos;
4. Considerando que o Comando da PM quer transformar os cadetes em heróis na defesa da segurança pública.

Repudiamos o Comando da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso.

MOÇÃO Nº 11

Que se inclua em todos os Programas Estaduais de Direitos Humanos de mutirões, com a participação da OAB e Defensoria Pública, onde houver organizada, para o exame e tomada de medidas necessárias, para a defesa dos Direitos Humanos das pessoas presas nas delegacias de polícias e distritos policiais.

JUSTIFICATIVA

No Paraná existem cerca de 3.500 presos recolhidos nos estabelecimentos penitenciários que contam com assistência judiciária e aproximadamente 4.500 presos, provisórios e em definitivo, recolhidos em cadeias públicas e em Distritos Policiais, sem qualquer assistência judiciária e sem a possibilidade da contratação de advogados por serem pobres.

MOÇÃO Nº 12

DE REPÚDIO

O Grupo "Articulação Visando a Criação de Programas Estaduais de Direitos Humanos", vem apresentar Moção de Repúdio à Plenária da 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, contra o governo do Estado do Piauí, pela sua omissão em relação à não implantação do Programa Estadual de Direitos Humanos.

MOÇÃO Nº 13

Moção de repúdio às declarações do Ministro da Justiça Dr. Renan Calheiros, quando manda proceder inquéritos, através da Polícia Federal, e ameaça pedir prisão preventiva das principais lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, sob a acusação de incentivar os "saques" por parte dos flagelados da seca.
Lembramos ao Sr. Ministro da Justiça, que vivemos em um Estado Democrático de Direito, em que é livre o direito de livre expressão, e os Juízes Federais não se prestarão ao papel de feitores do autoritarismo de um governo incompetente.

MOÇÃO Nº 14

DE PROTESTO

Que os governos estaduais não continuem a desrespeitar princípios constitucionais e a agredir a legislação trabalhista ao retirar gratificações do policial vitimado em serviço, cumprindo escala oficial, resultando em incapacidade (temporária ou definitiva) ou morte com injustos e inaceitáveis prejuízos vencimentais para si e/ou sua família.

MOÇÃO Nº 15

Moção de apoio às famílias das 28 crianças mortas por desnutrição em creches mantidas pelo Estado do Ceará.
Com base no relatório da Ordem dos Advogados do Brasil, consideramos absurdo o não reconhecimento por parte do Governo do Estado do Ceará de sua responsabilidade pela morte dessas 28 crianças nas creches de sua administração, e apelamos para que o Senhor Governador reveja essa decisão.

MOÇÃO Nº 16

Manifestando preocupação com as notícias veiculadas pela imprensa, dando conta que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES não liberará as verbas destinadas à construção de 52 estabelecimentos prisionais.

Solicita providências para a imediata liberação das verbas mencionadas.
CONVIDADOS PRESENTES E ENTIDADES REPRESENTADAS

NOME ENTIDADE

CLODOMIR ASSIS ARAÚJO - SECRETÁRIO DE JUSTIÇA REPRESENTANDO GOVERNO DO PARÁ

CLAUDISMAR ZUPIROLI - REPRESENTANTE DO GOVERNO DO DF

JOSÉ LUIZ VIEIRA - REPRESENTANTE DO GOVERNO DE GOIÁS

JOÃO JOSÉ DE SOUZA LEITE - SECRETÁRIO DE CIDADANIA, JUSTIÇA E TRABALHO DE MATO GROSSO DO SUL

JOSÉ CARLOS LEITE FILHO - SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA DO RN

EPAMINONDAS DE ANDRADE LIMA - PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SERGIPE

SEBASTIÃO ROSENBURG - DESEMBARGADOR 2º VICE-PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS

HÉLIO BARROS SIQUEIRA - DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO

ANTÔNIO DO AMARAL E SILVA - DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

ÍTALO JOSÉ DE MEDEIROS PINHEIRO - DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE

MANUEL NASCIMENTO JÚNIOR - PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO PARÁ

JOSÉ RIBAMAR MONTEIRO FILHO - REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE EST. DE SOLIDARIEDADE, CIDADANIA E TRABALHO DO MARANHÃO

ROSA MARIA ROTHE - OUVIDORA DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO PARÁ

DEPUTADO MÁRIO MAMEDE - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO CEARÁ

DEPUTADO RENATO SIMÕES - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO

DEPUTADO SÉRGIO SILVA - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLÉIA DE SANTA CATARINA

VEREADOR GERALDO CORREIA - PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE LINS

VER. DANIEL ANTÔNIO DE OLIVEIRA - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA MUNICIPAL DE GOIÂNIA

VEREADOR CLODOMIR G. GUIMARÃES - REPRESENTANTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PRESIDENTE DUTRA - MA

VEREADOR ÍTALO CARDOSO DE ARAÚJO - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO
VEREADOR CARLOS FRANCISCO SIGNORELLI - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA MUNICIPAL DE CAMPINAS

VEREADORA ANA GUERRA - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA MUNICIPAL DE POÇOS DE CALDAS

FRANCISCO CLAUBERTO BEZERRA - REPRESENTANTE DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA

JOÃO RICARDO DOS SANTOS CORTE - REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO DE JUÍZES DO RIO GRANDE DO SUL

ELA WIECKO V. DE CASTILHO - PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA

PAULO SÉRGIO FROTA SILVA - JUIZ DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE BELÉM

EDSON AUGUSTO CARDOSO DE SOUZA - PROMOTOR DE JUSTIÇA DO PARÁ

LÚCIA BASTOS FARIAS ROCHA - PROCURADORA DE JUSTIÇA DA BAHIA

ROBERTO DE OLIVIERA ANDRADE - PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MAGISTRADOS E PROMOTORES DE JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

JOSÉ MARIO TAFURI - REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE ESTADO DE JUSTIÇA E DA CIDADANIA DO PARANÁ

GENALDO LEMOS DO COUTO - REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS DA BAHIA

MARIA FERNANDA SALES M. PEREIRA - ASSESSORA DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO CEARÁ

ROSELI CLÉCIA PEREIRA SOARES COUTO - REPRESENTANTE DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARÁ

LUIZ FERNANDO FERANDES PACHECO - REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA E CIDADANIA DE SANTA CATARINA

WAGNER ROCHA D'ANGELIS - REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE JUSTIÇA DA CIDADANIA DO PARANÁ E ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO PARANÁ

PAULO AFONSO SAMPAIO DE LIMA - REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO AMAZONAS

ALEXANDRE ANDRÉ DOS SANTOS - REPRESENTANTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA

ROBERTO MITIO HARADA - REPRESENTANTE DA SECRETARIA DA CIDADANIA, JUSTIÇA E TRABALHO DO RIO GRANDE DO SUL

VERÔNICA MARIA DE AZEVEDO - REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DE PERNAMBUCO

GILDO SILVEIRA MENDONÇA - ASSESSOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO

CECÍLIA MARIA BOUÇAS COIMBRA - COORDENADORA DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA E PRESIDENTE DO GRUPO TORTURA NUNCA MAIS - RJ

SÔNIA APARECIDA DE MESQUITA - REPRESENTANTE DA SECRETARIA DA CRIANÇA E ASSISTÊNCIA SOCIAL

DEPUTADO GILNEY VIANA - DEPUTADO FEDERAL PT

GILDO SILVEIRA MENDONÇA - REPRESENTANTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SERGIPE

LAURA BEZERRA DE MEDEIROS - REPRESENTANTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE

HELENA C. S. CAMPOS - REPRESENTANTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO

REINALDO PEREIRA E SILVA - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB DE SANTA CATARINA

MARIA LÚCIA KARAM - REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA

ANELYSE FREITAS DE AZEVEDO - REPRESENTANTE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARÁ

ADALBERTO ABREU DE OLIVEIRA - REPRESENTANTE DA POLÍCIA CIVIL DO RIO GRANDE DO SUL

LUÍZ HENRIQUE MACCHI GASPARETTO - REPRESENTANTE DA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DO RIO GRANDE DO SUL

QUÉIA DOURADO GOUVÊA - REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO PARÁ

MARIA DA CONCEIÇÃO C. MIRANDA - ASSESSORA DA REPRESENTAÇÃO DO GOVERNO DO PARÁ EM BRASÍLIA

ARANALDO NOGUEIRA DE MORAES - REPRESENTANTE DO GOVERNO ESPECIAL DA SOLIDARIEDADE HUMANA DE GOIÁS

ADAMOR DE SOUSA OLIVEIRA - SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAPÁ

JOÃO MENDES DA SILVA - SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DE ALAGOAS

DEPUTADO CARLITO MERSS - ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA

DEP. MARIA DEL CARMEN FIDALGO - MEMBRO DA COMISSÃO DE DIR. HUM. DA ASSEMBLÉIA LEG. DO EST. DA BAHIA

JOSÉ DE OLIVEIRA BARBOSA - REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DE ALAGOAS

LOURIVAL FREITAS - REPRESENTANTE DO GOVERNO DO AMAPÁ EM BRASÍLIA

FERNANDO DE MELLO VIDAL - REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES E CONANDA

SÔNIA APARECIDA DE MESQUITA - ASSESSORA DA SECRETARIA DA CRIANÇA E ASSISTÊNCIA SOCIAL DE BRASÍLIA

DR. JOÃO BOSCO SÁ VALENTE - PROCURADOR DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS

MARTA SIMONE SILVA DO CARMO - REPRESENTANTE DO CONS. NAC. DOS DIR. DA MULHER DO MINIST. DA JUSTIÇA

GENNADI N. BALBA - CONSELHEIRO DA EMBAIXADA DA RÚSSIA

MEGHLAOUI HOCINE - EMBAIXADOR DA ARGÉLIA

LECOURTIER - EMBAIXADOR DA FRANÇA

AUDE DA COSTA - PRIMEIRA SECRETÁRIA DA EMBAIXADA DA FRANÇA

MILOS ALCALAY - EMBAIXADOR DA VENEZUELA

MARIO GALAFRE - EMBAIXADOR DA COLÔMBIA

JORGE JALLO - 2º SECRETÁRIO DA EMBAIXADA DO PERU

IRINA SCHOULGIN - 2ª SECRETÁRIA DA EMBAIXADA DA SUÉCIA

AURIMAR NUNES - ASSESSOR DA EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS

STEPHAN WINKLER - 1º SECRETÁRIO DA EMBAIXADA DA SUÍÇA

LOURDES GIRON - 1ª SECRETÁRIA DA EMBAIXADA DA VENEZUELA

MYRIAM BRÉA DE SOUZA - REPRESENTANTE DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

TÂNIA MARIA MONTEIRO - REPRESENTANTE DA SECRET. NACIONAL DE DIR.HUMANOS DE BRASÍLIA

CARLOS COÊLHO - PROCURADOR DE JUSTIÇA DO AMAZONAS
GUANAÍRA RODRIGUES - DIRETORA EXECUTIVA DA SECRETARIA DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO

ROSE MARIA - ASSESSORA DE IMPRENSA DA SECRETARIA DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO

GERMANO CRISÓSTOMO FRAZÃO - ASSESSOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

THATIANA SOARES BANDEIRA - SUPERINTENDENTE DA SECRETARIA DE ESTADO DE SOLIDARIEDADE, CIDADANIA E TRABALHO DE SÃO LUIS - MA

JOSÉ LUIZ QUADROS - REPRESENTANTE DO SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E GOVERNO DE MINAS GERAIS

MAIRA REJANE GUIMARÃES PINHEIRO - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE LICITAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO AMAZONAS

OSWALDO DELUZE RAYMUNDO - DEFENSOR PÚBLICO GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PAULO HENRIQUE PACHECO FERREIRA - PRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO AMAPÁ

LEILÁ LEONARDOS - COORDENADORA DA SECRETARIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

DEUSDETE LIMA - ASSESSORIA PARLAMENTAR DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO DF

CARLOS ALBERTO ALBERIONI - ASSESSOR PARLAMENTAR DO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES

NESTOR JOSÉ FORESTI - CONSELHEIRO DO CONSELHO MUNICIPAL DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE SÃO LUIS-MA

EMUNDO FILHO ARAÚJO - 1º TENENTE DA POLÍCIA MILITAR DE ALAGOAS

VALDÉCIO NEVES NASCIMENTO - TENENTE DA POLÍCIA MILITAR DE ALAGOAS

EDGAR R. DIAS - 1º TENENTE DA POLÍCIA MILITAR DE BRASÍLIA

CHEYENNE ANUTE DE LIMA - 2º TENENTE DA POLÍCIA MILITAR DO AMAZONAS

SUAMY SANTANA DA SILVA - ASSESSOR DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO DF

ADELAIDE ACÁCIA LEITE - SUPERINTENDENTE DA SECRETARIA DE CIDADANIA, JUSTIÇA E TRABALHO DO MATO GROSSO DO SUL

SANDRO TORRES AVELAR - ASSESSOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL

PAULO EDUARDO CASTELLO - ASSESSOR DO MINISTÉRIO DO TRABALHO

APARÍCIO LUIS XAVIER - COORDENADOR DE DIREITOS HUMANOS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPO GRANDE

SÉRGIO ROBERTO DE ABRE - CAPITÃO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ABIAIL FLORENTINA - JUIZA DE PAZ DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL

ANA JOSÉ ALVES - SECRETÁRIA DO CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DOS NEGROS DE CAMPO GRANDE - MS

MARCIA RABELO PORTUGAL - DIRETORA DA SUPERINTENDÊNCIA DO SISTEMA PENAL DE BELÉM - PA

ZONITA LIMA BRASIL - CONSELHEIRA MEMBRO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - BA

LUIS FRANCISCO CAETANO - COORDENADOR DA SUBCOMISSÃO DO DIREITO À VIDA, INTEGRIDADE FÍSICA E IGUALDADE DA OAB - GO

LAINDKS LOPES - MEMBRO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - AM

OLYMPIO MARAES JÚNIOR - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - AM

HERILDA BALDUÍNO DE SOUSA - MEMBRO DO CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS OAB - DF

JOILCE GOMES SANTANA - MEMBRO DA COMISSÃO DIREITOS HUMANOS DA OAB - RN

GEOVANI DE OLIVEIRA TAVARES - VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB- CE

DALIO ZIPPIN FILHO - CONSELHEIRO DA OAB - PARANÁ

PAULO SÉRGIO COSTA - CONSELHEIRO DA OAB - PARÁ

ANA MARY CARNEIRO - DELEGADA DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - RJ

ALCI MARCUS BORGES - ASSESSOR DA OAB - PI

ANTONIETA MAGALHÃES - CONSELHEIRA FEDERAL DA OAB - RORAIMA

SÉRGIO VICTOR TAMER - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - MA

SANDRA FERREIRA MOREIRA - CONSELHEIRA DA OAB - DF

RICARDO ANTONIO DIAS - COORDENADOR DA SUBCOMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - GO

VERA SACRAMENTO - SECRETÁRIA DO CONSELHO ESTADUAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - BAHIA

VANILDA BRUNO - MEMBRO DO CONSELHO ESTADUAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - BA
MARLENE LIBARDONI - INTEGRANTE DO CFEMEA

LUZIA RODRIGUES DE SOUSA - PRESIDENTE DA FENAÇÕES INTEGRAÇÃO SOCIAL

VERA LOPES DOS SANTOS - ASSESSORA DO DEPUTADO DISTRITAL ANTONIO CAFU
PAULO CÉSAR CARBONARI - MILITANTE DO MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DE PASSO FUNDO - RS

PAULO PIRES DE CAMPOS - DIRETOR DA ABONG

LUCIANO ESTEVAM SANTOS - MEMBRO DO COMITÊ DE APOIO AOS PATAXÓS

WALDOMIRO BATISTA - PRESIDENTE DO GRUPO TORTURA NUNCA MAIS DE GOIÁS

MARCOS FUCKS - MEMBRO DO CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE MINAS GERAIS

VANESSA CORRÊA VASCONCELOS - ASSESSORA DE IMPRENSA DA POLÍCIA MILITAR DO PARÁ

CARLA GUIMARÃES RIBEIRO - COORDENADORA DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL

MARIA DE NAZARÉ TAVARES - PRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DA PARAÍBA

JAMES CAVALLARO - DIRETOR NO BRASIL DA HUMAN RIGHTS WATCH

LAUSETTE VAN MANDACH - ASSESSORA DE PESQUISA DA HUMAN RIGHTS WATCH

RAIMUNDA DOS SANTOS GUEDES - ASSESSORA DO MINISTÉRIO DA CULTURA

ROMANY ROLAND MOTA - PRESIDENTE DA COMISSÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DA OAB NACIONAL

MARIA CAIAFA - COORDENADORA DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA PREFEITURA DE BELO HORIZONTE

GIVANETE LIMA BEZERRA - PRESIDENTE DA CADOTER/MNDH

JESUS LUIS BRANDÃO - DIRETOR DA UNAFISCO SINDICAL

NELIA RESENDE - DIRETORA DA UNAFISCO SINDICAL

MARIA DE LISIEX AMADO - ASSESSORA DA LIDERANÇA DO PSD NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

LUIS VALÉRIO - ASSESSOR DO CONSELHO FEDERAL DA OAB

DEPUTADO CAFU - CÂMARA LEGISLATIVA DO DF

CARLA GUIMARÃES R. CARDOSO - COORDENADORA DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL

IDAN CARDOSO DA SILVA - COORDENADOR DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL

MARIA GORETE ALEIXO - ASSESSORA PARLAMENTAR DO CFEMEA

DYANA YZABEL AZEVEDO DIAS - ASSESSORIA PARLAMENTAR CFEMEA

CÍCERO GONÇAVES DE OLIVEIRA - MEMBRO DA APUFPR

ELEIDA CARDOSO VON-GRAPY - REPRESENTAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO AMAZONAS

OSMARINA MELO DOS SANTOS - REPRESENTANTE DA FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO AMAZONAS

DINORÁ COUTO CANÇADO - PEDAGOGA

MARIA CECÍLIA FILIPINI - ASSESSORA JURÍDICA DO CIMI

LIVIA PENHA RODRIGUES - PRESIDENTE DO CONSELHO DIRETOR DO INSTITUTO QUÍRON

SW. DEVA PRAMAN - PRESIDENTE DO CONSELHO DELIBERATIVO DO INSTITUTO QUÍRON

JOSÉ SEVERINO DA SILVA - CAPOIB - COMISSÃO EXUCUTIVA

MARIA EDIVÂNIA V. DOS SANTOS - FÓRUM PERMANENTE CONTRA A VIOLÊNCIA - AL

LETÍCIA SOBREIRA - ASSISTENTE DE INFORMAÇÃO DA UNICEF

MARCELO NASCIMENTO - PRESIDENTE DO GRUPO GAY DE ALAGOAS

EDNA MARIA PORTELA SIQUEIRA - CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DO NEGRO

LUCY DA S. CRUZ - CONSELHEIRA DO CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DO NEGRO DE CAMPO GRANDE - MS

GENALDO LEMOS DO COUTO - DEFENSOR-PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DA BAHIA

JOSÉ ROBERTO CAMARGO - PRESIDENTE-CONSELHEIRO DO CONSELHO ESTADUAL DE DESENVOLVIMENTO E DEFESA DOS DIREITOS DO NEGROS - MS

JOSÉ HAROLDO TEIXEIRA - PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO PARÁ

CID PINTO BARBOSA - PROCURADOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DO MATO GROSSO DO SUL

MÁRCIA DIAS DE NORONHA - ASSESSORA DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL

OSWALDO DELEUZE RAYMUNDO - REPRESENTANTE DO CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

RAIMUNDA LUZIA DE BRITO - PRESIDENTE DO COLETIVO DE MULHERES NEGRAS DE MATO GROSSO DO SUL

MARIA APARECIDA DE SOUZA - CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DO NEGRO DO MATO GROSSO DO SUL

JOÃO BATISTA BAUMGARTNER - ASSOCIAÇÃO DE DOCENTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS - SP

OTÁVIO MARCELINO MACIEZ - GRUPO ESPECIAL DE TRABALHO SOBRE ASSASSINATO NO CAMPO

MARLAN ROCHA - PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO GERALDO ROCHA

MARIA AMÉLIA DE ALMEIDA TELES - UNIÃO DE MULHERES DE SÃO PAULO/COMISSÃO DE FAMILIARES DO MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS

MARIA MÁRCIA DA SILVA KESSELMIG - SINDICATO DOS PERITOS CRIMINAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO

ANTENOR VAZ - FUNDAÇÃO ATHOS BULCÃO

PAOLA ANTONY - FUNDAÇÃO ATHOS BULCÃO

MARCOS MEDEIROS - FUNDAÇÃO ATHOS BULCÃO

VERA LEONELLI - PROJETO AXÉ

GIUSEPPE PISANO - MLAL/MNDH

JUSSARA DE GOIÁS - ASSESSORA DO INESC

ALICE LIBARDONI - ASSESSORA PARLAMENTAR DO CFEMEA

BAILON TAVEIRA VILA NOVA - PROFESSOR DA FUND. EDUC. DO DF

VALDÊNIA BRITO - GAJOP - PERNAMBUCO

EDILSON PEREIRA DA SILVA - CEDINE - MATO GROSSO DO SUL

JUSTINA IVA DE A. SILVA - FONACRIAD

NAIR NASCIMENTO PIRES DE CASTRO - PASTORAL DA CRIANÇA DE CARINHANHA - BA

MARCELO SILVA DE FREITAS - PRESIDENTE DA SOCIEDADE PARAENSE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

FRANCISCO ALVES RIBEIRO - MOVIMENTO DE MULHERES DE CARINHANHA

MARIA DOMITILA Q.COELHO - ORIENTADORA EDUCACIONAL DA FEDF

ANA RIBAS - ANISTIA INTERNACIONAL SEÇÃO BRASILEIRA

ODAIR LUIS DOS REIS - ASSOCIAÇÃO BRASILIENSE DE PERITOS EM CRIMINALISTICA

LUIZ HENRIQUE ALVES DE LIMA - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PERITOS CRIMINAIS

RENATO ZERBINI LEÃO - ASSESSOR DO INESC
ALBERI ESPINDULA - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIMINALISTICA

ALAN PASCAL - V.I.D.A BRASIL

REGINALDO COUTINHO CARVALHO - SINPOLJUSPI

CONSTANTINO DE SOUSA BARROS JÚNIOR - SINPOLJUSPI

WILLIAN MOREIRA FILGUEIRAS - CENTRO ACADÊMICO XI DE AGOSTO

JACINTO TELES COUTINHO - SINPOLJUSPI/FEBRASPEN

SEBASTIÃO BEZERRA DA SILVA - CENTRO DE DIREITOS HUMANOS DE CRISTALÂNDIA - TOCANTINS

LINDALVA ALVES DOS SANTOS - FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DF

CLAÚDIO DOMINGOS IOVANOVITCH - ASSOCIAÇÃO DE PRESERVAÇÃO DA CULTURA CIGANA

KARINA FERNANDES GOMES - REVISTA NÓS

DAMIEN HAZARD - HANDICAP INTERNACIONAL/VIDA BRASIL/FÓRUM DE ENTIDADES DE DIREITOS HUMANOS DA BAHIA.

RAIMUNDO NONATO LIMA - GRUPO ESTRUTURAÇÃO

CÁSSIO THIONE ALMEIDA DE ROSA - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIMINALÍSTICA

DAVID KANE - MISSIONÁRIO DE MASYKNOLL

ALEXANDRINA DE SOUZA - DIRETORA DA ABAP

CARLOS FERNANDES - PRESIDENTE DA ABAP

LEONÍZIA IZABEL DA SILVA - CENTRO DE DIREITOS HUMANOS DE PALMAS

MARIA GORETI DE LIMA - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM

RUBENS PINTO LYRA - COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA UFPB

NILO PEÇANHA DE MEDEIROS NETO - CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DE JUIZ DE FORA - MG

TAKATO NAKAYOSHI - BSGI

TEODORO FREIRE - PRESIDENTE DO BUMBA MEU BOI

ERIK AF HALLSTREM - REPRESENTANTE DA EMBAIXADA DA FINLÂNDIA

BENONI BELLI - MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
LÚCIA BASTOS FARIAS ROCHA - PROCURADORA DE JUSTIÇA DA BAHIA

CÉLIO SCHOLEMBERG - VEREADOR DE BLUMENAU

OSCAR BAUTENBERG - VEREADOR DE BLUMENAU

IVO SCHEIK HADLICH - VEREADOR DE BLUMENAU

LADISLAU PAULINO CAMPOS - SUBSECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESPÍRITO SANTO

MÁRCIO GONTIJO - VICE-PRESIDENTE DA SEÇÃO BRASILEIRA DA ANISTIA INTERNACIONAL

MARIA LUIZA FLORES DA CUNHA BIERRENBACH - COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ DE SÃO PAULO

ANTÔNIO LUIS ESPÍNOLA SALGADO - CHEFE DA DIVISÃO DE DIREITOS HUMANOS DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

QUEFREN TRINDADE DE MESQUITA CRILLANOVICK - PRESIDENTE DO GRUPO ESTRUTURAÇÃO DE BRASÍLIA

KEIKO NAKAYOSHI - BSGI - BRASÍLIA

LUCINÉIA DE FÁTICA NEPOMUCENO SILVA - PROFESSORA DA FEDF

MÁRCIA ANITA SP´RANDEL - ASSESSORA DA LIDERANÇA DO PT NO SENADO

ADRIANA MOURÃO ROMERO - ASSESSORA DA LIDERANÇA DO PT NO SENADO

MARIA DO PATROCÍNIO R. PEREIRA - APABB - BANCO DO BRASIL

LUCINETE JARDILINA DE OLIVEIRA - FORUM DE ENTIDADES NEGRAS DE GOIÂNIA

SILMA MARLICE MADALENA - COORDENADORA DO GRUPO DE PESQUISA DE SÃO PAULO

IAN RODRIGUES DIAS - ABAP

PLÍNIO POSSOBOM - CONSELHO ESTADUAL DCA - SÃO PAULO

PAULO JOSÉ LEITE FARIAS - PROMOTOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DF

MOHAMED ABDARRAHMANE O. MOHAMED - CONSULTOR DA EMBAIXADA DO ESTADO DO KUWAIT

PADRE FRANCISCO REARDON - COORDENADOR NACIONAL DA PASTORAL CARCERÁRIA - CNBB

DEPUTADO JOÃO CÔSER - CÂMARA DOS DEPUTADOS

MARCUS VINÍCIUS ROMANO LEMOS - COORDENADOR DA SECRETARIA NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

VERA MARISA CONCEIÇÃO CARVALHO DA SILVA - DIRETORA DE DEPARTAMENTO DA SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA E DA SEGURANÇA DE RS
DÉBORA BITHIAH DE AZEVEDO - ASSESSORA LEGISLATIVA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

MARIA DO LIVRAMENTO - SECRETÁRIA DA CNTE

GEOVANI DELGAÇO BAIA DE OLIVIERA - MEMBRO DO CENTRO DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

LAURA SAGALL CORRÊA - MEMBRO DO CENTRO DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

LUDMILLA O. PALAZZO - MILITANTE DO MOVIMENTO NACIONAL DE MENINOS E MENINAS DE RUA

ZENAIDE ATAIDE RAMOS - ORIENTADOR EDUCACIONAL DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL

LÚCIA BARROS F. DE ALVARENGA - MEMBRO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS OAB/MT

MARIA ABADIA SILVA - ASSESSORA DA LIDERANÇA DO PSDB

CLÁUDIA MARIA DE PAULA - CONSULTORA DA COORDENAÇÃO NACIONAL DST/AIDS - MINISTÉRIO DA SAÚDE

JOANISVAL BRITO GONÇALVES - PESQUISADOR DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

MARRIELLE MAIA ALVES FERREIRA - MEMBRO DO CDDPH/MJ

DANIEL AYRES KALUNE REIS - ESTAGIÁRIO DO DDH - MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

MARGARIDA GENEVORS - CONSELHEIRA DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER

PLÍNIO POSSOBOM - PRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DCA - SP

NILSON PINTO CORRÊA - MEMBRO DO CONIC - CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS NO BRASIL

REVERENDO ROMEU OLMAR KLICH - SECRETÁRIO NACIONAL DO MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS - MNDH

ATAÍDE JORGE DE OLIVEIRA - MEMBRO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB-DF

ANDRÉ MAGALHÃES BARROS - SECRETÁRIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB/DF

FRANCISCO HERKENHOFF - COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB-ES

ÁLVARO SAMPAIO - ASSESSOR DO CONSELHO DE ARTICULAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO BRASIL

JOSÉ ACÁCIO SANTOS DA ROCHA - ASSESSOR DO MINISTÉRIO DO EXÉRCITO

JOSÉ ANTONIO MORONI - COORDENADOR DO MOVIMENTO NACIONAL DE MENINOS E MENINAS DE RUA

CARMEN HEIN DE CAMPOS - MEMBRO DO THENIS - ASSESSORIA JURÍDICA DE ESTUDOS DE GÊNERO

LUIZ MELLO DE ALMEIDA - SECRETÁRIO DE IMPRENSA DO GRUPO HOMOSSEXUAL DE BRASÍLIA

]CLÁUDIO LUIZ DOS SANTOS - ASSESSOR JURÍDICO DO CIMI

RUTH CAETANO CARDOSO - PARCEIRA NACIONAL DO HABITAT PARA A HUMANIDADE

PAMELA BURRELL - PARCEIRA INTERNACIONAL DO HABITAT PARA A HUMANIDADE

ANDREA ABELSON - COORDENADORA DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA

MARCUS VINÍCIUS PEREIRA - PRESIDENTE DO GRUPO VIDDA

SAULO SAOLTARICK DE ALMEIDA - 1º SECRETÁRIO DO GRUPO VIDDA

CECÍLIA MARIA BOUÇAS - PRESIDENTE DO GRUPO TORTURA NUNCA MAIS - RJ

ANA CRISTINA MELLO - COORDENADORA LEGISLATIVA DA COMUNIDADE BAHA'Í DO BRASIL

GERALDA PEREIRA DA SILVA - MEMBRO DA APNS

JADIR BRITO - DIREÇÃO NACIONAL DO MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO

JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES - REPRESENTANTE DO SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS

TEODORICO FERREIRA DA SILVA - REPRESENTANTE DO CENTRO OESTE DOS AGENTES DE PASTORAL NEGROS

SUELEN SANTOS DE OLIVEIRA

RINALDO RIBEIRO DE ALMEIDA - SECRETÁRIO DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS

HENRIQUE TRINDADE

JOAQUIM VENTURA LOPES - MEMBRO DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS "HENRIQUE TRINDADE"

PASTOR IVO SCHOENHERR - REPRESENTANTE DA IGREJA EVANGÉLICA DE CONFISSÃO LUTERANA NO BRASIL

TEREZINHA PIMENTA LIMA - ORIENTADORA EDUCACIONAL DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DF.

ADEYDE VIANA - CONSELHEIRA DO MNDH - REGIONAL NORTE II

ELZIRA MARIA DO ESPÍRITO SANTO - PRESIDENTE DO CONSELHO DOS DIREITOS DA MULHER - DF

MARIA DAS GRAÇAS CAMPOS - ASSESSORA DO CONSELHO DOS DIREITOS DA MULHER - DF

ANA MARIA DE FREITAS - SECRETÁRIA DO CENTRO DE DEFESA E PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DA ARQUIDIOCESE DE FORTALEZA

GIL NUNES MAIA JÚNIOR - CONSELHEIRO NACIONAL DO MNDH - NE

ELIANE MARIA FLEURY SEIDL - MEMBRO DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA

ROSIANA QUEIROZ - SECRETÁRIA DO MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS - REGIONAL NORDESTE

JUAN OSCAR GATICA - CONSELHEIRO NACIONAL DO MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS - REGIONAL NORDESTE

GERALDO DE CASTRO - CAPITÃO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE GOIÁS

JOSÉ HIPÓLITO CORREIA FILHO - CAPITÃO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE GOIÁS

IRENE MARIA DOS SANTOS - SECRETÁRIA DA REGIÃO CENTRO-OESTE - MNDH

MARLY MASCARENHASD DE OLIVEIRA - MEMBRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO

PADRE PAULO EUSTÁQUIO VENUTO - PÁROCO DA PARÓQUIA SÃO JOSÉ

LUZIA DA SILVA CAMPOLINA - MEMBRO DO MOVIMENTO DE MULHERES

MARIA LUIZA MARCILIO - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

MARA JANE CANDIDO - COORDENADORA INTERMEDIÁRIA DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL

ARNO REIS - DIRETOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

HELENISA MARIA GOMES DE OLIVEIRA NETO - PROFESSORA/COORDENADORA DO PROGRAMA DE DIREITOS HUMANOS DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

REGINA CÉLIA PEDROSO - PESQUISADORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

EMÍLIA MARIA COSTA E ARRUDA - ORIENTADORA EDUCACIONAL DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL

ALBÉRICO GOMES GUERRA - PROFESSOR DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

JUANA ANDRADE DE LUCINI - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

JULIEN MACHADO DA SILVA DUTRA - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

ANGELA JUNCK DA SILVA - ESTUDANTE DA AEUDF

CRISTIANA ARAÚJO BORGES - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

HELEN WERNICK DE CARVALHO - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

MARÍLIA SILVA DE OLIVEIRA - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
JULIANA GARCIA DOS SANTOS - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

MAURÍCIO DA COSTA BARROS - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

ERIC DO VAL LACERDA - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

RAFAEL ARRUDA FURTADO - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

MARIANA WIECKO VOLKMER - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

DANIELLA CASTANHEIRA - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

HENRIQUETA BARBOSA SPÍNOLA - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE CAMPINAS

FLÁVIA SOUSA RAMALHO - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

HELEN WERNICK DE CARVALHO - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

RICARDO ZARATTINI FILHO - ASSESSORIA TÉCNICA DA LIDERANÇA DO PDT - CÂMARA DOS DEPUTADOS

ESTEVÃO DE REZENDE MARTINS - CONSULTOR-GERAL LEGISLATIVO DO SENADO FEDERAL

RAIMUNDO PRIMO - ASSESSOR DO DEPUTADO ALCIDES MODESTO

NILCE GOMES DE SOUZA - ASSESSORA PARLAMENTAR DO FÓRUM DE MULHERES - DF

LUIZ PAULO PIGRI - REPÓRTER DA ADIRP - CÂMARA DOS DEPUTADOS

GERALDO PEREIRA TEIXEIRA - TÉCNICO LEGISLATIVO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

DULCI TUPACYGUARA MASCARENHAS - ESCRITORA

GILSON FELIX BATISTA

NÉSTOR PEDRO

EDSON GERALDO CANÇADO

ROBERTO ROSA LOPES - SECRETARIA ESPECIAL SOLIDARIEDADE HUMANA

JORGE ANTONIO SIQUEIRA - ASSESSOR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

MILENA ALENCAR - TÉCNICA DA RECEITA FEDERAL

CLARISSA WOLF

JORSITA DAS DORES SILVA - SECRETÁRIA PARLAMENTAR DO GRUPO DE ESTUDOS PARA CARREIRA DIPLOMÁTICA

THAIS FRANÇA BUDÓ - ANALISTA LEGISLATIVO - CÂMARA DOS DEPUTADOS

EUDES GOMES DE OLIVEIRA - SECRETÁRIO PARLAMENTAR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

LUCINÉIA DE FÁTIMA NEPOMUCENO - PROFESSORA DO CENTRO DE ENSINA ASA NORTE - CEAN

SIMONE BRAZ FERREIRA - PROFESSORA DA ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO

PAULO MANELLA CORDEIRO

CERES MENIN FLORES

CLÁUDIA C. TOMAZI PEIXOTO

FELIPE COSTA

SONIA HYPOLITO - SECRETÁRIA NACIONAL DOS MOVIMENTOS POPULARES - PT NACIONAL

WILLIAM AGUIAR - DIRETOR DO SOS RACISMO - PORTUGAL

FARLEY STEELE S. CARDOSO - MEMBRO DA SECRETARIA DA JUSTIÇA E DA CIDADANIA

ALAÚDE SOARES JÚNIOR - MEMBRO DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-SOCIAIS E CIDADANIA

CARLOS ALBERTO DE MÉLO LÔBO - SECRETÁRIO DE ESTADO DA JUSTIÇA E DA CIDADANIA DO ESTADO DO PIAUÍ

TELMA CAVALCANTE LINO - ASSESSORA PARLAMENTAR DA POLÍCIA FEDERAL

MARCOS COLARES - SECRETÁRIO-GERAL DA COMISSÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - CF

MARIA CRISTINA JAKIMIAK - ASSESSORA DO DEPUTADO LUIZ EDUARDO GREENHALGH

HELOÍSA GRECO - MEMBRO DO MOVIMENTO TORTURA NUNCA MAIS DE MINAS GERAIS

SILVIA NOGUEIRA DE CARVALHO - COORDENADORA DO DRE - FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL

ANSELMO BARBOSA - RELAÇÕES PÚBLICAS DA ASSOCIAÇÃO BRASIL - BSGI

MARIA OLGA D. R. DE SANTANA - COORDENADORA DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL

JOSÉ ALEXANDRE MIRINDA MOREIRA - VEREADOR DE OLINDA

MARCELO DE SANTA CRUZ OLIVEIRA - VEREADOR DE OLINDA E COORDENADOR ADJUNTO DA CENDHEC.

YVES RIBEIRO DE ALBUQUERQUE - PREFEITO DE IGARASSU - PERNAMBUCO
ARLINDO CHINAGLIA - DEPUTADO FEDERAL / PT

PAULO SENA - ASSOCIAÇÃO DOS ASSESSORES DO LEGISLATIVO

IZABEL VIANNA - COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA

IVANE MARIA SILVA FURTADO - CORDE / MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

JOSÉ LÚCIO FERNANDES - MOVIMENTO NEGRO

MARIA DE LOURDES BRITO DA SILVA - SECRETARIA DA CRIANÇA E ASSISTÊNCIA SOCIAL

WALTER PINHEIRO - DEPUTADO FEDERAL

PIERRE TOUSSAINT ROY - MOVIMENTO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS - NOVA IGUAÇU / RJ

ADAIR SOUZA DA MATA - CONSELHO ESTADUAL DE DESENVOLVIMENTO E DEFESAS DOS DIREITOS DO NEGRO / MS

AVELINO JORGE O. BARBOSA - POLÍCIA MILITAR DO DF

JÚLIO CÉSAR DE OLIVEIRA VALLÚ - POLÍCIA MILITAR DO DF

JOELSON DIAS - ADVOGADO

MARINDA HELENA SANTOS - REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

WAMBA FIDELE - PRIMEIRO SECRETÁRIO DA EMBAIXADA DOS CAMARÕES

MARIA GIOVANNI FRANCO DE CARVALHO - COMUNIDADE BAHÁ'I

RODRIGO STUMPF GONZÁLEZ - MOVIMENTO NACIONAL DE MENINOS E MENINAS DE RUA

PAULO AFONSO SAMPAIO DE LIMA - CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO AMAZONAS

ALESSANDRA SOARES BARCELLOS - COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB DE CAMPO GRANDE

JOATAN LOUREIRO - CENTRO DE DEFESA DE DIREITOS HUMANOS MARÇAL DE SOUSA

CLÁUDIA ABRHÃO BARBOSA - COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB / MS

DALVA SOARES BARCELLOS - COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB / MS

ROBERTO FIGUEIREDO CALDAS - CUT/DF

VALÉRIA GETÚLIO DE BRITO E SILVA - MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS - BRASÍLIA/DF

DEPUTADO PADRE ROQUE - DEPUTADO DO PT - PR
DEPUTADO ESTADUAL ISANE MONTEIRO - DEPUTADO ESTADUAL DO PARÁ

DEPUTADO LUIZ EDUARDO GREENHALGH - VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

VEREADOR FRANCISCO LEITE DA SILVA - CÂMARA MUNICPAL DE CUBATÃO

VEREADOR MESSIAS GOMES SILVEIRA - CÂMARA MUNICIPAL DE CUBATÃO

VEREADOR MANOEL DEODORO DE ALMEIDA - CÂMARA MUNICIPAL DE CUBATÃO

FRANCISCO DE ASSIS MARINHO FILHO - PROCURADOR DA REPÚBLICA

ADÉLIO MENDES DOS SANTOS - GETAC - GRUPO ESPECIAL DE TRABALHO SOBRE ASSASSINATO NO CAMPO

MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO - CONSELHEIRA DO MNDH NORTE

ELSON BEZERRA DA SILVA COSTA - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ACRE

ONÉIA DOURADO - PRESIDENTE DO GETAC - GRUPO ESPECIAL DE TRABALHO SOBRE ASSASSINATO NO CAMPO - PARÁ

ADÉLIO MENDES - MEMBRO DO GETAC

OTÁVIO MACIEL - MEMBRO DO GETAC

ROSELI COUTO MEMBRO - DO GETAC

ANELYSE AZEVEDO - MEMBRO DO GETAC

VANESSA VASCONCELOS - MEMBRO DO GETAC

EDSON AUGUSTO - MEMBRO DO GETAC

GUSTAVO UNGARO - SECRETARIA DA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA

DERMI AZEVEDO - ASSESSOR DA SECRETARIA DA JUSTIÇA/ GOVERNO DE SÃO PAULO

BELISÁRIO DOS SANTOS JÚNIOR - SECRETARIA DA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROFESSOR LUÍS THOMÉ - REPRESENTANTE DA UNIVERSIDADE SÃO MARCOS

DENISE TIMO DE VELLASCO - ASSESSORA DO CONSELHO BRITÂNICO

RENATO AUGUSTO KÜHNE - PASTOR SINODAL DA IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA NO BRASIL

FRANCISCO WHITAKER - SECRETÁRIO EXECUTIVO DA COMISSÃO BRASILEIRA JUSTIÇA E PAZ

NÁDIA CAVALCANTE BEIRÃO - SECRETÁRIA DO MST-DF E ENTORNO

ROGÉRIO TOLOX SOLDAN - COORDENADOR DE MOVIMENTOS SOCIAIS DA FEDERAÇÃO DOS ESTUDANTES DE AGRONOMIA DO BRASIL

REGISE JORDÃO

ROSITA MILESE - DO CENTRO SCALABRIMÁNO DE ESTUDOS MIGRATÓRIOS

DIETER METZNER - COOPERANTE DO FIAN

LUCIANO ANDRÉ WOLFF - ASSESSOR DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

JACINTO TELES COUTINHO - PRESIDENTE DO SINDICATO DOS POLICIAIS CIVIS PENITENCIÁRIOS DO PIAUÍ

CONSTANTINO BARROS JÚNIOR - VICE-PRESIDENTE DO SINDICATO DOS POLICIAIS CIVIS PENITENCIÁRIOS DO PIAUÍ

REGINALDO COUTINHO - DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE DIREITOS HUMANOS DO SINDICATO DOS POLICIAIS CIVIS PENITENCIÁRIOS DO PIAUÍ

JOÃO RICARDO DOS SANTOS COSTA - DIRETOR DO DEPTº DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES DO RIO GRANDE DO SUL (AJÚRIS)

JOSÉ MAGALHÃES DE SOUSA - ASSESSOR DA CÁRITAS BRASILEIRA

LUIZ MOTT - PRESIDENTE DO GRUPO GAY DA BAHIA

CARLOS VALERA PAULINO - 2º SECRETÁRIO DA EMBAIXADA DO MÉXICO

RICARDO NAKAHIRA - PROCURADOR DA REPÚBLICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

IRAGEU FONSECA - SECRETARIA DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO

AGNELO QUEIROZ - DEPUTADO FEDERAL

ROBERTO FRANCA FILHO - SECRETARIA DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO

LUCIANA VALÉRIA GONÇALVES - FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES

ELIZABETH BASTOS DA SILVA - FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES

REJEAN TESSIER - PRIMEIRO SECRETÁRIO DA EMBAIXADA DO CANADÁ

MILITZA JEMÉNEZ - COORDENADORA DO FUNDO CANADÁ DA EMBAIXADA DO CANADÁ

ANTONIO NARCISO PIRES DE OLIVEIRA - GRUPO TORTURA NUNCA MAIS DO PARANÁ E MOVIMENTO NACIONAL DE DIRIETOS HUMANOS

ALUÍZO MATIAS DOS SANTOS - CENTRO DE DIREITOS HUMANOS E MEMÓRIA POPULAR DO RIO GRANDE DO NORTE

AMAURI PESSOA VERAS -NÚCLEO TEMÁTICO DE DIREITOS HUMANO DO PPS

VILMA VEIRA DEVIDÉ NOGUEIRA - COORDENADORA DA FUND. EDUCACIONAL DO DF

MÁRCIA CRISTINA TOMAZ SILVA -COORDENADORA DA FUND. EDUC. DO DF.

AMANDA OLIVEIRA BATISTA - GERENTE DE EDUCAÇÃO BÁSICA DA FEDF

MARIA GLÓRIA VIEIRA DE SOUZA - COORDENADORA DA FEDF

EDINIRA MARTINS RODRIGUES - COORDENADORA DAS ORIENTADORAS EDUCACIONAIS DA FEDF

ELOISA HELENA DIAS DA SILVA - TÉCNICO DA FEDF

MARIA VIEIRA DE MORAIS - COORDENADORA DA FEDF

NAIRA DE ARAÚJO PEREIRA - DIRETORA/TESOUREIRA DA AÇÃO LIBERAL FEMININA

ANA LÚCIA RIBEIRO PINTO - DIRETORA MÉDICA DO CENTRO NACIONAL BERTHA LUTZ

FLÓRIDA MARIANA ACIOLI RODRIGUES - PRESIDENTE DO CENTRO NACIONAL BERTHA LUTZ

EDÉLCIO VIGNA DE OLIVEIRA - ASSESSOR DO INESC

CILDA DO VALE OLIVEIRA - ORIENTADORA EDUCACIONAL DA FEDF

AMAQUÉSIA MADEIRA FERNANDES - ORIENTADOR EDUCACIONAL DA FEDF

VEREADORA LÚCIA PACÍFICO HOMEM - VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE - MG

JOSÉ CARLOS ZANETTI - ASSESSOR DE PROJETOS DA COORDENADORIA ECUMÊNICA DE SERVIÇO

ANEXO

ANAIS DO ENCONTRO PREPARATÓRIO DO CINQÜENTENÁRIO DA DECLARAÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS E DEVERES DO HOMEM E DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS



Realizado no Auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados,
em 3 e 4 de dezembro de 1997

CERIMÔNIA DE ABERTURA

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Recebam nossa calorosa saudação e nosso agradecimento pela presença neste Encontro Preparatório do Cinqüentenário da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da OEA e da ONU, respectivamente, e do IV Fórum Nacional de Direitos Humanos.
Sabemos das dificuldades de um encontro como este num final de ano, mas houve aprovação para realizá-lo e o estamos fazendo justamente porque precisamos de nos preparar para o ano que vem. Temos dois bons motivos para discutir a questão dos direitos humanos: a Declaração Americana, de abril de 1948, aprovada em Bogotá, e a Declaração Universal, aprovada no dia 10 de dezembro de 1948. Significa que queremos trabalhar bem no próximo ano. Portanto, saudamos V.Sas. agradecendo a todos pela presença. Que avancemos cada vez mais na teoria e principalmente na prática dos direitos humanos no Brasil e na América Latina.
Saudamos também todos os brasileiros, todos os representantes de países amigos latino-americanos, esperando realizar com êxito este encontro para a preparação da agenda de trabalho para 1998.
Convido o Dr. Cristian Koch-Castro, representante da Organização das Nações Unidas, encarregado da missão do Alto Comissariado das Nações Unidos para Refugiados no Brasil, para tomar assento à mesa. (Palmas.)
Convidamos também a fazer parte da Mesa representantes de entidades atuantes na defesa dos portadores de deficiências. Inicialmente, a Sra. Liane Martins Collares, da área de deficiência mental; o Dr. Luiz Cláudio Fernandes de Carvalho, da área de auditiva; o Dr. Rui Bicalho Sobrinho, da área de deficiência visual; e o Deputado Flávio Arns, da área de paralisia cerebral, um expoente na organização das APAEs do Brasil e membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. (Palmas.)
Ainda convidamos para fazer parte da Mesa o Professor Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade, Vice-Presidente e Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que será o nosso expositor na parte da manhã; o Dr. Ariel Dulitzky, argentino, Diretor Executivo do Centro de Justiça Internacional; o Deputado Renato Simões, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo e representante do Fórum de Comissões de Direitos Humanos do Brasil.
Dr. Ariel e Dr. Renato são debatedores da exposição do Dr. Augusto Cançado Trindade.
É com muita honra que, na qualidade de Presidente da Comissão de Direitos Humanos, abrimos este encontro preparatório das comemorações do cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Para nós este encontro é um momento de resgate dos valores atuais dessas duas declarações, que tanta importância histórica tiveram no estabelecimento de normas internacionais e nacionais, definidoras de princípios que têm sido adotados para proteção dos direitos humanos em todo o mundo.
Ao longo do próximo ano, queremos que as comemorações do cinqüentenário das duas declarações se revistam de reflexões e atitudes concretas, no sentido da atualização e valorização desses documentos. Para que isso aconteça, é preciso que a conjugação de esforços, indispensável na luta em favor dos direitos humanos, seja especialmente intensificada neste momento por todos nós, instituições públicas e organizações não-governamentais, pois constitui-se em desafio grandioso a tarefa do resgate das declarações dos direitos humanos, que deve começar com uma agenda de comemorações capaz não só de delinear caminhos para atualização das declarações, como também para difundi-las entre as novas gerações de modo a reiterar o compromisso histórico de sua realização prática para toda a humanidade.
Não é por outro motivo que a realização deste encontro se deve ao interesse e aos esforços de diversas entidades, que de uma forma ou de outra colaboraram de forma decisiva: a Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Fórum das Comissões Legislativas de Direitos Humanos, o Movimento Nacional de Direitos Humanos, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, a Coordenação Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, o Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC, o Ministério das Relações Exteriores, a Fundação Athos Bulcão, o Conselho Indigenista Missionário - CIMI, o Fórum Nacional contra a Violência no Campo, a Coordenadoria Ecumênica de Serviços - CES. A todos esses parceiros o nosso reconhecimento e o nosso profundo agradecimento.
O principal objetivo deste encontro é preparar uma agenda do cinqüentenário das duas declarações, agenda essa que será oferecida como recomendação à sociedade e ao Governo brasileiro, além da Organização dos Estados Americanos - OEA.
Nesta cerimônia de abertura, ouviremos o representante das Nações Unidas, Dr. Cristian Koch-Castro, que é o encarregado no Brasil da missão do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Em seguida, ainda no dia de hoje - em que se comemora o Dia Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência, instituído pela ONU - ouviremos quatro representantes de diferentes áreas de portadores de deficiências.
Vamos discutir, no primeiro painel deste encontro, o significado e o valor da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que terá como expositor o Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade. No segundo painel, a ser realizado hoje à tarde, examinaremos a implementação das recomendações de Viena e os novos paradigmas dos direitos humanos, tendo como expositor o Ministro Marco Antônio Diniz Brandão, Diretor-Geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores.
Amanhã abriremos a reunião com um painel sobre a situação e perspectivas para os direitos humanos na América Latina, com a participação de nossos convidados dos países irmãos do continente americano. Em seguida, veremos a situação no Brasil, com representantes do Governo Federal, do Ministério Público Federal, do Estado de São Paulo, da Comissão de Direitos Humanos da OAB e do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
Encerraremos nosso encontro com a definição da agenda de eventos comemorativos amanhã à tarde.
O primeiro passo para o resgate da Declaração de Direitos Humanos é examinar a importância histórica que ela teve. E para situar o valor da Declaração Universal dos Direitos Humanos basta lembrar que, embora tenha sido fundamentada nos fatos históricos e na doutrina precedente, foi durante sua vigência, nesta segunda metade do século XX, que o tema ganhou força, generalizando-se e materializando-se em acordos e instituições internacionais. Duas condições históricas permitiram este desenvolvimento: de um lado, a resposta da comunidade internacional ao fenômeno totalitário do nazi-fascismo; do outro, a existência de um caldo de cultura que concebe o homem como uma unidade e, portanto, um ser cuja essência ultrapassa as distinções aparentes de raça, sexo, religião e nacionalidade ou qualquer outra e que tem uma dignidade que lhe é intrínseca. Em um universo de pensamento profundamente impactado pela experiência da II Guerra, emergiu na opinião pública internacional a convicção de que as atrocidades cometidas pelo nazi-fascismo não poderiam mais se repetir, sendo necessária, portanto, a adoção de regras comuns a serem respeitadas pelos Estados. Essa percepção aparece no preâmbulo da Declaração Internacional dos Direitos Humanos, que no primeiro considerando reconhece a dignidade inerente a todos os membros da família humana e, no segundo, afirma que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra e de crença, de liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum.
Foi a partir desse contexto que surgiu a qualificação técnico-jurídica do genocídio como crime contra a humanidade, o que representou um avanço notável para a afirmação da universalidade dos direitos humanos.
Cabe lembrar também que o desenvolvimento do tema caracterizou-se por movimentos descontínuos que expressam os conflitos e lutas políticas, presentes na definição e consolidação dos direitos humanos. A idéia original de se fazer uma carta de direitos humanos que criasse obrigações jurídicas para os Estados signatários acabou sendo abandonado em prol de uma declaração com efeito mais simbólico do que prático.
No pós-guerra, a criação de instrumentos de direitos humanos está nitidamente ligada à história da Declaração Universal. Temos, antes mesmo da proclamação da declaração, a criação do Tribunal de Nuremberg, em 1945; depois a convenção contra o genocídio de 1948, entre outros instrumentos. Podemos observar que há um primeiro momento de gestação desses instrumentos e um hiato de dezoito anos na produção de textos de maior peso, quebrado apenas pela Convenção sobre o Estatuto do Refugiado, de 1951, até que fosse adotado O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômico-Sociais, ambos de 1966.
No período da bipolaridade, da Guerra Fria, os direitos de primeira geração foram defendidos pelos Estados Unidos, enquanto os direitos de segunda geração foram argumentados pela União Soviética. O chamado Terceiro Mundo passou a reivindicar os direitos de terceira geração. Apesar das divergências às limitações colocadas pelo quadro da Guerra Fria, a Declaração Universal dos Direitos Humanos teve um peso político importante, principalmente para grupos envolvidos em lutas concretas, a exemplo da oposição aos regimes ditatoriais em Países da América Latina, inclusive do Brasil.
Já o sistema interamericano nasceu sob o signo da defesa da democracia representativa, posição que transparece nos textos regionais adotados no período. O notável desenvolvimento que a criação desse representou obedeceu em grande medida à necessidade de fazer frente às graves e maciças violações de direitos humanos, que tiveram lugar na maioria dos países do continente. Mas, em que pese o progresso normativo, orgânico e institucional alcançado, a eficácia dos órgãos de proteção foi limitada. Foi sobretudo a oposição aos regimes ditatoriais na América Latina que atualizou e tornou premente a questão da observância dos direitos humanos na região. Tornaram-se as principais bandeiras dos direitos humanos os direitos básicos e essenciais à vida: a integridade física, a liberdade individual, a livre manifestação de opinião e de expressão, e até hoje os movimentos de direitos humanos na América Latina se vêm compelidos a atuar num espaço relacionado a esses primeiros direitos, originários da doutrina jusnaturalista, isso porque a violência de agentes do Estado contra o indivíduo continua a ocorrer em escala preocupante em muitos países do continente.
Assim, é inegável a importância histórica da adoção das duas declarações, especialmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que se tornou referência básica para adoção de instrumentos de proteção aos direitos humanos em todo o mundo e, mesmo não tendo inicialmente conotação de norma obrigatória, acabou se transformando em norma consuetudinária de Direito Internacional Público. A adoção pelos Estados de princípios como os presentes nos textos internacionais criou um parâmetro comum para as reivindicações concretas de diversos setores sociais em diferentes países.
Esses atos internacionais cumprem também a função de medida para verificar o cumprimento pelos Governos dos compromissos assumidos. Mesmo onde houve desrespeito aos valores e princípios das cartas, elas restaram sempre como um referencial de legitimidade para a opinião pública internacional e mesmo para a ordem interna dos Estados.
Assim, quando o atual Governo brasileiro do Presidente Fernando Henrique Cardoso procura avançar com a criação do Programa Nacional de Direitos Humanos, busca evidentemente a legitimidade para o seu Governo, referenciando-se no conteúdo das declarações e nas reivindicações concretas da sociedade brasileira e nas pressões da opinião pública internacional.
A história das declarações universal e americana mostra-nos que o caminho não é necessariamente retilíneo e contínuo e nada garante que a desejada expansão no campo dos direitos humanos continuará, principalmente por sabermos que, sendo construção histórica e tendo enorme caráter político, seu futuro implica necessariamente luta, conflito e movimento.
As liberdades individuais, os direitos civis e políticos vêm sendo equacionados no cinqüentenário de vigência da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em muitos países se vivenciou esses direitos de primeira geração, o que é uma conquista histórica representativa. Que no novo cinqüentenário que começa possamos avançar na generalização da aplicabilidade dos direitos de primeira geração, avançar na concretização dos direitos sociais, econômicos e culturais - os direitos de segunda geração - e de dar maior sentido aos direitos de terceira geração.
Bater só na tecla dos direitos civis é insuficiente. A conformação globalizada do mundo atual demanda uma intervenção mais estrutural, mais global. É fundamental a importância atual do salário e do emprego, das políticas de saúde, educação, moradia e da Previdência Social como condição e garantia para a vivência dos direitos humanos. Portanto, a perspectiva de desenvolvimento dos direitos humanos está nitidamente associada ao progresso social e político de forma mais ampla, particularmente na América Latina, marcada por profundas discrepâncias sociais, pela enorme concentração de renda e de poder.
Desta forma, entendemos que seria de todo desejável que as recomendações aqui formuladas registrem de forma marcante o cinqüentenário das declarações. Reitero o compromisso com os valores escritos nelas, que busquemos sobretudo dar sentido mais prático do que retórico desses princípios e valores.
Aproveitamos a oportunidade para apresentar algumas propostas de recomendações para a agenda do cinqüentenário, sem prejuízo de outras que venham a ser apresentadas. Sugerimos inicialmente à Organização dos Estados Americanos que realize o encontro latino-americano para comemoração do cinqüentenário da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem em abril, para que coincida com o aniversário de sua proclamação - o que, aliás, já foi confirmado pelo Dr. Augusto Trindade no mês de abril do ano que vem em Bogotá.
Como se trata de um ano de Copa da Mundo e sendo o futebol tão universal e importante para o Brasil, sugerimos à Seleção brasileira que homenageie a Declaração Universal dos Direitos Humanos na cerimônia de abertura da Copa Mundial na França.
Também consideramos importante que a ONU encaminhe uma recomendação a todos os países-membros da adoção de programas nacionais de direitos humanos para que realizem pleitos junto aos meios de comunicação para que insiram mensagens sobre o cinqüentenário em suas respectivas programações durante o ano. No caso do Brasil, sugerimos que A Voz do Brasil dê destaque a essas inserções durante todo o ano. Recomendamos à ONU que realize um encontro das Nações no dia 10 de dezembro de 1998, com programações festivas em diferentes países. Sugerimos que seja elaborado um manual sobre o cinqüentenário a ser oferecido aos partidos políticos, às organizações populares e a todos que puderem difundir a Declaração Universal e seu significado.
Recomendamos a todas as organizações não-governamentais e às instituições públicas, empresas e sindicatos que façam publicar em seus instrumentos de divulgação interna material sobre o cinqüentenário. Recomendamos também à OEA que passe a disponibilizar um site na INTERNET especialmente dedicado à Declaração Americana, uma vez que o da ONU já existe. Recomendamos a todas as Casas legislativas do Brasil a realização de sessões especiais em maio e em dezembro para homenagear as declarações, instituições e personalidades que se destacaram na defesa dos direitos humanos. Recomendamos também às universidades a realização de um encontro nacional sobre educação e direitos humanos.
Finalizando, sugerimos à Federação Nacional dos Jornalistas a realização de uma premiação das melhores reportagens sobre o tema dos direitos humanos. Essas são, portanto, nossas sugestões de recomendações.
Agradecemos a todos pela presença e por toda a luta pelos direitos humanos no Brasil na América Latina e no mundo.
Vivam os direitos humanos e todos aqueles que acreditam que eles sejam um símbolo de toda a luta de homens e mulheres por uma vida digna de ser vivida neste planeta azul.
Muito obrigado. (Palmas.)
Passamos a palavra ao Sr. Cristian Koch-Castro, representante da Organização das Nações Unidas.
O SR. CRISTIAN KOCH-CASTRO - Sr. Deputado Pedro Wilson, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Srs. Deputados, Srs. representantes do Corpo Diplomático, Srs. membros da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, autoridades governamentais, Srs. representantes dos portadores de deficiência, senhoras e senhores, em primeiro lugar, gostaria de agradecer publicamente a Eleonor, em nome do Sr. Walter Franco, coordenador residente do sistema de Nações Unidas no Brasil, por solicitar-me representá-lo na abertura deste encontro. O Sr. Walter Franco nos solicitou transmitir a todos os participantes seus votos de êxito nas deliberações que tomarão lugar nos próximos dois dias. Também trago o firme compromisso do Sr. Franco para continuar apoiando as iniciativas tendentes a consolidar o desenvolvimento humano no Brasil.
Gostaria, ao mesmo tempo, de expressar minha grande satisfação por estar presente nesta importante Comissão da Câmara dos Deputados. Durante esses últimos três anos, minha capacidade oficial de funcionário do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados permitiu-me trabalhar estreitamente com membros desta Comissão que com esforços conjuntos lograram resultados altamente positivos para a ação humanitária.
Daqui a um ano, especificamente no dia 10 de dezembro de 1998, estaremos todos comemorando os cinqüenta anos da adoção pela Assembléia Geral das Nações Unidas da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foi também em 10 dezembro de 1948 que a Organização dos Estados Americanos adotou a Declaração Americana sobre Direitos e Deveres do Homem. Desde então os assuntos relacionados com os direitos humanos tem estado nas agendas das principais atividades de todas as cúpulas mundiais das Nações Unidas. Não faz muito tempo, na declaração conjunta do Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, o Governo brasileiro teve uma destacada participação. Isso incentivou todos os Governos a estabelecer e fortalecer as instituições nacionais para a promoção e a proteção dos direitos humanos. É importante destacar que esta conferência em realizada em Viena legitimou de maneira definitiva a noção de indivisibilidade dos direitos humanos como preceitos que se aplicam tanto aos direitos civis e políticos quanto aos direitos econômicos sociais e culturais.
É preciso lembrar também que a Declaração de Viena enfatizou os direitos de solidariedade, o direito à paz, o direito ao desenvolvimento e os direitos ambientais.
O Governo brasileiro, atento ao chamamento anterior, fez e continua fazendo esforços concretos para a implementação da Declaração de Viena. No dia 13 de maio do ano passado, o Presidente da República lançou o Programa Nacional dos Direitos Humanos, documento histórico que identifica os principais obstáculos para a promoção e proteção dos direitos humanos no Brasil. Ao mesmo tempo, o programa indica prioridades e propostas concretas de caráter administrativo, legislativo e político-culturais que buscam equacionar os problemas mais graves que hoje impossibilitam ou dificultam o respeitos por esses direitos no país.
Paralelamente, o sistema das Nações Unidas no Brasil não tem poupado esforços para apoiar o Governo brasileiro neste enorme desafio. (Ininteligível) opções estratégicas para um desenvolvimento humano sustentável decretou a liderança do programa Nações Unidas para o desenvolvimento, dando continuidade aos esforços setoriais das agências especializadas do sistema e nas áreas de saúde, trabalho, educação, desenvolvimento agrícola, população, direito das crianças e dos adolescentes, direitos da mulher e dos refugiados, ações todas que visam a contribuir com a construção e consolidação da democracia para o desenvolvimento econômico-social, da justiça e da paz.
Este encontro preparatório do cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana sobre Direitos e Deveres do Homem não pode ser mais oportuno e, por que não dizer, urgente. É a oportunidade de discutir uma agenda de eventos para comemorar, mas também uma oportunidade para avaliar os logros e refletir sobre ações concretas e sobre o futuro da área de direitos humanos no Brasil.
Aplaudimos e elogiamos a nobre iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Sr. Presidente, em nome do coordenador do Sistema das Nações Unidas no Brasil, Sr. Walter Franco, agradeço sinceramente a oportunidade de participar da abertura deste encontro e reiteramos a posição de continuar apoiando o Governo brasileiro em suas ações para um desenvolvimento sustentável, fundamentado na democracia, na justiça, na paz e nos direitos humanos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Antes de passar a palavra ao Deputado Flávio Arns, representante dos portadores de deficiência, homenageados nesta abertura, gostaria de registrar a presença do Prefeito de Campo Grande, do representante da embaixada da Suécia, do representante do Reitor da Universidade Gama Filho, do Deputado Nilmário Miranda, autor do projeto que constituiu esta Comissão de Direitos Humanos e seu primeiro Presidente.
Gostaria de registrar também a presença do Sr. Marcos Antônio, representante do Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro; do Vereador Carlos, da Comissão de Direitos Humanos de Campinas, São Paulo; do Dr. Sales Freitas, representante da Procuradoria-Geral de Justiça de Roraima; do Dr. Jorge, representante da Embaixada do Peru, do Dr. Alejandro Falina, da Embaixada do Chile; do Dr. Hector Bueno, da Embaixada da Bolívia; da Dra. Adriana, da Embaixada dos Estados Unidos da América do Norte; do Dr. Helmann, e do Dr. Alberto Calmon, ambos da Embaixada da Argentina; das Deputadas Rita Camata e Dalila Figueiredo; dos Deputados De Velasco e Luiz Alberto; do Dr. Ricardo Camone, do México; da Dra. Meire, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão; do representante da Embaixada da Noruega; do Deputado José Augusto e do Governador do Estado do Amapá, o qual saudamos e convidamos para tomar assento à mesa. Convidamos também o representante da Fundação Cultural Palmares; o representante do Ministério Público do Amazonas; o representante da CEJIL; o Dr. Márcio Gontijo, da Anistia Internacional; o representante da CORDE; o representante da Universidade de São Paulo; o representante da Associação Cultural Desportiva dos Surdos de Brasília; o representante do Departamento de Direitos Humanos do Itamaraty, Dr. Marco Antônio, nosso expositor da parte da tarde; o representante do Instituto e Casa de Cultura Afro-Brasil; o representante do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo; o representante do Conselho Nacional de Comandantes Gerais da PM; o representante do Instituto Quirol; o representante da CONDECA, São Paulo; o representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Distrito Federal; o representante da Universidade de Brasília; o representante da Comissão da Comissão de Direitos Humanos da OAB Federal; o representante da Pontifície Universidade Católica do Rio de Janeiro; o representante da Fundação Educacional do Distrito Federal; o representante do Ministério Público do Pará; o representante do Ministério Público do Espírito Santo; o representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos; o representante do GEIPOT; o representante da OAB; o Deputado Sebastião Madeira; o Deputado Gervásio Oliveira; o representante da Embaixada da Polônia; o Dr. Nilton Souza Barros, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais; o representante da Embaixada da Venezuela; a Dra. Marta, representante de Santa Catarina; o Deputado Carlito Reis, de Santa Catarina; a Dra. Maredite Oliveira da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Diadema; o representante da Associação Nacional dos Procuradores da República - ANAPR; o representante do PSB; presente o Governador João Alberto Rodrigues Capiberibe do Estado do Amapá e o representante da Universidade Luterana Brasileira-ULBRA, do Rio Grande do Sul.
Passamos a palavra ao Deputado Flávio Arns.
O SR. DEPUTADO FLÁVIO ARNS - Caro Deputado Pedro Wilson, Presidente da Comissão de Direitos Humanos, cumprimento-o e aos demais componentes da Mesa, caros participantes deste seminário, é um momento muito importante este Encontro Preparatório do Cinqüentenário da Declaração Americana sobre Direitos e Deveres do Homem e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E, na preparação deste encontro, até pelo fato de hoje, dia 3 de dezembro, ser o Dia Mundial da Pessoa Portadora de Deficiência, dia também instituído pela Organização das Nações Unidas, discutiu-se a possibilidade, imediatamente aceita pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, para, neste momento de abertura, importante e solene, nos lembrarmos do direito à cidadania e dos direitos fundamentais da pessoa portadora de deficiência, assim como dos direitos de todo ser humano. Dez por cento da população são portadores de algum tipo de deficiência - são 16 milhões de pessoas, no Brasil, nas áreas - visual, auditiva, física, mental, os autistas, os que têm algum distúrbio de comportamento, distúrbios de aprendizagem e deficiências múltiplas.. Se pensarmos que cada uma dessas pessoas está inserida em um grupo familiar de pelo menos quatro pessoas, observaremos que sessenta a setenta milhões de pessoas, no Brasil, têm interesse direto na realização dos direitos fundamentais do cidadão portador de deficiência. Direitos que ainda, no Brasil e em outras partes do mundo, vêm sendo negados - o acesso à educação, ao trabalho, aos medicamentos, à saúde, à assistência, à previdência, o amparo na velhice e, inclusive, o direito fundamental de não ficar deficiente, já que muitas pessoas se tornam portadores de deficiência em situações que poderiam perfeitamente ser evitadas, com cuidados básicos de saúde antes da gestação, durante a gestação, durante e após o nascimento. No Brasil, o parto é conhecido como fábrica de excepcionais.
Este é o nosso desafio, um desafio conjunto que deve mobilizar os órgãos públicos, sem dúvida alguma, nos contextos municipais, estaduais e federal, deve mobilizar a sociedade e todos os setores para que possamos juntos levar a cidadania à pessoa portadora de deficiência.
Este é um momento importante. A Comissão de Direitos Humanos já realizou, no mês de setembro do corrente ano, um grande seminário de dois dias, intitulado "Portador de Deficiência, Portador de Cidadania". Os desdobramentos deste seminário já vêm acontecendo nas diversas leis em tramitação, nas medidas provisórias e nas discussões, devendo continuar também no próximo ano. Todo ano, no Brasil, realiza-se a Semana Nacional do Excepcional, de 21 à 28 de agosto. E. hoje, dia 3 de dezembro, realiza-se também o Dia Mundial da Pessoa Portadora de Deficiência. Nada melhor do que as próprias pessoas que vivem esta realidade para poderem deixar alguma mensagem neste Encontro Preparatório. Que a preocupação dessas pessoas e de todas as demais constitua objeto da preocupação e da ação de todos nós. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Com a palavra Liane Martins Collares.
A SRA. LIANE MARTINS COLLARES - Bom-dia a todos. Vou falar da minha vida como cidadã. Eu me chamo Liane Martins Collares, nasci em Bajé, no Rio Grande do Sul, sou gaúcha, tenho 34 anos e sou portadora da Síndrome de Down. Meus pais são Edson e Marilei e tenho dois irmãos: Marcus Vinícius e Lisiane.
Aprendi a falar com a minha querida boneca Prosinha, que falava catorze frases. Então comecei a falar com ela. Ela foi a minha primeira fonoaudióloga.
Em 1969, ingressei no pré-escolar, Jardim de Infância Menino Jesus, de minha cidade. Conclui o pré em 1970. Fui alfabetizada aos oito anos na Escola Particular Tiradentes, da Prof ª Eni Avancini. Hoje, sou formada na 8ª série do 1º grau. Fui oradora da minha turma, houve baile e dancei com meu pai e com meu Prof. Garcia, de natação.
Sou atleta de natação e, em 1991, conquistei duas medalhas de ouro nas Olimpíadas Especiais dos Jogos de Verão, realizadas em Minneápolis, nos Estados Unidos. Participaram 102 países e seis mil atletas. Faço aula de informática e natação, no período da tarde, de segunda a sexta-feira. E, por algum tempo, participei de teatro, montado pela Associação Pró-Down, e do Coral Muito Especial, com o Prof. Eduardo Sena.
Quando eu tinha seis anos, estudava no Jardim Menino Jesus, e havia um menino de quatro anos, que se chama Carlos Alberto, e que hoje tem 32 anos.
Comecei a crescer muito e quando tinha quinze anos de idade fiz meu aniversário e debutei na minha cidade, Bagé, nos dois clubes e na Praia do Cassino, no Rio Grande do Sul. Depois, fui morar na cidade de Porto Alegre, também no Rio Grande do Sul, ficando lá por dez anos. Já faz muito tempo. Minha mãe me colocou em um colégio em que a minha irmã Lisiane estudava. Ela procurou a secretaria e perguntou se eu poderia estudar no mesmo colégio. A diretora perguntou-lhe se eu era normal e qual a minha idade. Minha mãe respondeu que eu era portadora da Síndrome de Down e disse a minha idade. A diretora informou que eu não poderia estudar naquele colégio. Minha mãe ficou muito nervosa e discutiu com a diretora do colégio.
Em 1988, vim para Brasília e tinha apenas 25 anos. Antes minha mãe arranjou aulas de natação com o Prof. Jorge, no SESC. Também fui matriculada no Colégio Minas Gerais, onde estudei e trabalhei por algum tempo. Tenho título eleitoral e voto nos candidatos que escolho. Tenho conta bancária em conjunto com a minha mãe.
Quero que V.Exas. saibam do que sinto no meu coração. Gosto muito de estar ao ar livre, de lazer, mas não tenho coragem de andar sozinha. Tenho medo de andar em alguns lugares de Brasília. Sempre gostei de televisão. Meu maior sonho é fazer um comercial e também novelas.
Atualmente, estou trabalhando na CORDE-DF e estou gostando muito do meu trabalho. Fui convidada pelo Paulo Beck, indicada pela Rosemarie, Presidente da Pró-Down do Distrito Federal. O mais importante que eu faço hoje é participar do Programa de Conscientização da Sociedade, realizado pela CORDE, que objetiva remover os preconceitos que enfrentamos. Hoje, estou muito feliz e gosto muito do meu trabalho. Faço tudo e amo o que faço.
Vou falar sobre os meus colegas do trabalho. Vou falar sobre os meus colegas de trabalho. A Sônia, da CORDE, é a Secretária do Paulo Beck. Ela é uma pessoa muito querida, me trata como amiga e como colega de trabalho. Ela conhece tudo que está em volta. Quando a Sônia sai, ela me pede para eu fazer os trabalhos dela. Ela me disse que todas as sextas-feiras vai ter que se ausentar e eu vou ter que assumir as suas responsabilidades. O Alberto também me ensina muitas coisas. Gosto muito dele. O Sidney é brincalhão, mas é sério no trabalho que faz. Ele é um funcionário que chega mais cedo no CORDE. O Clealdo é uma pessoa admirável. Ele me ensina muito coisa, como entregar documentos, arrumar as pastas, passar fax e xerocar. Eu entrego tudo nas mãos dele e ele fica muito feliz comigo. Eu tenho confiança nele. O Rodrigo é meu amigo, gosto muito dele, ele é responsável no seu trabalho, e respeita todos.
Também não posso me esquecer de duas pessoas que não estão escritas. Sobre o Rui, ele é meu amigo, gosto muito dele, ele trabalha muito, é muito esforçado, é também brincalhão, como o Sidney. Ele é demais. Eu me divirto muito com ele. Tem também a Cristina, que é a Secretária do CORDE. Ela é uma pessoa muito querida, muito amiga. Ela é demais, trabalha bastante. Tenho confiança em todos, principalmente nas pessoas de que gosto muito, do CORDE. E tem o meu amigo Rui, que está aqui conosco e vai falar daqui a pouco. Sou uma jovem, não pela idade que tenho, mas pelo espírito de jovem que tenho dentro de mim. Eu escrevo versos e poesias. Sou romântica, gosto muito das noites com estrelas cadentes, que brilham muito, e também quando a lua está cheia. Quero pedir licença para fazer uma referência muito especial. Em minha caminhada até aqui, vivi muitas emoções e grandes alegrias, porém o caminho não foi fácil, as dificuldades foram inúmeras. Todos nós somos iguais. Mesmo que alguns sejam diferentes, todos merecem as mesmas oportunidades. E essa oportunidade me foi dada pelo Colégio Minas Gerais, onde estudei numa classe de ensino regular. Espero que outros colégios ofereçam essa mesma oportunidade para pessoas diferentes como eu. Estou terminando de escrever um livro sobre a minha vida. Quero fazer teatro, ser diretora e fazer muitas coisas. Gostaria muito que as pessoas me compreendessem como sou, muito sensível. Eu sou maravilhosa e estou sã também. Eu tenho a Síndrome de Down. Sou muito feliz, sou baixinha, carinhosa e meiga. Sou especial.
Para finalizar, quero ler uma poesia de minha autoria. Antes de tudo, mesmo sofrendo da Síndrome de Down, não tenho preconceitos. Nem com a Síndrome de Down nem com o racismo. Não tenho nenhum preconceito. Vou ler a minha poesia. O tema é: "A mágica do Amor". Vou ler rápido para vocês entenderem.
Você é algo especial que preenche o meu coração.
Com você, aprendi a trilhar os caminhos sem medo.
Aprendi a ser forte, a enfrentar com garra os obstáculos e a ser alegre,
a encontrar tudo aquilo que me fale de você.
Você é o sol que brilha nos meus dias nublados,
a estrela que guia meus passos nas noites escuras.
Você é tudo que preenche o meu vazio.
Com você sinto-me motivada a caminhar tranqüila na minha fragilidade.
Você é o mágico que transforma o mundo incolor em um mundo colorido, que me traz a tranqüilidade e a ternura. Suas palavras, a voz inconfundível, as cartas do amor.
Também quero agradecer a vocês o convite que estão fazendo a todos. Gostei muito, estou participando.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Antes de ouvirmos a exposição do Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade, ouviremos os depoimentos do Luiz Cláudio e do Rui Bicalho.
Antes, anuncio a presença do Deputado Nelson Pelegrinni, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia; do Dr. Evair Santos, do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça; de representantes da Universidade Mackenzie, de São Paulo; da Drª Maria Luíza Marcílio, representante do Reitor da Universidade de São Paulo; da Drª Maria Caiafa, Coordenadora dos Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte; da Irmã Rosita, do Centro de Imigrações.
Pediríamos, então, aos nossos companheiros brevidade em suas exposições.
Agradecemos muito a Liane Martins Collares a sua emocionada exposição, o seu depoimento. Deixo nossa solidariedade nesta manhã e sempre, na luta pelos Direitos Humanos, a todos os portadores de deficiência.
Com a palavra o Sr. Luiz Cláudio Fernandes de Carvalho.
O SR. LUIZ CLÁUDIO FERNANDES DE CARVALHO - Bom-dia! Tenho dificuldades de dizer bom dia. Estou acostumado com os sinais dos surdos, mas vou falar aqui. Quero agradecer ao Deputado Pedro Wilson o trabalho pelos direitos humanos. Gostaria também de falar sobre a situação dos surdos e dos direitos dos portadores de deficiência. Com a ajuda do Governo e dos empresários, o deficiente poderia ter uma vida melhor. Com Deputados e Senadores vamos trabalhar juntos para melhorar a vida do deficiente. Muito obrigado e um abraço para todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Depois do esforço do Luiz Cláudio, com a palavra agora o Rui Bicalho Sobrinho.
O SR. RUI BICALHO SOBRINHO - Srs. Deputados, Srs. representantes estrangeiros, Srs. diplomatas, Srs. representantes de entidades governamentais, assistenciais, bom-dia. De um lado, com muita satisfação, vejo aqui tanta gente reunida para apreciarmos juntos o trabalho sobre os direitos humanos e também sobre o Dia Internacional do Portador de Deficiência. Por outro, é também muito triste. Tenho até uma certa vergonha de ser um ser humano que ainda precisa estar preparando comemorações sobre direitos humanos, por ser necessário, no Dia Internacional do Portador de Deficiência, que tenhamos uma consciência e uma visão para essa parte muito significativa da sociedade. Espero que um dia não seja mais necessário haver comemorações dessa natureza, que os direitos humanos sejam todos respeitados, os direitos e a cidadania de um portador de deficiência e que a deficiência não seja percebida como anomalia, e sim com uma coisa normal.
Ouvimos aqui duas declarações, da Liane, essa coisa linda que trabalhou conosco no CORDE, e também do Luiz Cláudio, um trabalhador que fez um enorme esforço e conseguiu reunir numa só, o que poucos conseguem, as três organizações sobre deficiência auditiva que havia em Brasília. Liderando essas três, conseguiu fazer com que fossem transformadas em uma só. Hoje ele trava uma batalha dura para que os direitos dos surdos sejam respeitados. Talvez V.Exas. não tenham entendido tudo que ele falou, porque estava faltando aqui justamente uma pessoa para interpretar os sinais. Ele utilizaria sinais e o intérprete falaria. E nós ouvimos muito mais que vocês, pessoas normais, que podem ajudar no sentido de que se façam esses cursos de tradutores para esse grupo de deficientes auditivas. Eu acho que não se trata apenas, quando se fala em cidadania, como a Liane bem frisou, de uma oportunidade de estudar, como ela teve no Colégio Minas Gerais, que proporcionou a ela esse oportunidade. O estudo é uma base, é o início, mas, além disso, é muito mais importante o conceito de cidadania plena. É preciso haver uma mudança na consciência de todos nós, uma mudança na cultura da nossa sociedade, não só na brasileira, mas na mundial, na internacional. É necessário entender que as pessoas portadoras de deficiência física, mental, auditiva, visual não são deficientes, pois elas podem ser tão ou mais eficientes que uma pessoa dita normal. Para isso basta que haja uma tentativa, uma procura, uma busca em entender que as necessidades dessas pessoas são maiores do que as das pessoas normais. Entendidas essas necessidades, deve-se dar a essas pessoas uma oportunidade para demonstrarem que podem ser tão normais, tão competentes e tão capazes como qualquer um dos outros que estão sentados neste auditório ou qualquer uma das pessoas normais que estão nesta Mesa.
Então, isso é que é necessário. Há um direito à dignidade, à cidadania, uma cidadania plena e que permita a um deficiente visual, por exemplo, atravessar uma rua sem o perigo de ser atropelado por um carro, sem o perigo de cair em um buraco; permita a um deficiente em cadeira de rodas chegar ao trabalho, a uma repartição pública, e não tenha de subir uma série de degraus, mas que haja rampas para que ele possa chegar aonde precisa; permita a um deficiente visual andar na rua sem o perigo de esbarrar em galhos, árvores ou em cartazes colocados de maneira que ele não localize com sua bengala no chão, porém ela vem direto no seu rosto; permita a um deficiente auditivo chegar em uma loja ou supermercado e ter alguém que lhe traduza suas necessidades aos vendedores. Precisamos disso tudo. É muita coisa, mas se houver uma conscientização, uma mudança da atitude de comportamento de cultura da nossa sociedade, acho que isso pode ser realmente atingido. Não é impossível. Basta apenas uma tentativa de considerar o grupo de pessoas - somos quase 10% no Brasil - como pessoas que têm o direito à cidadania e dignidade de viver.
Muito obrigado. (Palmas.)

1º Painel: O significado e o valor da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Renovamos nossa saudação e homenagem à luta pelos direitos humanos de todos os portadores de deficiência.
Antes de passar a palavra ao nosso expositor, Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade, nossos debatedores, Dr. Ariel Dulitzky e Deputado Renato Simões, gostaria de comunicar que haverá o lançamento de dois livros hoje, um às 18h, neste mesmo recinto, do Monge Marcelo Barros, um romance baseado no sincretismo religioso brasileiro, e um outro, de diversas autores, sobre o sentimento de lutarmos pelos direitos humanos, "Tiradentes, um Presente da Ditadura", inclusive com texto dos Deputados José Machado, Nilmário Miranda, organização de Alípio Freire, Isaías Almada e Greenville Ponce. Trata-se da história recente do Brasil na questão dos direitos humanos, na questão dos presos políticos.
Com muita honra, passo a palavra ao Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade.

PROFESSOR ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE

(Texto revisado pelo autor)

O LEGADO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE 1948 E O FUTURO DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

- Ph.D. (Cambridge);
- Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos;
- Professor Titular da Universidade de Brasília e do Instituto Rio-Branco;
- Membro dos Conselhos Diretores do Instituto Internacional de Direitos Humanos (Estrasburgo) e do Instituto Interamericano de Direitos Humanos (Costa Rica);
- Associado do Institut de Droit International
SUMÁRIO:

I. Introdução.

II. Processo Preparatório, Adoção e Significação da Declaração Universal de 1948.

III. Projeção da Declaração Universal de 1948 no Direito Internacional e no Direito Interno.

IV. A Declaração Universal de 1948 e as Duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos.

V. O Amplo Alcance das Obrigações Convencionais Internacionais em Matéria de Proteção dos Direitos Humanos.

VI. O Futuro da Proteção Internacional dos Direitos Humanos

I. Introdução.

Decorridas cinco décadas desde a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é inegável que a proteção dos direitos humanos ocupa hoje uma posição central na agenda internacional da passagem do século. Ao longo das cinco últimas décadas, apesar das divisões ideológicas do mundo, a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos encontraram expressão na Declaração Universal de 1948, daí projetando-se a numerosos e sucessivos tratados e instrumentos de proteção, nos planos global e regional, e a Constituições e legislações nacionais, e se reafirmaram em duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos (Teerã, 1968, e Viena, 1993). Para todos os que atuamos no campo da proteção internacional dos direitos humanos, 1998 é, pois, um ano particularmente significativo: marca o cinqüentenário das Declarações Universal e Americana dos Direitos Humanos, assim como da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Marca o cinqüentenário de um movimento universal irreversível de resgate do ser humano como sujeito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, dotado de plena capacidade jurídica internacional.

No momento em que a comunidade internacional começa a mobilizar-se para as justas comemorações deste cinqüentenário , é alentador verificar que nosso país se alia prontamente a estas iniciativas. Há cerca de trinta anos publicávamos nossa primeira monografia sobre o tema , que desde então se incorporou inelutavelmente ao cotidiano de nossa vida. É, pois, com grande satisfação que comparecemos ao Congresso Nacional de nosso país, para, na abertura deste Encontro Preparatório do Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana sobre Direitos e Deveres do Homem (Brasília, 03 de dezembro de 1997), prestarmos nosso testemunho do que entendemos constituir o legado da Declaração Universal dos Direitos Humanos e de como vislumbramos o futuro da proteção internacional dos direitos humanos neste final de século.

Em nosso estudo, examinaremos, de início, o processo preparatório, a adoção e a significação da Declaração Universal de 1948, sua projeção no Direito Internacional e no direito interno dos Estados, assim como nas duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos. A seguir, concentrar-nos-emos no amplo alcance das obrigações convencionais internacionais em matéria de proteção dos direitos humanos. Não há como negar que, a par dos avanços logrados neste domínio ao longo das cinco últimas décadas, surgem, não obstante, novos obstáculos e desafios, materializados sobretudo na marginalização e exclusão sociais de segmentos crescentes da população, na diversificação de fontes de violações de direitos humanos e na impunidade de seus perpetradores. Impõe-se, assim, um entendimento mais claro do amplo alcance das obrigações convencionais de proteção, que vinculam não só os governos mas os próprios Estados (todos seus poderes, órgãos e agentes), e se aplicam em todas as circunstâncias (inclusive nos estados de emergência).

Buscaremos, enfim, identificar, à luz do legado da Declaração Universal de 1948, os rumos da proteção internacional dos direitos humanos neste limiar do novo século. Impõem-se, como veremos, tanto a adoção e o aperfeiçoamento de medidas nacionais de implementação dos instrumentos internacionais de proteção, como a adoção de mecanismos internacionais de prevenção e seguimento (monitoramento contínuo). É nosso entendimento, subjacente a todo este estudo, que, no longo caminho que resta a percorrer, somente à luz de uma visão necessariamente integral de todos os direitos humanos lograremos continuar a avançar com eficácia na obra de construção de uma cultura universal de observância dos direitos inerentes ao ser humano. Passemos, pois, ao exame dos primeiros cinqüenta anos desta grande obra.

II. Processo Preparatório, Adoção e Significação da Declaração Universal de 1948.

O processo de generalização da proteção do direitos humanos desencadeouse no plano internacional a partir da adoção em 1948 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Era preocupação corrente, na época, a restauração do direito internacional em que viesse a ser reconhecida a capacidade processual dos indivíduos e grupos sociais no plano internacional . Para isto contribuíram de modo decisivo as duras lições legadas pelo holocausto da segunda guerra mundial. Já não se tratava de proteger indivíduos sob certas condições ou em situações circunscritas como no passado (e.g., proteção de minorias, de habitantes de territórios sob mandato, de trabalhadores sob as primeiras convenções da Organização Internacional do Trabalho - OIT), mas doravante de proteger o ser humano como tal.

Subjacentes aos esforços e iniciativas desencadeados a partir da elaboração e adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos estavam as premissas básicas de que os direitos proclamados eram claramente concebidos como inerentes à pessoa humana, a todos os seres humanos (e portanto anteriores a toda e qualquer forma de organização política ou social), e de que a ação de proteção de tais direitos não se esgotava - não poderia se esgotar - na ação do Estado. Precisamente quando as vias internas ou nacionais se mostrassem incapazes de assegurar a salvaguarda desses direitos é que se haveria de acionar os instrumentos internacionais de proteção.

O ponto de partida para o exame da evolução da matéria nas cinco últimas décadas reside nos trabalhos preparatórios e adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Resultou esta última de uma série de decisões tomadas no biênio 1947-1948, a partir da primeira sessão regular da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas em fevereiro de 1947. Naquele momento já se dispunha de propostas a respeito, enviadas à Assembléia Geral das Nações Unidas no trimestre de outubro a dezembro de 1946.

Para um instrumento internacional que passaria a assumir importância transcendental, como universalmente reconhecido em nossos dias, os travaux préparatoires da Declaração Universal de 1948 desenvolveram-se em um período de tempo relativamente curto, em um dos poucos lampejos de lucidez no decorrer deste século. Ao labor da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e de seu Grupo de Trabalho (maio de 1947 a junho de 1948), - com as consultas paralelas realizadas pela UNESCO em 1947 2., - seguiram-se os debates da III Comissão da Assembléia Geral das Nações Unidas (setembro de 1948) 4.. O texto daí resultante e aprovado foi enfim adotado na forma da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948: dos então 58 Estados membros da ONU, 48 votaram a favor, nenhum contra, 8 se abstiveram e 2 encontravam-se ausentes na ocasião.

O projeto original de uma Declaração internacional sobre a matéria evoluíra rumo a um projeto de Declaração Universal; a busca da universalidade - com base na própria diversidade cultural - depreendia-se com clareza, e.g., das referidas consultas realizadas pela UNESCO (1947) como contribuição ao processo preparatório. O plano geral era de uma Carta Internacional de Direitos Humanos, do qual a Declaração seria apenas a primeira parte, a ser complementada por uma Convenção ou Convenções - posteriormente denominadas Pactos - e medidas de implementação. Estas últimas não constavam, pois, da Declaração Universal 2., que, no entanto, significativamente incluiu tanto os direitos civis e políticos (artigos 2-21) quanto os direitos econômicos, sociais e culturais (artigos 22-28).

p>Cabe recordar que a Declaração Universal, de dezembro de 1948, foi precedida em meses pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (de abril de 1948). Uma e outra proclamaram, a par dos direitos consagrados, os deveres correspondentes. Embora não tão ordenada como a Declaração Universal, a Declaração Americana permite um paralelo com aquela . Uma significativa contribuição da Declaração Americana à Universal consistiu na formulação original -de origem latino-americana - do direito a um recurso eficaz ante os tribunais nacionais, transplantada da primeira (artigo XVIII) à segunda (artigo 8) . Com efeito, a inserção daquela garantia na Declaração Americana ocorreu quando, paralelamente, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e seu Grupo de Trabalho ainda preparavam o Projeto de Declaração Universal; sua inserção foi confirmada nos debates subseqüentes (de 1948) da III Comissão da Assembléia Geral das Nações Unidas . Tal disposição _epresenta, como amplamente reconhecido na atualidade, um dos pilares básicos do próprio Estado de Direito em uma sociedade democrática.

Em perspectiva histórica, é altamente significativo que a Declaração Universal de 1948 tenha propugnado uma concepção necessariamente integral ou holística de todos os direitos humanos. Transcendendo as divisões ideológicas do mundo de seu próprio tempo, situou assim no mesmo plano todas as "categorias" de direitos - civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Este enfoque seria retomado duas décadas depois, na I Conferência Mundial de Direitos Humanos (1968), e nele se insistiria mais recentemente na II Conferência Mundial de Direitos Humanos (1993). Os direitos proclamados compreenderam os de caráter pessoal, os atinentes às relações do indivíduo com grupos e o mundo exterior, as liberdades públicas e os direitos políticos, assim como os direitos econômicos, sociais e culturais 2..

 

III. Projeção da Declaração Universal de 1948 no Direito Internacional e no Direito Interno.

A experiência internacional em matéria de proteção dos direitos humanos tem revelado, em diferentes momentos históricos, o consenso quanto à universalidade dos direitos humanos, mais além das diferenças quando a concepções doutrinárias e ideológicas e particularidades culturais. Foi, assim, possível, alcançar uma Declaração Universal no mundo profundamente dividido do pós-guerra; foi igualmente possível, em plena guerra-fria, adotar os dois Pactos de Direitos Humanos em votação à qual concorreram países tanto ocidentais quanto socialistas, com regimes sócio-econômicos antagônicos , sem falar no chamado terceiro mundo. Em meio a tantos antagonismos da época, foi possível afirmar a indivisibilidade de todos os direitos humanos.

A universalidade dos direitos humanos, proclamada pela Declaração de 1948, veio a ecoar nas duas Conferências Mundiais sobre a matéria (Teerã, 1968, e Viena 1993). Os países emancipados no processo da descolonização prontamente estenderam sua contribuição à evolução da proteção dos direitos humanos, premidos pelos problemas comuns da pobreza extrema, das enfermidades, das condições desumanas de vida, do apartheid, racismo e discriminação racial. O enfrentamento de tais problemas propiciou uma maior aproximação entre as diferentes concepções dos direitos humanos à luz de uma visão universal, refletida no aumento do número de ratificações dos instrumentos globais e na busca de maior eficácia dos mecanismos e procedimentos de proteção, assim como na adoção de novos tratados de proteção nos planos global e regional, tidos como essencialmente complementares , e atendendo a novas necessidades de proteção do ser humano.

O tempo relativamente curto com que se elaborou e adotou a Declaração Universal (supra) veio a contrastar com os prolongados trabalhos preparatórios dos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas, que, juntamente com a Declaração Universal, conformariam a chamada Carta International dos Direitos Humanos. Nos prolongados travaux préparatoires dos dois Pactos (e Protocolo Facultativo) fêz-se constantemente presente a consideração cuidadosa das medidas de implementação. Podem-se, com efeito, destacar quatro fases naqueles trabalhos, que se estenderam de 1947 a 1966: na primeira, de 1947 a 1950, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas trabalhou praticamente só, sem assistência direta do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) ou da Assembléia Geral das Nações Unidas. De 1950 a 1954 os três órgãos atuaram conjuntamente, dividindo-se o período em 1951 com a importante decisão de ter dois Pactos ao invés de um . O quarto e último período estendeu-se de 1954, data da conclusão pela Comissão de Direitos Humanos do projeto dos dois Pactos, até 1966, data de sua adoção (em que os trabalhos foram desenvolvidos pela própria Assembléia Geral e sua III Comissão).

A idéia inicial (debates de 1950 da Comissão de Direitos Humanos) era incluir em um único Pacto os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, dotados - para sua implementação - dos sistemas de relatórios e petições (este último em Protocolo separado). Diferenças quanto aos métodos de implementação de "distintas categorias" de direitos levaram à opção do projeto de dois Pactos distintos, como uma solução de conciliação (apregoada por René Cassin) entre a tese de um Pacto único e a de Pactos sucessivos , reservado o sistema de petições ou reclamações apenas aos direitos civis e políticos (e incorporado em um Protocolo Facultativo) .

A contribuição da Comissão de Direitos Humanos não deve passar despercebida: apesar das diferenças (tanto em seu seio como no do ECOSOC e da Assembléia Geral) decorrentes dos conflitos ideológicos próprios do período da guerra fria e também marcados pelo processo incipiente de descolonização, conseguiu estabelecer as bases dos dois Pactos de Direitos Humanos , a serem retomadas e elaboradas -de 1954 a 1966 - pela Assembléia Geral e sua III Comissão. Em 16 de dezembro de 1966 a Assembléia Geral adotou e abriu à assinatura, ratificação e adesão o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (por 105 votos a zero), o Pacto de Direitos Civis e Políticos (por 106 votos a zero) e o Protocolo Facultativo desse último (por 66 votos a 2, com 38 abstenções) . Com a adoção desses tratados gerais, somados à Declaração Universal de 1948, estava enfim completada a Carta Internacional dos Direitos Humanos.
Ao longo dos anos passariam a coexistir inúmeros instrumentos internacionais de proteção, de origens, natureza e efeitos jurídicos distintos ou variáveis (baseados em tratados e resoluções), de diferentes âmbitos de aplicação (nos planos global e regional), distintos também quanto aos seus destinatários ou beneficiários (tratados ou instrumentos gerais, e setoriais), e quanto a seu exercício de funções e a seus mecanismos de controle e supervisão (essencialmente, os métodos de petições ou denúncias, de relatórios, e de investigações). Formou-se, assim, gradualmente, um complexo corpus juris, em que, no entanto, a unidade conceitual dos direitos humanos veio a transcender tais diferenças, inclusive quanto às distintas formulações de direitos nos diversos instrumentos.

A multiplicidade desses instrumentos, adotados ao longo dos anos como respostas às necessidades de proteção, e dotados de base convencional ou extra-convencional, afigurou-se antes como um reflexo do modo com que se desenvolveu o processo histórico da generalização da proteção internacional dos direitos da pessoa humana, no cenário de uma sociedade internacional descentralizada em que deviam operar. Ante a fragmentação histórica do jus gentium no jus inter gentes contemporâneo , as consequências de uma centralização ou hierarquização dos instrumentos de proteção não puderam, como ocorre ainda hoje, ser previstas, antecipadas ou propriamente avaliadas. Não obstante, a multiplicidade de instrumentos internacionais de proteção forma um todo harmônico, e a unidade conceitual dos direitos humanos, todos inerentes à pessoa humana, veio a transcender as formulações distintas dos direitos consagrados em diversos instrumentos.

A Declaração Universal de 1948 abriu efetivamente caminho à adoção de sucessivos tratados e instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, a operarem hoje em base regular e permanente, nos planos global e regional . Em nada surpreende que a Declaração Universal viesse logo a ser tida como uma interpretação autêntica e elaboração da própria Carta das Nações Unidas (no tocante em particular a suas disposições sobre direitos humanos), dando assim conteúdo a algumas de suas normas. A autoridade da Declaração de 1948, nesse sentido, fortaleceu-se, ao ser reconhecida como refletindo normas do direito internacional consuetudinário; seus princípios passaram a ser vistos como correspondendo a princípios gerais do direito .

A este fenômeno da diversidade de meios e identidade de propósito há que agregar a gradual superação de objeções clássicas como a da pretensa competência nacional exclusiva ou domínio reservado dos Estados , e a concomitante asserção da capacidade de agir dos órgãos de supervisão internacionais. De importância capital foi o papel exercido pelo processo dinâmico de interpretação na evolução da proteção internacional dos direitos humanos. A construção jurisprudencial de distintos órgãos de supervisão veio a mostrar-se, com efeito, convergente, ao enfatizar o caráter objetivo das obrigações e a necessidade de realização do objeto e propósito dos tratados ou convenções em questão. A interação dos instrumentos de proteção estendeu-se também ao plano hermenêutico, dada sua identidade básica de propósito .

Este fenômeno veio a revelar a complementaridade dos instrumentos globais e regionais de proteção, reforçando-se mutuamente, e acarretando a extensão ou ampliação da proteção devida às supostas vítimas. Descartou-se, desse modo, qualquer pretenso antagonismo entre soluções nos planos global e regional , fazendo-se uso do Direito Internacional, no presente domínio, para ampliar, aprimorar e fortalecer a proteção dos direitos reconhecidos . A complementaridade dos instrumentos de direitos humanos nos planos global e regional veio a refletir em última análise a especificidade e a autonomia do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

As indicações nesse sentido são inequívocas. Os instrumentos de direitos humanos nos planos global e regional têm encontrado uma fonte comum de inspiração na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, à qual se referem expressamente em seus preâmbulos. Em nada surpreende encontrar a liberdade de escolha (pelo indivíduo reclamante) do procedimento internacional - consagrada nos próprios instrumentos internacionais, - a ser acionado seja no plano global ou regional , - o que pode reduzir ou minimizar a possibilidade de conflito em nível internacional. Os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos passaram a mostrar-se, assim, essencialmente complementares uns aos outros, nos planos global e regional. O foco de atenção voltou-se, da ênfase tradicional na delimitação clássica de competências, à garantia de uma proteção cada vez mais eficaz dos direitos humanos. E não poderia ser de outra forma, em um domínio de proteção em que primam interesses comuns superiores, considerações de ordre public e a noção de garantia coletiva.

A operação, nesse sentido, de múltiplos instrumentos de proteção, fêz com que se cristalizasse em definitivo o ideal comum de todos os povos (a "meta a alcançar", o "standard of achievement"), consubstanciado na Carta Internacional dos Direitos Humanos (a Declaração Universal de 1948 e os dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1966) complementada ao longo dos anos por dezenas de outros tratados "setoriais" de proteção e de convenções regionais, e consagrado ademais nas Constituições nacionais de numerosos países. Reconhecido como um ideal comum este conjunto de valores e preceitos básicos, consubstanciado em um conjunto de normas jurídicas, o próximo passo consistiu na consagração de um núcleo básico de direitos inderrogáveis, presentes nos distintos tratados de direitos humanos, de reconhecimento universal .

Passou a manifestar-se um consenso da virtual totalidade dos Estados do mundo no sentido de fazer figurar, dentre as violações mais graves dos direitos humanos, o genocídio, o apartheid e a discriminação racial, a prática de tortura e a de desaparições forçadas de pessoas, - o que implicava um acordo de princípio quanto a certos direitos básicos e inderrogáveis, a serem gradualmente ampliados . Passou-se a associar a proibição absoluta de tais violações graves dos direitos humanos com a emergência e consolidação do jus cogens no Direito Internacional contemporâneo . Tratava-se de claras indicações de um novo ethos, da fixação de parâmetros de conduta em torno de valores básicos universais, a ser observados e seguidos por todos os Estados e povos, tendo presente a nova dimensão dos direitos humanos, a permear todas as áreas da atividade humana.

Referências à Declaração Universal de 1948 passaram a figurar na jurisprudência dos tribunais internacionais, inclusive da Corte Internacional de Justiça . Juntamente com as disposições sobre direitos humanos da Carta das Nações Unidas e de sucessivos tratados e instrumentos internacionais de proteção, a Declaração de 1948 veio a servir de base à ação internacional na salvaguarda dos direitos humanos. Os tratados e instrumentos internacionais de direitos humanos vieram a mostrar-se dotados, no plano substantivo, de fundamentos e princípios básicos próprios, assim como de um conjunto de normas a requererem uma interpretação e aplicação de modo a lograr a realização do objeto e propósito dos instrumentos de proteção. E, no plano operacional, passaram a contar com uma série de mecanismos próprios de supervisão. Este corpus juris em expansão veio enfim a configurar-se, ao final de cinco décadas, como uma nova disciplina da ciência jurídica contemporânea, dotada de autonomia, o Direito Internacional dos Direitos Humanos .

Ademais, a Declaração Universal também se projetou no direito interno dos Estados. Suas normas encontraram expressão nas Constituições nacionais de numerosos Estados, e serviram de modelo a disposições das legislações nacionais visando a proteção dos direitos humanos. A Declaração Universal passou a ser invocada ante os tribunais nacionais de numerosos países de modo a interpretar o direito convencional ou interno atinente aos direitos humanos e a obter decisões 2.. A Declaração Universal, em suma, tem assim contribuído decisivamente para a incidência da dimensão dos direitos humanos no direito tanto internacional como interno. Os direitos humanos fazem abstração da compartimentalização tradicional entre os ordenamentos jurídicos internacional e interno; no presente domínio de proteção, o direito internacional e o direito interno encontram-se em constante interação, em benefício de todos os seres humanos.

Longe de operarem de modo estanque ou compartimentalizado, o Direito Internacional e o direito interno passaram efetivamente a interagir, por força das disposições de tratados de direitos humanos atribuindo expressamente funções de proteção aos órgãos do Estado, assim como da abertura do Direito Constitucional contemporâneo aos direitos humanos internacionalmente consagrados. Descartou-se, assim, no plano vertical, o velho debate acerca da primazia das normas do Direito Internacional ou do direito interno, por se mostrarem estes em constante interação no presente domínio de proteção. Desvencilhando-se das amarras da doutrina clássica, o primado passou a ser da norma - de origem internacional ou interna - que melhor protegesse os direitos humanos, da norma mais favorável às supostas vítimas .

É reconhecido o impacto da Declaração Universal nas Constituições, legislações e jurisprudências nacionais, assim como em tratados ou convenções e outras resoluções subseqüentes das Nações Unidas. Tal impacto se tornou ainda mais considerável e notório em razão do lapso de tempo prolongado - dezoito anos - entre a adoção da Declaração e a dos dois Pactos (e Protocolo Facultativo) em 1966, - o que levou à formação do entendimento de que alguns dos princípios da Declaração Universal se impõem como parte do direito internacional consuetudinário . Hoje, decorridos cinqüenta anos desde sua adoção, a Declaração Universal retém sua importância aos esforços correntes para tornar os direitos humanos a linguagem comum da humanidade.

No decorrer de cinco décadas de extraordinária projeção histórica, a Declaração Universal adquiriu uma autoridade que seus redatores jamais teriam imaginado ou antecipado. Isto ocorreu não em razão das pessoas que participaram de sua elaboração, ou da forma que lhe foi dada, ou das circunstâncias de sua adoção: isto ocorreu porque gerações sucessivas de seres humanos, de culturas distintas e em todo o mundo, nela reconheceram a "meta comum a alcançar" ("common standard of achievement", tal como originalmente proclamada) que correspondia a suas mais profundas e legítimas aspirações. A comunidade internacional como um todo deu-lhe a dimensão que hoje tem 2.. Já uma década depois de sua adoção, esta evolução levou um de seus redatores a exclamar, um tanto surpreso, que "algo mudou no mundo depois de proclamada a Declaração Universal" 4..

IV. A Declaração Universal de 1948 e as Duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos.

No transcurso do ano do vigésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, realizou-se a I Conferência Mundial de Direitos Humanos das Nações Unidas (Teerã, 22 de abril a 13 de maio de 1968), que adotou a célebre Proclamação de Teerã, -uma avaliação das duas primeiras décadas de experiência da proteção internacional dos direitos humanos na era das Nações Unidas, - além de 29 resoluções sobre questões diversas . Reconhece-se hoje que a grande contribuição daquela Conferência Mundial tenha consistido no tratamento e reavaliação globais da matéria 3., o que propiciou o reconhecimento e asserção, endossados por resoluções subseqüentes da Assembléia Geral das Nações Unidas, da interrelação ou indivisibilidade de todos os direitos humanos 5.. Tal tratamento resgatou um dos fundamentos da própria Declaração Universal de 1948.

A par das resoluções adotadas pela Conferência de Teerã, foi, no entanto, a Proclamação de Teerã sobre Direitos Humanos, adotada pelo plenário da I Conferência Mundial de Direitos Humanos em 13 de maio de 1968, a que melhor expressão deu a esta nova visão da matéria, constituindo-se em um relevante marco na evolução doutrinária da proteção internacional dos direitos humanos. A referida Proclamação de Teerã, ao voltar-se a todos os pontos debatidos na Conferência e consignados nas resoluções adotadas, advertiu, por exemplo, para as "denegações maciças dos direitos humanos", que colocavam em risco os "fundamentos da liberdade, justiça e paz no mundo", assim como para a "brecha crescente" entre os países economicamente desenvolvidos e os países em desenvolvimento, que impedia a realização dos direitos humanos na "comunidade internacional" 2..

Ponderou a Proclamação de Teerã que, muito embora as descobertas científicas e os avanços tecnológicos recentes tivessem aberto amplas perspectivas de progresso econômico, social e cultural, tais desenvolvimentos podiam no entanto por em risco os direitos e liberdades dos seres humanos, requerendo assim atenção contínua (parágafo 18). Mais do que qualquer outra passagem da Proclamação de Teerã, foi o seu parágrafo 13 o que melhor resumiu a nova visão da temática dos direitos humanos, ao dispor: - "Uma vez que os direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis, a realização plena dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais, é impossível" .

Esta asserção de uma nova visão, global e integrada, de todos os direitos humanos, - propugnada pela Declaração Universal de 1948 mas minimizada no transcorrer dos trabalhos preparatórios dos dois Pactos de Direitos Humanos, - constitui a nosso ver a grande contribuição da I Conferência Mundial de Direitos Humanos para os desenvolvimentos subseqüentes da matéria. A partir de então, estava o campo efetivamente aberto para a consagração da tese da interrelação ou indivisibilidade dos direitos humanos, retomada pela célebre resolução 32/l30 de 1977 da Assembléia Geral das Nações Unidas e endossada pelas subsequentes resoluções 39/145, de 1984, e 41/117, de 1986, da mesma Assembléia Geral, - tese esta que desfruta hoje de aceitação virtualmente universal.
Assim como a Proclamação de Teerã contribuiu sobretudo com a visão global da indivisibilidade e interrelação de todos os direitos humanos, a Declaração e Programa de Ação de Viena adotada pela II Conferência Mundial de Direitos Humanos das Nações Unidas em 25 de junho de 1993 poderá também contribuir ao mesmo propósito se sua aplicação se concentrar em nossos dias nos meios de assegurar tal indivisibilidade na prática, com atenção especial às pessoas discriminadas ou desfavorecidas, aos grupos vulneráveis, aos pobres e aos socialmente excluídos, em suma, aos mais necessitados de proteção. O "espírito de nossa época", a que se referiu o preâmbulo da Declaração e Programa de Ação de Viena, se caracteriza sobretudo pela busca de soluções globais a problemas que afetam a todos os seres humanos, pela aspiração comum a valores superiores .

Assim como a I Conferência Mundial, de Teerã, contribuiu para clarificar as bases para desenvolvimentos subseqüentes de operação dos mecanismos de proteção, a II Conferência Mundial, de Viena, buscou dar um passo adiante ao concentrar os esforços, por um lado, no fomento da criação da necessária infraestrutura nacional, no fortalecimento das instituições nacionais para a vigência dos direitos humanos; e, por outro, na mobilização de todos os setores das Nações Unidas em prol da promoção dos direitos humanos assim como no incremento de maior complementaridade entre os mecanismos globais e regionais de proteção. As implicações para as Nações Unidas eram claras, a começar pela incorporação da dimensão dos direitos humanos em todas as suas atividades e programas , em decorrência da constatação de que os direitos humanos permeiam todas as áreas da atividade humana.

Já não mais se podia, tampouco, professar o universalismo no plano tão somente conceitual ou normativo e continuar aplicando ou praticando a seletividade no plano operacional. Já não mais podia haver dúvida de que os direitos humanos se impõem e obrigam os Estados, e, em igual medida, os organismos internacionais e as entidades ou grupos detentores do poder econômico, particularmente aqueles cujas decisões repercutem no quotidiano da vida de milhões de seres humanos. Os direitos humanos, em razão de sua universalidade nos planos tanto normativo quanto operacional, acarretam obrigações erga omnes. Foi esta uma das grandes lições que se pôde extrair da Conferência Mundial de Viena .

No tocante aos Estados, o principal documento resultante da Conferência de Viena de 1993 cuidou de a eles determinar o provimento de recursos internos capazes de reparar violações de direitos humanos, assim como o fortalecimento de sua estrutura de administração da justiça à luz dos padrões consagrados nos instrumentos internacionais de direitos humanos. É significativo que a Declaração e Programa de Ação de Viena tivesse ademais reclamado um maior fortalecimento na interrelação entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos em todo o mundo.

Ademais, endossou com firmeza os termos da Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, contribuindo, assim, decisivamente, para dissipar dúvidas porventura persistentes a respeito, e inserir o direito ao desenvolvimento definitivamente no universo conceitual do Direito Internacional dos Direitos Humanos . Passando do geral ao particular, a Declaração e Programa de Ação de Viena dirigiu-se aos direitos humanos de pessoas em determinada condição ou situação . É também significativo que suas seções sobre os direitos humanos da mulher e da criança tivessem sido adotadas sem dificuldades.

A parte operativa II, a mais pormenorizada do principal documento da Conferência de Viena, correspondente ao Programa de Ação, dedicou-se à necessidade de maior coordenação e racionalização no trabalho dos órgãos de supervisão internacionais dos instrumentos de direitos humanos das Nações Unidas; ao aperfeiçoamento do sistema de relatórios; ao maior uso do sistema de petições ou denúncias sob tratados de direitos humanos; ao fortalecimento do sistema de seus relatores especiais e grupos de trabalho; ao uso de indicadores adequados para medir o grau de realização dos direitos econômicos, sociais e culturais; e ao desenvolvimento de mecanismos de prevenção e de seguimento (em relação aos sistemas de petições e de relatórios). Por meio de tais mecanismos se haveria de fortalecer os instrumentos existentes de proteção, de modo a assegurar um monitoramento contínuo dos direitos humanos em todo o mundo (cf. infra).

Previu o Programa de Ação, enfim, o estabelecimento de um Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (o que se concretizou poucos meses depois), e insistiu no objetivo da "ratificação universal" - e sem reservas - dos tratados de direitos humanos das Nações Unidas. A Declaração e Programa de Ação de Viena não descuidou de recomendar a adoção e ampliação da educação - formal e não-formal - em direitos humanos lato sensu em todos os níveis, de modo a despertar a consciência e fortalecer o compromisso universal com a causa dos direitos humanos.

A Conferência Mundial de Viena afirmou, com efeito, de modo inequívoco, a legitimidade da preocupação de toda a comunidade internacional com a promoção e proteção dos direitos humanos por todos e em toda parte . Na rota de Teerã a Viena, tendo presente o legado da Declaração Universal de 1948, foi este sem dúvida um passo adiante, que haverá de contribuir em muito para a conscientização das amplas dimensões temporal (inclusive preventiva) e espacial (global) da proteção dos direitos humanos.
Muito significativamente, a universalidade dos direitos humanos resultou fortalecida da I Conferência Mundial de 1968 sobre a matéria, sendo, 25 anos depois, reafirmada na II Conferência Mundial. Há, ademais, que ter presente que, já em 1948, a Declaração Universal, além de proclamar direitos, conclamou à transformação da ordem social e internacional de modo a assegurar o gozo dos direitos proclamados na prática . Na projeção histórica do legado da Declaração Universal, as duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos, - a de Teerã (1968) e a de Viena (1993), - na verdade, fazem parte de um processo prolongado de construção de uma cultura universal de observância dos direitos humanos.

V. O Amplo Alcance das Obrigações Convencionais Internacionais em Matéria de Proteção dos Direitos Humanos.

A despeito dos sensíveis avanços logrados no presente domínio de proteção nos últimos anos, ainda resta um longo caminho a percorrer. Na maioria dos países que têm ratificado os tratados de direitos humanos, até o presente lamentavelmente ainda não parece haver se formado uma consciência da natureza e amplo alcance das obrigações convencionais contraídas em matéria de proteção dos direitos humanos. Urge que um claro entendimento destas últimas se difunda, a começar pelas autoridades públicas.

Assim, ao ratificarem os tratados de direitos humanos os Estados Partes contraem, a par das obrigações convencionais atinentes a cada um dos direitos protegidos, também obrigações gerais da maior importância, consignadas naqueles tratados. Uma delas é a de respeitar e assegurar o respeito dos direitos protegidos - o que requer medidas positivas por parte dos Estados, - e outra é a de adequar o ordenamento jurídico interno à normativa internacional de proteção. Esta última requer que se adote a legislação necessária para dar efetividade às normas convencionais de proteção, suprindo eventuais lacunas no direito interno, ou então que se alterem disposições legais nacionais com o propósito de harmonizá-las com as normas convencionais de proteção, - tal como requerido pelos tratados de direitos humanos. Estas obrigações gerais, a serem devidamente cumpridas, implicam naturalmente o concurso de todos os poderes do Estado, de todos os seus órgãos e agentes .
Como ressaltamos em obra recente, "as obrigações convencionais de proteção vinculam os Estados Partes, e não só seus Governos. Ao Poder Executivo incumbe tomar todas as medidas - administrativas e outras - a seu alcance para dar fiel cumprimento àquelas obrigações. A responsabilidade internacional pelas violações dos direitos humanos sobrevive aos Governos, e se transfere a Governos sucessivos, precisamente por se tratar de responsabilidade do Estado. Ao Poder Legislativo incumbe tomar todas as medidas dentro de seu âmbito de competência, seja para regulamentar os tratados de direitos humanos de modo a dar-lhes eficácia no plano do direito interno, seja para harmonizar este último com o disposto naqueles tratados. E ao Poder Judiciário incumbe aplicar efetivamente as normas de tais tratados no plano do direito interno, e assegurar que sejam respeitadas. Isto significa que o Judiciário nacional tem o dever de prover recursos internos eficazes contra violações tanto dos direitos consignados na Constituição como dos direitos consagrados nos tratados de direitos humanos que vinculam o país em questão, ainda mais quando a própria Constituição nacional assim expressamente o determina. O descumprimento das normas convencionais engaja de imediato a responsabilidade internacional do Estado, por ato ou omissão, seja do Poder Executivo, seja do Legislativo, seja do Judiciário" .

Diversas Constituições nacionais contemporâneas, referindo-se expressamente aos tratados de direitos humanos, concedem um tratamento especial ou diferenciado também no plano do direito interno aos direitos humanos internacionalmente consagrados. A Constituição Brasileira vigente não faz exceção a esta nova e alentadora tendência do constitucionalismo hodierno. Com efeito, o artigo 5(2) da Constituição Federal de 1988 determina que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja Parte" .

Por meio deste dispositivo constitucional, os direitos humanos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja Parte incorporam-se ipso facto ao direito interno brasileiro, no âmbito do qual passam a ter "aplicação imediata" (artigo 5(1)), da mesma forma e no mesmo nível que os direitos constitucionalmente consagrados. A intangibilidade dos direitos e garantias individuais é determinada pela própria Constituição Federal, que inclusive proíbe expressamente até mesmo qualquer emenda tendente a aboli-los (artigo 60(4)(IV)). A especificidade e o caráter especial dos tratados de direitos humanos encontram-se, assim, devidamente reconhecidos pela Constituição Brasileira vigente.

Se, para os tratados internacionais em geral, tem-se exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente, no tocante aos tratados de direitos humanos em que o Brasil é Parte, os direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante os artigos 5(2) e 5(1) da Constituição Brasileira de 1988, a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano de nosso ordenamento jurídico interno. Por conseguinte, mostra-se inteiramente infundada, no tocante em particular aos tratados de direitos humanos, a tese clássica - ainda seguida em nossa prática constitucional - da paridade entre os tratados internacionais e a legislação infraconstitucional.

Se houvesse uma clara compreensão em nosso país, assim como em tantos outros, do amplo alcance das obrigações convencionais internacionais em matéria de proteção dos direitos humanos, muitas dúvidas e incertezas que parecem circundar o atual debate nacional sobre a matéria já teriam sido esclarecidas e superadas. O artigo 5(2) da Constituição Brasileira vigente, que abre um campo amplo e fértil para avanços nesta área, parece ainda esquecido dos agentes do poder público, mormente do Poder Judiciário. Se maiores avanços não se têm logrado até o presente neste domínio de proteção, não tem sido em razão de obstáculos jurídicos, - que na verdade não existem, - mas antes da falta de vontade do poder público de promover e assegurar a proteção dos mais fracos e vulneráveis. Tal vontade, a seu turno, só se manifesta com vigor no seio de sociedades nacionais imbuídas de um forte sentimento de solidariedade humana, sem o que pouco logra avançar o Direito.

Os tratados de proteção dos direitos humanos, distintamente dos demais tratados que se mostram eivados de concessões mútuas pela reciprocidade, inspiram-se em considerações de ordem superior, de ordre public. Ao criarem obrigações para os Estados vis-à-vis os seres humanos sob sua jurisdição, suas normas aplicam-se não só na ação conjunta (exercício de garantia coletiva) dos Estados Partes na realização do propósito comum de proteção, mas também e sobretudo no âmbito do ordenamento interno de cada um deles, nas relações entre o poder público e os indivíduos.

Os próprios tratados de direitos humanos indicam vias de compatibilização dos dispositivos convencionais e dos de direito interno, de modo a prevenir conflitos entre as jurisdições internacional e nacional no presente domínio de proteção; impõem aos Estados Partes o dever de provimento de recursos de direito interno eficazes, e por vezes o compromisso de desenvolvimento das "possibilidades de recurso judicial"; prevêem a adoção pelos Estados Partes de medidas legislativas, judiciais, administrativas ou outras, para a realização de seu objeto e propósito. Em suma, contam com o concurso dos órgãos e procedimentos do direito público interno. Há, assim, uma interpenetração entre as jurisdições internacional e nacional no âmbito de proteção do ser humano. Em nada surpreende, por exemplo, nos últimos anos, a crescente jurisprudência internacional dos órgãos de supervisão internacionais voltada à intangibilidade das garantias judiciais e ao princípio da legalidade em um Estado democrático.

À luz do que precede, resulta claro que a tese da paridade entre os tratados internacionais e a legislação infraconstitucional padece de incongruências irremediáveis e mostra-se inaplicável no tocante aos tratados de direitos humanos. A máxima lex posteriori derogat priori em nada afeta ou prejudica os tratados de direitos humanos vigentes; as leis nacionais hão de ser interpretadas de modo a que não entrem em conflito com a normativa internacional de proteção, sob pena da configuração da responsabilidade internacional do país em questão. Pode-se presumir o cumprimento das obrigações convencionais de proteção por parte do Poder Legislativo, da mesma forma que dos Poderes Executivo e Judiciário. Este o sentido da obrigação geral de adequar o direito interno à normativa internacional de proteção vigente.

Tal adequação é requerida pela própria natureza especial dos tratados de direitos humanos. De sua própria natureza jurídica resulta o primado dos direitos que consagram, ao que se agregam a necessidade e o imperativo ético de que os três poderes do Estado assegurem a aplicabilidade direta das normas internacionais de proteção e a compatibilidade com estas últimas das leis nacionais. Urge que se desenvolva em nosso país este novo enfoque da matéria, e que se promova uma maior aproximação entre os pensamentos internacionalista e constitucionalista, de modo a assegurar uma aplicação mais eficaz dos tratados de direitos humanos no âmbito de nosso direito interno. Com estas ponderações em mente, passemos às reflexões derradeiras do presente estudo, dedicadas ao futuro da proteção internacional dos direitos humanos, tal como o visualizamos neste limiar do novo século.

VI. O Futuro da Proteção Internacional dos Direitos Humanos.

Ao longo das cinco últimas décadas testemunhamos o processo histórico de gradual formação, consolidação, expansão e aperfeiçoamento da proteção internacional dos direitos humanos, conformando um direito de proteção dotado de especificidade própria: o Direito Internacional dos Direitos Humanos. A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e ao longo deste meio século, como respostas às necessidades de proteção têm-se multiplicado os tratados e instrumentos de direitos humanos. A I Conferência Mundial de Direitos Humanos (Teerã, 1968) representou, de certo modo, a gradual passagem da fase legislativa, de elaboração dos primeiros instrumentos internacionais de direitos humanos (a exemplo dos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1966), à fase de implementação de tais instrumentos.

A II Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993) procedeu a uma reavaliação global da aplicação de tais instrumentos e das perspectivas para o novo século, abrindo campo ao exame do processo de consolidação e aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção internacional dos direitos humanos. Decorridos quatro anos desde a realização desta última Conferência, encontram-se os órgãos internacionais de proteção dos direitos humanos, neste final de século, diante de novos dilemas e desafios, próprios de nossos dias, que relacionaremos a seguir.

Cabe, de início, ter sempre presente que, nas últimas décadas, graças à atuação daqueles órgãos, inúmeras vítimas têm sido socorridas. Até o início dos anos noventa, no plano global (Nações Unidas), por exemplo, mais de 350 mil denúncias revelando um "quadro persistente de violações" de direitos humanos foram enviadas às Nações Unidas (sob o chamado sistema extraconvencional da resolução 1503 do ECOSOC). Sob o Pacto de Direitos Civis e Políticos e seu [primeiro] Protocolo Facultativo, o Comitê de Direitos Humanos, tinha recebido, até abril de 1995, mais de 630 comunicações, e em 73% dos casos examinados concluiu que haviam ocorrido violações de direitos humanos. O Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial tinha examinado (sob a Convenção do mesmo nome), a seu turno, em suas duas primeiras décadas de operação, 810 relatórios (periódicos e complementares) dos Estados Partes. E o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), decorridas quatro décadas de operação do sistema, cuida hoje de mais de 17 milhões de refugiados em todo o mundo , a par do número considerável de deslocados internos nas mais distintas regiões.

No plano regional, por exemplo, até o início desta década, no continente europeu, a Comissão Européia de Direitos Humanos tinha decidido cerca de 15 mil reclamações individuais sob a Convenção Européia de Direitos Humanos, ao passo que a Corte Européia de Direitos Humanos totalizava 191 casos submetidos a seu exame, com 91 casos pendentes. No continente americano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ultrapassava o total de 10 mil comunicações examinadas, enquanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos, atualmente com 15 pareceres emitidos, passava a exercer regularmente sua competência contenciosa, contando hoje com 22 casos contenciosos examinados, alguns dos quais ainda pendentes.

No continente africano, a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos examinava quase 40 reclamações ou comunicações sob a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos , algumas das quais já decididas. E, em fins de 1997, a Comissão Africana debruçava-se sobre um Projeto de Protocolo à Carta Africana que prevê o estabelecimento de uma Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos . O Conselho da Liga dos Estados Árabes, a seu turno, adotava, em 15.09.1994, a quarta Convenção regional de direitos humanos, a Carta Árabe de Direitos Humanos . Assim, neste final de século, somente os países asiáticos encontram-se desprovidos de uma Convenção regional de direitos humanos . Cada sistema regional de direitos humanos vive um momento histórico distinto, e, em todo caso, os instrumentos regionais e globais (Nações Unidas) de proteção afiguram-se como essencialmente complementares.

Graças aos esforços dos órgãos internacionais de supervisão nos planos global e regional, logrou-se salvar muitas vidas, reparar muitos dos danos denunciados e comprovados, por fim a práticas administrativas violatórias dos direitos garantidos, alterar medidas legislativas impugnadas, adotar programas educativos e outras medidas positivas por parte dos governos. Não obstante todos estes resultados, estes órgãos de supervisão internacionais defrontam-se hoje com grandes problemas, gerados em parte pelas modificações do cenário internacional, pela própria expansão e sofisticação de seu âmbito de atuação, pelos continuados atentados aos direitos humanos em numerosos países, pelas novas e múltiplas formas de violação dos direitos humanos que deles requerem capacidade de readaptação e maior agilidade, e pela manifesta falta de recursos humanos e materiais para desempenhar com eficácia seu labor.

Os tratados de direitos humanos das Nações Unidas têm, com efeito, constituído a espinha dorsal do sistema universal de proteção dos direitos humanos, devendo ser abordados não de forma isolada ou compartimentalizada, mas relacionados uns aos outros. Decorridos quatro anos desde a realização da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, estamos longe de lograr a chamada "ratificação universal" das seis "Convenções centrais" (core Conventions) das Nações Unidas (os dois Pactos de Direitos Humanos, as Convenções sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação - Racial e contra a Mulher, - a Convenção contra a Tortura, e a Convenção sobre os Direitos da Criança), - "ratificação universal" esta propugnada pela Conferência de Viena para o final de século que se aproxima e que de certo modo já vivemos. Ademais, encontram-se estas Convenções crivadas de reservas, muitas das quais, em nosso entender, manifestamente incompatíveis com seu objeto e propósito. Urge, com efeito, proceder a uma ampla revisão do atual sistema de reservas a tratados multilaterais consagrado nas duas Convenções de Viena sobre Direito dos Tratados (de 1969 e 1986), - sistema este, a nosso modo de ver, e como vimos advertindo já há uma década, inteiramente inadequado aos tratados de direitos humanos .

A despeito da aceitação virtualmente universal da tese da indivisibilidade dos direitos humanos, persiste a disparidade entre os métodos de implementação internacional dos direitos civis e políticos, e dos direitos econômicos, sociais e culturais. Apesar da conclamação da Conferência de Viena, o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, continuam até o presente (fins de 1997) desprovidos de um sistema de petições ou denúncias internacionais. Os respectivos Projetos de Protocolo nesse sentido se encontram virtualmente concluídos, mas ainda aguardam aprovação. Muitos dos direitos consagrados nestes dois tratados de direitos humanos são perfeitamente justiciáveis por meio do sistema de petições individuais, e urge que se ponha um fim à referida disparidade de procedimentos.

É inadmissível que continuem a ser negligenciados em nossa parte do mundo, como o têm sido nas últimas décadas, os direitos econômicos, sociais e culturais. O descaso com estes últimos é triste reflexo de sociedades marcadas por gritantes injustiças e disparidades sociais. Não pode haver Estado de Direito em meio a políticas públicas que geram a humilhação do desemprego e o empobrecimento de segmentos cada vez mais vastos da população, acarretando a denegação da totalidade dos direitos humanos em tantos países. Não faz sentido levar às últimas conseqüências o princípio da não-discriminação em relação aos direitos civis e políticos, e tolerar ao mesmo tempo a discriminação - ilustrada pela pobreza crônica - como "inevitável" em relação aos direitos econômicos e sociais. Os Estados são responsáveis pela observância da totalidade dos direitos humanos, inclusive os econômicos e sociais. Não há como dissociar o econômico do social e do político e do cultural.

Urge despojar este tema de toda retórica, e passar a tratar os direitos econômicos, sociais e culturais como verdadeiros direitos que são. Só se pode conceber a promoção e proteção dos direitos humanos a partir de uma concepção integral dos mesmos, abrangendo todos em conjunto (os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais). A visão atomizada ou fragmentada dos direitos humanos leva inevitavelmente a distorções, tentando postergar a realização dos direitos econômicos e sociais a um amanhã indefinido. A prevalecer o atual quadro de deterioração das condições de vida da população, a afligir hoje tantos países, poderão ver-se ameaçadas inclusive as conquistas dos últimos anos no campo dos direitos civis e políticos. Impõe-se, pois, uma concepção necessariamente integral de todos os direitos humanos.
À afirmação da responsabilidade permanente do Estado pela vigência dos direitos econômicos, sociais e culturais (da mesma forma que dos direitos civis e políticos) há que agregar uma referência final aos esforços recentes da doutrina mais lúcida, no sentido do reconhecimento de que muitos daqueles direitos (e.g., certos direitos sindicais, a igualdade de remuneração por trabalho igual, o direito à educação primária obrigatória gratuita) são de aplicabilidade imediata. Tem-se distinguido não só obrigações mínimas referentes aos direitos econômicos, sociais e culturais, mas também obrigações distintas - de respeitar, proteger, assegurar e promover - tais direitos. Tem-se assinalado a importância da aplicação do princípio da não-discriminação também no presente contexto.

A iniciativa recente de elaboração de um Projeto de Protocolo ao Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais atende precisamente à idéia da justiciabilidade destes direitos. Nesta linha, tem-se buscado identificar pelo menos os componentes justiciáveis dos direitos econômicos, sociais e culturais (e.g., dos direitos à educação, à saúde, a uma moradia adequada, sobretudo em seus aspectos referentes à não-discriminação), - elementos estes que têm sido objeto da jurisprudência internacional mais recente sob os tratados e convenções de direitos humanos e que têm ademais sido aplicados no ordenamento jurídico interno de muitos países .

Uma das grandes conquistas da proteção internacional dos direitos humanos, em perspectiva histórica, é sem dúvida o acesso dos indivíduos às instâncias internacionais de proteção e o reconhecimento de sua capacidade processual internacional em casos de violações dos direitos humanos. Urge que se reconheça o acesso direto dos indivíduos àquelas instâncias (sobretudo as judiciais), a exemplo do estipulado no Protocolo n. 9 à Convenção Européia de Direitos Humanos (1990). Concede este último um determinado tipo de locus standi aos indivíduos ante a Corte Européia de Direitos Humanos (em casos admissíveis que já foram objeto da elaboração de um relatório por parte da Comissão Européia de Direitos Humanos).
No continente americano, o novo (e terceiro) Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (adotado em 16 de setembro de 1996 e em vigor desde 01 de janeiro de 1997) - de cujo projeto tivemos a honra de ser relator por honrosa designação da Corte, - permite que na etapa de reparações os representantes legais das vítimas ou de seus familiares apresentem seus próprios argumentos e provas perante a Corte "em forma autônoma" (artigo 23), sem a intermediação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Este passo significativo abre caminho para novos desenvolvimentos rumo ao reconhecimento futuro do locus standi dos indivíduos em todas as etapas do procedimento ante a Corte Interamericana (um antigo propósito nosso).

A contraposição entre as vítimas de violações e os Estados demandados é da própria essência do contencioso internacional dos direitos humanos. Tal locus standi é a conseqüência lógica, no plano processual, de um sistema de proteção que consagra direitos individuais no plano internacional, porquanto não é razoável conceber direitos sem a capacidade processual de vindicá-los. Sustentar esta posição, como vimos fazendo há tantos anos, significa em última análise ser fiel às origens históricas do próprio Direito Internacional.

No futuro imediato, quando entrar em vigor, precisamente em 01 de novembro de 1998, o Protocolo n. 11 à Convenção Européia de Direitos Humanos , acarretando a extinção da Comissão Européia e o estabelecimento de uma nova Corte Européia de Direitos Humanos (como órgão jurisdicional único de supervisão da Convenção Européia), terão os indivíduos sob a jurisdição dos Estados Partes acesso direto - sem intermediação de outro órgão, - em quaisquer circunstâncias, àquele tribunal internacional regional de direitos humanos. Será este dia, que tanto aguardamos, muito significativo para todos os que atuamos no campo da proteção internacional dos direitos humanos. Mesmo os nostálgicos de dogmas do passado terão que se ajustar definitivamente à nova realidade da consolidação da posição do ser humano como sujeito incontestável do Direito Internacional dos Direitos Humanos, dotado de plena capacidade jurídica processual no plano internacional.
O passo seguinte, a ser dado no século XXI, e que não hesitamos em desde hoje sustentar, consistiria na garantia da igualdade processual (equality of arms/égalité des armes) entre os indivíduos demandantes e os Estados demandados, na vindicação dos direitos humanos protegidos . Ao insistirmos não só na personalidade jurídica, mas igualmente na plena capacidade jurídica dos seres humanos no plano internacional, estamos - como já assinalado - sendo fiéis às origens históricas de nossa disciplina, o direito internacional - o direito das gentes (droit des gens), - o que não raro passa despercebido dos adeptos de um positivismo jurídico cego e degenerado.

Dada a multiplicidade dos mecanismos internacionais contemporâneos de proteção dos direitos humanos, a necessidade de uma coordenação mais adequada entre os mesmos tem-se erigido como uma das prioridades dos órgãos de proteção internacional neste final de século. O termo "coordenação" parece vir sendo normalmente empregado de modo um tanto indiferenciado, sem uma definição clara do que precisamente significa; não obstante, pode assumir um sentido diferente em relação a cada um dos métodos de proteção dos direitos humanos em particular.

Assim, em relação ao sistema de petições, a "coordenação" pode significar as providências para evitar o conflito de jurisdição, a duplicação de procedimentos e a interpretação conflitiva de dispositivos correspondentes de instrumentos internacionais coexistentes pelos órgãos de supervisão. No tocante ao sistema de relatórios, a "coordenação" pode significar a consolidação de diretrizes uniformes (concernentes à forma e ao conteúdo) e a racionalização e padronização dos relatórios dos Estados Partes sob os tratados de direitos humanos. E com respeito ao sistema de investigações (determinação dos fatos), pode ela significar o intercâmbio regular de informações e as consultas recíprocas entre os órgãos internacionais em questão . A multiplicidade de instrumentos internacionais no presente domínio faz-se acompanhar de sua unidade básica e determinante de propósito, - a proteção do ser humano.

É inegável que, no presente domínio de proteção, muito se tem avançado nos últimos anos, sobretudo na "jurisdicionalização" dos direitos humanos, para a qual têm contribuído de modo especial os sistemas regionais europeu e interamericano de proteção, dotados que são de tribunais internacionais de direitos humanos, - as Cortes Européia e Interamericana de Direitos Humanos, respectivamente. No entanto, como já advertimos, ainda resta um longo caminho a percorrer. Há que promover a chamada "ratificação universal" dos tratados de direitos humanos - propugnada pelas duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos (Teerã, 1968, e Viena, 1993), - contribuindo assim a que se assegure que a universalidade dos direitos humanos venha a prevalecer nos planos não só conceitual mas também operacional (a não-seletividade).

Para isto, é necessário que tal ratificação universal seja também integral, ou seja, sem reservas e com a aceitação das cláusulas facultativas, tais como, nos tratados que as contêm, as que consagram o direito de petição individual, e as que dispõem sobre a jurisdição obrigatória dos órgãos de supervisão internacional. Atualmente, dos 40 Estados membros do Conselho da Europa, todos os 36 Estados Partes na Convenção Européia de Direitos Humanos, além de aceitarem o direito de petição individual, reconhecem a jurisdição obrigatória da Corte Européia de Direitos Humanos , o que é alentador. Em contrapartida, no tocante à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (em que o direito de petição individual é de aceitação automática pelos Estados Partes), lamentavelmente não mais que 17 dos 25 Estados Partes reconhecem hoje a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em matéria contenciosa.

Em nosso âmbito regional, urge que os Estados que ainda não o fizeram - como o Brasil - aceitem a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em matéria contenciosa, e que ademais aceitem, no âmbito global (Nações Unidas), as cláusulas facultativas sobre o direito de petição individual, de tratados de direitos humanos como o Pacto de Direitos Civis e Políticos, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, e a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, - como manifestação inequívoca de seu compromisso com a proteção dos direitos humanos nos planos nacional e internacional.

Dadas a confluência e identidade de objetivos tanto do direito internacional como do direito público interno quanto à proteção da pessoa humana, urge que tais Estados, que aceitam as obrigações convencionais substantivas contraídas em relação aos direitos protegidos sob aqueles tratados, igualmente se submetam, de forma integral, aos mecanismos de supervisão ou controle internacional do cumprimento de tais obrigações, estabelecidos por aqueles tratados. Carece de sentido o divórcio, a que se apegam tais Estados, entre as normas substantivas e os mecanismos processuais, porquanto à formulação de direitos no plano internacional deve corresponder o acesso às vias processuais internacionais de vindicá-los. Da aceitação integral por todos os Estados dos tratados de direitos humanos depende em muito o próprio futuro da proteção internacional dos direitos consagrados .
O século XX, que marcha célere para seu ocaso, deixará uma trágica marca: nunca, como neste século, se verificou tanto progresso na ciência e tecnologia, acompanhado paradoxalmente de tanta destruição e crueldade. Mesmo em nossos dias, os avanços tecnológicos, e a revolução das comunicações e da informática, se por um lado tornam o mundo mais transparente, por outro lado geram novos problemas e desafios aos direitos humanos. Mais que uma época de profundas transformações, vivemos, neste final de século, uma verdadeira transformação de época.

Apesar de todos os avanços registrados nas cinco últimas décadas na proteção internacional dos direitos humanos, têm persistido violações graves e maciças destes últimos nas mais distintas regiões do mundo. Às violações "tradicionais", em particular de alguns direitos civis e políticos (como as liberdades de pensamento, expressão e informação, e o devido processo legal), que continuam a ocorrer, infelizmente têm se somado graves discriminações (contra membros de minorias e outros grupos vulneráveis, de base étnica, nacional, religiosa e lingüística), além de violações de direitos fundamentais e do direito internacional humanitário.

As próprias formas de violações dos direitos humanos têm se diversificado. O que não dizer, por exemplo, das violações perpetradas por organismos financeiros e detentores do poder econômico, que, mediante decisões tomadas na frieza dos escritórios, condenam milhares de seres humanos ao empobrecimento, se não à pobreza extrema e à fome? O que não dizer das violações perpetradas por grupos clandestinos de extermínio, sem indícios aparentes da presença do Estado? O que não dizer das violações perpetradas pelos detentores do poder das comunicações? O que não dizer das violações perpetradas pelo recrudescimento dos fundamentalismos e ideologias religiosas? O que não dizer das violações decorrentes da corrupção e impunidade?

Cumpre conceber novas formas de proteção do ser humano ante a atual diversificação das fontes de violações de seus direitos. O atual paradigma de proteção (do indivíduo vis-à-vis o poder público) corre o risco de tornar-se insuficiente e anacrônico, por não se mostrar equipado para fazer frente a tais violações, - entendendo-se que, mesmo nestes casos, permanece o Estado responsável por omissão, por não tomar medidas positivas de proteção. Tem, assim, sua razão de ser, a preocupação corrente dos órgãos internacionais de proteção, já assinalada, no tocante às violações continuadas de direitos humanos, em desenvolver mecanismos tanto de prevenção como de seguimento, tendentes a cristalizar um sistema de monitoramento contínuo dos direitos humanos em todos os países, consoante os mesmos critérios.

A par da visão integral dos direitos humanos no plano conceitual, os esforços correntes em prol do estabelecimento e consolidação do monitoramento contínuo da situação dos direitos humanos em todo o mundo constituem, em última análise, a resposta, no plano processual, ao reconhecimento obtido na Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena em 1993 da legitimidade da preocupação de toda a comunidade internacional com as violações de direitos humanos em toda parte e a qualquer momento, - sendo este um grande desafio a defrontar o movimento internacional dos direitos humanos no limiar do século XXI 7.. Para enfrentá-lo, os órgãos internacionais de proteção necessitarão contar com consideráveis recursos - humanos e materiais - adicionais: os atuais recursos - no plano global, menos de 1% do orçamento regular das Nações Unidas, - refletem um quase descaso em relação ao trabalho no campo da proteção internacional dos direitos humanos.

Os órgãos internacionais de proteção devem buscar bases e métodos adicionais de ação para fazer frente às novas formas de violações dos direitos humanos 2.. A impunidade, por exemplo, verdadeira chaga que corrói a crença nas instituições públicas, é um obstáculo que ainda não conseguiram transpor. É certo que as Comissões da Verdade, instituídas nos últimos anos em diversos países, com mandatos e resultados de investigações os mais variáveis, constituem uma iniciativa positiva no combate a este mal, - mas ainda persiste uma falta de compreensão do alcance das obrigações internacionais de proteção. Estas últimas vinculam não só os governos (como equivocada e comumente se supõe), mas os Estados (todos os seus poderes, órgãos e agentes); como já advertimos, é chegado o tempo de precisar o alcance das obrigações legislativas e judiciais dos Estados Partes em tratados de direitos humanos, - a par das do Poder Executivo, - de modo a combater com mais eficácia a impunidade.

Há, ademais, que impulsionar os atuais esforços, no seio das Nações Unidas, tendentes ao estabelecimento de uma jurisdição penal internacional de caráter permanente . Da mesma forma, há que desenvolver a jurisprudência internacional - ainda em seus primórdios - sobre as reparações devidas às vítimas de violações comprovadas de direitos humanos. O termo "reparações" não é juridicamente sinônimo de "indenizações": o primeiro é o gênero, o segundo a espécie. No presente domínio de proteção, as reparações abarcam, a par das indenizações devidas às vítimas - à luz do princípio geral do neminem laedere, - a restitutio in integrum (restabelecimento da situação anterior da vítima, sempre que possível), a reabilitação, a satisfação e, significativamente, a garantia da não-repetição dos atos ou omissões violatórios (o dever de prevenção).

Para contribuir a assegurar a proteção do ser humano em todas e quaisquer circunstâncias, muito se vem impulsionando, em nossos dias, as convergências entre o direito internacional dos direitos humanos, o direito internacional humanitário e o direito internacional dos refugiados. Tais convergências, motivadas em grande parte pelas próprias necessidades de proteção, têm se manifestado nos planos normativo, hermenêutico e operacional, tendendo a fortalecer o grau da proteção devida à pessoa humana. Face à proliferação dos atuais e violentos conflitos internos em tantas partes do mundo, já não se pode invocar a vacatio legis levando à total falta de proteção de tantas vítimas inocentes. A visão compartimentalizada das três grandes vertentes da proteção internacional da pessoa humana encontra-se hoje definitivamente superada; a doutrina e a prática contemporâneas admitem a aplicação simultânea ou concomitante das normas de proteção das referidas três vertentes, em benefício do ser humano, destinatário das mesmas. Passamos da compartimentalização às convergências. Cabe seguir avançando decididamente nesta direção .
Os órgãos de supervisão internacional têm, ao longo dos anos, aprendido a atuar também em distúrbios internos, estados de sítio e situações de emergência em geral. Graças à evolução da melhor doutrina contemporânea, hoje se reconhece que as derrogações e limitações permissíveis ao exercício dos direitos protegidos, isto é, as previstas nos próprios tratados de direitos humanos, devem cumprir certos requisitos básicos. Podem estes resumir-se nos seguintes: tais derrogações e limitações devem ser previstas em lei (aprovada por um congresso democraticamente eleito), ser restritivamente interpretadas, limitar-se a situações em que sejam absolutamente necessárias (princípio da proporcionalidade às exigências das situações), ser aplicadas no interesse geral da coletividade (ordre public, fim legítimo), ser compatíveis com o objeto e propósito dos tratados de direitos humanos, ser notificadas aos demais Estados Partes nestes tratados, ser consistentes com outras obrigações internacionais do Estado em questão, ser aplicadas de modo não-discriminatório e não-arbitrário, ser limitadas no tempo.

Em qualquer hipótese, ficam excetuados os direitos inderrogáveis (como o direito à vida, o direito a não ser submetido a tortura ou escravidão, o direito a não ser incriminado mediante aplicação retroativa das penas), que não admitem qualquer restrição. Do mesmo modo, impõe-se a intangibilidade das garantias judiciais em matéria de direitos humanos (exercitadas consoante os princípios do devido processo legal), mesmo em estados de emergência. O ônus da prova do cumprimento de todos estes requisitos recai naturalmente no Estado que invoca a situação de emergência pública em questão. Em casos não previstos ou regulamentados pelos tratados de direitos humanos e de direito humanitário, impõem-se os princípios do direito internacional humanitário, os princípios de humanidade e os imperativos da consciência pública. Aos órgãos de supervisão internacional está reservada a tarefa de verificar e assegurar o fiel cumprimento desses requisitos pelos Estados que invocam estados de sítio ou emergência, mediante, e.g., a obtenção de informações mais detalhadas a respeito e sua mais ampla divulgação (inclusive das providências tomadas), e a designação de relatores especiais ou órgãos subsidiários de investigação dos estados ou medidas de emergência pública prolongados .

As iniciativas no plano internacional não podem se dissociar da adoção e do aperfeiçoamento das medidas nacionais de implementação, porquanto destas últimas - estamos convencidos - depende em grande parte a evolução da própria proteção internacional dos direitos humanos. Como vimos sustentando há vários anos (cerca de duas décadas) , no contexto da proteção dos direitos humanos a polêmica clássica entre monistas e dualistas revela-se baseada em falsas premissas e superada: verifica-se aqui uma interação dinâmica entre o direito internacional e o direito interno, e os próprios tratados de direitos humanos significativamente consagram o critério da primazia da norma mais favorável aos seres humanos protegidos, seja ela norma de direito internacional ou de direito interno (cf. supra).

A responsabilidade primária pela observância dos direitos humanos recai nos Estados, e os próprios tratados de direitos humanos atribuem importantes funções de proteção aos órgãos dos Estados. Ao ratificarem tais tratados, os Estados Partes contraem a obrigação geral de adequar seu ordenamento jurídico interno à normativa internacional de proteção , a par das obrigações específicas relativas a cada um dos direitos protegidos. Urge, assim, que as leis nacionais sejam compatibilizadas com a normativa internacional de proteção, e que os direitos congrados nos tratados de proteção possam ser invocados diretamente ante os próprios tribunais nacionais.

No presente domínio de proteção, o direito internacional e o direito interno se mostram, assim, em constante interação. É a própria proteção internacional que requer medidas nacionais de implementação dos tratados de direitos humanos , assim como o fortalecimento das instituições nacionais vinculadas à vigência plena dos direitos humanos e do Estado de Direito. Só se logrará tal fortalecimento com o concurso e a mobilização da sociedade civil, à qual se devem em grande parte os avanços na proteção dos direitos humanos em perspectiva histórica. Do que precede se pode depreender a premência da consolidação de obrigações erga omnes de proteção, consoante uma concepção necessariamente integral dos direitos humanos.

Enfim, ao voltar os olhos tanto para trás como para frente, apercebemo-nos de que efetivamente houve, nestas cinco décadas de experiência acumulada nesta área desde a adoção da Declaração Universal de 1948, um claro progresso, sobretudo na jurisdicionalização da proteção internacional dos direitos humanos . Não obstante, também nos damos conta de que este progresso não tem sido linear, como indica a trajetória das posições de muitos países nesta área. Tem havido momentos históricos de avanços significativos, mas lamentavelmente também de alguns retrocessos, quando não deveria haver aqui espaço para estes últimos. É este, em última análise, um domínio de proteção que não comporta retrocessos. Neste final de
século, resta, certamente, um longo caminho a percorrer, tarefa para toda a vida. Trata-se, em última análise, de perseverar no ideal da construção de uma cultura universal de observância dos direitos humanos, do qual esperamos nos aproximar ainda mais, no decorrer do século XXI, graças ao labor das gerações vindouras que não hesitarão em abraçar a nossa causa.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradeço ao Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade a exposição.

Antes de passar a palavra aos dois debatedores, que terão cada um dez minutos, comunico que haverá debate, na parte da tarde, logo depois da exposição do Dr. Marco Antônio, do Itamaraty.
Gostaria de registrar as presenças de Ludmila Oliveira, do INESC; Ana Cristina, da Comunidade Bahá"i; Tânia Maria, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça; Patrícia, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça; Luiz Valério, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Geovino, da União dos Vereadores do Brasil; Alaude Soares Júnior, do Agente Comunitário de Defesa de Direitos Humanos e Cidadania; Ângela da Silva, do Conselho Nacional de Comandantes Gerais de PM; Liane, da CORDE do Distrito Federal e do Deputado Aldir Cabral, do PFL do Rio de Janeiro.

Tem a palavra o primeiro debatedor, Sr. Ariel Dulitzky, argentino, Diretor da CEJIL. Com todo o prazer, ouviremos a participação de S.Sa. e do Deputado Renato Simões. Depois, se o Prof. Trindade quiser fazer alguma consideração final, vamos remeter o debate para a parte da tarde, às 15h. Convidamos todos os senhores. Na oportunidade, veremos a questão da implementação das recomendações de biênios, novos paradigmas de direitos humanos, com a exposição do Ministro Marco Antônio Dias Brandão, do Itamaraty, e com o debate dos Deputados Nelson Peregrino e Nilmário Miranda. E aí abriremos o debate, tanto na primeira exposição quanto na segunda.
Tem a palavra o Sr. Ariel Dulitzky.
(Exposição em língua estrangeira)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Dr. Ariel, gostaria de pedir permissão a V.Sa. e aos nossos conferencistas para convidar o Deputado De Velasco a assumir a Presidência. Terei de me ausentar, pois, neste momento, vamos formar uma comissão para irmos ao Presidente da Câmara pedir proteção à jornalista Marisa Romão, que testemunhou os episódios ocorridos em Eldorado do Carajás. Queremos, inclusive, saudar o Ministério Público do Pará por sua atuação na oferta da denúncia. Essa jornalista está sendo ameaçada de morte, está se retirando da região porque não se pôde dar a ela a devida proteção.
Peço desculpas a V.Sa. e ao Dr. Trindade e peço vênia também ao Deputado e a todos os presentes da representação diplomática, convidando todos a retomarmos às 15h para ouvirmos o Dr. Marco Antônio Cançado Trindade.
Muito obrigado pela atenção. Esperamos que esses ensinamentos do Dr. Trindade, do Dr. Ariel, do Deputado Renato Simões possam nos ajudar para a tarde. Amanhã, teremos uma agenda bastante vigorosa na luta dos direitos humanos no Brasil e na América Latina.
Convido todos a estarem conosco aqui à tarde.
Muito obrigado.

O SR. ARIEL DULITZKY -
(Exposição em língua estrangeira.)

O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Nosso agradecimento ao Sr. Ariel Dulitzky, Diretor Executivo do Center for Justice and International Law, o CEIJIL.
Passamos a palavra agora, por dez minutos, ao Deputado Renato Simões, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e representante do Fórum de Comissões Legislativas de Direitos Humanos.

O SR. RENATO SIMÕES - Bom-dia, quase tarde, para todos. Vou ser muito breve. Quero abordar apenas um assunto, já que nós temos nos acostumado, nesses encontros, conferências e debates em que o Prof. Trindade expõe os seus temas, a reconhecê-los pela profundidade, pela abrangência, como aulas, e não como exposições, que demandam contestação grave ou complementações importantes. Mas existe um tema que me parece ser importante neste momento, e a esse respeito vou fazer uma abordagem não pelo aspecto jurídico, mas pelo aspecto político. Trata-se da mudança de contexto do papel dos Estados nacionais e dos organismos internacionais nesses cinqüenta anos, da diminuição das funções e do papel do Estado nacional em relação a uma série de atribuições clássicas que neste final de século mudam e, conseqüentemente, constituem uma conjuntura muito diferenciada daquela que deu origem à Declaração Universal dos Direitos Humanos há cinqüenta anos.
Digo isso porque todos nós reconhecemos a importância e o papel desempenhado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos nessa contaminação que ao longo dos anos foi-se verificando nas Constituições nacionais, nas legislações nacionais, no estabelecimento de tratados e convenções que têm como base a adesão dos Estados nacionais. A contraparte fundamental da Declaração Universal dos Direitos Humanos era com os Estados nacionais, e estes, contraditoriamente, significavam a principal fonte de violação desses mesmos direitos consubstanciados na Declaração Universal.
O Prof. Trindade mencionou, num dos seus pontos finais, prejudicados já pelo tempo, a questão do antagonismo da sociedade civil com o Poder Público no que se refere aos direitos humanos como um dos elementos impulsionadores do aperfeiçoamento institucional, tanto no âmbito dos seus aspectos jurídicos e institucionais quanto do ponto de vista das práticas governamentais no mundo, particularmente na América Latina.
Nós temos essa realidade muito claramente expressa na experiência brasileira, porque foi justamente na negação dos direitos humanos pelo Estado nacional que se fortaleceu na sociedade civil um sentimento de apropriação do que internacionalmente já estava consubstanciado como direitos humanos para que essa aliança fosse capaz de modificar as estruturas do Estado brasileiro em relação à garantia, num primeiro momento, dos direitos civis políticos e, num segundo momento e muito próximo, a luta pelos direitos sociais, econômicos e culturais. O momento que estamos vivendo é um momento de desconstituição das funções características típicas do Estado nacional no período em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi vigente. Estamos mudando uma série de visões.
Quero chamar a atenção para o fato de que isso perpassa vários itens do Programa Nacional de Direitos Humanos do Presidente da República. Por exemplo, temos aqui, na introdução do Programa Nacional de Direitos Humanos e na fundamentação das medidas que vêm em seguida, uma referência explícita e positiva à criação de mecanismos judiciais internacionais de proteção dos direitos humanos, como a Corte Interamericana e a Corte Européia de Direitos Humanos, ou quase judiciais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Comitê de Direitos Humanos da ONU. Há um reconhecimento por parte do Governo brasileiro do caráter emergente e positivo desse surgimento.
Mais para trás, o Governo reconheceu a importância de ter avançado o compromisso do Estado nacional brasileiro com os direitos humanos através da adesão do Brasil, no início dos anos 90, aos pactos internacionais de direitos civis e políticos, direitos econômicos, sociais e culturais, convenções americanas de direitos humanos, contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes, também mencionados como um avanço e um compromisso importante.
Aí, quando esperamos que os compromissos consubstanciem o que está previsto na introdução, vamos perceber lá no final, quando se discute a implementação e a divulgação de atos internacionais, o apoio a organizações e operações de defesa dos direitos humanos, que o compromisso do Governo brasileiro, assumido no Programa Nacional de Direitos Humanos, é fortalecer a cooperação com organismos internacionais de proteção aos direitos humanos, em particular com a Comissão de Direitos Humanos da ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Ou seja, o tom já é diferente, porque, evidentemente, um Estado que aceita a fundamentação anterior tem como conseqüência lógica a adoção de compromissos que vão além do fortalecimento da cooperação, ou como é que se coopera com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, qual seria a forma mais adequada de cooperação, de fortalecimento de relações e o reconhecimento da jurisdição dessa mesma Corte, que é um passo que o Governo brasileiro não dá.
Quero chamar a atenção para o fato de que essa contaminação, que, como vemos, não acabou - se formos analisar o que consta do Programa Nacional de Direitos Humanos, vamos verificar que existem muitas coisas ainda a serem realizadas para que os termos da declaração americana e da Declaração Universal dos Direitos Humanos sejam concretizados no País -, tem um limite num determinado momento em que o Estado nacional, que vai assumindo compromissos, que tem um governo que assume um programa governamental na área dos direitos humanos, se vê particularmente impotente diante de um elemento novo da conjuntura, que é a perda de muitas das suas funções para implementar os direitos da sua própria população.
Menciono isso na dimensão apresentada na exposição do Dr. Antônio Augusto Trindade com relação às formas de violação dos direitos humanos não-estatais e supranacionais, quando ele mencionou especificamente a questão do terrorismo. Gostaria de mencionar especificamente a nova forma de circulação de capitais no mundo, que produzem nos Estados nacionais violações a direitos fundamentais da pessoa humana que estão fundamentalmente fora da capacidade de intervenção do Estado nacional, a não ser se aliando à resistência a essa onda transnacional do grande capital. O exemplo é do momento: meia dúzia de grandes especuladores promovem um ataque especulativo nas bolsas de valores do leste asiático, e isso significa medidas obrigatoriamente tomadas pelo Estado nacional brasileiro, que foi o país mais atingido no mundo por esse ataque especulativo, que compromete para o ano que vem milhões e milhões de empregos, que compromete políticas sociais, que estão sendo retiradas do Orçamento, que compromete políticas de inclusão social que poderiam se dar em outros momentos.
Hoje, a transnacionalização da economia, o processo de globalização neoliberal em que vivemos, significa uma poderosa forma de violação dos direitos humanos com repercussões nos Estados nacionais, mas, muitas vezes, com uma força que independe ou que pode prescindir ou que limita as ações do Estado nacional no seu confronto.
Isso, evidentemente, não diz respeito só aos mecanismos de proteção internacional dos direitos humanos, mas também a todos os mecanismos de relação entre as nações e os organismos multilaterais que nasceram da Conferência de Bretton Woods, que hoje são incapazes de responder claramente a essa movimentação de bilhões e bilhões de dólares que voam pelo mundo, de uma bolsa para outra, praticamente 24 horas por dia, mas que têm repercussões fundamentais para a cidadania e para a construção de políticas nos Estados nacionais.
A quem vai se queixar o trabalhador desempregado, a quem vai se queixar a criança da rua, a quem vai se queixar o cidadão que não tem terra, até porque essa dimensão dos direitos econômicos e sociais foi praticamente alijada do Programa Nacional dos Direitos Humanos do Governo Federal, que trata tão bem e de forma importante dos direitos civis e políticos de minorias e alguns direitos sociais, mas é um governo que não reconhece a jurisdição da corte, da sua organização regional, que é a OEA, e também das próprias Nações Unidas? Vamos nos queixar a quem, ao bispo? Aliás, aqui no Brasil vivemos muito tempo nos queixando ao bispo porque não tínhamos mais a quem recorrer.
Então, a contribuição que eu poderia trazer a este debate diz respeito à fragilidade das medidas que hoje temos de proteção aos direitos humanos no âmbito dos Estados nacionais e dos organismos internacionais para enfrentar violações dos direitos humanos oriundas de uma esfera não-estatal e supranacional, que transfere da órbita da política para a órbita da economia a fonte dessas violações, que atingem milhões de pessoas nos seus direitos econômicos sociais e que, portanto, questionam profundamente a nossa capacidade de responder a essas questões.
Resumidamente, acho que temos três questões a discutir entre nós no que se refere ao que vamos fazer no próximo ano. Essa globalização neoliberal, aliás, constitui-se fundamentalmente como um elemento de revogação de direitos. Não estamos num momento político e econômico internacional de afirmação ou de criação de novos direitos. Estamos num momento que organiza, de forma dominante, a economia e a política do mundo para revogar direitos, seja no Primeiro Mundo, aqui, nas reformas constitucionais que vêm por aqui ou por ali, o fundamental é retroagir. Essas menções que foram feitas aqui de uma onda revisionista na política dos direitos humanos tem a ver também com essa idéia de que talvez valores que eram considerados universais cinqüenta anos atrás como, por exemplo, o emprego, salário justo, acesso à capacidade de produzir, a educação e a saúde, talvez não sejam mais tão universais para essa nova ordem dominante no mundo. Portanto, os ataques a esses direitos são ataques que constituem uma onda conservadora e retrógrada em relação aos avanços obtidos há cinqüenta anos. Acho que esse é um elemento importante para nós discutirmos.

Um segundo elemento importante para discutirmos diz respeito ao aprimoramento dos compromissos do Estado nacional com os direitos humanos, que considero insuficientes na forma como adotamos no Brasil, na forma de um programa governamental. Quando a Conferência de Viena define a obrigatoriedade de programas e de compromissos de Estados com os direitos humanos, não se fala de compromissos de governo; fala-se de compromissos de Estado. Nesse sentido, acho que precisamos discutir. A experiência que temos, por exemplo, no plano estadual, em São Paulo, que vai ser exposta amanhã pelo próprio Secretário de Justiça, mostra a necessidade de que comecemos a discutir programas plurianuais de direitos humanos que não sejam da alçada exclusiva do Poder Executivo. Nesse sentido considero, e concluo, que o Poder Legislativo deve ser o fórum, ainda que provocado por iniciativa do Executivo na apresentação desses programas plurianuais, para que o compromisso com os direitos humanos seja consubstanciado em algo reconhecido pelos três Poderes na forma de lei. Acho que precisamos começar a discutir o caráter do Programa Nacional de Direitos Humanos como um programa meramente governamental para que possamos encontrar formas de evoluir no sentido de compromissos de Estado e não de governo.
O terceiro ponto vamos deixar para discutir no debate.
Obrigado. (Palmas.)

O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Nosso agradecimento ao Deputado Estadual Renato Simões, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e representante do Fórum de Comissões Legislativas de Direitos Humanos.
Antes de retornar a palavra ao Prof. Cançado Trindade, queremos registrar a presença do nosso nobre companheiro e colega, Deputado Federal Benedito Domingos, do PPB do Distrito Federal;
Retornamos a palavra ao Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade.

O SR. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE - Muito obrigado, Sr. Coordenador.

Gostaria, inicialmente, de dispensar meus agradecimentos tanto ao Dr. Ariel Dulitzky quanto ao Deputado Estadual Renato Simões pelos comentários tão judiciosos e oportunos, os quais agregam alguns pontos e me dão a oportunidade de, muito brevemente, mencionar algo adicional sobre o já exposto.
Em primeiro lugar, um denominador comum tanto na intervenção do Dr. Ariel Dulitzky quanto na do Deputado Renato Simões é a importância da mobilização da sociedade civil. Creio que poderíamos dizer com um certo grau de exatidão histórica que, senão tudo, quase tudo o que se logrou de avanço no campo da proteção internacional dos direitos humanos até o presente se deve à contraposição da sociedade civil não ao Poder Público como tal, porque é muito importante haver um diálogo com as instituições públicas, mas a toda manifestação de poder arbitrário. Todos os avanços logrados, desde as declarações famosas do século XVIII até as declarações universais e americanas do nosso século, se devem a essa reação da sociedade civil ao poder arbitrário. Daí todos os avanços logrados.
Em relação a esse ponto, eu gostaria de chamar a atenção para um aspecto que também é preocupante em nossos dias, além das tendências revisionistas mencionadas por Ariel e pelo Deputado Renato Simões, que é um certo ataque que vem sofrendo o direito de petição também na bibliografia especializada européia. Vejo, por exemplo, em alguns livros recém-publicados na Europa algumas manifestações, inclusive de colegas nossos que atuam na área, tentando minimizar a importância do direito de petição individual. Creio que tal direito é da essência da proteção internacional dos direitos humanos. Sem ele não há proteção internacional dos direitos humanos, porque toda a base da proteção internacional dos direitos humanos se erige sobre, primeiro, o reconhecimento da capacidade processual internacional dos indívíduos ou grupos e, segundo, a noção da garantia coletiva, por parte de todos os Estados que integram o sistema. Contudo, alguns autores recentemente publicaram um livro mencionando que talvez o direito de petição individual não seja adequado para situações graves ou generalizadas de violação dos direitos humanos.
Eu me permito defender o direito de petição individual, mesmo nessas situações generalizadas ou graves de direitos humanos, inclusive com base na própria experiência histórica do sistema interamericano. Antes da adoção da Convenção americana, os grandes casos de violação dos direitos humanos pela ditaduras na América Latina, particularmente na América do Sul, no Cone Sul, foram examinados essencialmente através do direito de petição individual, mais do que no sistema de relatórios governamentais. E o que fazia a Comissão Interamericana, nos anos 60 e 70, era juntar várias petições relativas a uma situação generalizada de violação dos direitos humanos e considerá-la como um caso geral, vendo qual era o denominador comum desse caso geral.
Quer dizer, sem o direito de petição, não há proteção internacional dos direitos humanos. É da própria essência da proteção internacional dos direitos humanos o acesso do indivíduo às instâncias internacionais, quando não há instâncias nacionais a que recorrer, como mencionou o Deputado há pouco - "recorrer ao bispo", não é? Então, para isso é que existem as instâncias internacionais, para ajudar - insisto sobre isso -, não para se contrapor, mas para ajudar as instâncias nacionais quando estas são incapazes de fazer justiça.
Apenas para dar um exemplo, considero, à luz dos desenvolvimentos até o presente, que um caso como o do Carandiru só será resolvido com o concurso das instâncias internacionais dadas as manifestas insuficiências do ordenamento jurídico interno brasileiro de resolver esse caso. Temos casos relativos a países da América Central, por exemplo, que dizem respeito a violações maciças generalizadas de direitos humanos. Temos um caso relativo à Guatemala, que diz respeito a uma prática de matança, através de uma kombi branca, que recolhia as pessoas, e os policiais militares as matavam. Então, sem o direito de petição individual, seria impossível resolver esses casos.
Reitero aquilo que disse alguns minutos atrás. O que acho mais comovedor até hoje, como experiência na corte, são essas audiências em que as vítimas dizem que é a primeira vez que têm a oportunidade de chegar a uma instância judicial internacional, que nunca tiveram sequer a oportunidade de ter acesso às instâncias judiciais nacionais.
Não podemos tomar por assegurado que esses meios de recurso, ainda que não sejam eficazes, existam. Em alguns casos, sequer meios ineficazes existem. É da própria essência o direito de petição individual.
E o corolário desse direito de petição, no meu modo de ver - e essa é uma posição ainda minoritária nessa área -, é o direito do acesso direto dos indivíduos às instâncias internacionais. Ainda é mitigado esse acesso, que é feito através das comissões, como da Comissão Interamericana. A Comissão Européia vai ser extinta. Em 1º de novembro do próximo ano, já não mais existirá a Comissão Européia, porque o Protocolo 11 entrará em vigor, havendo apenas um órgão jurisdicional internacional, no sistema europeu, que é a Corte Européia dos Direitos Humanos. Então, a partir de 1º de novembro de 1998, os cidadãos residentes nos países e nos Estados que fazem parte da Convenção Européia terão acesso direto a um tribunal internacional, que é a Corte Européia dos Direitos Humanos. Quando é que teremos isso em nosso continente? Certamente que não neste século. Talvez, dentro de algumas décadas, no próximo século. Espero que o mais cedo possível.
De qualquer maneira, premidos por essa necessidade de reconhecer não só a personalidade jurídica internacional do indivíduo, mas a capacidade jurídica plena internacional do indivíduo, nós promovemos uma reforma do regulamento da Corte Interamericana, em setembro do ano passado, onde tive a honra de ser o relator do anteprojeto do novo regulamento da corte, e introduzimos uma modificação que a meu ver é muito benéfica para o futuro da proteção internacional em nosso Continente americano: que, na etapa de reparações de danos, os indivíduos passam a ter jus standi, ou seja, eles passam a ter representação direta ante a corte sem depender da Comissão Interamericana. É muito melhor para eles, é melhor para os governos demandado. O assunto fica muito mais claro, porque quem melhor para defender os seus interesses do que as próprias vítimas, uma vez comprovada uma violação dos direitos humanos?
Então, esse é um corolário importante do direito de petição no plano internacional, uma grande revolução jurídica no nosso Continente, que passa quase despercebida no Brasil porque, quando estou aqui, tenho a impressão de que estou em outro planeta. Nada do que ocorre no plano internacional tem repercussão direta no Brasil, a não ser que seja domesticado pela mídia brasileira, que é totalmente introvertida.
Portanto, esse desenvolvimento é muito importante no sentido de assegurar a jurisdicionalização do procedimento internacional, isto é, que seja um processo internacional regulado por normas jurídicas claras, normas do Direito, onde de um lado estão os indivíduos demandantes, que são a verdadeira parte demandante, de outro lado está o governo demandado, que é a verdadeira parte demandada, e a comissão ajuda a corte na aplicação. A comissão não é parte demandante. Isso é uma deturpação, uma distorção anacrônica que não tem qualquer fundamento, mas que ainda existe no sistema interamericano. A comissão é uma espécie de ministério público internacional que ajuda o envio dos casos à Corte Interamericana, mas a verdadeira parte demandante é a vítima de relações dos direitos humanos, e a parte demandada é o governo.
Isso interessa também aos governos, que sempre se queixam da intermediação das ONGs. Creio que as ONGs exercem uma função muito importante dentro do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, e sempre comento isso com todos, não é por estar aqui o Ariel Dulitzky, que tem participado, em muitos casos, ante a corte, mas os melhores argumentos levados perante a corte internacional são preparados pelas ONGs, como a Anistia Internacional, Human Rights Watch America e outras, que apresentam a defesa das vítimas. A comissão exerce uma função muito importante no sentido de velar pela boa aplicação da Convenção americana, mas ela não é parte demandante. É uma distorção que tem de ser remediada e superada no nosso sistema interamericano.
Por último, uma questão muito importante também mencionada por Ariel Dulitzky e pelo Deputado Renato Simões, respectivamente, sobre a relação entre o Direito interno e o Direito Internacional nessa área, e dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Quanto à relação do Direito interno e do Direito Internacional, em uma recente conferência no STJ, mencionei que, nesse campo da proteção dos direitos humanos, considero que não há mais sentido ficarmos nos debruçando sobre fantasias do passado, como comunismo, dualismo, nada disso. O que há, no meu modo de ver, é uma interação entre os instrumentos de Direito interno e de Direito Internacional, que é permitida pelas Constituições nacionais que fazem uma referência, um envio direto às normas internacionais e os tratados de direitos humanos, que fazem também um envio direto aos órgãos nacionais de proteção ao confiar a esses órgãos a primeira resposta, a responsabilidade primária pela proteção dos direitos humanos. Então, é um todo orgânico, o Direito Internacional e o Direito interno, nesse particular.
Todas essas doutrinas que continuam sendo seguidas pelos Tribunais Superiores no Brasil são inteiramente superadas, dos anos 20 e 30, que não têm mais o menor fundamento na atualidade. São doutrinas que correspondem à realidade do mundo no início do século. Nada mais do que isso. E é necessário, então, simplesmente entender do que se trata, porque os tratados dos direitos humanos vêm coadjuvar, auxiliar os mecanismos internos de proteção para assegurar um grau maior de proteção de vida às vítimas.
Quanto à questão dos direitos econômicos, sociais e culturais, tenho opinião coincidente com as preocupações muito justas do Deputado Renato Simões, no sentido de que é trágico, em nosso dias, o fato de que em todo esse processo da chamada globalização, que nada mais é do que uma concentração de renda nas mãos dos poderosos, comprovada estatisticamente por todos os dados disponíveis, de órgãos como o PNUD, aqui representado na sessão de abertura desse evento, como a CEPAL; todos os dados disponíveis demonstram o crescimento da pobreza em diversas partes do mundo, não só na América Latina, como também em países chamados do Primeiro Mundo - os Estados se vêm ante a contingência de confessar, até com uma certa falta de pudor, a sua irresponsabilidade no domínio econômico-social, outra razão para se afirmar a capacidade processual dos indivíduos também no campo econômico-social; a possibilidade de acesso aos órgãos de proteção internacional também no campo econômico-social. Não é outra a idéia que tem seguido o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, que já terminou o seu projeto de primeiro protocolo ao pacto dos direitos econômicos, sociais e culturais, visando estabelecer um sistema de denúncias semelhante ao pacto de direitos civis, para a matéria econômica, social e cultural.
Eu gostaria de relembrar o que costumava dizer René Cassin, um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que dizia a respeito do que representa essa declaração universal: "Un élan continu de l'individuel vers le sociale", um contínuo do individual ao social; quer dizer, estão todos ligados, é um processo contínuo, não se pode separar os direitos individuais dos sociais, é uma coisa só, e todas as tentativas de fragmentação do universo conceitual dos direitos humanos fracassaram.
No meu modo de ver, não há maior argumento em favor da universalidade dos direitos humanos tomados em todo o seu conjunto do que as distorções que verificamos desses direitos nas diversas regiões do mundo. No nosso Continente, são as distorções já conhecidas e assinaladas pelos dois debatedores: tomar como verdadeiros direitos apenas os direitos individuais e postergar para um amanhã indefinido os direitos econômicos e sociais. Como se falava nos anos 60, fazer crescer o bolo e depois dividi-lo, como se continua falando na atualidade. O mesmo discurso, apesar de os protagonistas serem outros. E, no que diz respeito a outras regiões do mundo, os direitos civis e políticos é que são problemáticos; só existem direitos econômicos, sociais e culturais, como no Continente Asiático. Com base nesse argumento falacioso, então posterga-se também para o próximo século, para um amanhã indefinido, os direitos civis e políticos, e continuam praticando execuções sumárias de milhares de pessoas a cada ano. Não há argumento mais forte em favor da universalidade do que essas distorções. Não há nenhum argumento de cunho verdadeiramente jurídico que possa justificar privilegiar-se uma categoria de direito em detrimento de outra. Todas as tentativas de atuar nesse sentido fracassaram.

A única maneira de seguir adiante é tomar em conta aquilo que fizeram os redatores das duas Declarações, a Universal e a Americana, que é o conjunto de todos os direitos humanos para todas as pessoas. (Palmas.)

O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Antes de suspender esta sessão para reiniciá-la logo mais, às 15h, a Comissão de Direitos Humanos quer agradecer a participação do Dr. Cristian Kock-Castro, da Sra. Liane Martins Collares, do Sr. Luiz Cláudio Fernandes de Carvalho, do Sr. Rui Bicalho Sobrinho e do Deputado Flávio Arns. Quero agradecer também ao Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade, responsável pela exposição desta manhã, e aos debatedores Ariel Dulitzky e Deputado Renato Simões.
Gostaríamos de, ao encerrar esta parte e suspender esta sessão, lembrar que, na nossa opinião, o Direito só se torna Direito quando deixa o papel para manifestar-se no cotidiano das pessoas. Embora pareça prosaico e até mesmo mesozóico, gostaríamos de dizer que, se por acaso, cada um de nós cumprisse aquele segundo Mandamento, semelhante ao primeiro, que foi dito pelo Senhor Jesus - "Ama o teu próximo como a ti mesmo" -, não precisaríamos estar aqui discutindo direitos humanos. Quanto ao direito de petição, Prof. Cançado Trindade, gostaríamos de lembrar que existe também nesta palavra, que na realidade é universal, porque é para todos, em todo o tempo e em todos os lugares, se diz o seguinte:
Não andeis ansiosos de coisa alguma. Em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graça. E a paz de Deus, que excede a todo entendimento, guardará os vossos corações e as vossas mentes em Cristo Jesus.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)

Está suspensa esta sessão até as 15h.


2º Painel: A implementação das recomendações de Viena e os novos paradigmas dos Direitos Humanos

O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Antes de reiniciarmos o nosso encontro, quero informar que apoiamos a resolução tomada pelo III Comitê da Assembléia Nacional Geral das Nações Unidas relativa às questões de direitos humanos, situações e relatórios sobre direitos humanos em vários países, especialmente na questão do Irã, da Comunidade Bahá'í , que tem sido parceira nossa na luta em favor dos Bahá'í perseguidos no Irã.
O Irã tem afirmado que essa é uma questão política, de grupos políticos, mas temos considerado os Bahá'í um grupo religioso, cujas idéias merecem respeito num país onde começou a filosofia de vida Bahá'í . O texto está aí, foi distribuído, e reafirmamos nosso apoio, como também nossa posição contrária aos processos que acontecem com militantes Bahá'í no Irã.
Gostaríamos também de comunicar que amanhã, dia 4, às 9h30min, os trabalhos serão retomados no Plenário 9 do Anexo II, tendo em vista o tamanho do nosso auditório. Como o Congresso Nacional estava em intensa atividade, não havíamos tido acesso a esse auditório. Então, amanhã, às 9h30min, vamos retomar os trabalhos no Plenário 9 do Anexo II, repito, onde se reúnem as Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados.
Com muita honra, queremos anunciar o painel sobre a Implementação das Recomendações de Viena e os Novos Paradigmas dos Direitos Humanos. Convidamos para tomar assento à mesa o primeiro expositor, Ministro Marco Antônio Diniz Brandão, Diretor-Geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores. (Palmas.)

Convidamos o Deputado Nelson Pelegrini, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia e Representante do Fórum de Comissões Legislativas de Direitos Humanos, e o Deputado Nilmário Miranda, 1º Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Ao final desta sessão, à tarde, estaremos aqui lançando o livro "A secreta magia do Caminho", cujo autor é o Padre Marcelo Barros. Também convidamos a todos para, às 20h, no restaurante Feitiço Mineiro, na Asa Norte, assistir ao lançamento do livro de vários autores que relatam as experiências de prisões políticas no Presídio Tiradentes, em São Paulo. Inclusive um dos autores está aqui presente, o Deputado Nilmário Miranda.
Registramos a presença do Deputado Fernando Gabeira e da Deputada Dalila Figueiredo. Pedimos à Secretaria que verifique se há outras autoridades presentes. Também está presente o Deputado Luiz Alberto, o que muito nos honra.
Se os presentes tiverem alguma sugestão a dar, solicito que as repassem à Secretaria até amanhã pela manhã, a fim de que à tarde já possamos apresentar uma agenda de sugestões para o cinqüentenário da Carta da OEA e da ONU. Também pedimos o mesmo aos Srs. expositores, como aconteceu com o Prof. Cansado Trindade, e com os que apresentaram sugestões - o pessoal portador de deficiência - para que elaboraremos uma agenda aberta para a Comissão de Direitos Humanos e para os organismos que estão participando, com os quais teremos diversos eventos e parcerias no ano de 1998, fazendo dessa comemoração uma luta pelos direitos humanos.
Com a palavra o Ministro Marco Antônio Diniz Brandão.

O SR. MARCO ANTÔNIO DINIZ BRANDÃO - Sr. Presidente, antes de mais nada, quero saudar V.Exa., os demais Parlamentares aqui presentes e em especial os debatedores da tarde, o Deputado Nelson Pelegrini, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, e o Deputado Nilmário Miranda, 1º Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Antes de iniciar propriamente o meu texto, gostaria também de congratular pessoalmente V.Exa. e esta Comissão pela iniciativa deste encontro. Na verdade, a Comissão saiu na frente do Brasil inteiro. Dentre todos os Poderes, o Legislativo foi o primeiro a fazer um encontro desta natureza, o que é muito significativo e muito auspicioso. Essa atitude é bastante representativa do interesse que o Poder Legislativo tem pelos direitos humanos - e espero que cresça cada vez mais -, e também do interesse que a Comissão de Direitos Humanos, em particular, tem pelo tema do cinqüentenário não só da Declaração Universal dos Direitos Humanos mas também da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, cujo cinqüentenário também comemoramos em 1998.
O Poder Executivo, por seu lado, também tem feito alguns esforços no sentido da comemoração desse duplo cinqüentenário. E, se V.Exa. me permitir, gostaria de fazer aqui um pequeno relato sobre o que temos feito. Inaugurou-se, na semana passada, já uma primeira sessão de uma comissão interministerial, integrando praticamente todos os Ministérios e outros órgãos, visando estabelecer um programa muito amplo de comemoração, sobretudo do cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para isso, temos algumas diretivas - a própria ONU está distribuindo a sua orientação a todos os países que a compõem - e temos o interesse de que seja conhecido o instrumento fundamental, diria o instrumento radical, em termos de raiz, e muitos outros documentos que se seguiram quanto ao respeito e à promoção dos direitos humanos. É interesse do Governo, desejo profundo do Executivo, tratar esse tema com o respeito e com a profundidade que merece.
Por parte do Itamaraty, propriamente, já temos programados dois grandes eventos. O primeiro deles será um grande seminário internacional que se realizará provavelmente em agosto e terá como debatedores grandes especialistas em direitos humanos de diversas regiões do mundo. E o que se espera desses debatedores é a exposição de suas visões do que serão os direitos humanos no Século XXI nas suas regiões e em seus países. O resultado desse grande seminário será, digamos assim, uma importante contribuição brasileira para a reflexão internacional sobre os direitos humanos no próximo século e no próximo milênio. Esperamos que seja um grande seminário com bastante amplitude e divulgação.
O segundo evento que está sendo programado é de caráter institucional - há pouco conversava sobre isso com meu colega argentino que está aqui também - e será um encontro de presidentes latino-americanos, o ápice das comemorações do cinqüentenário dessas Declarações. Esse encontro está programado para se realizar em dezembro próximo. Os Presidentes do MERCOSUL e dos Estados associados já responderam favoravelmente. Na verdade, será um encontro de presidentes do MERCOSUL e Estados associados, repito. Esperamos que seja também uma ocasião de reiteração do compromisso cada vez maior dos países da região com os propósitos e anseios enunciados nas Declarações Americana e Universal dos Direitos Humanos.
Há outros eventos programados e preparados como a cunhagem de moedas e a emissão de selos. No âmbito do Ministério da Educação estão preparando um programa, que acho mágico para o conhecimento da Declaração, que seriam aulas especiais ou um dia dedicado ao ensino do conteúdo da Declaração. Há a idéia de tornar obrigatória a impressão da Declaração ou pelo menos de parte dela no verso das certidões de nascimento. Seria uma forma de dar à pessoa que está nascendo a sua carta universal de direitos.
Enfim, há vários outros programas e propósitos que estão sendo examinados e manterei V.Exas. informados para que façamos algo mais, talvez em conjunto, como tem sido o nosso hábito. A Comissão de Direitos Humanos e o Itamaraty sempre têm trabalhado em conjunto.
Preparei uma intervenção na qual falo sobre a minha visão do que são os novos direitos e liberdades, os novos paradigmas de direitos humanos, e me refiro ao tema que me cabe em especial, que é a implementação mundial internacional das conseqüências da Conferência de Viena, de 1993. Antes de discorrer propriamente sobre o tema da implementação, gostaria de fazer uma breve introdução para situar alguns conceitos, valendo-me, sobretudo, das lições do grande pensador italiano Norberto Bobbio.
A definição dos direitos humanos e a criação de garantias refletem conquistas historicamente situadas e estão em permanente evolução. É notável a aceleração, desde a adoção da Carta de São Francisco, que marcou o início da Organização das Nações Unidas, do debate e da conceituação no campo dos direitos humanos. A Declaração e o Programa de Ação de Viena, na grande conferência de 1993, reconhecem que a codificação dos direitos humanos é um processo dinâmico e sempre em evolução.
A afirmação dos direitos de liberdade, cujo sujeito é um homem abstrato, e que se definiram por oposição ao despotismo soberano ou do Estado, requerendo uma prestação negativa, isto é, a limitação do arbítrio do Estado, seguiu-se à afirmação dos direitos do homem considerados em circunstâncias concretas: a mulher, a criança, o refugiado, o portador de deficiência, o detento e, como integrantes de grupos, o indígena e outras minorias.
O reduzido elenco de direitos considerados essenciais foi aos poucos sendo ampliado e passou a incluir direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, que exigem prestações positivas do Estado, sobretudo em termos de serviços públicos: segurança, administração da Justiça, educação, saúde, fiscalização do trabalho e seguridade social. Quanto mais evoluída e complexa a sociedade humana, maior o elenco de direitos necessários à sobrevivência com dignidade nessa sociedade.
No entanto, os recursos e os meios para assegurar o gozo desses direitos, sobretudo nos países em desenvolvimento, não têm evoluído no mesmo ritmo. O próprio Norberto Bobbio adverte-nos sobre a enorme defasagem que se vem acumulando entre os direitos que entendemos serem legítimos e necessários e a capacidade efetiva dos Estados e do sistema internacional de protegerem esses direitos. Como jurista e político, Bobbio acredita que se deve distinguir, para não alimentar expectativas que não podem ser satisfeitas, os direitos das aspirações e exigências.
Os direitos são bens cuja proteção se pode exigir do Poder Público, inclusive pelo recurso na corte de justiça, capaz de punir as relações e de ordenar a reparação e a indenização. Para os que não querem renunciar ao uso da palavra direito, Bobbio sugere que distingam, conforme a tecnologia anglo-saxônica, entre o direito forte, que os anglo-saxões chamam de hard law, e o direito fraco, que eles chamam de soft law.
Bobbio observa que a tendência hodierna nos códigos internacionais é a proliferação de recomendações, declarações e cartas de direito, ou seja, do soft law, do direito fraco. Os direitos assim proclamados são sustentados quase exclusivamente pela pressão social, moral e política, porque no sistema internacional, tal como o concebemos hoje, não há condições efetivas para a passagem dos direitos em sentido fraco para os direitos em sentido forte.
O cumprimento das obrigações, mesmo contratadas por convenções, é dificilmente monitorável. E, como todo sistema internacional de proteção aos direitos baseia-se na cooperação, não há como estabelecer juridicamente conseqüências para o que diz respeito aos compromissos. Tome-se como exemplo a proibição da tortura. Embora a convenção contra a tortura esteja em vigor desde 1987 e tenha mais de uma centena de Estados-partes, os empecilhos para seu efetivo cumprimento motivaram a tentativa de elaboração, ora em curso, de um protocolo facultativo para facilitar o monitoramento internacional.
O Programa de Ação de Viena recomendou a adoção o quanto antes do protocolo facultativo, mas a tarefa de elaboração do texto ainda está longe de ser concluída e a adesão ao instrumento é opcional.
Outra distinção devemos ter em mente: normas em sentido estrito e normas programáticas, que costumam ser aquelas aplicáveis aos direitos sociais.
Ao aderir ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Estado se compromete a não implementar imediata e integralmente os direitos nele contidos, o que seria impossível, mas sim a tomar os passos necessários, na medida dos recursos disponíveis e com a assistência e a cooperação internacional, sobretudo econômica e técnica, para a realização progressiva desse direito. Bobbio manifesta mesmo dúvida de que os direitos programáticos mereçam a definição de direitos, ainda que sejam garantidos por instrumentos jurídicos.
A Conferência Mundial de Viena reconheceu o estreito vínculo entre o desenvolvimento e a capacidade dos Estados de assegurarem o pleno gozo dos direitos humanos.
O eixo temático da Conferência é o trinômio democracia, desenvolvimento e respeito aos direitos humanos, elementos indissoluvelmente ligados, que se reforçam mutuamente. Se está claro que a falta de desenvolvimento não justifica a violação de direitos, tampouco podemos negar que limita a capacidade dos Estados de oferecerem as prestações essenciais aos direitos econômicos, sociais e culturais. No entanto, embora o Programa de Ação de Viena inclua uma seção com recomendações sobre a cooperação internacional, o desenvolvimento e fortalecimento dos direitos humanos, e outra sobre a necessidade de alocação de recursos adequados às atividades do Centro de Direitos Humanos da Nações Unidas, especialmente para a cooperação técnica, a resposta da comunidade internacional tem sido muito tímida.
Tendo em vista essas considerações primeiras, passo a abordar a questão da implementação das Recomendações de Viena e dos chamados Novos Direitos. O que são os Novos Direitos? Na verdade, o conceito é ainda altamente impreciso e não me arriscarei a defini-lo. O preâmbulo da Declaração e o Programa de Ação de Viena tomam como ponto de partida as mudanças que estão ocorrendo no cenário mundial e as aspirações dos povos por uma ordem internacional, baseadas nos princípios da Carta, incluindo o respeito pelos direitos humanos, as liberdades fundamentais, a não discriminação, a autodeterminação dos povos, a paz, a democracia, a justiça, a dignidade, e a prevalência do estado de direito, o que é uma preocupação muito presente do Governo brasileiro, que todos os anos tem patrocinado uma recomendação, um documento, uma resolução da Assembléia Geral da ONU sobre o fortalecimento do estado de direito. E também o pluralismo, o desenvolvimento, a melhor qualidade de vida para todos. Ou seja, a Conferência afirmou ou reafirmou os direitos e as aspirações individuais e coletivas, civis e políticas, econômicas, sociais e culturais. Direitos fortes, hard law, e direitos fracos, soft law, direitos consagrados e instrumentos jurídicos, já quase universais, e direitos cuja definição e implementação, conteúdo, sujeito, meios e modos de garantia ainda estão em processo. São direitos que eu não diria novos, mas alguns são realmente criativos, que estão sendo examinados nos seus foros de discussão. Dentre esses, temos direitos mais antigos e menos antigos, como os direitos das populações indígenas, das minorias, dos portadores de deficiência, dos trabalhadores migrantes, o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente sadio e o direito a gozar dos benefícios dos progressos científicos. Além de alguns outros tipos de direito que estão sendo discutidos na UNESCO, como por exemplo o direito à paz para as gerações futuras. Seria uma forma de direito importante. Talvez não um direito, mas uma aspiração. São questões a serem ainda decididas.
Vejamos como a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, que é o foro encarregado para o acompanhamento da implementação da Declaração de Viena, tem impulsionado a criação dos novos paradigmas de direitos humanos ou buscado condições de implementação de direitos que ainda são soft law.
Esta Comissão de Direitos Humanos, da qual participamos há 27 anos, com atuação bastante ativa, tem dado seguimento anual à recomendação da Conferência Mundial de Viena aos Estados para que retifiquem a Convenção Internacional sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias, que ainda não entrou em vigor. Esse instrumento jurídico, em tempo de globalização, é da mais alta importância para os Estados e para as pessoas, evidentemente. A Comissão criou neste ano um grupo de trabalho com mandato para reunir informações sobre os obstáculos à proteção plena e eficaz dos direitos humanos desses trabalhadores e elaborar recomendações para fortalecer a promoção e proteção dos seus direitos.
Em relação às minorias, a Comissão aprovou o estudo encomendado a um perito sueco, da Subcomissão de Proteção às Minorias, e autorizou, em 1995, a criação de um grupo de trabalho para promover os direitos de pessoas pertencentes às minorias, outro conceito também ainda muito difícil de ser determinado com precisão e que consta da pauta de assuntos não resolvidos no temário internacional.
A Conferência de Viena havia recomendado que o grupo de trabalho da Subcomissão sobre populações indígenas terminasse a elaboração do projeto de declaração. O projeto foi concluído, adotado pela Subcomissão, e agora serve de base para um grupo de trabalho encarregado de elaborar um novo texto a ser encaminhado ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Houve avanço significativo na negociação. Alguns pontos mais polêmicos, dentre os quais o emprego do termo autodeterminação para as comunidades indígenas, ainda estão sendo discutidos. Foi cumprida a Recomendação de Viena de que o grupo de trabalho da Subcomissão sobre populações indígenas tivesse o seu mandado prorrogado e atualizado de modo a continuar sendo um foro dedicado ao tratamento dos direitos dessas populações.
O direito humano ao meio ambiente sadio foi objeto de estudo elaborado pela perita Fátima Quizentini. Mas é prematuro fazer prognósticos sobre sua codificação. A Declaração de Viena limitou-se a reconhecer que os dejetos e substâncias tóxicas e perigosas constituem uma séria ameaça aos direitos humanos, à vida e à saúde, e conclamou os Estados a retificarem e a implementarem as convenções relativas ao assunto.
A Declaração de Viena apontou ainda para a necessidade de harmonia, de preservação do meio ambiente sadio, as necessidades ambientais das gerações presentes e futuras e a realização do direito ao desenvolvimento, conceitos que estão na origem das tentativas de criação de novos direitos, como já havia aludido.
A afirmação do direito ao desenvolvimento como um direito humano, universal e inalienável foi um dos avanços conceituais mais importantes de Viena e atendeu a uma das principais reivindicações dos países em desenvolvimento. A Declaração das Nações Unidas sobre direito ao desenvolvimento levou uma década inteira para ser elaborada e foi adotada por voto, em 1986. Somente em Viena conseguiu aceitação consensual. Considero que é, sem dúvida, o novo direito consagrado na Conferência de Viena de maior significação atual para o Brasil, porque é abrangente e abarca, na verdade, vários outros direitos, ou pelo menos permite o gozo de vários outros direitos.
O texto adotado em Viena tem algumas ambigüidades devido à necessidade de compromisso ante a concepção desse direito como direito coletivo, que implica acentuar a responsabilidade dos Estados e o dever de cooperação para a criação de condições internas e externas favoráveis a sua realização e, ao mesmo tempo, a concepção centrada num indivíduo como sujeito do direito ao desenvolvimento. Na parte declaratória, o documento final de Viena enfatiza os elementos coletivos para a realização do direito ao desenvolvimento: políticas públicas de desenvolvimento, relações econômicas internacionais eqüitativas e ambiente econômico internacional favorável. Mas na parte do programa de ação referente à cooperação, ao desenvolvimento e ao fortalecimento dos direitos humanos, as referências específicas são aos direitos civis e políticos, eleições periódicas e genuínas, administração da justiça, sistema penal, liberdade de expressão, liberdade sindical e fortalecimento de instituições da sociedade civil. Não há menção a medidas concretas ligadas à realização dos direitos econômicos e sociais ou ao desenvolvimento propriamente dito.
A recomendação da Conferência de Viena para dar significado concreto ao direito ao desenvolvimento foi de que um grupo de trabalho da Comissão de Direitos Humanos sobre o tema sugerisse medidas para a eliminação dos obstáculos e para a realização da declaração sobre direito ao desenvolvimento. O grupo de trabalho concluiu essa incumbência e recebeu novo mandado da CDH: elaborar uma estratégia para a implementação e a proteção do direito ao desenvolvimento.
Dentre as conclusões do relatório final do grupo de trabalho, destaco três delas que revelam a dificuldade e a complexidade da questão: primeiro, que é necessário caracterizar as obrigações dos Estados tanto no âmbito nacional quanto no internacional para a realização desse direito; segundo, é preciso conceder aos direitos econômicos, sociais e culturais o mesmo grau de proteção dado aos direitos civis públicos; terceiro, as instituições financeiras multilaterais devem incorporar os princípios do direito ao desenvolvimento em suas políticas, programas e projetos. É uma estratégia evidentemente muito ampla. Por isso mesmo deve ser vista como uma orientação valiosa para que se coloque em prática pelo menos alguma parte, ou que se adotem programas de governo ou de política pública baseados em conceitos de direito ao desenvolvimento.
A afirmação do direito ao desenvolvimento é coerente com a tese da indivisibilidade dos direitos e com o eixo temático da Conferência de Viena. A meu ver, uma das suas decorrências lógicas é a importância da cooperação internacional para a implementação das medidas de promoção e de proteção de todos os direitos humanos. Cabe recordar que deve ser iniciativa da delegação brasileira a inclusão no Programa de Ação de Viena da recomendação de criação do Programa das Nações Unidas para conceder assistência técnica-financeira aos países em desenvolvimento empenhados em criar ou fortalecer as instituições do estado de direito.
Embora venha crescendo anualmente o número de países co-patrocinadores da iniciativa brasileira, o Programa de Cooperação Internacional dos Direitos Humanos, tal como o concebemos, ainda não encontrou expressão concreta. O Brasil tem apontado, freqüentemente, sempre para outros compassos: as exigências elevadas, os recursos limitados dos países em desenvolvimento e o desequilíbrio entre as atividades de monitoramento e as de cooperação e assistência no sistema internacional de proteção aos direitos humanos.

A Declaração e o Programa de Ação de Viena prevêem uma estratégia para o seguimento da recomendação de conferência, e essa estratégia está em andamento. Os foros competentes, que são a Comissão de Direitos Humanos, o Conselho Econômico e Social da Organização e a Assembléia Geral das Nações Unidas, deverão empreender, em 1998, a revisão do qüinqüênio, decorrido desde a Conferência de Viena. Primeiramente, o Secretário-Geral das Nações Unidas foi incumbido, por ocasião do cinqüentenário da Declaração dos Direitos Humanos, de convidar todos os Estados, os órgãos e agências da Organização relacionados com direitos humanos para apresentarem um relatório sobre a implementação das recomendações da Conferência. Os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, as instituições nacionais e as ONGs também foram convidadas a submeter comentários. Esse relatório será submetido pelo Secretário-Geral à 53ª Assembléia Geral das Nações Unidas, por meio do Conselho Econômico e Social da Organização.
Já na sua sessão substantiva de 1998, o Conselho Econômico e Social dedicará segmentos de coordenação em sua sessão substantiva ao acompanhamento da implementação das recomendações da Conferência de Viena, e o alto comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos, por sua vez, a recém-nomeada ex-Presidente da Irlanda, Mary Robinson, tem mandato para coordenar os cumprimentos das Recomendações de Viena e ter submetidos os relatórios anuais sobre o assunto.
Nobre Deputado Pedro Wilson, é nesse quadro que seguimos ativamente a implementação das Recomendações de Viena. É importante lembrar - e nunca deixo de ressaltar isso -,que o Itamaraty criou no ano passado, em 1996, o departamento que hoje tenho a honra de dirigir, exclusivamente voltado para os direitos humanos e temas sociais. O primeiro Diretor-Geral deste departamento, que o consolidou, foi o meu colega José Augusto Alves, conhecido por alguns militantes de direitos humanos. Tenho a honra de sucedê-lo já há algum tempo. Creio que já fizemos algo em comum com a própria Comissão dos Direitos Humanos e com outros órgãos. Sempre cito a criação desse departamento de direitos humanos para indicar que na política externa brasileira o tema é prioritário, é relevante e merece a atenção da nossa chancelaria.
Agradeço a todos a atenção. (Palmas.)

O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao Dr. Marco Antônio Diniz Brandão a exposição. Reafirmamos nosso testemunho do trabalho de parceria com o Departamento de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores, que muito tem colaborado conosco. Recentemente, em viagem a Portugal e à Espanha, recebemos todo o apoio do Itamaraty na questão do tráfico de mulheres brasileiras para a Europa e também na questão de contato, em Portugal, com a resistência do povo do Timor Leste.
Convido a Deputada Dalila Figueiredo para assumir a Presidência antes de passar a palavra ao nobre Deputado Nelson Pelegrini.
Informo ao nobre Deputado Nilmário Miranda que continuamos com a nossa audiência; tendo em vista a solicitação de proteção à jornalista Marisa Romão, iremos ao Ministério da Justiça, onde teremos audiência com o Sr. Ministro.
Convido a todos, após os debates e as sugestões para nossa agenda, para o lançamento do livro do Monge Marcelo Barros, no hall de entrada deste auditório. Amanhã, retornaremos aos trabalhos no plenário nº 9 do Anexo II da Câmara dos Deputados, sala em que tradicionalmente acontecem as audiências públicas da Comissão de Direitos Humanos. A Deputada Dalila Figueiredo também apresentará sugestões para a agenda de 1998 sobre os 50 anos da Carta da OEA e da ONU, e os 10 anos da Constituição brasileira, que está sendo muito mudada, mas ainda continua sendo a Constituição brasileira, e os três anos da Comissão de Direitos Humanos.
Agradeço a todos, pedindo desculpas, mas ainda voltarei a tempo.

A SRA. COORDENADORA (Deputada Dalila Figueiredo) - Agradeço a possibilidade de poder encaminhar os trabalhos desta Mesa, saudando a todos os presentes, os ilustres palestrantes desta tarde.
O debatedor desta tarde é o Deputado Nilmário Miranda, membro da Comissão de Direitos Humanos e particular amigo, com quem tive oportunidade de trabalhar na Comissão Externa responsável por investigar a situação das meninas brasileiras prostitutas no Paraguai.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nilmário Miranda.

O SR. DEPUTADO NILMÁRIO MIRANDA - Deputada Dalila Figueiredo, demais membros da Mesa e todos que aqui compareceram, pedi para falar em primeiro lugar porque estou participando de uma Subcomissão sobre o INCRA, sobre corrupção, simultânea a esta. O Presidente do INCRA, convidado por mim, está presente. Como fui eu que o convidei, terei de estar presente.
Em 1993, quando terminou a Conferência de Viena, foi instalado no Ministério da Justiça, pelo então Ministro Maurício Corrêa, um grupo de trabalho das pessoas que foram a Viena. Houve desdobramentos para o Brasil. O Ministro José Augusto Alves fazia parte pelo Ministério das Relações Exteriores. S.Exa. tinha participado da Conferência, junto com Saraiva Guerreiro. O Brasil redigiu a Resolução de Viena. Isso é importante.
Faço referência ainda à agenda do grupo de trabalho de Viena de 1993 para o Brasil. Antes de falar do Brasil, a discussão que fizemos na época, recordo-me até hoje, era sobre os dois grandes temas de Viena; em primeiro lugar, a universalização dos direitos humanos. Isso parece óbvio, mas no contexto foi importante. Discutiu-se a limitação da soberania quando houvesse relações gravíssimas de direitos humanos, ou seja, ninguém poderia alegar soberania nacional para se colocar à margem do controle internacional violando direitos humanos - os países que tivessem assinado os tratados, os pactos, e mesmo os que não os tivessem assinado. Essa foi uma das discussões de Viena, um dos grandes temas. Diretos humanos perfazem uma questão universal e de vez em quando essa questão começa a perder força e espaço, tornando-se um direito fraco. Isso é fato, tem acontecido ao longo desses 50 anos. O Brasil mesmo tem freqüentemente participado de iniciativas fora das fronteiras do País, vinculadas a essa perspectiva. Não se tem furtado a participar de forças de paz, no caso de alguns conflitos, sobretudo na África. Tem cooperado no desmonte das minas antipessoais. São 100 milhões de minas espalhadas pelo mundo, uma tragédia cujas maiores vítimas são em geral civis, na maior parte crianças, camponesas e camponeses.
Talvez a grande lacuna seja a questão dos tribunais internacionais, necessários para tornarem efetivos os compromissos assumidos. Esse é um tema que deixo para o Ministro comentar.
O segundo grande eixo foi a indivisibilidade, a posição da esmagadora maioria em Viena. Naturalmente isso bateu em ouvidos moucos dos grandes países do Hemisfério Norte, os países mais ricos do mundo. A questão de que não se pode mais separar direitos civis e políticos de direitos econômicos, sociais e culturais foi praticamente um consenso. A imensa, esmagadora concentração de riquezas no Hemisfério Norte, onde se concentra um quinto da população mundial e três quartos da riqueza de todo o mundo, e a concentração de quatro quintos da população e um quarto da riqueza no Hemisfério Sul provocaram, além da desagregação de países, como nos casos africanos, migrações feitas aos milhões. Inclusive o conceito de refugiado foi mudado; hoje não se refere apenas àqueles que têm seus direitos políticos impedidos, mas que se encontram em situação de migrantes, aos 100, 200, 300 mil, em função desses processos de guerras regionais da África, por exemplo. O conceito de refugiado foi ampliado. Esse é um outro desafio.
Discutiu-se muito também a questão da indivisibilidade. O que adianta discutir a divisibilidade? E daí? O que dará direito de desenvolvimento aos países do Hemisfério Sul? Levantaram-se duas idéias que não encontraram a mínima acolhida até então: a da cláusula social - sabemos que 400 empresas concentram quase 40% da riqueza produzida no mundo, o equivalente à renda de 2 bilhões e 500 mil pessoas. Deveria haver um tipo de cláusula social que impedisse, por exemplo, que, na Indonésia, crianças fabriquem tênis, recebendo um dólar ou meio por dia, como fazem a Nike e a Reebok, ou seja, devem-se colocar cláusulas sociais, para que essas empresas assumam compromissos com relação à exploração de trabalho infantil, trabalho escravo, degradante, além de algum tipo de taxação desse um trilhão de dólares que todos os dias circulam pelo mundo, quebrando países, desorganizando economias, quando deixam esses países. Trata-se de uma discussão sobre alguma forma de taxar esses capitais, sobretudo especulativos.
Evidentemente, os produtivos têm regras em cada país. O problema está sendo esses capitais, sobretudo na era pós-Thatcher e pós-Reagan. Há 17 anos houve um laissez-faire para os capitais especulativos. Neste momento, estamos vivendo uma crise típica. Acho que isso seria necessário: direito ao desenvolvimento, para dar concretude ao espírito de Viena.
Com esse espírito, surge também o desdobramento do conceito de desenvolvimento humano. A ONU está transmitindo para o mundo inteiro esse espírito de medir os índices de desenvolvimento pelo desenvolvimento humano, recusando a falácia da renda per capita, que oculta a concentração de renda, que dá uma idéia falsa de prosperidade. Para se avançar, é necessário que haja esses desdobramentos. Essas conferências internacionais chegam a algumas conclusões, mas, às vezes, os desdobramentos levam décadas para se efetivarem. Enquanto isso milhões vão morrendo, mas esse é um outro problema.
O grupo de trabalho que veio de Viena e estabeleceu uma agenda para o País foi muito importante para o Brasil. Não existia uma agenda de direitos humanos no Brasil em 1993. Foi esse grupo que organizou essa agenda. O Movimento Nacional de Direitos Humanos sempre procurou fazer isso. Naquele grupo de trabalho encontrava-se o Ministério das Relações Exteriores, da Justiça, do Trabalho, o Ministério Público Federal, a Câmara dos Deputados, a CONTAG, o Foro Contra a Violência no Campo, o Movimento Nacional de Direitos Humanos, a Anistia Internacional, a OAB federal, as principais organizações de direitos humanos do País, os que foram a Viena e outros que não foram, mas que incorporam essa agenda.
Dali saíram idéias para o Plano Nacional de Direitos Humanos, uma recomendação de Viena, ainda que tenhamos mil queixas e ainda que a maior parte tenha ficado no papel até hoje, mas a idéia de ter um plano, e o nosso País é o terceiro a tê-lo, saiu de Viena. Há outros desdobramentos que saíram de Viena que não tiveram o mínimo avanço no Brasil. Citando alguns, para não ficar naquele rol de defeitos, naquela choradeira: a reformulação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que seria o principal órgão da esfera pública para criar um instrumento de proteção e garantia de direitos no âmbito nacional. Não aconteceu nada nesse sentido. O projeto está aqui e o originário daquele grupo de trabalho dorme nas gavetas. Não há apoio governamental. Não se define se se quer ou não aquele projeto.
O CDDPH segue sendo um organismo inócuo, absolutamente ineficaz. As melhores cabeças do País estão ali, mas, quando há um massacre, produz-se um relatório que não tem conseqüência nenhuma, porque não tem poder, não se toma iniciativa. O órgão está perdendo o sentido. Tivemos essa crise de polícias, este ano, no País inteiro, e o CDDPH passou oito meses sem se reunir. Passou-se tudo aquilo, era o principal acontecimento do País naquele momento e ele não se reuniu. Quando se reúne também não há desdobramento. Esse segue sendo um problema seríissimo.
A criação da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, do jeito que foi feita, não resolveu o problema. Queríamos que ela fosse ligada à Presidência da República, mas foi ligada ao Ministro; poucos dias depois de criada, mudou o Ministro, e o novo não tem muito interesse na questão dos direitos humanos. Não é a área dele. Então, não deu continuidade ao trabalho do Ministro anterior, Nelson Jobim, que tinha um projeto. O atual não tem nenhum, nem vocação para essa área.
Lembro que um dos pontos centrais levantados era a questão de proteção de testemunhas. Nesse aspecto, estamos na estaca zero; a iniciativa que houve foi dos Estados, timidamente apoiada pelo Governo Federal. Dependia de uma Lei Federal retirada pelo Governo para aperfeiçoar, que nunca mais voltou para esta Casa. Trata-se de uma falácia, porque a lei poderia ser negociada ao longo do processo. Ela voltou em 7 de setembro, passou 7 meses nesse processo. Não dá para tirar. O esqueleto é o mesmo, os problemas que tem de abordar são os mesmos: possibilitar testemunhos em público, possibilitar mudança de endereço, possibilitar a negociação de pena. Os temas são os mesmos. Não poderia ter ficado. Até hoje não ficou claro.
Um outro problema também - acho que saiu dali e não avançou - é a questão da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Hoje de manhã tivemos aqui a presença do Sr. Antônio Augusto Trindade, Vice-Presidente da Corte. Tive de sair para as Comissões e não vi o desdobramento do debate. O Deputado Hélio Bicudo foi para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos tomar posse. Há dois brasileiros no sistema. No Tribunal de Haia está o Ministro Francisco Rezek.
O Presidente da República tem de assinar um ato, depende apenas dele. Não depende de nenhuma outra esfera, a não ser da caneta dele, reconhecendo a jurisdição da Corte. Creio que 23 países do Continente já o fizeram. Isso também é importante, para que possamos cobrar, para que haja algum tipo de punição se forem rompidos os compromissos assumidos, algum tipo de cobrança efetiva. O Brasil assinou solenemente o acordo, que foi colocado em prática, e não há mais nada a fazer a não ser cumpri-lo.
Há também a questão dos estrangeiros, e talvez a Deputada Dalila Figueiredo, no momento oportuno, possa comentá-la.
Está passando da hora também de alguma iniciativa no âmbito do MERCOSUL, e quanto aos direitos humanos também. Estamos vendo que os Ministros se reúnem para discutir lavagem de dinheiro, polícia, cooperação. E os direitos humanos? Sou de uma Comissão de Direitos Humanos do PARLATINO. Fomos ao Uruguai e ao Brasil. Na semana que vem iremos à Argentina e ao Paraguai. É uma Comissão de vários países. Nas prisões estamos vendo centenas de mocinhas, as "mulas", como eles chamam, que fazem tráfico. Mocinhas, muitas grávidas, jovens de diversos países. O Brasil está cheio delas. São Paulo está cheio de pessoas abandonadas, a maioria apátridas, que são os africanos. Aqueles países não têm condições de dar assistência consular. Eles estão abandonados nas prisões, dezenas e dezenas. Encontramos brasileiros lá também, abandonados. No Uruguai, há muitos brasileiros abandonados. Dirigi-me ao Departamento Consular do Itamaraty relatando isso, pedindo providências.
No caso das meninas prostitutas no Paraguai - depois a Deputada Dalila Figueiredo falará sobre isso -, a posição do nosso consulado foi muito ruim. Ainda não há uma política. Estou citando o MERCOSUL porque, no caso, está havendo uma integração de mercados; por que não de direitos humanos também? Já não há iniciativas. Os sindicatos estão-se reunindo; só faltam os direitos humanos.
Houve até uma reunião, outro dia. em Porto Alegre. No dia 26 de novembro, se não me engano, houve uma primeira reunião, por iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, Deputado Marcos Rolim. Não foi ainda incorporada, não tem um apoio oficial. É bom também que não seja algo muito oficial, mas é importante ter o aval, o apoio do Governo, que deveria incluir os direitos humanos no rol da integração. Aí vem o caso dos famosos "estrangeiros indocumentados", como os chamam nossos irmãos latinos. Em São Paulo há meio milhão de pessoas nessas condições, fazendo trabalhos degradantes. Reuni-me com a Pastoral do Imigrante, e hoje de manhã esteve aqui o Irmão Rosito. Esse é um problema em que o Brasil está em débito também, esse desdobramento de Viena.
Só citei questões centrais ou que envolvem relações internacionais. Nos demais casos, acho que houve avanços.
Acho que está sendo ambígua a posição do Timor Leste, muito ambígua. Vimos o Presidente da República receber Ramos Horta, que fez algumas declarações. O Brasil tirou o veto para o Timor Leste participar da Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa como observador-participante. Mas o nosso Embaixador na Indonésia disse que não existe o Projeto Timor Leste, que não existe projeto de direitos humanos do Timor Leste. Parece-me que é uma das poucas pessoas que têm coragem de dizer isso, e de público. É o Embaixador brasileiro, representa o nosso País. É uma diplomacia ambígua também.
Houve avanços na questão. Direitos humanos constituem uma questão importante no mundo hoje. Definindo-os perante o Tibete, Timor Leste, define-se também a posição dos países. A omissão, a ambigüidade ou tibieza de posições também mostram que, além do discurso, há um caminho livre.
Deixo essas questões aqui. (Palmas)

A SRA. COORDENADORA (Deputada Dalila Figueiredo) - Antes de mais nada, informo aos Deputados presentes que às 15h50 teve início a Ordem do Dia e deveremos estar votando as medidas provisórias. Nesta tarde, estamos tendo a honra de contar com a presença do Ministro Marco Antônio Diniz Brandão, que já fez uma brilhante exposição sobre a implementação das recomendações de Viena. O Deputado Nilmário Miranda já mostrou sua experiência a respeito das questões relativas a essas recomendações. O Deputado Nilmário Miranda já citou a questão e, nesta oportunidade, até por termos a honra de contar com a presença do Ministro Marco Antônio Diniz Brandão, devemos lembrar que no encaminhamento da Comissão externa que investigou a situação das meninas brasileiras envolvidas com a prostituição infantil no Paraguai tivemos os nossos trabalhos totalmente comprometidos por conta do Consulado brasileiro no Paraguai. Lamentamos muitíssimo isso. É público, podemos dizê-lo, e vamos apresentar um protesto ao Ministério das Relações Exteriores e à Comissão de Relações Exteriores desta Casa.
No Paraguai, com tantas questões complicadas de imigração, de prostituição, de adolescentes presos, tráfico de drogas e tantas outras coisas, precisaríamos ter um consulado forte, um corpo diplomático forte. Esta Comissão precisaria ter toda a guarida do Itamaraty, e lamentavelmente ficou comprometida.
Dando continuidade aos debates...

O SR. DEPUTADO NILMÁRIO MIRANDA - Sra. Presidente, V.Exa. me permite?
A SRA. COORDENADORA (Deputada Dalila Figueiredo) - Pois não.
O SR. DEPUTADO NILMÁRIO MIRANDA - Como começou a Ordem do Dia, vou tomar a liberdade, mesmo não tendo sido assim programado pela Mesa, de propor que a Sra. Maria Caiafa, Coordenadora de Direitos Humanos da Prefeitura de Belo Horizonte, me substitua. Ela anota tudo. Ela anotou as questões que levantei para o Ministro e tenho certeza de que vai cuidar de obter as respostas. Assim que pudermos sair do plenário, retornaremos para cá. Se a Sra. Presidente permitir, a Sra. Maria Caiafa ficará no meu lugar.
A SRA. COORDENADORA (Deputada Dalila Figueiredo) - Com certeza. Agradeço a sugestão.
O próximo debatedor é o Deputado Nelson Pelegrino, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, representante do Fórum de Comissões Legislativas de Direitos Humanos.
O SR. DEPUTADO NELSON PELEGRINO - Cumprimento o Ministro Marco Antônio Diniz Brandão, que, de forma brilhante, fez aqui uma exposição sobre as recomendações da Conferência de Viena; a Deputada Dalila Figueiredo, que preside neste momento a sessão; o Deputado Nilmário Miranda, que, devido a outras atividades, teve neste momento de se afastar, e os diversos representantes de comissões de direitos humanos, de entidades e de órgãos.
Não vou aprofundar-me muito nas questões internacionais com relação a essa Conferência de Viena, porque, como membro de uma Comissão de Direitos Humanos de uma Assembléia Legislativa e como membro do fórum dessas comissões, gostaria de debater - o convite foi nesse sentido - as resoluções da Conferência de Viena à luz do dia-a-dia dos trabalhos daqueles que estão à frente das comissões de direitos humanos nos Estados.
Sem dúvida nenhuma, como foi citado aqui pelo Deputado Nilmário Miranda, dentre os frutos dessa Conferência estava a recomendação de que os Estados-membros instituíssem programas nacionais de direitos humanos. A Conferência foi realizada em 1993, e já em 1996 o Brasil era o terceiro País a instituir o seu Programa Nacional de Direitos Humanos. Estive presente, em Brasília, ao lançamento do Programa. É a primeira questão que gostaria de levantar à luz da exposição do Ministro Marco Antônio Diniz Brandão, e espero que S.Exa. comente isso.
Gerou uma grande discussão por parte de todos os que participaram do lançamento do programa e tiveram a oportunidade de posteriormente analisá-lo o fato de que o Programa de Direitos Humanos parece, como indica a exposição do Ministro, não estar em consonância com as recomendações da Conferência de Genebra. É um Programa que enfatiza a questão dos direitos individuais, dos direitos coletivos, mas se omite em relação aos direitos sociais. Esta é, sem dúvida alguma, uma grande lacuna do Programa Nacional de Direitos Humanos: não enfoca a questão dos direitos sociais.
Presido há cinco anos a Comissão de Direitos Humanos no Estado da Bahia e tenho procurado fazer o debate em torno dessa questão e até resgatar um pouco a dimensão do que é para nós a luta pelos direitos humanos, não só no Brasil como no mundo. Os adversários da luta pelos direitos humanos gostam muito de rotular aqueles que participam dessas atividades, porque essa rotulação tem um caráter, na minha opinião, claro, definido. Rotulando, podemos limitar a atuação, confiná-la. Evidentemente, confinando, isolando, enfraquece-se a luta pelos direitos humanos.
Não é incomum - o que vou dizer aqui talvez alguns dos que participam das entidades dessa área já devem ter ouvido - ouvir a declaração de que quem participa da luta pelos direitos humanos são todos defensores de bandidos. Eu, por exemplo, já ouvi por diversas vezes essa afirmação. Acho que não é uma afirmação despretensiosa, desinformada, mas direcionada. A partir do momento em que se reduz a dimensão dos direitos humanos à de defensores de bandidos, resta-nos em um campo muito limitado, porque sabemos como a sociedade trata os problemas oriundos de um sistema desigual, que gera a marginalidade. A marginalidade gera criminalidade, e sabemos qual é o tratamento que a nossa sociedade dá à criminalidade. Ficamos um pouco isolados, sem o respaldo da sociedade. Hoje, o resgate tem a ver com o que foi dito aqui na parte da manhã, quando da discussão sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos e sobre a Declaração Interamericana. Ambas dão aos direitos humanos a dimensão de um direito muito mais abrangente do que o direito à liberdade, que é, sem dúvida nenhuma, aspecto fundamental da vida do homem. Quando se fala em defender direito de bandidos, talvez se esteja falando do direito à liberdade, ou do direito ao tratamento humanitário, mesmo para aqueles que incidem em erro na sociedade.
Hoje, estamos procurando fazer o resgate da real dimensão da luta dos direitos humanos para que, a partir desse resgate, as pessoas compreendam que essa luta é de todos e não daqueles que eventualmente militam em entidades de direitos humanos, ou que estão em órgãos governamentais, encarregados dessa promoção. A luta pelos direitos humanos acho que talvez seja o grande mérito do Programa Nacional de Direitos Humanos, contrastando com essa omissão; é o reconhecimento, por parte do Estado brasileiro, de que as questões de direitos humanos são de Estado e não só da sociedade civil organizada. Ou seja, a luta pela promoção dos direitos humanos no nosso País não é só das entidades não-governamentais, dos segmentos civis organizados ou de instituições ou órgãos públicos que têm a obrigação legal de promover a causa de direitos humanos. Então, o Programa Nacional de Direitos Humanos é o reconhecimento de que o Estado brasileiro tem de assumir uma agenda programática em relação aos direitos humanos no País. Embora o Programa seja mais uma agenda de compromissos do que medidas eficazes - daí o motivo do comentário do Deputado Nilmário Miranda -, infelizmente pouco do Programa foi executado, apesar de algumas medidas terem sido topicamente, de forma debilitada, implementadas, mas acho que esse é o grande mérito. Digo isso porque, na minha opinião, a real dimensão da luta pelos direitos humanos vai além do resgate do direito à vida. Isso é fundamental, não tenham dúvida alguma, porque sem esse direito nenhum outro existe. A integridade física, que também tem a ver com o direito à vida, a liberdade, os direitos individuais, como o da crença religiosa, da opção sexual, da condição sexual, o respeito aos direitos de crianças, deficientes, adolescentes, idosos e minorias populacionais são, sem dúvida alguma, direitos fundamentais. A luta contra a discriminação racial é direito individual que tem uma dimensão muito importante. É preciso resgatar neste momento, e todas as falas, tanto a da parte da manhã, do debatedor, Deputado Eujácio Simões, como a do Deputado Nilmário Miranda, tratam da dimensão da questão social dos direitos humanos, porque o direito à vida é tão importante quanto o direito à saúde. O ser humano que não tem direito à saúde está tendo comprometido seu direito à vida. O direito à educação, à moradia, à renda, ao emprego, ao lazer, à terra, todas essas dimensões, eu acho, precisam ser resgatadas com os direitos humanos; são dimensões indissolúveis e precisam ser levantadas, porque apontamos esses parâmetros: a luta pelos direitos humanos é de todos, uma luta de toda a sociedade, porque toda a sociedade está envolvida com esses direitos relacionados.
Estamos vivendo num mundo de economia globalizada, numa economia dos grandes oligopólios transnacionais que não respeitam os Estados nacionais, não respeitam governos nacionais, impõem as suas normas. Li recentemente um artigo que dizia que o G-8 estava programando, numa das suas conferências, uma iniciativa no sentido de proibir que qualquer Estado nacional pudesse fazer qualquer tipo de regulamentação ou restrição ao capital financeiro ou à circulação do capital financeiro mundial. Foi uma das resoluções do G-8, ou seja, os Estados nacionais não poderiam adotar legislações nacionais de restrição à circulação dos capitais no mundo, e haveria a regulamentação da atuação desses capitais. Então, sabemos o que significa o capital especulativo, o que significam esses capitais transnacionais, que não têm nenhum compromisso com os países, com os povos, só têm compromisso com a produção.
Faço questão de reafirmar o que foi observado pelos Deputados Eujácio Simões e Nilmário Miranda, principalmente porque o capital financeiro, que é hegemônico hoje, não está nem um pouco preocupado com países, com populações. A História tem demonstrado que a ação desses capitais, inclusive com ataques especulativos, tem gerado um agravamento da situação social no mundo inteiro, principalmente nos países do Terceiro Mundo. A cada pacote cortam-se verbas da saúde, da educação, o que gera desemprego e todas as repercussões sociais.
Neste momento estamos fazendo uma profunda reflexão. No ano que vem, as declarações americanas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos completam 50 anos. Estamos também debatendo as recomendações da Conferência de Viena, inclusive um aspecto observado pelo Sr. Ministro Marco Antônio, e acho fundamental esse conceito dos direitos humanos relacionado à questão do desenvolvimento humano, quer dizer, à qualidade de vida das populações, porque isso precisa ser discutido. Contraditoriamente, com o avanço tecnológico no mundo inteiro, o que vemos é um avanço da degradação da condição humana, é um contraste inaceitável; quanto mais a economia avança, do ponto de vista tecnológico, criando as condições para a superação das desigualdades e para um padrão de vida melhor, no mundo inteiro vemos não só o aumento das desigualdades, o agravamento da precariedade dessas mesmas condições, sem falar do xenofobismo e de outros aspectos. Acho também que há um retrocesso em relação a essa questão dos direitos humanos. Então, esse é um resgate que é preciso fazer; não precisamos fazer um debate sobre isso; essa dimensão dos direitos humanos tem que ser apontada nos fóruns internacionais, e tem que haver uma reação.
Recentemente participei de algumas reuniões de direitos humanos e tenho afirmado algo de que estou absolutamente convencido: os direitos humanos, no terceiro milênio, vão ganhar um papel muito mais importante do que ganharam neste final de milênio. Quando falo em direitos humanos, dou-lhes numa dimensão sinônima de direitos do cidadão. Há uma sinonímia muito grande entre direitos humanos e direitos do cidadão, principalmente numa economia privatizada, onde os grupos internacionais comandam, estão acima dos grupos dos Estados nacionais. Cada vez mais a população, o cidadão está sujeito à ação dos grandes oligopólios, dos grandes grupos econômicos. Então, ou o cidadão se organiza e fortalece a sociedade civil para ter seus direitos respeitados, para ter seus direitos efetivamente implementados, ou então vamos viver um período de selvageria, talvez até semelhante aos primórdios do desenvolvimento do capitalismo no final do século passado e início deste século, quando a classe operária chegava a trabalhar até 16, 18 horas por dia, e o cidadão não tinha qualquer direito perante o Estado. Então, acho que há algumas dimensões que precisam ser resgatadas.
Estou absolutamente convencido de uma outra dimensão do controle sobre o Estado, e peço até que o Sr. Ministro Marco Antônio discorra um pouco sobre isso. Cada vez menos o cidadão controla o Estado, e esse Estado autoritário acaba sendo um instrumento de reprodução dessa injustiça.
Alguns mecanismos postos no Programa de Direitos Humanos são ainda muito tímidos para uma realidade que é preciso seja avançada, que é a realidade do controle do Estado. O Estado precisa ser controlado não só no Brasil, mas no mundo inteiro. A sociedade civil precisa organizar-se para controlar o Estado; a sociedade civil precisa organizar-se para se defender de uma economia oligopolizada. São elementos, na minha opinião, fundamentais. Quanto a essa questão, não sou um profundo conhecedor; talvez o Sr. Ministro possa discorrer também um pouco sobre os fóruns internacionais, as cortes internacionais.
Aprendi nos bancos da faculdade de Direito que uma norma que não prevê sanção é quase inócua. Diversas normas que hoje existem no Plano Internacional de Proteção, se não houver mecanismos de sanção para aqueles que não as cumprem, se não houver mecanismos para podermos fazer com que essa sanção seja efetivamente respeitada, para que haja um temor dessa sanção, acabam sendo inócuas.
Gostaria que o Sr. Ministro comentasse como é realmente esse processo nos tribunais internacionais, nas cortes internacionais, quais os mecanismos de sanção e a própria eficácia, o poder de sancionar.
Há um aspecto muito interessante no Programa Nacional de Direitos Humanos. Logo no início, fala do cadastro nacional de inadimplentes sociais, ou seja, Estados e Municípios que não respeitem os direitos mínimos relacionados à questão dos direitos sociais, dos direitos humanos, entrariam num cadastro, teriam restrições de crédito, de recursos. Uma medida muito importante é dar eficácia, talvez até, digamos assim, sanção para muitas normas previstas nesse Programa Nacional de Direitos Humanos. Infelizmente esses cadastros ainda não foram implementados. Acho que chegou a hora de começarmos a discutir como vamos, infelizmente, adotar os necessários mecanismos de sanção para que as normas que estão previstas, não só nesse instrumento, mas também nos outros, sejam respeitadas. Agradeço a atenção. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Deputada Dalila Figueiredo) - Agradeço ao Deputado Nelson Pelegrino a participação, a brilhante contribuição a este evento.
Passo a palavra ao Sr. Ministro Marco Antônio Diniz Brandão.
O SR. MARCO ANTÔNIO DINIZ BRANDÃO - Agradeço profundamente aos Deputados Nilmário Miranda e Nelson Pelegrino as observações substantivas, que incidem naturalmente sobre a minha exposição ou sobre outros aspectos da posição brasileira no campo internacional. São muito bem-vindas e certamente enriquecerão nosso patrimônio de idéias, de observações que orientam a nossa política externa, a nossa atuação nos foros internacionais. Agradeço à nossa Presidente, Deputada Dalila Figueiredo, as observações. Tenho certeza de que é política do Itamaraty receber as críticas com um espírito muito agradecido, porque sabemos que elas conduzem a um melhoramento dos nossos serviços, e é para isso que estamos aí, estamos abertos sempre aos diálogos e aos melhoramentos propostos.
As observações dos Deputados Nilmário Miranda e Nelson Pelegrino na verdade são bastante coincidentes em muitos pontos. Talvez pudesse responder aos dois ao mesmo tempo. O Deputado, por favor, que quiser interromper-me para algum esclarecimento adicional, que o faça.
Talvez comece pelo nosso Plano Nacional de Direitos Humanos. Ambos os debatedores, e creio que em algumas outras oportunidades nesta manhã também, observaram que o Plano Nacional de Direitos Humanos concentra-se numa parte de direitos individuais e políticos e não se dedica em grande parte aos direitos ao desenvolvimento, aos direitos sociais e econômicos. A crítica talvez seja pertinente, mas devo enfatizar que o Plano Nacional de Direitos Humanos, como também já mencionou o Deputado Nilmário Miranda, é o terceiro plano adotado no mundo depois da Conferência de Viena. Esse plano foi feito em consulta, na verdade, com toda a sociedade civil; o primeiro esboço dele foi produzido pela USP, pelo Centro de Estudos Contra a Violência, dirigido pelo Prof. Paulo Sérgio Pinheiro, e foi depois debatido amplamente com toda a sociedade. Evidentemente não é um plano perfeito. Nenhum plano é perfeito. E, mais do que isso, está sendo constantemente avaliado e reavaliado; há um grupo no Ministério da Justiça que se dedica exclusivamente a uma avaliação e uma reavaliação dele, e não tenho dúvidas de que é um plano que, mais cedo ou mais tarde, como é, aliás, devido, natural e desejável, como todo documento programático, vai ser revisto e poderá ser aperfeiçoado. Creio que há grande campo para aperfeiçoamento e poderá ser ainda muito melhorado. Mas o que quero enfatizar é que na verdade ele se debruça sobre os direitos individuais, sobre os direitos que chamaria de primeira geração, por uma questão muito simples: o direito ao desenvolvimento e os direitos sociais são ainda dificilmente quantificáveis, dificilmente programáveis. Como disse um pouco antes da minha exposição, é difícil, a partir da própria Conferência de Viena, saber muito bem - há uma certa ambigüidade nisso - o que são direitos coletivos e o que são direitos individuais. Na verdade, uns interpenetram os outros e fica muito difícil para algum legislador ou mesmo para um programa de Governo, no momento (e enfatizo: no momento), definir tudo o que se refere a direito e desenvolvimento de uma forma coerente com o que já está codificado, com o que já está entendido, com o direito individual, que é claro e que é perfeitamente aceito e entendível por toda a sociedade.
Aí de novo creio que se trata de uma questão de evolução, de uma questão de estudo, de percepção da sociedade, do que são esses direitos, quais são esses direitos. Na verdade, eles precisam ser delimitados. De que forma podem ser divididos, explicitados, apresentados em palavras? De que forma o Estado pode comprometer-se, de uma forma coerente, passível de cobrança, com sua implementação? São questões que estão ainda sem solução, e acho que o debate que estamos fazendo aqui é útil no sentido de que aponta para essa necessidade de que seja examinada com mais vagar e com mais profundidade essa questão dos direitos econômicos e sociais. Como isso é colocado? O próprio direito ao desenvolvimento, como ele é colocado, em termos de compromisso? É um debate que toda a sociedade, a academia, enfim, as universidades, o Legislativo, as ONGs e o próprio Governo devem fazer, são questões que têm de ser levantadas e têm de ser, enfim, de alguma forma solucionadas no futuro. E concordo que são questões da maior importância, mas, se me permitem, não invalidam a importância fundamental e pioneira do Plano Nacional dos Direitos Humanos; mesmo no âmbito internacional é um Plano que foi recebido com enorme calor, inclusive pelo aspecto de ter sido feito em conjunto com a sociedade civil. Ele tem essa característica que V.Exa. também apontou. E o Governo, pela primeira vez, a partir do plano, começa a criar toda uma série de entidades e órgãos para cuidar dos direitos humanos, porque pela primeira vez admite de forma clara que direitos humanos perfazem uma questão de Estado, uma questão de Governo. Ao mesmo tempo procura, como não poderia deixar de ser, e acho que cada vez mais, a opinião da sociedade, procura fórmulas em que os anseios da sociedade sejam mais bem expressos e contemplados em um documento.
A partir do plano, foi criada a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que foi realmente uma grande conquista. Talvez não tenha sido a melhor fórmula, o que não posso julgar, porque não tenho elementos para julgar a fórmula que levou à criação da Secretaria nos moldes em que ela está, mas certamente foi um avanço significativo na questão do tratamento dos direitos humanos pelo Estado brasileiro.
Volto a ressaltar que no Itamaraty também foi criado um Departamento de Direitos Humanos. É evidente que há um clima diferente hoje no Brasil. Os governos estaduais também são importantes; cada governo tem desempenhado e criado instituições e órgãos que cuidam de direitos humanos. O Governo do Estado de São Paulo aprovou um plano estadual de direitos humanos que é da maior importância no conjunto da Federação. Espero que esse exemplo seja seguido por outros. Tudo isso teve início com a Declaração de Viena e com a adoção do Plano Nacional de Direitos Humanos.
A questão das cortes internacionais também foi levantada, tanto pelo Deputado Nelson Pelegrino como pelo Deputado Nilmário Miranda. O tratamento internacional de direitos humanos nas cortes é um tratamento, eu diria, sui generis; na verdade, não existe em qualquer sistema internacional de cortes sanções contra o Estado que não sejam sanções de caráter exclusivamente moral. A força das sanções de um tribunal internacional depende da força que esse próprio tribunal possa ter junto à opinião pública, da força que esse tribunal possa ter junto aos Estados que o compõem e junto à comunidade internacional. Um Estado não pode ser condenado a ir para a prisão ou a pagar uma multa. Pagar uma multa até pode, e é o que tem feito a Corte Interamericana de Justiça, que condena os Estados a pagarem indenizações a vítimas de atos criminosos por omissão, ou cuja responsabilidade o Estado reconheça, ou deva reconhecer. Mas se o Estado, por acaso, recusar-se a pagar essa multa, ninguém pode penalizá-lo por isso, por não pagar a indenização. São processos, eu diria, semelhantes a ações, talvez de caráter moral e juridicamente vinculante, é verdade, mas cuja sanção é ainda eminentemente político-moral.
Não sei se foi o Deputado Nilmário Miranda que se referiu, há pouco, à criação de um tribunal penal internacional. Aí sim, pela primeira vez haverá no sistema internacional um tribunal com definição de crimes e de penas. O Brasil apóia a criação desse tribunal, que está em fase final de concretização. Veremos o que levarão alguns, porque são poucos os crimes a serem identificados como crimes internacionais, digamos assim, justamente para que seja um início de experiência de um sistema internacional que penalize com penas concretas criminosos assim considerados internacionalmente.
Uma outra questão que tem sido levantada é a da participação do Brasil na Corte Interamericana de Justiça. É uma questão que vem sendo levantada há bastante tempo e cada vez com mais força, e merece ser debatida por toda a sociedade, e também no Legislativo e no Judiciário, porque, posso dizer, não é uma questão pacífica. Há muita gente julgando que o Brasil, por questões de soberania e de sua própria tradição jurídica, por questões do seu próprio sistema político federativo, não deve reconhecer a competência da Corte Internacional de Justiça. Há uma outra parcela ponderável de opinião que julga que sim, que a soberania não é exclusa para tanto, que o sistema federativo também não, uma vez que outros Estados federados também já aderiram à corte. A Argentina é um caso, com efeitos bastante positivos, e não houve nenhuma ruptura do sistema federativo por causa disso. Há também, pessoas que consideram que na própria história jurídica brasileira já há elementos que justifiquem esse reconhecimento.
Eu diria que a nossa posição no Itamaraty é a de aguardar um pouco para ver como esse debate se encaminha. O Itamaraty na verdade executa as linhas políticas determinadas pelo Presidente da República, e nesse caso creio que ainda há campo para um debate interno que justifique, que substancie, de uma forma bastante boa, nossa decisão final. Creio que no correr deste ano o assunto voltará à baila muitas vezes, será muito discutido, tanto aqui em Brasília quanto em vários Estados, e talvez haja uma evolução que eu chamaria de positiva, no meu ponto de vista pessoal.
O Deputado Nilmário Miranda referiu-se também a uma idéia que me parece muito boa e acho que tem de ser implementada: que se introduza nas tratativas, nas negociações sobre o MERCOSUL, o componente direitos humanos. Penso que a reunião de Presidentes do MERCOSUL para tratar de assuntos relativos a direitos humanos, que se realizará em dezembro, será uma ocasião especial, talvez a mais favorável, para que seja lançada a temática nas negociações concretas entre países do MERCOSUL. Não creio que esse encontro deixe de produzir algum tipo de efeito substantivo. Sei que vá acabar, tenho certeza disso, por produzir algum tipo de negociação substantiva sobre o tema no âmbito do MERCOSUL.
Sobre o Timor Leste, creio que muito já foi dito; nossa posição é, com a devida vênia do Deputado Nilmário Miranda, que fez a observação, muito equilibrada; não vou estender-me sobre ela aqui, mas é uma posição que leva em conta cada vez mais os movimentos de libertação e outros movimentos do Timor Leste, que têm como base, e sempre tiveram, o reconhecimento de que o povo do Timor Leste é que deve decidir pela sua autodeterminação. O próprio povo do Timor Leste é que deve decidir o que quer, se quer ficar junto da Indonésia, se quer tornar-se um país independente ou uma região autônoma. As formas como isso vai ser realizado estão sujeitas ainda à negociação, mas o básico, o ponto básico que o Brasil reconhece e que defende em todos os fóruns internacionais, é o respeito ao direito da autodeterminação do povo timorense. Isso é ponto pacífico na nossa política externa.
Um último comentário que eu gostaria de fazer - talvez V.Exa. possa comentar alguma coisa se desejar - é sobre uma observação de V.Exa. que achei muito interessante e que realmente é procedente. Muita gente acha que os defensores militantes dos direitos humanos são os defensores dos bandidos, do crime. É muito comum, é algo que ouço com muita freqüência, mas o que ninguém diz é que na verdade o crime é uma violação dos direitos humanos e é assim considerado pelos militantes da área. O bandido é um violador dos direitos humanos; ele, porém, tem direitos humanos também. Essa é a razão da perplexidade de alguns, que não vêem que todas as pessoas, mesmo os piores, mesmo os bandidos, os violadores dos direitos humanos têm, eles também, seus próprios direitos humanos. (Palmas)
A SRA. COORDENADORA (Deputada Dalila Figueiredo) - Em nome da Comissão de Direitos Humanos, eu gostaria de agradecer ao Ministro Marco Antônio Diniz Brandão sua inestimável contribuição aos trabalhos desta tarde.
Quero dizer que na última semana o Estado de São Paulo teve a honra de sediar o primeiro Congresso Ibero-Americano de Segurança Transnacional para os Países do MERCOSUL, e na oportunidade discutimos à exaustão a necessidade de um congresso transnacional e, portanto, de alterações que devam ser feitas na Constituição Brasileira, precisamente em seu art. 4º. Esse Congresso discutiu não só a necessidade de procedimentos comuns a serem adotados na questão da segurança, mas também, e muito, a questão de direitos humanos no MERCOSUL. Nós, na oportunidade, recomendamos, na Carta de São Paulo, uma série de procedimentos que serão encaminhados ao Ministro das Relações Exteriores para apreciação crítica e para que possamos, posteriormente, encaminhar medidas efetivas no sentido de respaldar, por exemplo, os 180 mil brasileiros que se encontram ilegalmente no Paraguai, discutir a questão das prisões provisórias e das que são feitas ilegalmente e a questão dos imigrantes, que têm comprometido sobremaneira o Mercado do Cone Sul.
Antes de passar a Presidência desta Mesa para o Deputado Nelson Pelegrini, por conta da votação das medidas provisórias agora à tarde, vou ler duas sugestões que já serão incorporadas a estes trabalhos que estão sendo realizados pela Comissão de Direitos Humanos neste encontro preparatório.
A primeira sugestão é de Plínio Possobom, do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo.
"Motivação: as forças retrógradas da antiga sociedade ultra-direitista de interesses selvagens, sustentadora da ditadura, tentam de todas as formas anular, dirimir a legislação relativa à criança e ao adolescente, certamente porque o Estatuto da Criança e do Adolescente é a mais bela flor da Constituição Federal de 1988, que preconiza uma nova sociedade, a sociedade participativa. E os governantes que ainda têm a cabeça da antiga sociedade consideram isso um grande agravo à sua autoridade e não querem abrir mão de seus direitos, isto é, do seu poder. Na realidade, poucos, mesmo entre os juízes, advogados, Prefeitos, Governadores e professores, leram o Estatuto, e manifestam-se contra ele com veemência e atitudes de doutores in casu, e chegam a dizer que o Estatuto é a maior fábrica de marginais.
Propostas: organizar esquemas para a sustentação do Estatuto da Criança e do Adolescente; distribuir exemplares do Estatuto, quer o texto oficial, quer o texto adaptado com a Turma da Mônica; promover a inclusão dos conteúdos do Estatuto em todas as cadeiras de humanas das faculdades, centros universitários, universidades, nas escolas de magistério e especialmente nas faculdades de Direito; promover seminários com participação obrigatória dos diretores, professores e educadores de todas as escolas do Brasil; promover uma boa organização pedagógica e uma boa metodologia participativa com cursos, festival de coretos, música, festival de encenações, teatros, para todos os alunos do ensino fundamental e ensino médio, no Brasil; propiciar a todos os educadores, monitores, assistentes e agentes, seminários de capacitação para melhorarem sua performance no métier; promover um congresso nacional do CONANDA, dos Conselhos Estaduais, dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Municipais e Conselhos Tutelares, com debates sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente; propor como lei nacional que "só poderão receber verbas, quer federais, estaduais, quer municipais, aqueles que tiverem em perfeito funcionamento o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho Tutelar e o Fundo da Criança e do Adolescente."
Essa foi a contribuição de Plínio Possobom, Presidente do CONDECA de São Paulo. Agradecemos e, após a apresentação da outra proposta, abriremos aos presentes a oportunidade de debater com o ilustre expositor desta tarde e os debatedores.

A segunda proposta eu poderia dizer que nasceu a partir de comissões de que a Comissão de Direitos Humanos teve a oportunidade de participar, para análise não só da questão da prostituição infantil, na fronteira do Brasil e do Paraguai, mas também da situação dos imigrantes naquela região e dos brasileiros presos, dando ênfase aos adolescentes presos, que são imputáveis no Paraguai. São situações extremamente preocupantes, como a que vimos na prisão de Pedro Juan Caballero, de meninos que receberam alvará de soltura de manhã e até hoje não conseguimos localizar. São situações difíceis. Há grupos de extermínio na fronteira. Reconhecemos a omissão do Governo brasileiro na questão do policiamento, e esse tema foi discutido no Congresso, na última semana. É preciso que o Governo priorize a abertura de concursos para agentes da Polícia Federal, já que o efetivo dessa polícia é muito pequeno para uma fronteira da dimensão da que tem o Brasil. Só no Mato Grosso são 450 quilômetros de fronteira seca! Isso é muito difícil; essas prioridades, porém, serão apresentadas ao Presidente da República.
Essa sugestão nasceu de todo esse trabalho que tem sido desenvolvido pela Comissão de Direitos Humanos, pelos Deputados que a compõem e particularmente estão envolvidos com a questão do MERCOSUL.
Requerimento:
Exmo. Sr. Presidente, na condição de membro titular desta Comissão de Direitos Humanos e, como tal, participando deste encontro preparatório do qüinquagenário da Declaração Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, venho apresentar a V.Exa. a proposta subseqüente a ser incluída entre as recomendações prioritárias a serem formuladas neste importante evento sobre direitos humanos.
Proposta:
Celebração, entre os países integrantes do MERCOSUL, de um acordo geral sobre procedimentos comuns a serem adotados em questões pertinentes aos direitos da pessoa humana.
E justificamos a proposta:
Coordenamos recentemente duas Comissões Externas que atuaram na região fronteiriça entre Foz do Iguaçu, no Brasil, e Ciudad del Leste, no Paraguai, uma delas verificando as condições em que se encontram os presos brasileiros naquele país, e a outra averiguando denúncia sobre prostituição infantil e escravidão de menores naquela região.
Não foi difícil constatar que a divergente legislação dos países componentes do MERCOSUL, o que resulta em ações governamentais desconexas e até opostas a esses países, tem sido um dos fatores que mais dificultam a aplicação e o desenvolvimento de medidas efetivas de repressão ao tráfico de drogas, à prostituição infanto-juvenil, ao contrabando e às demais formas de criminalidade encontradiças nas fronteiras entre o Brasil e os outros países do MERCOSUL.
Propomos, portanto, a V.Exa. que esse importante fórum de direitos humanos inclua em suas recomendações essa sugestão de se provocar um acordo entre os integrantes do MERCOSUL no sentido de que sejam uniformizados certos procedimentos tendentes a facilitar ações que objetivam a salvaguarda dos direitos da pessoa humana, em especial no que diz respeito às diferentes idades em que se tornam penalmente imputáveis os menores nesses países: a uniformização do tempo de prisão provisória, em cumprimento às recomendações da Organização das Nações Unidas; a transferência de condenados, em especial de menores, para cumprimento de pena, no país de origem, na conformidade de suas leis; a possibilidade de repatriação de mulheres menores que se encontrem em prostíbulos, inclusive em situação de confinamento, constatado por nós; a possibilidade de cooperação e de atuação conjunta entre as autoridades fronteiriças dos países componentes do MERCOSUL, no combate à criminalidade e na repressão à delinqüência infanto-juvenil.
Sem a pretensão de ter esgotado os temas que deveriam ser incluídos no tratado dessa natureza, mas realçando ainda uma vez sua importância e sua imprescindibilidade, encareço a V.Exa., aos membros dessa Comissão e aos participantes o deferimento dessa proposta.
Assina esta Deputada, Dalila Figueiredo. (Palmas.)
Então, nesta tarde, encaminharemos à Comissão de Direitos Humanos essas duas propostas que, se aprovadas pelos presentes, deverão integrar uma declaração que faremos quando do aniversário da Declaração dos Direitos Humanos.
Sou um pouco inexperiente na condução destes trabalhos, até porque sou uma Deputada novata. Entrei nesta Casa no mês de janeiro e tenho aprendido com os Deputados Nilmário Miranda e Padre Roque - não se encontra presente porque está adoentado -, e principalmente com todos aqueles que fazem parte da Comissão de Direitos Humanos, o que é realmente um trabalho parlamentar que tem por objetivo respaldar e defender os direitos das minorias.
Sinto-me muito honrada por fazer parte desta Comissão e por contar com o apoio dos companheiros da Comissão de Direitos Humanos. Lamento alguma falha minha por falta de experiência e desejo que os debates transcorram de uma maneira produtiva.
Agradeço acima de tudo ao Deputado Nelson Pelegrini por assumir a Presidência desta Mesa e ao Ministro Marco Antônio Diniz Brandão a presença.

Desculpo-me também pelas exposições que fiz sobre a questão diplomática no Paraguai, necessária e transparente, mas não poderia ser de outra forma.
Agradeço à Sra. Maria Caiafa, Coordenadora de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte, e a todos os presentes. (Palmas.)

DEBATES

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Dando prosseguimento aos trabalhos, a Mesa dá oportunidade ao Plenário para se inscrever, fazer comentários e indagações ao Sr. Ministro.
Estão abertas as inscrições.
Peço aos debatedores que se identifiquem no microfone, porque este seminário está sendo gravado, a fim de facilitar a montagem dos Anais.
O SR. APARÍCIO XAVIER - Meu nome é Aparício Xavier; sou da Prefeitura Municipal de Campo Grande, onde coordeno a área de Direitos Humanos.
A Deputada Dalila Figueiredo fez uma narrativa simples do que está acontecendo em Mato Grosso do Sul. Quem vai até lá constata que não é só isso o que está ocorrendo. Estão sendo executadas em média 300 pessoas por ano em Mato Grosso do Sul. Quer dizer, está morrendo mais gente naquele Estado do que em qualquer outra guerra que se possa imaginar.
Percebemos que os executores desses atos são pessoas sustentadas pelo Poder Público; na maioria, são policiais. Seres humanos estão morrendo a bem do serviço público. É triste termos que sair do nosso Estado e vir aqui dizer isso, mas hoje, na região fronteiriça, é extremamente perigoso caminhar. Vivo na fronteira, conheço bem aquela região e tenho visto coisas assustadoras. Há muitos anos, na primeira reunião desta Comissão, quando o Deputado Nilmário Miranda era Presidente desta Comissão, fiz uma denúncia do Cel. Adib, na época, e fui orientado a retirar meu nome da relação de denunciante; talvez, se não o tivesse feito, hoje não estaria aqui falando novamente, porque lá quem fala cala.
Há poucos dias, um companheiro nosso levou treze tiros ao sair de uma padaria porque teve a ousadia de falar. Alguns questionam o porquê disso, mas infelizmente é necessário que esta Comissão tome uma posição para ajudar o Mato Grosso do Sul a sair dessa condição triste de ser quase um cemitério. Essa é uma das minhas preocupações.

No dia 10, em Campo Grande, estaremos realizando o lançamento da Campanha de Desarmamento e Conscientização dos Direitos Humanos. Fizemos a distribuição de 8 mil exemplares, dirigida para o Programa Nacional de Direitos Humanos. Também participamos da execução desse programa na época da consulta popular e sugerimos mudanças no Código Penal que devem estar acontecendo em breve.
Quando se fala em desarmamento, fico preocupado, porque parece hipocrisia pretendermos desarmar o povo, a sociedade. Por um lado pregamos o desarmamento bélico e o desarmamento dos espíritos, mas, por outro lado, continuamos cedendo alvarás para que empresários abram as suas lojas. Quanto estou na Rua 14 de julho pregando o desarmamento, vejo nas vitrines das lojas escopetas, carabinas, pistolas e coldres. Ora, fica difícil pregarmos o desarmamento se ao mesmo tempo permitimos a venda de armas nas lojas da cidade. Parece brincadeira! Isso é sério ou não é? Queremos desarmar ou não a população? Então, no dia 10, em Campo Grande, estaremos propondo a suspensão dos alvarás de empresas comercializadoras da morte. Se não posso matar um beija-flor porque estarei sujeito à prisão inafiançável, se não posso caçar, não posso matar um pássaro, qual é o objetivo de ir a uma loja e comprar uma arma? Percebe-se que é para matar seres humanos.
Neste País, matar pessoas é muito fácil, e quando se mata negros é mais fácil ainda. Percebemos que a polícia de São Paulo mata a todo o instante. Neste exato momento acaba de morrer um negro neste País a bem do serviço público.
Temos conversado com integrantes da Polícia Militar que executam pessoas, e eles dizem: "matar negro é fácil porque não aparece ninguém nem para chorar por eles. Matar branco - eles alegam - é perigoso porque esse branco pode ser parente ou amigo de alguma autoridade, e o negro não". O negro é filho da cozinheira, da lavadeira, do guarda-noturno, do motorista. Então ele, o policial, não vai sofrer qualquer ação. Quer dizer, é simples fazer a execução. Não é sequer confronto, é execução ao vivo. Temos visto isso no Brasil inteiro.
É preciso tomarmos uma atitude com relação às lojas de armas e com relação à mudança no currículo, ou seja, invadir as academias de polícia para que se mude o conceito de formação do policial. O policial está sendo formado para enfrentar uma guerra, o inimigo. E o inimigo, quando ele sai às ruas, sou eu. Ele vai me encontrar e vai me executar, porque quando ele atira, no treinamento, o alvo é uma silhueta de um ser humano, não é um alvo redondo. Ele atira na cabeça, no coração, no baço, na perna, no braço. Até na televisão, nas propagandas de bolas de vôlei, aparece o ser humano sendo bombardeado por elas.
Então, temos que pensar se queremos ficar discutindo direitos humanos. É muito fácil tomar um avião e vir até aqui, sentar num auditório todo acarpetado, falar muito e, na hora de ir para a base, dar o alvará para que o indivíduo entre na loja e compre a arma. Vamos estar pagando o policial para nos executar. Temos de partir para uma ação mais radical, de mudança efetiva, porque o discurso é muito efêmero. E às vezes, se falamos muito, corremos o risco de amanhã não podermos falar mais. No meu Estado, quem fala muito aparece com um cadeado na boca. Então, isso é muito complicado.
A outra questão que vou levantar, Sr. Ministro - V.Exa. que faz parte das Relações Exteriores - é com relação aos países africanos. Somos o segundo país de negros do Planeta Terra. E percebo que o Brasil hoje faz com a África o mesmo que fizeram naquela reunião na Alemanha: dividiram o continente africano, tiraram tudo o que tinha, inclusive a nossa alma, o nosso espírito. O Papa Nicolau V dizia que apanhar ébanos na África, batizá-los e dar-lhes nomes e trazer ao Brasil era salvar almas. O que o Brasil faz hoje para garantir mudanças efetivas nas políticas, com relação aos países do continente africano? Por exemplo, sabemos que na Mauritânia hoje ainda existe escravidão, e os olhos do Brasil estão voltados muito para os países anglo-saxônicos. Parece que só a pele e os olhos claros interessam ao Brasil. Percebemos que a política do Brasil para os países africanos é muito complicada. Fizemos um fórum no Mato Grosso do Sul, em 1993, e reunimos 13 países africanos. Percebemos, na fala dos embaixadores, que há muita dificuldade para se estabelecer uma reciprocidade. Parece que a África tem que comprar muito do Brasil, mas o Brasil não quer comprar da África. Estudante brasileiro não vai para nenhum país africano para estudar, nem para tomar conhecimento da sua ancestralidade. Todos nós somos educados para estudar nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na Europa. Mas eu consegui, por exemplo, levar para o Mato Grosso do Sul 16 estudantes africanos, que estão lá. O que está fazendo, portanto, o Ministério das Relações Exteriores para mudar essa relação desigual entre o Brasil e os países africanos?
Axé.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Gostaríamos de saber se há alguém que ainda queira fazer alguma indagação.
O SR. MANOEL ROCHA - Sr. Ministro, Sr. Presidente, companheiros aqui presentes, meu nome é Manoel Rocha e pertenço ao movimento popular de Goiás, ao Conselho das Associações dos Moradores em Goiás.

Eu tenho algumas questões para apresentar à Mesa. Vemos nas bases - eu, que mexo com a comunidade - o avanço da violência, da prostituição. Nestes últimos dois anos, em meu Estado, a prostituição infantil e as drogas parecem fluir da terra, vêm aumentando de minuto em minuto. Eu gostaria de fazer uma pergunta: há esperança de combater essas organizações criminosas, já que muitas instituições, como as da polícia militar e da polícia civil, a mais contaminada delas, em meu Estado, estão envolvidas nessas organizações criminosas?
Era o que eu tinha a dizer. Agradeço a atenção.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Convido a Dra. Herilda Balduíno, representante da Comissão Federal de Direitos Humanos. A OAB também é co-promotora deste evento. Queremos convidar a ilustre representante para fazer parte da mesa.
A SRA. MARIA CAIAFA - Desde a manhã de hoje, ouvimos algumas indagações, envolvendo toda essa área de direitos humanos. Algumas coisas não são novidades para nós. Tive a honra de participar desse fórum nacional aqui em Brasília várias vezes.
Acho muito bom vir aqui em Brasília. De um modo geral, voltamos com a alma nova para nossos Estados, ao perceber que existe um movimento mundial de consolidação dessa área de direitos humanos. No Brasil vivemos um capítulo muito especial, na passagem do regime militar para o Governo civil, quando então tomaram um vulto muito grande os movimentos, as entidades de direitos humanos. Hoje nós vemos que esse movimento de resistência cresce de uma maneira muito visível.
Os movimentos crescem muito em relação à sociedade civil. As políticas governamentais, porém, têm deixado muito a desejar. Reconhecemos a importância dos instrumentos criados pelos Governo, mas hoje temos clareza absoluta de que eles não são suficientes. E muitas vezes eles nos parecem instrumentos de satisfação à opinião pública. Foi assim com o anúncio do Plano Nacional de Direitos Humanos. Tivemos este País sacudido pelas chacinas, que começaram com a chacina da Candelária, Carandiru, Corumbiara. E, se formos desatar aqui, citaremos outras quinze, automaticamente. Chegou um determinado momento em que os próprios aliados do Governo neoliberal que se instalou neste País, apavorados com a barbárie que se tornava muito visível aqui, devem ter pensado que algo tinha de ser feito, e no dia 7 de setembro de 1995 o Presidente foi à televisão para anunciar o Plano, que no dia 13 de maio de 1996 foi lançado. Um ano após, em uma conferência nacional, nós, embora reconhecendo a importância de se ter criado o Programa Nacional de Direitos Humanos, vimos que muito pouco tinha sido implementado.
Também foi assim com a criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Os expositores que me antecederam já entraram em detalhes. E vou poupar a platéia, por causa da questão do tempo.
Assim, o que podemos verificar é que continua com a mesma intensidade a violência estrutural que faz parte do Estado brasileiro. Tenho a grande honra de ter feito um trabalho de mestrado na área de Direito, em 1978, cujo título é: "Da responsabilidade objetiva do Estado por ato de policial". Fiz esse trabalho em homenagem a Vladimir Herzog, estudando todo o caso dele. E esse trabalho foi premiado pela OAB. Tenho uma honra muito grande, porque hoje, na coordenadoria de Belo Horizonte, estamos tendo condição de colocar esse trabalho em prática. E ele avaliava exatamente isso: uma violência estrutural do Estado, que é anterior e maior do que aquela violência que explode na rua. É uma violência advinda da omissão do Estado brasileiro, que é uma omissão secular. Desde que o Brasil foi descoberto pelos portugueses, não temos políticas públicas em qualquer área de desenvolvimento, de salário, de emprego, de educação, de saúde, de transporte ou de moradia. É essa a violência advinda da omissão. E há a violência advinda da ação da violência propriamente dita, que é, por exemplo, quando o cidadão, vestindo uma farda e portando uma arma, está representando o Estado.
Vemos, portanto, que essa violência estrutural do Estado brasileiro não tem sido enfrentada pela maioria dos nossos Governos. Quero perguntar ao Ministro se S.Exa. acredita que, no ano que vem, no ano do cinqüentenário da Declaração dos Direitos Humanos, no âmbito internacional, com a série de medidas de vulto que S.Exa. já anunciou para nós, essa série de medidas propostas pelo Governo Federal vão conseguir dar um passo além do que representa o Programa Nacional de Direitos Humanos, a criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos; se acredita que elas vão ter condição de sair do papel e representar realmente um avanço em nossas conquistas, no que diz respeito à impunidade, a tirar a segurança pública do controle das corporações policiais, das quais afirmo que os nossos Governos perderam o controle; se vão tirar a questão da segurança pública da mão das corporações policiais e colocá-la exatamente onde deve estar: de um lado, assumida com responsabilidade pelo poder público, e de outro tendo a participação da sociedade, para resolver esses gravíssimos problemas que enfrentamos.
Então, exponho aqui esses dois exemplos da segurança pública, ressaltando principalmente o aspecto da impunidade, para ver se V.Exa. nos dá alguma esperança no ano do cinqüentenário, para avançarmos um pouco.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Vamos ouvir o Sr. Fiorelli. Depois vamos encerrar, devido ao adiantado da hora.
O SR. CARLOS FIORELLI - Meu nome é Carlos Fiorelli, sou Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Campinas. Como dizem os advogados, data venia, vou questionar o Ministro - com todo o respeito. Gostei demais da explanação de S.Exa., muito embora tenha dito a nossa colega que ela foi bastante diplomática, como, aliás, não poderia deixar de ser.
A diplomacia brasileira sempre pautou sua prática, principalmente, mesmo dentro do período ditatorial, por uma relação profunda com os países emergentes. A África, por exemplo, recebeu do Brasil toda a atenção de que necessitava naquele momento. Volto a pedir desculpas, mas vou dizer o seguinte: hoje, temos uma diplomacia voltada para firulas internacionais. Paulo de Tasso Flecha de Lima e esposa são fantásticos onde estão, mas não são tidos como membros de uma inteligência brasileira, e sim como aqueles que produzem festas fantásticas para as autoridades internacionais.
Quanto às relações do Brasil com os países do MERCOSUL, principalmente Paraguai e Argentina, o que ocorre? Com a Argentina, há uma queda de braço para ver quem ocupa um lugar no Conselho de Segurança da ONU. Quanto ao Paraguai, com medo de perder o apoio, nega-se a ver tudo o que vemos: um país que massacra brasileiros e paraguaios o tempo todo, uma diplomacia que acompanha os Estados Unidos continuamente, inclusive naquilo em que os Estados Unidos se fecham. Os direitos sociais e econômicos para eles não são interessantes, porque obrigam o Governo americano a assumir obrigações com os excluídos de seu país. Então, o Brasil segue a linha americana nos contratos internacionais.
Na linha do pronunciamento de V.Exa., será que o Brasil hoje está de fato voltando-se, nas suas relações exteriores, para algo que traga realmente benefícios internacionais na área de direitos humanos, ou está com a sua diplomacia voltada apenas para uma tentativa de manter uma boa relação de amizade com os Estados Unidos para obter um assento no Conselho de Segurança? E devo dizer que ele nunca vai conseguir esse assento sozinho, porque a Argentina vai sair na frente. Agradeço a atenção.

A SRA. ANA CRISTINA MELO - Meu nome é Ana Cristina Melo; sou da comunidade Bahá'í do Brasil. Meu pronunciamento aqui é só para marcar o prazer de compartilhar a alegria advinda da resolução das Nações Unidas com relação à violação dos direitos humanos dos Bahá'í no Irã. Portanto, essa é uma vitória que a comunidade Bahá'í compartilha também com as autoridades brasileiras, que vêm atendendo de pronto as solicitações, e com esta Casa de Leis, a OAB e diversas instituições que vêm, em conjunto com a comunidade Bahá'í, denunciando a violação dos direitos humanos dos Bahá'ís.
Compartilho com vocês esta alegria. Aqueles que ainda não receberam essa resolução e outros documentos, que também apresentem algumas sugestões para essas questões apresentadas. Fica registrado o profundo agradecimento da comunidade Bahá'í do Brasil e a nossa alegria de estar testemunhando este momento. Agradeço a atenção.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Quero registrar a presença do companheiro Marcelo Barros, pernambucano e monge beneditino, que deverá estar lançando, logo após os nossos trabalhos, o livro "A Secreta Magia do Caminho", inclusive com um prefácio do Frei Leonardo Boff. É um romance muito interessante. Eu li os comentários do Frei Leonardo Boff. Estão todos convidados para, após os trabalhos, participar do lançamento do livro, adquiri-lo e receber a devida dedicatória.
O SR. PLÍNIO POSSOBOM - Meu nome é Plínio Possobom, sou salesiano e Presidente do CONDECA em São Paulo.
Dado o grande número de vítimas da violência, quando falamos em direitos humanos, causamos risos e indignação por parte de muitas pessoas que foram vítimas de desalmados e marginais. Como não podemos concordar com tais dizeres, e como sentimos que, na realidade, muito pouco se tem feito pelas famílias das vítimas, pergunto o que se pode fazer para que tenhamos respostas para essas famílias e para que possamos ir em frente falando de direitos para todos, sem sermos levados na gozação.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Com a palavra o Sr. Marco Antônio Diniz Brandão.
O SR. MARCO ANTÔNIO DINIZ BRANDÃO - Estou, senão surpreso, um pouco incomodado, porque vim falar de relações internacionais, e apenas uma intervenção fez referência à minha especialidade, que é a área de relações internacionais. Mas, como também faço parte do Conselho de Defesa da Pessoa Humana e do Grupo Interministerial de Valorização da População Negra, e, enfim, do esforço geral feito pelo Governo para tratar de direitos humanos, acho que posso fazer alguns comentários bastante específicos.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Com enorme competência.
O SR. MARCO ANTÔNIO DINIZ BRANDÃO - Não diria competência, mas sim ousadia.
Primeiramente, gostaria de responder a pergunta de nosso companheiro de Campinas, que é a que se refere mais especificamente a relações internacionais.
Em primeiro lugar, peço desculpas por discordar profundamente das considerações sobre o Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, homem que reconhecidamente tem grandes méritos em matéria de política externa, que durante muitos anos conduziu substantivamente nossa política externa ou pelo menos desempenhou - e continua desempenhando - elevadas funções com grande competência, imensa probidade e com elevado sentido de brasilidade e de espírito público. Portanto, permito-me discordar profundamente da referência feita ao Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima e à sua esposa, D. Lúcia.
Em seguida gostaria de dizer que sua pergunta é tão ampla que talvez apenas o Ministro das Relações Exteriores tenha capacidade de respondê-la. Talvez - quem sabe? - só o próprio Presidente da República tenha a capacidade de abranger todas as suas implicações.
A melhor resposta que lhe poderia dar está na intervenção da representante da comunidade Bahá'í no Brasil, que trouxe um dado concreto do que o Brasil faz em relação a direitos humanos no mundo. Essa resolução que foi aprovada pela ONU obteve o apoio do Brasil. O Brasil, através do Itamaraty, tem apoiado concretamente a comunidade Bahá'í nas suas aspirações. Eu mesmo já fiz gestões junto ao Governo, interessado na comunidade Bahá'í . Creio que o que foi citado aqui é um exemplo do que fazemos em relação a direitos humanos na cena internacional.
Se houver um estudo sério e aprofundado das posições brasileiras em todos os fóruns de direitos humanos, das iniciativas que o Brasil tem tomado em relação a direitos humanos, eu diria que o cômputo é altamente positivo - não é pouco positivo, é muito positivo. O Brasil foi um instrumento essencial na Conferência de Viena. Fomos, na verdade, o País que presidiu o Comitê de Redação. Nossa delegação, como disse o Deputado Nilmário Miranda, foi absolutamente essencial para que chegassem a uma conclusão.

Desde antes, mas a partir de então com mais profundidade, a diplomacia brasileira, sem qualquer tipo de apego ou idéias submissas a interesses outros, tem-se conduzido com muito brilho na defesa dos direitos humanos, tendo como único objetivo os interesses brasileiros e os interesses dos direitos humanos no mundo em geral. Quer dizer, na verdade temos dois parâmetros dos quais não nos afastamos jamais: em primeiro lugar os interesses do povo e do Governo brasileiro, do País, e em segundo lugar a promoção da universalidade dos direitos humanos no mundo em geral.
Identifiquei em todas as perguntas uma preocupação muito grande com violência. A violência, na verdade, é uma preocupação de toda a sociedade brasileira. Nosso companheiro de Campo Grande trouxe um caso específico, minha concidadã de Belo Horizonte também trouxe suas preocupações, assim como nosso companheiro do Movimento Popular de Goiás e o padre salesiano, que se pronunciou ao final - e salesiano também sou, por formação escolar.
Eu diria que a preocupação com a violência é comum a toda a sociedade brasileira e não somente de organizações não-governamentais ou de Prefeituras como as de Belo Horizonte e Campo Grande. É uma preocupação da sociedade brasileira, e é uma preocupação séria, seriíssima do Governo brasileiro.
Não sei se notaram que a questão da polícia, quando surgiu em sua forma mais virulenta no correr desse ano, já encontrou pronta uma comissão de reforma da polícia instaurada na Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça. E aqui chamo a atenção para a diferença de enfoque: começou-se a tratar de polícia neste País não no Ministério do Exército ou em qualquer outro órgão militar, mas na Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Houve uma mudança de enfoque absolutamente radical, ou seja, polícia não é mais órgão de controle de população ou de distúrbios; polícia é um serviço que o Estado tem a obrigação de prestar à população brasileira, serviço esse que está sendo considerado insatisfatório e insuficiente por toda a população, e o Governo tem plena consciência disso.
É evidente que medidas têm de ser tomadas paulatinamente. Não é possível, em uma sociedade democrática como a nossa, baixar atos institucionais para organizar esse ou aquele setor da sociedade. Isso tudo tem que ser discutido. O próprio Congresso tem discutido a esse respeito. Há um projeto de reforma da polícia sendo discutido no Congresso. Acho que é um assunto que interessa a todos, e o Governo tem tomado medidas que podem levar a uma reforma profunda da polícia e do Estado.
Minha vizinha de Belo Horizonte falou da tradição de violência do Estado brasileiro. Não sou especialista em violência, mas creio que é uma constatação importante. Acho que o próprio Governo está interessado em reformar o Estado. É uma discussão que está na ordem do dia, todos estão discutindo o pacote, as reformas, e são reformas que vão levar - eu espero - à quebra desse círculo de violência e dessa tradição que temos de violação dos direitos humanos. É uma tarefa do Governo - não há qualquer dúvida sobre isso -, mas é também tarefa de toda a sociedade, do Poder Legislativo, do Poder Judiciário.
As críticas que são feitas diariamente na imprensa e em todos os foros nacionais ou internacionais sobre violência no Brasil são extremamente produtivas e construtivas, e quanto mais elas forem feitas, melhor. Elas têm que ser levadas em conta pelo Governo e pelos órgãos do Estado, Legislativo e Judiciário.
Eis o que posso dizer a esse respeito. Não creio que haja, no momento, quem possa dizer que o Governo não se esteja interessando pela questão. Está. São inúmeras as manifestações de que o Governo se interessa e quer mudar essa situação. Para isso, é preciso haver uma consciência nacional sobre o assunto.
Lembro-me perfeitamente de que, quando ocorreu o episódio do Carandiru, houve até elogios na imprensa à atuação da força policial, porque eram bandidos que estavam sendo contidos, que estavam sendo impedidos de sair da cadeia para ameaçar a sociedade. Já por ocasião do caso de Diadema, a perspectiva da sociedade brasileira foi outra. Foi um caso, se se pode assim dizer, relativamente menos grave, com menor número de vítimas, mas a reação da sociedade e do Governo brasileiro foi outra, e isso num espaço de cinco anos.
Deve-se reconhecer que houve uma mudança na percepção da sociedade e também do Governo brasileiro em relação a esses problemas. É uma mudança importante, que deve ser vista em perspectiva. Não se pode simplesmente dizer que não houve avanços; houve. Insuficientes? Certamente. Os avanços no campo dos direitos humanos serão sempre insuficientes. Eles têm que ser levados a cabo, levados adiante, e serão sempre imperfeitos, sempre insuficientes. Nunca chegaremos a um ponto em que possamos dizer com tranqüilidade que todos os direitos do ser humano estão atendidos. Mas esperemos que sejam, pelo menos, atendidos da melhor forma possível pelo Governo, pela sociedade e por cada um de nós, pessoalmente engajados nesse processo.
Para concluir, refiro-me a uma questão levantada tanto pelo companheiro de Campo Grande como pelo companheiro de Campinas. Trata-se da política brasileira em relação à África.
O que me pareceu bastante interessante foi a consideração do companheiro de Campo Grande quanto à concessão de bolsas para estudantes brasileiros na África. Confesso que não sei bem em que pé estão os programas de concessão de bolsas ao exterior, mas essa me parece uma idéia extremamente valiosa e produtiva: que nós também enviemos estudantes brasileiros à África, e não só recebamos estudantes africanos no Brasil.
Há todo um programa de estudantes africanos no Brasil. São muitos, e eu não saberia dizer quantos, ou qual a sua amplitude. Não sou a pessoa mais indicada para falar de relações com países africanos. Pelo menos no que tange aos países mais próximos ao Brasil, senão pela etnia ou pelo fornecimento de contingente populacional na época da diáspora africana, mas pelo contato que temos hoje com os países de expressão oficial em língua portuguesa, temos tido uma política muito coerente, na medida, evidentemente, das possibilidades brasileiras, de muita solidariedade e de muito intercâmbio. E esperamos que ela se intensifique.
Não tenho dúvidas de que há uma consciência no Itamaraty, reflexo da consciência que há na sociedade brasileira, de que o componente africano foi essencial em nossa formação histórica e de que é essencial em nossa sociedade, e portanto sua fonte, a África, deve ser valorizada como fonte cultural, como causa da própria existência de nossa sociedade como tal.
São estas as minhas observações. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Agradeço ao Ministro Marco Antônio Diniz Brandão todas as informações que trouxe em sua participação neste seminário.
Convido para compor a Mesa o Padre Marcelo Barros, que, conforme o previsto para a programação de encerramento, fará, na parte da tarde, uma breve exposição sobre seu trabalho.
Faço agora alguns avisos: amanhã o seminário reinicia-se às 9h30, e, como já foi informado pelo Deputado Pedro Wilson, os trabalhos serão na sala de audiência pública da Comissão, localizada no Corredor das Comissões, Plenário nº 9. O tema será "Situação e perspectiva para os direitos humanos na América Latina", e serão expositores Ricardo Câmara Sanchez, Secretário-Executivo da Comissão Nacional de Direitos Humanos do México; Alejandro Salinas, advogado da Assessoria de Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores do Chile, e o Ministro Hernán Duoruti, Subsecretário de Direitos Humanos da chancelaria argentina.
Às 10h30 os trabalhos prosseguem com o tema "Atuação do Governo brasileiro na era dos direitos humanos e as perspectivas nos Estados e Municípios". Sr. Ministro, talvez seja a oportunidade de sabatinar o Governo. Devemos ter como expositores deste tema o Dr. Evair Augusto Alves dos Santos, Diretor do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, e o Dr. Belisário dos Santos Júnior, Secretário de Justiça e Cidadania, e como debatedores o Dr. Wagner Gonçalves, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão; a Dra. Herilda Balduíno, que já faz parte desta Mesa, representante da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, e o Dr. Joel Dantas, advogado e representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
Portanto, os trabalhos reiniciam-se amanhã às 9h30, no Plenário nº 09.
Passo a palavra ao Padre Marcelo Barros e logo após encerraremos os nossos trabalhos.
O SR. MARCELO BARROS - Boa tarde a todos os presentes. Para mim é uma alegria, uma honra poder apresentar o livro "A Secreta Magia do Caminho" na continuidade deste importante fórum sobre direitos humanos, preparando o cinqüentenário da declaração da ONU.
Sou cristão, e na Bíblia há um princípio, uma lei que se chama jubileu, que decreta que a cada 50 anos se faça uma revisão, um aprofundamento da vida naqueles 50 anos que transcorreram, o tempo para lembrar e o tempo para avançar mais. Vejo este fórum e este momento de revisão da prática dos direitos humanos no mundo e especificamente no Brasil como um jubileu - vamos chamar assim, como está na Bíblia -, exatamente para avançarmos mais.
Acredito que todas as pessoas são movidas por aquilo que podemos chamar de espiritualidade, quer dizer, uma vida conforme o espírito de Deus, em qualquer religião, em qualquer cultura, ou mesmo fora de uma religião organizada; é exatamente esse grande sentimento de justiça, essa sensibilidade para com a pessoa humana, a natureza, o universo, que o Dalai Lama chama de "com paixão" - não compaixão no sentido de pena, de piedade, mas "com paixão", ou, em uma outra palavra, uma palavra mais moderna, digamos assim, solidariedade. A solidariedade é o nome novo daquilo que os cristãos antigamente chamavam de caridade.
Nesse sentido, este momento é desafiador, mas também é de união, um momento ecumênico, isto é, o momento de unidade entre cristãos, Bahá'í , irmãos e irmãs de todas as culturas e religiões. Quando eu ouvi o companheiro de Campo Grande falar sobre o partido negro, começando pela palavra "axé", minha vontade foi gritar também axé - axé no sentido de vida, de energia, de comunhão, de aliança, de amor entre todo o mundo. Acredito que isso é o que resgata as tradições. Não é um caminho totalmente novo; é algo que sempre houve, sempre aconteceu, mas que muitas vezes foi desrespeitado, esquecido e mesmo substituído.
Estamos no fim de um milênio da história do cristianismo, e é também o tempo de jubileu - como disse, o jubileu da Declaração dos Direitos Humanos, mas também é um jubileu quando se pensa nos dois mil anos do nascimento de Cristo. Neste momento as igrejas cristãs fazem um balanço do que significou este último milênio. Acredito que para as igrejas cristãs é importante perceber, primeiro, que houve uma omissão terrível com relação aos direitos humanos e uma responsabilidade grave, que o companheiro aqui de certa maneira já apontou, ao citar o Papa Nicolau V; as igrejas cristãs, no mundo inteiro, de certa maneira legitimaram o sistema colonialista, opressor, e foram responsáveis - de algum modo ainda o são - por graves desrespeitos com relação aos direitos da humanidade.
Se há 50 anos se falava em direitos humanos, hoje ligamos isso aos direitos dos povos e direitos das comunidades, direitos sociais básicos, fundamentais, e direitos de autodeterminação, de diferenciação, em que a unidade abole a divisão mas respeita as diferenças. É nas diferenças de cada cultura, de cada comunidade que essa unidade vai poder fazer-se, até como resposta, como resistência a esse movimento de globalização, que é mortal. Se ele fica simplesmente dentro do caminho do neoliberalismo, mata.
Um patriarca de Moscou, Alexis II, na segunda assembléia européia de igrejas que houve em junho em Graz, na Áustria, contou que viu no metrô de Londres o seguinte grafite na parede: "O mundo vive uma situação mais do que delicada; manejem-na com o coração". Isso é verdade; quer dizer, até aqui as religiões agiram muito com a cabeça, foram muito racionalistas. É hora de nos empenharmos no caminho do coração.
A humanidade tem 5 bilhões de pessoas, das quais 50% vivem na cidade no final do Século XX, e 1 bilhão e 300 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza extrema, abaixo das mínimas condições humanas desejáveis. É um desafio para todo o mundo buscar uma economia que tenha coração, que seja a serviço do povo e não contra o povo.

O meu livro, "A Secreta Magia do Caminho", resgata a história de pessoas que buscam a Deus, buscam a vida e buscam a unidade. A partir da cidade grande, conta a história de um menino do Nordeste brasileiro que foi para São Paulo ganhar a vida e, ao chegar à rodoviária do Tietê, perdeu-se e perdeu tudo: identidade, dinheiro. Ficou totalmente perdido na cidade grande. O livro conta a sua tentativa de sobrevivência; por exemplo, uma das primeiras orientações que ele obteve dos companheiros a quem contou o fato foi que tivesse cuidado com a polícia, que o mataria se o pegasse. Se a polícia encontra um nordestino sem documento mata-o. Se é verdade ou não, foi o que ele ouviu. E a partir dali ele começou uma busca de si mesmo, da sua própria identidade, que é símbolo praticamente de toda pessoa humana. O mundo muda tão violentamente, tão de repente que as pessoas se sentem perdidas, tendo que buscar a sua própria identidade.
O nome do livro é "A Secreta Magia do Caminho", do caminho dessa busca. Por que secreta magia? Porque há um encanto, há uma magia, que é o coração, e que a pessoa descobre não apenas numa busca de si mesmo, de um modo isolado, mas num caminho que é o da solidariedade e o da prática da justiça e dos direitos humanos.
Acredito em um Deus de justiça. Como diz a Bíblia, o nome do Senhor é justiça. Então, é à medida que se vive a justiça, quer dizer, se eu preciso, se eu gosto de ser de uma igreja, de cultivar uma fé - o nome já indica: um culto, uma liturgia, uma prática religiosa -, é como método, é como ferramenta, é simplesmente para ajudar a viver melhor esse caminho da justiça, da prática dos direitos humanos, do testemunho de que o mundo tem conserto, a humanidade tem coração. Esse coração busca o melhor e o novo, a esperança de um milênio.
Tivemos, neste ano, esse sofrimento da morte de Betinho, que é para todos nós o profeta da justiça e dos direitos humanos. Estamos vivendo a primeira campanha do Natal Sem Fome depois de Betinho, uma campanha que foi assumida por muita gente, assumida exatamente nessa perspectiva ecumênica, nessa perspectiva de dizer: impressionante! Com todos os sofrimentos que existem, a humanidade vai em frente! Se existem muitos problemas, se existe muita crueldade, quando abrimos os olhos nos impressiona vermos de quanto o ser humano é capaz. A maioria - confiamos nisso e sabemos que é verdade - busca a justiça.
Há uma citação da qual gostei muito e gostaria de ler aqui, de um santo da Igreja Ortodoxa Siríaca do Século VII, Santo Isaac:
Deus revelou-nos que o amor que ele planta no coração humano pode dar-nos a graça da reconciliação. A nós cristãos a única autoridade que podemos reclamar é a de sermos ministros de uma reconciliação que venha da justiça. A reconciliação vem do próprio dom de Deus, que nos deu seu filho, Jesus Cristo, para se comunicar conosco. Temos que nos colocar na escola da compaixão para aprendermos, mais do que qualquer outra coisa, o perdão e a misericórdia.
O que é um coração compassivo? É o coração que se enche de amor por toda a criação: pela humanidade, pelos passarinhos, pelos animais e plantas, por todas as criaturas, até, se possível fosse, pelo demônio. A compaixão torna o coração tão sensível que a pessoa que a recebe não pode tolerar qualquer sofrimento provocado a nenhuma criatura humana, a nenhum ser vivo. Quem vive esse caminho sabe o que é comunhão com Deus.
É bonito, não é? Acho que ela nos liga a essa questão de direitos humanos que hoje não é somente uma luta no plano político e social, que é muito importante. Uma Comissão como esta é para nós uma motivação de esperança. Acho que as religiões, as igrejas têm de se mobilizar para seguir esse caminho.
Sabem os senhores que o economista americano Francis Fukuyama, autor de "O Fim da História", tinha um professor de Economia em Chicago - que ainda vive e ainda escreve - chamado Samuel Huttington, o qual afirma que os principais conflitos do futuro serão provocados não mais por diferenças ideológicas e políticas, porque, segundo ele, o comunismo foi vencido; nós estamos agora no império da globalização, e o mundo chegou ao fim desses conflitos sociais, políticos e ideológicos. E perguntamo-nos se isso é verdade. Mas segundo ele esse tipo de guerra, de conflito, não existe mais, e os conflitos do futuro serão provocados por diferenças religiosas e culturais entre os povos.
Essa entrevista dele saiu na Folha de S. Paulo no dia 27 de julho de 1997, no Caderno Um, página 26. Eu fiquei impressionado. Se ele tem ou não razão eu não posso garantir, porque ele está fazendo um exercício de futurologia, está falando dos conflitos do futuro, mas eu sei que os conflitos do presente já trazem algumas indicações nesse sentido. Eu li na revista Qualité Religieuse Mondiale que no mundo de hoje existem 64 grandes guerras internacionais - não se está falando de guerra civil, mas de guerras internacionais, guerras que existem entre povos. Não sei dizer onde ocorrem sequer dez, mas sei que existem 64; é o que li na revista. E vi o mapa. Muitas na África e na Ásia. Dessas 64, 38 são motivadas por problemas religiosos; a religião, que deveria ser fermento de paz, é motivo de violência, de guerra entre as pessoas!

É fundamental que esse quadro seja revertido. Hoje assistimos, no limiar do terceiro milênio, do Século XXI, esse grande desenvolvimento da humanidade, quando celebramos os 50 anos da Declaração dos Direitos Humanos da ONU, um aumento terrível do fundamentalismo religioso, do fanatismo, da intransigência e da intolerância confundidas com a fé. Diariamente, quando abrimos um jornal, vemos, por exemplo, que morreram 20 pessoas na Argélia, degoladas por um grupo, a Frente Muçulmana, que é política mas é religiosa, que age em nome de Alá. Celebram-se os dois anos do assassinato do Ministro Moshe Dayan assassinado por um jovem de um grupo religioso judeu, que agiu em nome de Jafé para matar o Ministro!
Ao dizer isso posso parecer antiecumênico, porque de fato no Brasil, quando se fala em fundamentalismo, alguém pode dizer que isso lembra islamismo, o que seria uma grave injustiça, porque o fundamentalismo nasceu no seio do cristianismo, da minha Igreja Católica Romana e das igrejas evangélicas norte-americanas. Na História, o cristianismo é especializado em fundamentalismo. É uma religião que se especializou nisso. Basta ver a história das inquisições, das fogueiras, das cruzadas, e daí por diante. Nenhuma religião realmente está liberta desse câncer; nenhuma religião está livre disso. Entretanto, é fundamental que nos encontremos, como os líderes religiosos estão-se encontrando a cada ano, algumas vezes em Assis e outras vezes em outros lugares, em um Parlamento das Religiões pela Paz - neste ano houve um encontro em novembro, na Itália -, e o que eles estão dizendo é que o nome de Deus é paz.
Não existe guerra santa. Nunca a violência será sagrada. Nunca a intolerância poderá ser usada em nome da fé. A fé é essencialmente diálogo, e o que caracteriza todo movimento espiritual, seja ele budista, hinduísta, como por exemplo essa espiritualidade maravilhosa que nós temos no Brasil que é o candomblé, uma das religiões afro-brasileiras, o princípio fundamental é exatamente o da tolerância, é o de dizer que Deus pode falar a mim através do outro, do diferente de mim, e se eu não escuto e não acolho no diálogo essa palavra que pode vir dele eu não estarei no caminho da vida; não da vida para mim, mas da vida para todos.
O livro "A Secreta Magia do Caminho" é um romance. Eu não vou contar aqui a história porque vou cansar os presentes. Não tem uma tese, um resumo. Não dá para dizer "é sobre isso", mas ele testemunha a secreta magia do caminho como um caminho de diálogo, de comunhão, de tolerância entre todas as religiões e culturas a partir das culturas brasileiras, a cultura do candomblé.
Foi uma alegria estar aqui, e espero que possamos continuar juntos nesse caminho. (Palmas).
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Agradecemos ao Padre Marcelo Barros a contribuição.
O SR. MARCELO BARROS - Agradeço especialmente os irmãos do CIFI. O CIFI é o Centro Cultural Missionário; há muita gente aqui que está fazendo o curso, que vai partir para a África, para outros países. Essas pessoas deixaram o curso para vir aqui dar o apoio das suas presenças neste ato.
Eu agradeço ao Padre Orlando Pinheiro e ao grupo do CIFI, aqui conosco, como agradeço à nossa querida irmã Sueli Bellato, que me proporcionou este encontro aqui com vocês.

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Damos por encerrados os trabalhos, convidando a todos para o lançamento do livro no salão.

Está encerrada esta sessão.

3º Painel: Situação e perspectivas para os Direitos Humanos na América Latina

O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Declaro reabertos os trabalhos deste Encontro Preparatório do Cinqüentenário da Declaração Americana sobre Direitos e Deveres do Homem e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Convido a tomar assento à primeira Mesa Redonda o Dr. Ricardo Camara Sanchez, Secretário Executivo da Comissão Nacional de Direitos Humanos do México (palmas); o Dr. Alejandro Salinas, Advogado da Assessoria de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores do Chile (palmas); e o Ministro Hernán Plorutti, Subsecretário dos Direitos Humanos da Chancelaria Argentina (Palmas).
A Coordenação da Mesa, com base na reunião de ontem, prevê o êxito deste Encontro Preparatório, no sentido de despertar o Brasil para a questão e buscar ajuda nos países vizinhos e amigos para que, no ano que vem, haja um grande debate sobre os direitos humanos, seus paradigmas e princípios, enfim, para que coloquemos em prática a luta pelos direitos humanos. Temos essa expectativa.
Estamos encaminhando no sentido de termos duas Mesas: esta agora e uma outra depois. Mesmo que encerremos um pouco mais tarde, vamos dar o Encontro por encerrado ainda pela manhã, porque na parte da tarde retornaremos somente para a elaboração da agenda. Vamos solicitar, inclusive, a cada um dos senhores, que ainda nesta manhã apresentem itens para a discussão e reflexão sobre a luta dos direitos humanos, enfim, sugestões para que a Comissão possa estabelecer a sua agenda que, certamente, vai ser distribuída. Outras entidades também vão realizar a sua.
Este Encontro não tem caráter deliberativo, mas apenas sugestivo, no sentido de explorar ao máximo a nossa criatividade, para que, no ano que vem, possamos realizar essas comemorações da luta pela concretude dos direitos humanos.
Vamos debater, agora, o tema: "Situação e Perspectivas para os Direitos Humanos na América Latina".
Com todo o respeito, pedimos aos nossos convidados atenção para o limite de tempo, para que possamos ter as duas Mesas e, ao final da manhã ou no começo da tarde, com as sugestões para a agenda, encerrar nosso Encontro que, repetimos, consideramos pleno de êxito, não só pela receptividade de representantes de diversos países da América Latina e de diferentes representações do Brasil, como de organismos oficiais e representantes de organizações não-governamentais.
Concedo a palavra ao Dr. Ricardo Camara Sanchez, Secretário Executivo da Comissão Nacional de Direitos Humanos do México.
O SR. RICARDO CAMARA SANCHEZ -
(Exposição em Espanhol)

O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao Dr. Ricardo Camara Sanchez, Secretário Executivo da Comissão Nacional de Direitos Humanos do México, a exposição. Solicitamos também o acesso a esses relatórios para distribuição aos presentes. Peço a Secretária que providencie.
Passamos a palavra ao Dr. Alejandro Salinas, Advogado da Assessoria de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores do Chile.

O SR. ALEJANDRO SALINAS -
(Exposição em Espanhol)

SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao Dr. Alexandro Salinas, Advogado da Assessoria de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores do Chile, a exposição.
Passamos a palavra ao Dr. Hernán Plorutti, Sub-Secretário dos Direitos Humanos da Chancelaria Argentina. Antes, gostaria de anunciar a presença dos Drs. Alberto Carmona, Secretário da Embaixada da Argentina; Wraj Tomás, da Embaixada da Eslováquia; Alexander A. Featherstone, da Embaixada dos Estados Unidos; e San Lorenz, da Embaixada da Alemanha.
Com a palavra o Ministro Hernán Plorutti.

O SR. HERNÁN PLORUTTI -
(Exposição em Espanhol).
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos a exposição ao Ministro Hernán Plorutti, Subsecretário dos Direitos Humanos da Chancelaria Argentina.
Gostaríamos, ao encerrar esta reunião, de pedir a colaboração e a possível ajuda do México, da Argentina e do Chile. Possivelmente no mês de fevereiro ou de março, virá ao Brasil uma delegação de Parlamentares portugueses encarregada de gestionar pela autodeterminação do povo do Timor Leste e de fazer a divuldação disso. Como V.Sas. sabem, existem ainda vinte e quatro colônias no mundo todo e Timor, uma delas, está lutando pela sua independência. Uma comissão de Deputados portugueses virá ao Brasil e já tem viagem marcada á Argentina e ao Chile, para onde seguirá depois e, possivelmente irá ao México e aos Estados Unidos, pedir apoio a todos os países para que a ONU reconheça a autodeterminação do povo do Timor.
Agradeço aos representantes do México, do Chile e da Argentina a participação e as brilhantes exposições.
Informamos que já estão sendo feitas sugestões para a Agenda de 1998. Se alguém quiser acrescentar alguma, há uma folha em branco para isso. Iremos distribui-la no Brasil e nos países amigos de quem aceitaremos indicações e sugestões. Alguns pontos:
Em maio haverá um encontro latino-americano para a comemoração da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da OEA, que aconteceu no mês de abril -; haverá uma homenagem da seleção brasileira na abertura da Copa Mundial na França e talvez seja feita também uma solicitação à França, em virtude da Declaração dos Direitos do Homem a Revolução Francesa; recomendação a todos os países para a adoção de programas relacionados aos direitos humanos; realização de pleitos junto aos meios de comunicação para lograr a inserção de mensagem sobre o cinqüentenário da Declaração, sobretudo no programa A Voz do Brasil.; encontro das Nações Unidas no dia 10 de dezembro, com programações festivas; elaborar de material sobre o cinqüentenário destinado aos partidos políticos para uso nas campanhas eleitorais; recomendar a todas as entidades não-governamentais e governamentais para que façam em suas publicações a divulgação do cinqüentenário; recomendar a todas as casas legislativas municipais e estaduais e ao Congresso Nacional que realizem sessões de homenagem, em maio e dezembro; estudara aplicação do art. 5º, § 2º, sobretudo para que o Brasil reconheçaa jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos; trabalhar no sentido de que o Brasil e outros países também possam reconhecer a Convenção nº 169 da OIT, sobre a questão indígena; promover o cadastro dos Estados que não adotam o mecanismo de proteção dos direitos humanos; encontro internacional em agosto, a ser promovido pelo Governo; encontro dos Presidentes dos países que integram o MERCOSUL e aliados, em dezembro de 1998; estudos da possibilidade de colocar a Declaração dos Direitos Humanos no verso da certidão de nascimento; proposta de um selo comemorativo ao cinqüentenário.
Gostaríamos de agradecer a V. Sas. a presença e a colaboração.
Registro a presença do Deputado Luciano Zicae também o Marcelo Paixão, da FASE, Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional. Vamos fazer o informe sobre o manifesto "Retomar o PROÁLCOOL: a sociedade civil em defesa da ecologia e da cidadania", que é assinado por vinte e seis entidades e também por Parlamentares.
Registro também a presença de assessores do Deputado João Leite, Presidente da Comissão de Direitos Humanos de Minas Gerais, e do Dr. Domingos Mariano, da Ouvidoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Muito nos honra a sua presença. Anunciamos também a presença do Dr. Humberto Espino, Secretário do Conselho de Defesa da Pessoa Humana do Ministério da Justiça. Está presente também o Dr. Percílio Souza, da OAB Federal.
Com todo respeito, peço ao Deputado Luciano Zica e ao Dr. Marcelo Paixão atenção ao nosso horário.
Deputado Luciano Zica, tem V.Exa. a palavra.
O SR. DEPUTADO LUCIANO ZICA - Em primeiro lugar, um bom-dia a todos.
Quero cumprimentar a Comissão de Direitos Humanos pelo trabalho importante da realização deste seminário.
Resolvemos solicitar este espaço para divulgara campanha que iniciamos hoje, por entendermos que os temas de que estamos tratando - e o cartaz está aqui exposto, com o Deputado Pedro Wilson - sãoa constatação de um grave problema que teremos a partir de maio de 1998 no Brasil, principalmente a partir da formulação da nova política do setor de petróleo para o Brasil.

Segundo determinações do Banco Mundial, está decretado, a partir do mês de maio, o fim da política de subsídios para o programa do álcool, que foi concebido no Brasil de forma equivocada há cerca de vinte anos. Essa políticafez com que se drenassegrande volume de recursos públicos que serviu para o enriquecimento de usineiros, propiciou a concentração de renda nesse segmento da sociedade que se utilisou do trabalho escravo no cultivo da cana.; por outro lado, fez com que se consolidasse no Brasil uma alternativa importante da política energética, sob o ponto de vista ambiental. . Sua extinção hoje traria uma impacto social extraordinário no Brasil, uma vez que este programa gera 1 milhão e 600 mil empregos na área de mão-de-obra desqualificada, sem que se ofereçam outras alternativas.
Estamos colocando no cartaz o que queremos e o que não queremos na retomada do programa do álcool, para nós programa extremamente importante do ponto de vista socio-ambiental, com forte impacto nos direitos humanos, que diz respeito à exploração da mulher nos canaviais, à exploração do trabalho infantil e da mão-de-obra escrava.
Passoa palavra ao Sr. Marcelo Paixão, da FASE, um dos idealizadores e organizadores desta campanha, para que S.Sa. possa complementar a exposição dentro do curto espaço de tempo de que dispomos.
Pedimos a todos colaboração para a divulgação dessa campanha, que entendemos de extrema importância para evitarmos o estabelecimento de uma política que continue cometendo os erros anteriores, sem ter soluções ideais para o futuro.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. MARCELO PAIXÃO - Bom-dia a todos os participantes deste Encontro sobre Direitos Humanos. Primeiramente agradeço à Mesa pela abertura do espaço para nosso trabalho.
Represento a FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - e também um conjunto de entidades que subscrevem esse cartaz. Nossa perspectiva em relação a esse cartaz é , acima de tudo, exigirmos das autoridades a constituição de políticas públicas nas quais a sociedade possa participar e determinar os seus rumos.
No campo da questão social, o PROÁLCOOL guarda um enorme passivo social, ambiental e fiscal em relação a todo o Estado brasileiro.
Nosso cartaz apresenta importantes itens que queremos alcançar: a eliminação do trabalho infantil, o fim do trabalho escravo, a não-discriminação do trabalho da mulher, possibilidade de qualificação profissional e fim da sazonalidade do trabalho. Estamos certos de que estamos exigindo por parte do Governo direitos sociais dos trabalhadores. Queremos que sejam incluídos dentro da virtual retomada desse programa de Governo mesmo que o Governo não retome o PROÁLCOOL.Temos hoje uma situação de profunda gravidade nas regiões produtoras de cana-de-açúcar, um profundo passivo social junto às populações dessas regiões. Queremos a constituição de políticas sociais para alterar esse quadro.
Acredito que a temática dos direitos humanos deve estar presente nas diversas frentes de luta que existem pelo País afora, mas creio que cada uma delas tem de ser capazde articular dentro de si a concepção dos direitos econômicos e sociais; cada frente de luta existente hoje no Brasil deve ser capaz de constituir na sua agenda a preocupação com os direitos humanos, a preocupação com a universalização, coma cidadania com o direito à vida e com o usufruto dos recursos naturais do nosso planeta.

Nossa campanha é pelo direito ao trabalho, pelos direitos da infância, pelo direito de não ser escravizado, enfim, pelos direitos econômicos e sociais que pretendemos sejam universalizados.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos a presença de V. Sa., ao mesmo tempo em que nos associamos a essa campanha. Todos nós ansiamos pelo desenvolvimento e queremos o álcool, respeitando-se a ecologia, os direitos humanos e os direitos sociais dos trabalhadores. Resolvemos apoiar a retomada do programa PROÁLCOOL, mas exigimos que haja um acordo coletivo de trabalho, exigimos que, em vez de se colocar criança para trabalhar, que ela seja colocada na escola. É falso o que se diz no Brasil: "Criança não deve estar na rua; é melhor estar trabalhando". Acreditamos que toda criança deve estudar, deve permanecer com sua família pois precisa ter condições de se tornar um verdadeiro cidadãodo Brasil.
Com muita honra, gostaríamos de convidar para a segunda Mesa - "A Atuação do Governo Brasileiro na Área dos Direitos Humanos e as Experiências nos Estados e Municípios" - o Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos, Diretor do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça (Palmas.); o Dr. Belisário dos Santos Júnior, representante do Estado de São Paulo e Secretário de Estado da Justiça e Cidadania.
Parabenizamos de público a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e o Governo do Estado de São Paulo, especialmente o Dr. Belisário dos Santos Júnior, por ter sido o primeiro a estabelecer um programa estadual de direitos humanos. Já temos o programa nacional, e queremos que ele avance cada vez mais, mas queremos também que Estados e Municípios, a exemplo de Belo Horizonte e Campo Grande, tornem concreta a luta pelos direitos humanos.
Convidamos também, com muita honra, o nosso companheiro do Ministério Público Federal, Dr. Wagner Gonçalves, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, para tomar assento à mesa. (Palmas.) Convidamos a Dr. Herilda Balduíno, representante da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil. (Palmas.) Convidamos o Dr. André Puccinelli, Prefeito de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. (Palmas.) Convidamos o Dr. Benedito Mariano, Ouvidor de São Paulo (Palmas.) e o Dr. Joelson Dias, representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos. (Palmas.)
Prezados senhores, sou membro da Comissão de Educação e Cultura e Desporto, onde neste momento está havendo uma reunião com a presença de um ilustre Ministro de Estado a quem convidamos para um debate. Por um dever de honra, devo comparecer a essa reunião, por isso peço permissão para convidar o ilustre Deputado De Velasco para coordenar os trabalhos a partir deste momento. Ainda voltarei.
Solicitamos, mais uma vez a todos que façam suas sugestões para a Agenda de 1998. No final dessa reunião ainda poderemos ouvir os que desejarem fazer alguma observação..

4º Painel: Atuação do Governo brasileiro na área dos Direitos Humanos e as experiências nos Estados e Municípios

O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Com muita honra substituímos o Presidente desta Comissão, Deputado Pedro Wilson.
Dando início aos debates do tema Atuação do Governo Brasileiro na área dos Direitos Humanos e as experiências nos Estados e Municípios, passo a palavra ao senhor expositor, Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos, Diretor do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, que terá dez minutos para a sua exposição.
O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - À Mesa e às autoridades do plenário o meu bom-dia.
Sinto-me honrado de estar aqui presente. Antes de mais nada, quero prestar uma homenagem à Comissão de Direitos Humanos, na pessoa do Deputado Pedro Wilson, que tem sido importante parceiro no Programa Nacional de Direitos Humanos. Nesta gestão temos tido um diálogo quase permanente nas diversas ações que o Ministério tem desenvolvido no campo dos direitos humanos.
Farei uma pequena digressão para algumas atividades que o Programa Nacional de Direitos Humanos vem desenvolvendo, deixando sempre presentes alguns pontos importantes.
Primeiramente, o Programa Nacional de Direitos Humanos foi criado, elaborado a partir da sociedade civil. Tivemos dela ampla participação. Tudo o que contém o Programa Nacional de Direitos Humanos decorre da participação de entidades não-governamentais e também de algumas entidades governamentais. Trabalhamos no Programa Nacional de Direitos Humanos sob a coordenação do NEV, Núcleo de Estudos da Violência em São Paulo, que sempre serviu como orientador das ações do Ministério e do Departamento. Além disso ser uma posição estratégica do Ministério, foi também um modo de legitimar o trabalho das entidades de defesa dos direitos humanos. Já foi dito ontem que o Brasil foi um dos três países que atenderam às recomendações da Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena, realizada em 1993, por isso, no desenrolar do Programa Nacional de Direitos Humanos, definimos que seria importante o estabelecimento permanente dessa relação. Para isso, resolvemos, internamente, no Departamento, eleger uma série de projetos desenvolvidos por entidades não governamentais. Passarei a elencar algumas delas, que já são conhecidas de V.Sas..
Fizemos um boletim, que está à disposição de V.Sas. Se não houver número suficiente, peçam-nos, que o forneceremos aos Senhores. É uma tentativa de retratar as diversas experiências e avanços que realizamos no campo dos direitos humanos. O mais importante é que é que ao longo da história dos direitos humanos no País, algumas entidades foram destacadas pelos seus trabalhos. Gostaria de lembrar a GAJOP, entidade que faz importante trabalho de proteção a testemunhas. Depois de muita conversação, reconhecemos que era muito importante o trabalho dessa entidade, em vista do que fizemos convênio com ela. Estamos estendendo esse trabalho de proteção à testemunha a mais três Estados: Rio Grande do Norte, Ceará e Rio de Janeiro. Até o final do ano, com o trabalho de parceria e a experiência acumulada nesses dois anos de proteção à testemunha em Pernambuco, estaremos desenvolveremos esse trabalho nos citados Estados. A idéia de fazer uma grande rede de proteção da testemunha no País. Existem mais outros dois Estados que também estão em cogitação, o Espírito Santo e a Bahia. Temos interesse de incluir esses dois Estados até no próximo ano.Temos tido especial cuidado cuidado nesse campo de proteção à testemunha. Não há um só caso que tenha chegado ao Departamento de Direitos Humanos sem nosso acompanhamento, ou seja, através do GAJOP, ou através desse processo realizado pelo Ministério com outras entidades. Entretanto, a mais importante experiência que temos desse trabalho é a Pernambuco.
Além disso, há um enfoque importante que aparece durante os vários debates que realizamos com entidades religiosas, com escolas, de pessoas que procuram enquadrar os defensores dos direitos humanos como defensores de bandidos e os acusam de deixar as vítimas desprotegidas. No Paraná, há um trabalho de proteção à vítima que já começa a ser articulado também pelo Estado de Santa Catarina. Esse trabalho começaria por Florianópolis, onde seria, inicialmente, levantado o histórico das várias vítimas, para, posteriormente, fazer um atendimento a essas pessoas. Estamos hoje em parceria com o Estado de Santa Catarina no atendimento às vítimas, no seu encaminhamento psicológico, e à assistência jurídica nessa região. A exemplo do que fizemos em Pernambuco, queremos espalhar essa experiência bem-sucedida de Florianópolis para outras regiões que também solicitam atendimento especial às vítimas de violação dos direitos humanos.
No campo da cidadania, no campo da articulação junto à população feminina, há uma grande entidade em Porto Alegre que realiza o trabalho de formação de promotoras legais populares. O que é isso? É um trabalho feito junto às lideranças comunitárias, para dar embasamento jurídico para que sejam capacitadas de atender a essa demanda da comunidade. Esse trabalho se iniciou em 1995. Em 1996, fizemos com a entidade um convênio que dura até hoje. E com a experiência bem-sucedida nesse sentido com várias lideranças, estamos ofertando para vários Municípios e Estados do País nossa experiência. Esse trabalho que estou relatando, de proteção à testemunha, de proteção às vítimas, de formação de lideranças no campo da defesa dos direitos humanos, para nós é sinalização muito presente de que há uma preocupação do Ministério de trabalhar com entidades que possam de alguma forma desenvolver essa questão. Mas um ponto importante é o seguinte: nenhum desses trabalhos acaba se realizando só no campo do Direito Civil. Quando se desenvolve um trabalho nesse sentido, tem-se como interlocutores atores de várias áreas, seja na econômica, seja na de educação, seja na social. Quando começamos a desenvolver um trabalho acabamos, por tabela desenvolvendo várias ações em paralelo. Por exemplo, definimos com o Governo de Pernambuco a realização de um trabalho na defesa da cidadania na região da Zona da Mata, uma região de alto nível de violência. Tivemos essa parceria, primeiro em cinco Municípios; agora, vamos fazer esse trabalho em mais vinte Municípios. Quando se faz um trabalho de valorização de cidadania, evidentemente, surge essa articulação com outras secretarias porque embora seja um problema simples para nós que vivemos em Brasília, o acesso à certidão de nascimento ou de óbito em algumas regiões do País é profundamente dificultado. Por meio de algumas lideranças comunitárias da Região Norte do País, constatamos que é comum demorar de seis meses a dois anos para se ter acesso a esses documentos. Em alguns Estados há índices altíssimos de pessoas que não têm acesso a nenhum tipo de documentação, nem de certidão de nascimento, muito menos de óbito. Então, quando nos aproximamos de entidades e de Estados para fazer articulações nesse sentido, vemos que, na prática, essas coisas acontecem de forma muito diferente, muito mais complexa. Quero sempre reforçar essa questão porque no Programa Nacional dos Direitos Humanos, sempre destacamos a priorização dos direitos civis. Não se mexe num problema social isoladamente. Acabamos nos envolvendo com outros e precisando de outros interlocutores para poder agir. De alguma forma acaba-se chamando outros atores para poder atuar na situação. Um bom exemplo é o de Pernambuco, outro é o que temos nos vários balcões de direito que temos em muitos Estados do País. Quando se cria um serviço para atender a comunidade carente, as pessoas se apresentam na primeira vez tentando buscar orientação sobre seus documentos. Entretanto, o dia-a-dia faz com que outros setores, o do trabalho, o da educação, por exemplo, de alguma forma tenham também de participar. Isso nos dá, cada vez mais, a convicção de que a indivisibilidade do direito civis com o direito social acontece muito mais na prática do que na teoria. Por mais que imaginemos que se possa fazer esse trabalho por etapas, na prática, a cumplicidade das ações se faz ano dia-a dia. Ontem, o Professor Antônio Augusto Cançado Trindade mencionou um ponto que eu gostaria de destacar: a discriminação. Temos enfrentado a discriminação de modo diferenciado. Sou do tempo em que discriminação racial ainda era tema de rodapé de página, ou seja, não era de interesse das pessoas. Posso mostrar-lhes documento emitido há três anos de entidades internacionais que retratavam Brasil como País harmônico nas suas relações raciais. Ou seja, não havia problema nenhum de discriminação racial ou discriminação contra a mulher. A mudança que se dá hoje nesse campo, ocorreu em função da articulação dos movimentos sociais, em destaque, o movimento feminino e o negro. Esses movimentos ocasionaram um reflexo no interior do campo dos direitos humanos. Antigamente, quando se falava de política do idoso, política de combate à discriminação, eram coisas segmentadas. Quando se trouxe isso para o seio do Programa Nacional dos Direitos Humanos, trouxeram-se fatores e preocupações diferentes, mas no mesmo sentido. Um dos aspectos é que isso não se deu isoladamente pelo Ministério da Justiça. Pelo contrário. O Ministério do Trabalho, a OIT, o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde foram envolvidos. E de que forma? O grande foco de discriminação se dá no trabalho. E os operadores do direito do trabalho, os fiscais, as pessoas que estão no dia-a-dia no Ministério do Trabalho, têm recebido sistematicamente informações sobre duas convenções internacionais, as quais gostaria de destacar: a Convenção 111 e a Convenção 100, que falam do tratamento igualitário no emprego e na ocupação.
Para V.Sas. pode parecer uma coisa pequena, mas durante décadas os relatórios que o Brasil teve com relação a esse tema é de que não havia discriminação de espécie alguma. Hoje, há um Ministério envolvido nessas importantes e sérias questões que obrigam as pessoas, sejam elas ocupantes ou não de cargo ou de funções no Estado, a repensar a situação da discriminação. Não basta dizer que a discriminação existe. É preciso que se dêem passos no sentido de acabar com ela. Recentemente tivemos uma grande reunião em São Paulo, onde foram relatadas experiências de várias empresas que cotidianamente tratam da diversidade. O que é isso? É contemplar pessoas que são vulneráveis à discriminação, negros, mulheres, idosos, pessoas que assumem práticas sexuais diferentes dentro da empresa. Conheci várias empresas que fizeram isso e têm essa prática, como a Walmart a Levy Strauss. O grande exercício que está sendo feito nesse campo é o de levar esse tema a debate do interior do Estado. Verifico avanços importantes no campo da discriminação e quero mais uma vez louvar o trabalho de abertura realizado ontem, com a presença de pessoas portadoras de deficiência, que fizeram aqui um pronunciamento emocionante, importante e marcante, trouxeram a esse plenário a voz de uma parcela ignorada da população, a dos portadores de deficiência.
Com relação à população negra, às mulheres, àqueles que são vítimas de sua opção sexual, é importante que tenhamos a prática de coibir a discriminação. Não digo que seja fácil. Mas se não houver por parte das entidades não-governamentais, por parte de entidades dos vários Estados, por parte do Governo iniciativa de proteger esses grupos vulneráveis à discriminação, com certeza, a defesa dos direitos humanos será ignorada por muitos e muitos anos. Alonguei-me um pouco na questão da discriminação porque esse é um assunto do cotidiano. A discriminação não acontece de vez em quando. Ela acontece a todo instante, todos os dias, para os idosos, mulheres, negros e portadores de deficiência. E é importante notar que quando se fala em direitos humanos, fala-se muito na questão do Estado, como se este fosse o grande responsável pela administração dos direitos humanos. Tenho visto, na prática, que são as entidades não-governamentais, Prefeitos, secretários de Estados, mas, antes de mais nada, pessoas que, com sua experiência, têm feito que a questão dos direitos humanos seja trabalhada.
Recentemente, fui chamado para fazer uma palestra sobre direitos humanos em uma comunidade religiosa budista. Eles diziam reconhecer o avanço da questão de direitos humanos no País não pelas grandes propostas, mas pelo seu dia-a-dia, pelo seu cotidiano. Algumas imagens nesse sentido são importantes, para indicar que estamos avançando na questão. Também recentemente, estive em Campo Grande, e, depois de uma palestra sobre esse tema, entrou na sala um senhor acompanhado da esposa e de uma criança. Na área de direitos humanos acabamos conhecendo praticamente todo mundo, conhecemos nossos parceiros. Entrou então aquele casal humilde e o senhor pediu a palavra para contar sua história. O apelido dele era Seu Totó. Era um cidadão que trabalhava como lavrador no interior do Mato Grosso do Sul e havia sido vítima de uma arbitrariedade. Esse cidadão cumpriu, injustamente, uma pena de quarenta meses de prisão, porque não conseguia se comunicar direito. Ele era negro, por isso era excluído de alguns direitos.
Isso ficou bem caracterizado. Seu Totó contou sua história. Ele presenciou um crime e, naquela indecisão quanto a chamar ou não a polícia, esta chegou e fez dele o principal suspeito do crime. Ele viveu quarenta meses preso - e eu fiquei me perguntando de que adiantou o Programa Nacional de Direitos Humanos para esse cidadão. O que levou esse homem à liberdade foi, primeiro, a população, os amigos, a entidade de direitos humanos de Mato Grosso do Sul, mas, principalmente, algo que eu reputo de suma importância, a solidariedade. Quando vejo que a solidariedade se manifesta para pessoas vítimas de violações aos direitos humanos, percebo que o discurso, de alguma forma, está alcançando o próximo.
Como estou sendo avisado de que falei mais do que devia, só queria reputar...
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Só o dobro, doutor.
O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Então, para finalizar, quero dizer que, no ano de 1998, é importante não só trazer o Movimento Nacional de Direitos Humanos, parceiro importante nas nossas decisões, mas também definir de maneira estratégica as ações que pretendemos realizar no próximo ano.
Agradeço a V.Exas. a possibilidade de estar aqui debatendo, embora de maneira resumida, sobre as propostas e o trabalho do Programa Nacional de Direitos Humanos. Avançamos de maneira substancial, mas não avançamos sozinhos, e, sim, graças à participação, à crítica, aos comentários e ao apoio do cidadão brasileiro no campo de direitos humanos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Agradecemos pela participação ao Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos, Diretor do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
Com a palavra o Dr. Belisário dos Santos Júnior, representante do Estado de São Paulo, Secretário de Estado de Justiça e Cidadania.
Tem S.Sa. o tempo previsto de dez minutos.
O SR. BELISÁRIO DOS SANTOS JÚNIOR - Agradeço e tentarei cumprir esse tempo. Homenageio na sua pessoa, Sr. Presidente, a Câmara dos Deputados, os demais organizadores deste seminário, a Comissão de Direitos Humanos, o combativo Deputado Pedro Wilson e também todos os que estão à mesa, brasileiros e personalidades estrangeiras, e os demais combatentes, queridos amigos que vejo aqui engrossando as fileiras neste seminário.
O Programa Estadual de Direitos Humanos de São Paulo foi anunciado no dia 14 de setembro de 1997. Por trás desse anúncio se esconde um trabalho do Governo do Estado de São Paulo, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa e do Conselho de Defesa da Pessoa Humana, com a coordenação técnica do Núcleo de Estudos da Violência. Muito São Paulo aprendeu com o programa nacional. Fugiu de algumas armadilhas que o programa nacional teve de enfrentar, valendo-se de suas lições.
O programa estadual desborda um pouco da questão dos direitos individuais e enfrenta, como enfrentou o programa nacional, os direitos econômicos e sociais. Mas o faz numa outra dimensão, até mais própria do Estado, enfrentando questões como a do direito ao desenvolvimento. Toca em pontos que dizem respeito às duas regiões mais pobres do Estado de São Paulo, que são o Vale do Ribeira e o Pontal do Paranapanema.
O manejo interno dentro do Governo do Estado de São Paulo foi um pouco diverso. Quando o programa saiu à rua, ele já tinha sido debatido, esmiuçado e deglutido por todas as esferas do Poder Executivo e do Poder Judiciário do Estado. A participação da sociedade civil foi o próprio motor, porque, antes mesmo do Programa Nacional de Direitos Humanos, o Fórum das Minorias estava se reunindo em São Paulo, por iniciativa do CONDEP e com o apoio da Secretaria da Justiça. Dessas "minorias" - entre aspas, porque falamos de negros, de mulheres, minorias em termos de falta de condições de apropriação do poder político e do poder econômico - dessas minorias saiu um trabalho importante. A partir desse trabalho produzido pelo Fórum das Minorias, fomos ao Estado como um todo, tentando mobilizá-lo para fazer com que esse plano não se restringisse somente à cidade de São Paulo. O Plano culminou numa conferência estadual de direitos humanos na Assembléia Legislativa, promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, quando foi anunciado, entre o final da conferência e o anúncio do programa. Houve adaptação dos pontos nas diversas secretarias. Curiosamente, alguns dos pontos levantados pela sociedade tiveram tratamento mais ousado. Lembro, por exemplo, que a sociedade pediu a extensão da competência civil para alguns crimes praticados por policiais militares, e o plano veio a contemplar a extinção da competência da Justiça Militar estadual, ou seja, o fim da Justiça Militar estadual.
Ao mesmo tempo, e também quando da notícia do plano, anunciou-se a criação de comissão para monitoramento. Isso provocou um certo frisson em São Paulo, porque houve um intervalo entre o anúncio e a indicação dos nomes de sua composição. A sociedade civil e a Assembléia Legislativa ficaram esperando a divulgação desses nomes e, alguns dias depois, vimos que, entre os componentes da comissão de monitoramento - alguns inclusive aqui presentes - estão membros da Comissão Justiça e Paz, da Comissão Teotônio Vilela, do CONTER, do CONDEP, ou seja, pessoas que têm ligação umbilical com a questão dos direitos humanos. Esse temor, hoje, tantos anos depois do fim do regime autoritário, ainda pesa nas relações entre a sociedade e o Estado, e a indicação da comissão de monitoramento nesse nível espantou um pouco dos problemas que pudessem haver em relação ao acompanhamento da implementação do Programa de Direitos Humanos.
Optamos por não dar a essa comissão poderes próprios do CONDEP, do Conselho Nacional de Direitos Humanos ou da própria Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa. Essa comissão, criada com o plano, vem para acompanhá-lo e para incentivar as ações nele previstas.
Como o programa nacional, o plano tem ações extremamente concretas, desde a indenização por crimes, e houve graves crimes cometidos no Estado de São Paulo. Estamos inclusive acompanhando na OEA - a Secretaria Nacional homenageia o companheiro José Gregório -, no 42º distrito, aquele crime gravíssimo que ocorreu em São Paulo, em que se comprimiram pessoas dentro de uma cela para puni-las. Estamos tratando da questão da indenização administrativa. É um dos pontos previstos. Mas prevemos também no programa estadual pontos que vieram, por exemplo, da Comissão de Idosos, do Fórum de Idosos. O rebaixamento dos degraus de ônibus, por exemplo, foi um dos pontos debatidos. O reconhecimento da competência contenciosa... Por que o Brasil não reconhece de uma vez a competência contenciosa? Não há razão. Sempre se disse que o grande obstáculo era o Supremo Tribunal Federal, mas na realidade a resistência estava no Itamaraty. Acredito que isso deve estar superado. A questão da polícia comunitária começa a ser trabalhada. Há uma reunião muito curiosa às segundas-feiras pela manhã da comunidade com o Comandante da Polícia Militar. É uma reunião periódica de avaliação, é uma reunião expressamente convocada para isso.
O Programa de Direitos Humanos já está trabalhando concretamente em algumas questões. Em São Paulo já vemos resultados quanto à publicação de tratados. A Procuradoria-Geral do Estado realizou uma publicação em português. São publicações difíceis de se encontrar, e São Paulo realizou a publicação dos tratados internacionais mais importantes.
Temos uma outra experiência em pleno andamento, que é o controle epidemiológico da violência, um dos pontos do programa estadual. Estamos implementando algo que é fundamental, e que deve vir para a agenda da homenagem às declarações universal e americana. É a questão da municipalização dos programas estaduais. A municipalização é trabalhada sob vários pontos de vista, seja o do Conselho de Entorpecentes, o do Conselho de Proteção da Pessoa Humana, o das comissões municipais de direitos humanos das Câmaras de Vereadores. Enfim, a municipalização é o grande debate. Afinal de contas, um programa estadual não significa só uma série de pontos, ou o consenso que se estabelece com a sociedade, mas é também uma oportunidade, é um momento em que se eleva esse debate.
Já estou encerrando, Sr. Coordenador. Nós temos amanhã uma reunião com as comissões internas das secretarias. Há vontade inequívoca do Governador Mário Covas dirigida ao cumprimento dos direitos humanos. Mas não é só de funcionários e comissões que trata um Governo de Estado. Há um corpo permanente que precisa ser convencido. Há uma cultura de que o Estado que é essencialmente o maior violador dos direitos humanos. Não o Estado de São Paulo, mas o Estado é o maior violador dos direitos humanos, e temos de nos dirigir ao convencimento do corpo permanente do Estado. Amanhã temos uma reunião exatamente com funcionários, que tratarão, em cada secretaria, dos programas afetos a cada área. Já criamos programas de computador que identificarão a secretaria - nunca é uma só - que está fundamentalmente preparada e que deverá coordenar dentro do Governo determinado programa, qual a parceria dentro da sociedade civil que está identificada, que outros órgãos de Estado estão identificados.
Já há programas em andamento com parceria do Ministério Público, com parceria do Poder Judiciário. Cito o Centro de Integração da Cidadania e o Programa Estadual de Proteção à Vítima. Estamos nos mirando no exemplo do Estado do Paraná, e agora nessa experiência de Florianópolis. Temos um serviço de proteção à vítima em estado adiantado. Há também a questão dos quilombos, que merece um tratamento especialíssimo em São Paulo. Já vamos editar o livro. Editamos uma lei que afastava alguns obstáculos para o reconhecimento da propriedade de remanescentes de quilombos para associações e não para pessoas, como quer a Constituição. Esse trabalho foi considerado exemplar pela Fundação Palmares. Desenvolvemos ainda um trabalho de educação em direitos humanos, inclusive na Polícia Militar. Estava comentando com uma companheira aqui que talvez não seja muito eficiente só o trabalho de educação, que é preciso haver um trabalho de punição. Mas isso é um todo, nunca um ponto só é fundamental. Educação em direitos humanos vem junto com programa de qualidade, vem junto com a questão da Ouvidoria. O Benedito Mariano, que está presente, Ouvidor da Segurança Pública de São Paulo, é uma das grandes contribuições da Secretaria de Segurança Pública.
Em São Paulo as ouvidorias passarão a ser obrigatórias para todos os serviços que atendem ao público a partir da aprovação da Lei de Defesa do Usuário Público. Enfim, os assentamentos que já estão sendo discutidos. Há vários pontos que já estão ocorrendo em São Paulo e que dependem do Estado. Há, ainda, outros que nem dependem do Estado. Estou vendo aqui os brilhantes, queridos e combativos estudantes do Centro Acadêmico 11 de Agosto, que promoveram, junto com outros estudantes, a Ação pelo Desarmamento. Hoje a ABRINQ, em São Paulo, sem qualquer participação do Estado - é claro que ele colabora - está assinando protocolos que banem o trabalho infantil de diversas áreas, principalmente da área de calçados.
Em São Paulo estão atuando profundamente as promotoras legais e populares. Há ainda o trabalho da Thêmis, em São Paulo, com outras entidades feministas, que está levando à agilização dessa questão.
Ou seja, há muita coisa rolando, e, portanto, o programa estadual constitui o momento, não necessariamente deflagrador, mas que catalisa, que incentiva as ações, e é isso que queremos. O programa ainda está engatinhando, mas acredito que chegaremos a bom termo.
Em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos, gostaria que constasse da agenda o incentivo aos demais Estados. Ceará e Minas Gerais, por exemplo, estão trabalhando a questão dos direitos humanos como política de Estado, como programa. Mas desejo que venha para a agenda o incentivo aos Estados e aos Municípios para que criem os seus próprios programas.
São Paulo editará, de início, 500 mil cópias das Constituições Estadual e Federal, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração Americana.
É preciso trabalhar a Declaração Americana. Ela é muito esquecida, mas trata dos direitos e deveres. É fundamental, meu caro Dr. Wagner, que trabalhemos também os deveres da cidadania, e a Declaração Americana faz isso. Para os senhores terem uma idéia, ela trabalha até a convivência como um dever.
Gofredo da Silva Teles outro dia foi homenageado no Tribunal de Justiça junto com outras pessoas, que proferiram discursos muito longos e brilhantes, e ele falou por apenas dois minutos. Disse, naquela sua voz pausada: "Eu aprendi, no curso da minha vida, que direito é convivência."
Ele não precisava dizer mais nada. Direito é convivência, e com isso combate-se a discriminação, fala-se de liberdade, de direitos econômicos e sociais, de universalização, enfim, de interdependência dos vários direitos. E a Declaração Americana fala disso: direito de convivência.
Talvez até esse devesse ser o próprio mote: a convivência como um dever. Porque é isso que na realidade nós trabalhamos o dia todo quando falamos em direitos humanos: tolerar o outro, viver o outro e respeitar seus direitos. Enfim, acho que isso é um pouco do que vamos fazer. Vamos trabalhar a questão da Declaração pelo viés da escola, trabalhando a questão com os estudantes, começando principalmente pelos de primeiro e segundo graus.
Portanto, uma das coisas que levarei para São Paulo é essa história do verso da certidão de nascimento. É fundamental que possamos apresentar isso.
Desafio a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados a se reunir em São Paulo, até para nos brindar com a presença e com as sugestões; que se leve parte desta plêiade de combatentes, para que possa se somar também à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil e à Procuradoria do Cidadão, ao nosso Dr. Wagner Gonçalves; que vão a São Paulo, façam uma reunião especial com esse conjunto de entidades, até para que nos motivemos mais, se é que é preciso mais garra do que temos. Mas, na verdade, acho que sempre é importante um empurrão.
E que ajudemos, com essa presença em São Paulo, também a convencer os setores do estamento, os setores da sociedade civil que precisam trabalhar com o Estado, que precisam vencer as resistências, os setores do Estado que precisam vencer as resistências, os diversos Poderes, enfim, a ajudar a aumentar a faísca que, em São Paulo, já está fazendo com que se acenda com mais força o fogo dos direitos humanos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Nossos agradecimentos ao Dr. Belisário dos Santos Júnior, representante do Estado de São Paulo e Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, a quem foi concedida por esta Mesa 50% da jurisprudência concedida pelo Dr. Ivair Augusto.
Passamos a palavra ao Dr. André Puccinelli, que deixou o convívio da Câmara dos Deputados para assumir a Prefeitura de Campo Grande.
O DR. ANDRÉ PUCCINELLI - Ouvimos o roncar dos estômagos, razão porque seremos objetivos e pragmáticos, elencando as medidas que estão sendo praticadas em Campo Grande.
Entendemos que a globalização que se está vivendo hoje nos impõe medidas que não cabem só aos Municípios, só à União ou só aos Estados. Há que se ter uma integração de todas as instâncias e níveis de Governo para que possamos realmente fazer viger os direitos do cidadão.
Aqui cabe uma primeira referência elogiosa aos Governos que sucederam ao de duas décadas atrás, com a liberdade de expressão e a liberdade socioeconômica que se vive e, enfim, com o adquirir do ir e vir, para que realmente possamos ser cidadãos dignos e respeitados na nossa liberdade como um todo.
O Município tem, na sua instância, imensas dificuldades. Como pode participar da segurança do cidadão, se isso é dever do Estado? Como pode influenciar em todas as instâncias que realmente representam o respeitar dos direitos humanos de todos os cidadãos que ali vivem? Na municipalização selvagem que se está fazendo em todas as instâncias, seja da saúde, da ação social ou da educação, o Município tem restritos recursos para fazer frente a todas as demandas.
Nosso companheiro De Velasco, companheiro de esfera federal, quando aqui estivemos, até o ano passado, quando fomos eleitos Prefeito de Campo Grande, e por intermédio do qual saúdo todos os componentes da Mesa, sabe bem como se sofre ao se pedir e ao não se poder determinar.
Mas o otimismo de todos nós é que nos faz vencer as batalhas, e vamos elencar de forma prática o que estamos fazendo em Campo Grande. Entenderíamos, didaticamente, em dividir as questões em sociais - e entendemos como tais a educação, a saúde e a assistência social - e de infra-estrutura propriamente ditas, que propiciarão também o respeito à dignidade dos deveres que o Estado tem para com seus cidadãos.
Na área de saúde, estamos informatizando toda a nossa rede municipal. Para quê? Para que possamos ter, com o cartão-saúde, a possibilidade de diminuir as filas e de elencar as consultas programadas - aquelas que não são emergências ou urgências -, para, assim, respeitarmos o direito do cidadão de não permanecer seis, oito ou dezoito horas na fila, podendo ser atendido pelo nosso colega o mais rapidamente possível.
O que mais se está fazendo? Está-se elencando na prevenção o que se pode fazer para não se ter de despender mais recursos adiante.
Além do Programa Nacional de Vacinação, estamos implementando a multivacinação, com a vacinação da MMR e da anti-hepatite, para que se possa, prevenindo, ter-se uma qualidade de saúde melhor.
Estamos desenvolvendo o Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança, o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher e os Programas dos Agentes Comunitários de Saúde, aos quais, creio que, ineditamente, houve em Campo Grande um engajar das entidades evangélicas e católicas todas, para que haja múltiplos agentes comunitários de saúde no avançar, no levar o conhecimento àqueles que são mais incultos. Ou seja, o engajamento de toda a sociedade está fazendo com que se vençam os obstáculos causados pela diminuição dos recursos.
Há ainda o Plano de Saúde da Família, também desta forma levado ao pequeno rincão do distante bairro, que não tem acesso pela rua porque o Prefeito, na sua impotência - até como palavra mais rude - não pode chegar lá para tirar o lixo, para chegar com a via, para chegar com o acesso.
Estamos investindo na área da educação, transformando o que era determinado como creche - e aqui outra das atribuições que não são inerentes ao Municípios, mas que estamos assumindo - em CEINFs, Centros de Educação Infantil.
Por que esta mudança? Para propiciar o que não é permitido por lei, mas que é injusto: para que se possa levar a merenda inclusive à creche. Quando denominada creche, isso não pode ser feito; quando denominado Centro de Educação Infantil, pode. É uma incongruência.
Agora a denominação de Centro de Educação Infantil não nos faz estocadores de crianças nas creches, mas indutores do sistema pedagógico a que se leva a criança antes de entrar no ensino fundamental.
Os CEMAs, Centros de Múltiplas Atividades, para as crianças de sete a quatorze anos, servem para complementar e reforçar o aprendizado, tirá-las da rua e aumentar sua cultura, de forma que se possam ter crianças mais bem dotadas para vencer os desafios do futuro.
Além disso, há nossa estruturação em Campo Grande, com o aumento de escolas. Somos a terceira capital do País no quantitativo de escolas que abrigam alunos de ensino fundamental, e queremos zerar o nosso déficit, que hoje se encontra em torno de 6% da clientela existente, até o término de 1998, com a construção de 120 novas salas de aula, sempre com ensino fundamental, com pré-escola, com uma sala de informática e com uma sala de múltiplas atividades. Desejamos assim congregar a educação como um todo, e não só o ensino fundamental, que é incumbência nossa. Isso na estruturação física. E o que mais se está fazendo? No sistema de programas, instituímos o Programa de Policiamento Ostensivo Escolar. Por quê? O policiamento não é obrigação nossa, mas dever do Estado. Mas vimos como eram assediadas nossas crianças pelos vendedores de drogas, e fizemos um convênio com a Polícia Militar e militares inativos, para que eles possam estar presentes 24 horas nos nossos Centros de Educação Infantil, nos nossos Postos de Saúde 24 horas, nos nossos CEMAs e nas nossas escolas.
Fizemos um PROERD, Programa Educacional de Resistência às Drogas, no qual engajamos oito das nossas 105 escolas, com 57 mil alunos, de uma população de 600 mil habitantes, para que eles propiciem um engajamento em que se viu a oportunidade de as crianças remirem os pais, trazendo-os para o convívio e eles resistindo à infiltração dessa chaga da droga no seio da família sul-mato-grossense e campo-grandense.
Há ainda o Projeto de Educação para o Trânsito,com a implantação de cursos de suplência para jovens e adultos, a execução de programas de prevenção à AIDS, às doenças sexualmente transmissíveis e às drogas e, por fim, um último programa, em consonância com a SAST - Secretaria de Ação Social e do Trabalho -, instituída por nós para que tenhamos o assinar do primeiro convênio urbano da erradicação do trabalho precoce infantil de todas as crianças dos nosso lixões.
Não diferentemente Campo Grande das demais capitais do País, nós temos inúmeros lixões. Não temos sequer aterro sanitário. O lixão está-se transformando num aterro controlado, e lá muitas crianças catam as latinhas de alumínio para vender.
Estamos, a exemplo do que fez o Estado do Mato Grosso do Sul, assinando convênio e retirando 315 crianças dos lixões, mapeadas, cujas famílias não as querem tirar, oferecendo o Município, àquelas menores de seis anos, a oportunidade de terem acesso aos CEINFs; àquelas maiores de sete anos, a oportunidade de terem entrada na escola. Assim se está, em consonância com o Ministério Público, a Promotoria da Criança e da Adolescência, gerindo na família o dever do pai e da mãe de obrigar a criança a sair complementando a renda familiar, porque o argumento é de que a renda com que essas crianças contribuem para o sustento da família é de vital importância. Propicia-se às famílias um complemento, por parte do Município, de 25 reais e, por parte da União, nesse convênio integrado, cinqüenta reais por criança, por unidade.
Na SETRAT, nossa Secretaria de Trânsito, há o respeito ao deficiente físico. Estamos rebaixando todas as calçadas, para que possam os "cadeirantes" transladar sem obstáculos arquitetônicos. Estamos vendo como a sociedade pode ajudar porque, sem ela, poder público nenhum vence as dificuldades, e o que se pode fazer, com a iniciativa privada, para que as dificuldades arquitetônicas possam ser vencidas e os "cadeirantes" tenham o direito de ir e vir.
Ônibus: demos destino a mais seis linhas de ônibus agora, na última semana, com elevadores para levarem os deficientes físicos até sua plataforma. E linhas novas, escolhidas pelos deficientes físicos, para irem do trajeto em que se encontram aonde querem na integração, propiciaram a que Campo Grande tenha, desde a última semana, seis novas linhas escolhidas pelos deficientes, com ônibus exclusivos para uso deles, para irem e virem para onde queiram e desenvolvam o seu trabalho.
A nossa empresa municipal de habitação criou um programa de habitação de interesse social. O que é esse programa? Passamos uma lei municipal em que se formou uma fila única, gerida pelo Município, em que a CDHU - Companhia de Desenvolvimento e Habitação Urbana do Estado, a EMHA - Empresa Municipal de Habitação - e a SEAF - Secretaria de Assuntos Fundiários do Município façam a porta de entrada de todas as famílias que não têm habitação.
Propiciamos, com uma fila fiscalizada por eles próprios, em que se elenca, por meio de critérios, quem tem direito a ser o primeiro da fila. Por exemplo: a família que tem pai e mãe terá três pontos; aquela que tem só a mãe a cuidar dos seus filhos tem dois pontos; só o pai a cuidar dos seus filhos, dois pontos; a cada filho, dois pontos; a cada deficiente, um ponto a mais; a cada idoso acima de 65 anos, um ponto a mais.
Assim, eles próprios fiscalizam a sua fila de doze mil já elencados até o momento, para que possam entrar em um programa de habitação de interesse social. O Município entra com um lote urbanizado, para que eles edifiquem, em planta padronizada, com certificado técnico pelos engenheiros da prefeitura, no acompanhar da obra, e possam ampliá-la no decorrer de suas posses e de sua vida, com titulação definitiva após determinados anos e em um cadastro geral que lhes proíbe a venda porque, se venderem o que adquiriram com concessão do Poder Público, não teriam acesso a uma nova fila.
Resumo aqui os demais itens que teria para falar, encerrando com a determinação do que o Prefeito elencou no início da administração: a realização da Festa das Nações, com o congregar do lazer como fator importante para o entretenimento e convivência entre os povos; a criação, de nossa autoria, do Conselho Municipal de Direitos Humanos, do Conselho Municipal do Negro e dos Conselhos Regionais, para que se faça a participação democrática da sociedade no elencar das suas prioridades, com participação no Orçamento; a inclusão da representatividade do movimento negro no gabinete, com uma eleição, participando todas as entidades dos negros, para que escolhessem democraticamente seu representante, para, com Função Gratificada, atue como assessor da prefeitura, bem como a representatividade dos índios, dos ex-aldeiados, em número de 50 mil no Estado de Mato Grosso do Sul e cinco mil em Campo Grande; o anúncio da Campanha "Natal sem Morte" - para orgulho de Campo Grande, fazemos parte, no âmbito municipal, das instituições do Governo que trabalham pelo Plano Nacional de Direitos Humanos e emprestamos o nosso nome para que, juntos, Município, Estado e União, façamos uma verdadeira parceria.
Para terminar, Sr. Presidente - já adentro os vinte minutos -, quero dizer que a assinatura de convênio com a Secretaria Nacional, visando à realização da campanha de desarmamento, será feita no dia 10, bem como a campanha do Natal da Paz.
Encerro dizendo que prefeito nenhum, governante nenhum, seja em âmbito estadual ou nacional, sem a participação efetiva do ouvir da sociedade, das entidades, das representações, dos clubes de serviço e sindicatos, e com a sua parceria efetiva no trabalho, no direito e no dever, vencerá. Campo Grande quer vencer e os convida na proposta que faz para sediar o cinqüentenário do próximo ano, a possibilidade de lá termos todos os aqui presentes e todas as entidades e de projetarmos Campo Grande como quer ser, uma capital vanguardista nos direitos humanos, para que possa fazer da justiça e do seu dever o dever de todos nós, patriotas. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Os nossos agradecimentos ao Dr. André Puccinelli, Prefeito de Campo Grande.
Passamos a palavra ao Dr. Wagner Gonçalves, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão.
O SR. WAGNER GONÇALVES - Sr. Deputado Presidente da Mesa, demais componentes, Srs. Deputados presentes, senhoras e senhores, antes de mais nada, quero prestar uma homenagem à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados ao patrocinar este evento.
Creio que o tema "Atuação do Governo Brasileiro na área dos Direitos Humanos e as Experiências nos Estados e Municípios" já foi relatado tanto pelo Dr. Ivair Augusto dos Santos, Diretor do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, quanto pelo Dr. Belisário dos Santos Júnior, Secretário de Estado da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, e pelo ilustre Prefeito do Município de Campo Grande, Dr. André Puccinelli.
O Dr. Belisário dos Santos mencionou dois aspectos que acho muito relevantes, entre outros: primeiro, que direito é convivência e que há uma cultura do Estado em violar direitos humanos.
Primeiro, não temos o Estado. O Estado é uma hipótese, uma ficção. São os agentes do Estado que violam os direitos humanos e, nesses agentes, realmente existe essa cultura - não podemos negar.
Em relação ao direito como convivência e tolerância, a expressão usada por Gilberto Freyre quando lhe perguntaram: "Do que, afinal, o ser humano precisa para bem viver?" Ele respondeu: "Tolerância". Realmente precisamos de tolerância.
Lembro-me de que, em maio, estive em um seminário nos Estados Unidos, a convite do governo norte-americano, e foi uma satisfação essa experiência. Depois de sair de uma reunião com um advogado da SLU, uma grande ONG que defende os direitos civis e políticos naquele país, íamos em direção a uma lanchonete - lá não se almoça, só se lancha - e passamos perto de uma grande cadeia de lojas, a Macy's. Lá havia uma manifestação, com cartazes, e dois policiais ao lado dela. Eu perguntei: "Você poderia me explicar o que está acontecendo aqui?" Ele disse: "Ali eles estão fazendo uma manifestação na porta da loja para denunciar a venda de peles de animais, porque são ONGs que lutam contra essa venda. Os policiais estão ali porque, se eles pararem tampando a porta da loja, eles vão presos, porque eles não podem interromper a entrada daqueles que inclusive querem comprar aquele casaco de peles".
Achei interessante, primeiro, porque ele é considerado um dos radicais na defesa de direitos humanos mas, por outro lado, ele achou aquilo profundamente normal e continuamos andando. Quer dizer, para nós, temos mais é de fechar a loja. Então, temos, de ambos os lados, tanto uma cultura do Estado quanto uma cultura popular, em determinados momentos, de profunda intransigência.
Já que foram relatadas as experiências dos Estados, louvo, por exemplo, a do Estado de São Paulo, com essa experiência desencadeada no Governo Mário Covas, o Secretário de Segurança Pública, José Afonso da Silva, o trabalho do Dr. Belisário e também o da Ouvidoria da Polícia. São questões que outros Estados devem aproveitar, como também se relataram experiências em Campo Grande.
Realizamos recentemente, na semana retrasada, um encontro de Procuradores da Cidadania, na Procuradoria-Geral da República. Vários temas foram discutidos, como a criação dos Conselhos Municipais e Estaduais, e os Procuradores ficaram com a incumbência de lutar para implantar esses conselhos. É lógico que há Estados que já têm esses conselhos, mas eles irão atuar junto, verificar o funcionamento etc.
O que chama a atenção, na questão direitos humanos, é que já temos a legislação, instituições funcionando, um Ministério Público com a visão bem mais alargada, com atribuição de responsabilidades a partir da Constituição de 1988; temos, em alguns Estados, essas iniciativas fundamentais. É bom saber que hoje, por exemplo, atuamos junto ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça, e o Estado de São Paulo nem vem participando, o que é bom. Quando o Estado não vai para o Conselho, é sinal de que as autoridades locais estão funcionando a contento. Mas vamos esquecer isso. Por que, afinal, não funciona? Porque há uma seqüência de violação de direitos humanos neste País e o problema é muito mais grave.
Para rememorar que não temos um sentido democrático existencial inclusive entre nós mesmos, basta dizer que, apesar de uma Constituição tão democrática, permitiram-se medidas provisórias que não têm qualquer regramento: o Presidente da República faz o que quer, a hora que quer, e o Supremo nada modifica, não enfrenta o tema, a urgência e a relevância - nem todas as questões podemos dizer que há essa urgência e relevância. É só para mostrar o sentido da falta de democracia que temos. E essas medidas provisórias que, em muitos casos, violam a própria autonomia do Congresso Nacional. Mas essa é uma outra questão que estou falando apenas en passant.
A verdade é a seguinte: em alguns Estados, onde se aliam os poderes econômico, político e policial, não se pode fazer absolutamente nada, e não conseguimos levar os crimes que ali ocorrem para o âmbito federal porque ainda não se passou uma lei ou uma emenda à Constituição sobre a federação de crimes.
O que fazemos? Ficamos em gestões e recomendações. O ilustre representante do México nos trouxe a experiência da recomendação, que lá também é feita. Para mim, se não há pena correspondente à falta de atendimento daquilo, a recomendação é risco n'água. E nós, adotando a Lei Orgânica do Ministério Público Federal, temos recebido constantes recomendações dos colegas dos Estados. Elas são justificáveis? Algumas vezes são. Mas elas são eficazes na medida em que, na recomendação, se ameaça com a ação judicial correspondente. Se não tem a ação judicial correspondente, a recomendação nada vale, eles não obedecem. E quando se aliam esses três fatores - político, econômico e policial -, estamos, como se diz vulgarmente, "num mato sem cachorro".
Isso ocorre principalmente nos Estados do Nordeste. A verdade é que há uma dicotomia profunda entre a consciência de direitos humanos, vamos chamar assim, de uma maneira geral, de Brasília para baixo, e de Brasília para cima. Basta observarmos o que ocorre no Acre, no Rio Grande do Norte ou no Amazonas, estão aí três exemplos. Se é para se relatar experiências, vamos relatar rapidamente a desses três Estados.
Já fomos duas vezes ao Estado do Acre. Está aqui o colega Percílio de Souza, que participa da Comissão pelo CDDPH, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça. Até agora, conseguimos, com muita luta, prender duas pessoas de um grupo de extermínio - há mais de dois anos -, onde há a participação da Polícia Militar, a omissão do Governador e o envolvimento de Deputado Estadual. Ora, conseguiremos levar essas pessoas às barras dos tribunais? Vai ser difícil.
Então, temos boas intenções, leis bem-feitas, especificações de questões que todos devem iniciar, mas temos bolsões que envolvem algumas alterações ainda na nossa legislação. Já que o Conselho de Defesa de Direitos Humanos do Ministério da Justiça é a única maneira que temos para chegar ao Estado, temos que instrumentalizar esse Conselho para que ele estabeleça multa, que já está sendo prevista, censura, e que seja feito um cadastro das autoridades que violam os direitos humanos. E mais ainda: a União, como tal, deve imediatamente fazer uma reunião com os governadores para definir uma política nacional de direitos humanos e cortar crédito desses governadores que não fazem um plano de direitos humanos ou que não instalam um Conselho Estadual de Direitos Humanos, principalmente nos grandes Municípios onde não existe um Conselho Municipal de Direitos Humanos, e, ainda, que as polícias tenham as suas ouvidorias. Não é possível, se temos exemplos que devem ser seguidos, que não tenhamos desenvolvido isso em âmbito nacional por injunções políticas. O Plano Nacional de Direitos Humanos está aqui. Foi importante essa iniciativa do Governo Fernando Henrique Cardoso, mas não basta. As violações a que estamos assistindo em alguns Estados, principalmente nas Regiões Norte e Nordeste, irão acirrar-se no próximo ano, que será um ano de eleição, e sabemos que, nesse período, a violência no País aumenta por causa das injunções políticas. É fundamental que a União e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos tomem a iniciativa de chamar a si a incumbência de iniciar esse movimento para que os governadores assumam suas responsabilidades. Não basta simplesmente utilizar, como ocorre em alguns Estados, programas de direitos humanos ou falar em direitos humanos, como quase que um placebo, para ter posição na mídia ou ter resultados interessantes politicamente. Isso não nos interessa mais. É o nosso grande desafio. Incluo aqui o Ministério Público Federal. É a eficácia da atuação. Chega de se tentar resolver os problemas de uma maneira ingênua. A verdade é que em muitos Estados o poder político, unido ao capital e ao poder policial, gera impunidades. Temos de acabar com a impunidade em casos exemplares. O próprio CDDPH, que é um Conselho do Ministério da Justiça, que tem uma gama de atividades imensa e é fundamental para todos nós que atuamos com direitos humanos, vai ter que eleger casos prioritários e ir até às últimas conseqüências. Não podemos ir ao Estado, conversar com o Governador, fazer isso ou aquilo, visitar todas as autoridades, iniciar um movimento e voltar, deixar aquilo parado por outras circunstâncias até políticas. Não teremos o resultado que todos esperamos. A verdade é que todas essas iniciativas aqui relatadas são fundamentais. Os outros Estados que não as iniciaram têm de ser obrigados a iniciar, sob pena de se cortar os seus créditos e de entrar inclusive no cadastro nacional dos omissos ou dos violadores dos direitos humanos.
Os direitos humanos envolvem toda essa gama de atividades. Falou-se aqui em saúde. Se analisarmos um artigo da Lei nº 8.080, que regula o Sistema Único de Saúde que o Governo está privatizando, que é outro crime contra o qual estamos atuando, veremos que o exemplo é o próprio PAS, no Município de São Paulo. O próprio ex-Ministro José Serra declarou na ISTOÉ ou na Veja que o programa já não está funcionando, quer dizer, é uma violação gravíssima dos direitos humanos. Todos conhecem a situação dos hospitais públicos. Essa lei, no art. 4º ou 5º, diz que a saúde é uma situação - em outras palavras - tal em que a pessoa tenha condições físicas saudáveis, lazer, trabalho, habitação, emprego. Todas as questões de direitos humanos estão interligadas - aí vamos examinar outras mais de fundo: as políticas públicas e sociais. Quer se resolver ou não a questão de direitos humanos? Para isso precisamos ter políticas públicas, que é outra questão mais de fundo dessa situação e que compete aos ilustres representantes desta Casa atuarem para que se possa realmente resolver o problema, sem prejuízo para nós, que estamos à frente na questão dos direitos humanos, ou seja, para que possamos atuar topicamente nesses pontos, a fim de acabar com a impunidade e contribuir para que neste País haja respeito à dignidade da pessoa humana.
Já fui advertido em relação ao tempo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Agradeço ao Dr. Wagner Gonçalves, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, a participação.
Peço a paciência dos presentes, embora estivesse previsto o encerramento desta reunião para às 12h, em relação ao horário para que possamos levar este seminário até o final. Temos mais três pessoas para falar, e se cada uma delas utilizar os seus dez minutos, encerraríamos às 13h e não deixaríamos ninguém para falar na parte da tarde, deixando apenas para que o nosso Presidente efetivo desta Comissão, o Sr. Deputado Pedro Wilson, apresente as sugestões e a agenda para os eventos de 1998.
Concedo a palavra a Srª. Herilda Balduíno, representante da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.
A SRª. HERILDA BALDUÍNO - Sr. Presidente, demais companheiros, minhas senhoras e meus senhores, em nome dos advogados, falarei do tema que se abordou sobre a atuação do Governo brasileiro no Plano de Direitos Humanos.
Ouvi atentamente os que me antecederam. Quero dizer que todas as abordagens que foram feitas de prestação de contas, do que estão fazendo ou de situação de críticas, como fez o Sr. Wagner Gonçalves, são todas procedentes e é exatamente isso que ouvimos constantemente quando se reúne para falar em direitos humanos. Mas nós, advogados, temos uma visão muito crítica da atuação do Governo brasileiro e desse plano, porque entendemos muito bem o que é a violação dos direitos humanos. Estamos muito próximos das fontes onde isso ocorre. Quando qualquer problema acontece em relação à violação aos direitos humanos, a primeira coisa que se faz é procurar um advogado. São os nossos advogados que trabalham, que dão assistência e que fazem parte das Comissões de Direitos Humanos que existem em todos os Estados, em grandes cidades, em qualquer Município, chegando as denúncias até o Conselho Federal da Ordem dos Advogados, que surgem em número assustador. Temos consciência, e aqui já foi dito pelo Sr. Belisário dos Santos Júnior, que o Estado é o maior violador dos direitos humanos no Brasil. Então, trabalhamos com milhões de violações que chegam todo o ano no Conselho da Ordem dos Advogados. Por que nós advogados temos uma visão especial do problema da atuação do Governo e desse Plano de Direitos Humanos? Porque examinamos o Plano de Direitos Humanos dentro do contexto da atuação do Governo, dentro das macropolíticas do Estado. Não examinamos esse plano nem a atuação do Governo pelo enunciado de propostas que estão fazendo. Sabemos e temos consciência de que as violações de direitos humanos e a falta de provação dos direitos humanos no Brasil é fruto de um sistema econômico perverso, que privilegia segmentos sociais e despreza a maioria do povo brasileiro. Isso está muito claro para nós.
A Nação está absolutamente esquecida do Estado brasileiro. A Nação é o povo, o Estado é a ficção jurídica, como disse aqui o Procurador. É preciso fazer um Estado eficaz. Mas e o povo? E as pessoas que compõem esta Nação? Não vou enumerar essas violações porque ficamos cansados quando falamos sobre isso. Mas houve uma mudança. Há uma crise de excelência na sociedade. Os direitos humanos não significam apenas assistência a carentes. Primeiro, é preciso acabar com essa idéia de que direitos humanos é assistência a carentes. Direitos humanos não é matéria da assistência social; direitos humanos é cidadania, é dever do Estado de promover a dignidade de todos os brasileiros, de todas as pessoas que aqui vieram e todas as pessoas que aqui moram. Então, no momento em que se pensa por que vamos fazer tais e tais coisas que estão acontecendo e que estão faltando, que estão promovendo direitos humanos ou que estão agindo contra a violação dos direitos humanos, não se está prestando mais do que privilégios mínimos. Não precisamos fazer mais leis porque uma das coisas mais importantes que é preciso dizer é que há leis demais. Isso chama anomia positiva. Quando se faz essa quantidade de leis, ninguém sabe qual a lei que vai se cumprir. Não precisamos fazer mais leis para que o Estado atue. É preciso que o Estado tome consciência de que tem que fazer políticas públicas para atender aos direitos humanos, às políticas públicas de educação, de saúde, de segurança pública e sobretudo à política pública que vise um Poder Judiciário eficaz para coibir as violações de direitos humanos.
Estamos num período em que estamos vendo uma mudança profunda na Constituição. Fazemos não sei quantas reformas, as reformas principais que achávamos que deveriam ser feitas. Mas a reforma da Poder Judiciário não foi feita, porque ela, sim, vai tratar da cidadania, dos direitos dos brasileiros. Existe uma proposta de emenda que a Ordem dos Advogados não aderiu. Repudiamos a metade das coisas que foram propostas, porque a reforma do Poder Judiciário não é aumentar o número de tribunal e de juiz. É criar uma mentalidade para que esses tribunais e juízes, que vão aplicar o Direito, digam para que eles vieram, que tipo de justiça queremos. O povo brasileiro sabe muito bem que queremos a justiça social, queremos eliminar a pobreza e a miséria. Isso não é papel do Poder Judiciário? É sim. Quem examina a constitucionalidade das leis e dos atos é o Poder Judiciário. E vejam vocês que a Constituição determina o que é o salário mínimo e para o que ele serve. Mas nenhum salário mínimo atende ao que está na Constituição Federal. Então, é uma questão de dizer que precisamos de várias formas da atuação do Poder Judiciário para dizer que o salário mínimo de 120 reais é inconstitucional, é imoral, é contra a dignidade da pessoa humana, porque ele nega o primeiro dos direitos humanos, que é o direito à vida. Precisamos de reformas que venham a manter e garantir o emprego. Está-se votando, ou votou ontem, matérias para que sejam demitidos não sei quantos mil funcionários públicos. Em nome de que e de quem está-se fazendo isso? Que política de direitos humanos foi feita na área da alimentação? Da cesta básica? O que se produz neste País, que é uma potência agrícola, é para exportar, para ter divisas, mas na hora em que acontece alguma agitação qualquer do outro lado do mundo, vão-se os 9 bilhões de dólares.
Então, acho que temos que fazer uma reflexão crítica - e isso os advogados fazem - no sentido de que precisamos ter uma consciência de que o tratamento de direitos humanos sob a ótica jurídica é muito importante. É tão importante como o tratamento de direitos humanos sob as óticas política e sociológica, porque examinamos o Direito dentro de um tema holístico, como foi dito aqui pelo Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade. Queremos que todo esse elenco de coisas que aqui está seja cumprido, que não sejam apenas coisas formais. Foi muito bom que o Governo criasse a Secretaria de Direitos Humanos. É um ponto positivo. É muito bom que se tenha criado ouvidoria na polícia, é muito bom que se tenha tomado a providência de examinar, mas é preciso, não é bom, não, é preciso, é necessário, com a força que essas palavras têm no sentido jurídico. A lei tem de garantir os direitos humanos, dentro do complexo sociológico em que ela é aplicada e dentro da posição que temos.
Termino chamando a atenção para o fato de que nesta comemoração passamos a discutir no Brasil inteiro não o que trata apenas dos reflexos, mas o que trata das causas da violação dos direitos humanos. A causa das violações desses direitos humanos no Brasil chama-se discriminação contra o pobre. É preciso pôr abaixo o elitismo deste Governo pedante e pernóstico, que pensa que governar é colocar o Brasil no Primeiro Mundo. Governar, ser estadista, é pensar e ter compaixão da dor, da pobreza, da miséria dos brasileiros que compõem esta Nação. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Nossos agradecimentos à Dra. Herilda Balduíno, representante da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.
Gostaríamos de devolver a Presidência desta Mesa e destes trabalhos a seu titular, Deputado Pedro Wilson.
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao Deputado De Velasco a colaboração.
Pedindo a compreensão dos senhores membros da Mesa, para que possamos encerrar a tempo e à hora, passamos a palavra ao Dr. Benedito Mariano, Ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, militante do Movimento dos Direitos Humanos.
O SR. BENEDITO MARIANO - Sr. Presidente, Deputado Pedro Wilson, companheiros da Mesa, senhoras e senhores, companheiros militantes de movimentos e entidades de direitos humanos, em primeiro lugar, parabenizo a Comissão pela iniciativa. Efetivamente, vou falar por dez minutos.
A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo foi criada no dia primeiro de janeiro de 1995 e implementada no dia 20 de novembro de 1995, por decreto. Completamos agora dois anos.
Em 20 de junho de 1997, através do Conselho Consultivo da Ouvidoria, foi encaminhado ao Governo projeto de lei, que foi aprovado pela Assembléia Legislativa, tornando a Ouvidoria um órgão permanente, com autonomia e independência funcional - Lei nº 826/97.
Com a lei, o ouvidor passa a ter mandato de dois anos, com direito a uma recondução, um corpo de funcionários próprios e, mais que isso, o ouvidor passa a ser indicado ao Governador pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que tem 80% de seus membros provenientes da sociedade civil. É a sociedade civil organizada que agora tem a atribuição legal de indicar o ouvidor de polícia em São Paulo.
Nesses dois anos ouvimos cerca de doze mil pessoas e encaminhamos aos órgãos das duas polícias sete mil casos, dos quais 1.500 dizem respeito à violência cometida contra a integridade física do cidadão: tortura, homicídio, abuso de autoridade e ameaça, que resultou na punição de mais de setecentos policiais civis e militares.
Não temos dúvida de que a maioria absoluta desses policiais não seriam punidos se não existisse a Ouvidoria, porque, pelo perfil das pessoas que procuram a Ouvidoria, dificilmente iriam aos órgãos apuratórios das duas polícias.
A Ouvidoria também pretende ser um órgão propositivo. Vou citar três propostas que apresentamos ao Governo de São Paulo. A primeira, feita a pedido do Secretário, foi um novo regulamento disciplinar para a Polícia Militar de São Paulo, preparado pela Ouvidoria. O atual tem 54 anos, e das transgressões internas nele previstas 90% são strictu sensu militar. O novo regulamento prioriza a natureza civil da função de polícia preventiva e ostensiva. É expectativa nossa que, ainda este ano ou no começo do ano que vem, o Governador aprove esse novo regulamento disciplinar, mudando 56 anos de uma estrutura strictu sensu militar da Polícia Militar de São Paulo.
Também propusemos dar competência estadual à Corregedoria da Polícia Civil. Hoje o órgão corregedor da Polícia Civil só atua na capital. Isso contribui para que muitos dos casos da Grande São Paulo e do interior não tenham resultado satisfatório.
Foi proposta da Ouvidoria a criação de um seguro de vida especial para familiares de policiais civis e militares mortos ou feridos no exercício de suas atribuições. Foi implementado esse seguro em maio de 1996 pelo Secretário de Segurança Pública.
Propusemos a criação de uma disciplina permanente sobre direitos humanos na Academia da Polícia Civil, aceita pelo atual diretor. Em janeiro, através de concurso público, a academia terá dez novos professores para ministrar essa disciplina, cujos temas previstos são fundamentalmente vinculados à questão dos direitos humanos.
Também foi proposta da Ouvidoria a mudança da silhueta de tiro na estante de tiro da Academia da Polícia Civil, já implementada. Hoje, na Polícia Civil, prioriza-se atirar nos braços e pernas e não nas partes letais do corpo. Acredito ser a primeira silhueta de tiro preventivo da América Latina.
Fizemos um curso extensivo sobre o papel da polícia no Estado Democrático de Direito, com duração de dois meses, para 530 oficiais da Polícia Militar, professores e instrutores das cinco escolas de formação da PM, com 25 professores convidados, entre eles o Deputado Hélio Bicudo, o Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, sindicalistas, como Vicentinho, membros vinculados a entidades de direitos humanos, como a Presidente do CONDEP, o Pe. Júlio Lancelote. Discutimos temas vinculados à questão dos direitos humanos.
A cada três meses a Ouvidoria da Polícia divulga para o Governo e para a sociedade um relatório de prestação de contas de seu trabalho.
Acreditamos que a criação da Ouvidoria da Polícia só foi possível pela vontade política do Governador de São Paulo, Mário Covas, mas não temos dúvida de que sua construção foi obra exclusiva da sociedade civil, daí sua credibilidade externa, respeito interno e importância. A autonomia e independência agora previstas em lei não foram dádivas: foram uma conquista da sociedade civil de São Paulo e sobretudo das entidades de direitos humanos. Esse é o maior legado da primeira experiência de ombudsman de polícia no Brasil.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Nossos agradecimentos ao Dr. Benedito Mariano, Ouvidor das Polícias de São Paulo e militante do Movimento de Direitos Humanos.
Passamos a palavra ao Dr. Joelson Dias, representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
O SR. JOELSON DIAS - Boa-tarde a todos os presentes. Cumprimento os ilustres participantes deste painel na sua pessoa, Sr. Presidente.
Deus é pai realmente. Primeiro, meu nome saiu errado na programação; segundo ponto, sou o último a falar nesta manhã. Faço estas considerações porque, apesar de constar também da programação que represento o Movimento Nacional de Direitos Humanos, só faltou um detalhe: não combinei previamente com o Movimento o que ia falar durante esta exposição. Logo, estou assumindo plena responsabilidade por minhas palavras nesta manhã.
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Nós nos desculpamos, mas confiamos plenamente em V.Sa.
O SR. JOELSON DIAS - Espero que eu dê meu recado, porque, se não der - sem querer parodiar ninguém -, esqueçam o que eu disse.
A história da Declaração Universal dos Direitos Humanos é também a história da própria desgraça humana. O surgimento da Declaração é fruto da agonia, do desespero, da dor de uma humanidade que acabara de viver a tragédia e os horrores de uma segunda guerra mundial em menos de meio século. É a reação de um mundo civilizado, culto, desenvolvido, sofisticado, que em tudo se achava superior ao genocídio, ao holocausto, à destruição em massa, cuja barbárie provou que a tolerância, compreensão e solidariedade humanas são muito mais limitadas que as fronteiras geográficas, culturais e sociais que esta humanidade sempre convencionou.
Quase meio século depois a Declaração Universal tem servido ainda de inspiração para a elaboração dos mais diferentes pactos e fornecido as bases filosóficas e éticas, até, na elaboração de Constituições e documentos legais a nível nacional.
Independentemente de sua força jurídica, a Declaração Universal possui grande força moral e política, tendo inspirado a elaboração desses pactos e dessas Constituições. Em movimento dialético, a declaração nasce, assim, da tragédia humana, para resgatar a esperança e a dignidade dessa mesma humanidade, como instrumento destinado a assegurar a proteção dos seus direitos e liberdades fundamentais. Um dos aspectos ou parte do espírito então dessa declaração que não pode ser comprometido ou perdido, consiste exatamente em saber que a Declaração existe porque existem as desgraças humanas. Mas, por outro lado, esse mesmo aspecto consiste em saber também que, enquanto existirem essas desgraças humanas, a Declaração manterá vivo os seus propósitos de resgatar a esperança e a dignidade humanas, como instrumento de superação de sua tragédia em sua caminhada histórica. A Declaração consolidou entendimento de que tão-somente os esforços nacionais não bastariam à proteção dos Direitos Humanos. A Declaração sinalizou, assim, no sentido de que a preservação da dignidade humana ultrapassava fronteiras nacionais, clamando, na verdade, preocupação de ordem internacional.
A divisão do mundo em dois blocos iria, posteriormente, sugerir a divisão, também equivocada, dos direitos em duas gerações: os direitos civis e políticos dos direitos sociais, econômicos e culturais. Se a própria declaração apontava uma preocupação com a universalidade dos direitos humanos, desde um primeiro momento, a noção de indissociabilidade desses mesmos direitos ficaria à mercê dos embates políticos que à época se travavam no plano internacional.
Porém, acima da necessidade de manutenção de qualquer regime, poder ou interesse político, sempre se fez mais forte a proteção da dignidade humana. Os regimes, os interesses, as ditaduras, foram superados, mas a preocupação com a proteção desses direitos humanos nunca deixou de existir, para dar combate a esses mesmos regimes, interesses e ditaduras, recriados ou reinventados em outros modos ou lugares.
Para enfrentar tudo isso, utilizou-se, então, como instrumento, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, sempre renovada, recriada, transformada, conforme as circunstâncias, graças a amplitude, dimensão e importância de seu próprio texto, ou pela ação construtiva e interpretativa de seus diferentes operadores.
Essa é outra característica ou parte também do espírito da Declaração que não pode ser comprometido ou perdido: possibilidade de que seus critérios de valoração se modifique através dos anos, que seu processo de evolução histórica seja preservado, sempre, para garantir mais, para dar mais eficácia e efetividade à proteção dos direitos e garantias fundamentais do ser humano.
Em nosso caso particular, enquanto cidadão das Américas, nossa responsabilidade é ainda maior. A declaração americana de direitos do homem antecedeu à declaração universal em sete meses. Naquela época, foram as idéias destes cidadãos das Américas que serviriam então de paradigma para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Desde então, a nossa obrigação é pensar, inventar, criar instrumentos novos para o futuro. Temos a obrigação, assim, de anteciparmo-nos, sempre, na formulação das idéias, sem deixar de pensar em fazer o agora. Temos a responsabilidade de especular sobre o futuro, de sermos os primeiros, novamente, a propor instrumentos eficazes de combate a novas ou recriadas formas de exploração do ser humano e violação de seus direitos e garantias fundamentais.
Quis fazer essa introdução, porque ainda quero seguir o que consta da programação, ou seja, quero representar uma entidade não-governamental que faz parte do movimento social, dos movimentos populares. Acho importante que tenhamos nesta Mesa hoje entidades representantes do Governo, abordando com tanta clareza sua missão, falando quase que de igual para igual com as entidades representativas da sociedade organizada, acerca de medidas e critérios para a proteção dos direitos e garantias fundamentais do homem. Mas acho importante que, enquanto representantes da sociedade organizada, enquanto movimentos sociais, essas entidades não-governamentais, ainda que trabalhando em parceria com o Governo, ainda que trabalhando em parceria com o Estado, não se esqueçam de que tudo o que temos hoje, tudo o que já conseguimos até hoje, em termos de implementação e maior eficácia acerca da proteção dos direitos humanos, deu-se exatamente em razão dessa luta, desse combate e dessas denúncias que essas entidades não-governamentais sempre levaram adiante.
É bom ter o Estado como parceiro, mas não podemos confiar, acreditar e talvez nem mesmo querer que o Estado se substitua às entidades não-governamentais. Ao Estado cabe, sim, a obrigação de proteger o cidadão e dar eficácia às leis, enfim, de cumprir as obrigações assumidas a nível internacional, mas, enquanto entidades não-governamentais, representantes dessa sociedade civil organizada, não podemos nos deixar cooptar pelo mesmo Estado.
Foi dito hoje, sucessivas vezes, que o Estado é o maior violador dos direitos humanos. Este é o melhor e mais forte argumento que posso utilizar para provar realmente por que precisamos estar atentos ao espírito e aos propósitos de ambas as declarações, enquanto entidades da sociedade organizada, para cobrar, sim, do Estado, garantia e proteção aos direitos humanos, mas sem esquecer de nosso papel de pensar, criar e estar sempre adiante na formulação dessas políticas. Temos que lembrar que hoje o que temos é uma verdadeira jurisdicionalização dos direitos humanos. Quero dizer com isso que hoje temos a institucionalização e a instrumentalização dos direitos humanos. A institucionalização, por meio da criação das mais diversas entidades protetoras dos direitos humanos, jurisdicionais ou não, a nível nacional e internacional; a instrumentalização significa a positivação de tudo o que se reivindicou até hoje em termos de proteção aos direitos humanos. Isso é muito bom. Aliás, é uma conquista das entidades representativas da sociedade organizada. Por isso temos que defender essa institucionalização e também essa instrumentalização. Mas não podemos deixar que a luta pelos direitos humanos esgote-se nessa jurisdicionalização. Não queremos que a luta pelos direitos humanos se esgote numa instância jurídica, ou se esgote numa instância administrativa. Não queremos que a luta pelos direitos humanos esgote-se num mero instrumento. Tanto o instrumento quanto as instâncias protetoras precisam funcionar. E só vão funcionar com eficácia se a mesma denúncia, a mesma persistência, ou o radicalismo até dessas entidades representativas do movimento da sociedade civil organizada, continuarem ser levados a termo, como tem sido feito atualmente. Precisamos lembrar que a jurisdicionalização dos direitos humanos pode levar na verdade à criação de mais um instrumento de controle social dos direitos pelo Estado. Acho que temos que estar conscientes de que, enquanto o controle social dessas condutas oficiais ou particulares forem atentórios à dignidade humana, mediante essa intervenção ou mediação, na maioria dos casos promovida pelo Estado, acabaremos por comprometer a defesa desses mesmos direitos e também a defesa dessas vítimas, que são exatamente as pessoas que merecem de nós maior atenção, para que possamos reivindicar com maior vigor a proteção de seus direitos, ainda que não institucionalizados ou instrumentalizados.
Tem-se discutido muito hoje a questão da globalização, mas acho que, partidário ou não da globalização, não temos que efetivamente ter medo desse processo. Isso já aconteceu na Grécia antiga, no Renascimento, durante o mercantilismo, quer dizer, sempre houve um momento em que a idéia ou a realidade de uma comunidade internacional prevaleceu, e isso gerou - evidentemente que não da mesma forma - medo, temor, e levou até mesmo a dúvidas religiosas, dissolução de culturas e pessimismo.
É isso que temos que evitar com esta globalização, ou seja, que esses aspectos econômicos não comprometidos com a dignidade humana prevaleçam. Globalização significando intervenção da ordem internacional na ordem interna, para garantir e dar maior eficácia à proteção dos direitos humanos, sim; mas não para que essas prioridades existam tão-somente nas questões econômicas.
Por outro lado, temos que saber aproveitar essa globalização. Na medida em que o Brasil começa a discutir, por exemplo, a existência de uma instituição suprapartidária para regular a suas relações comerciais no MERCOSUL, acho que se torna mais difícil para o Estado justificar por que também não abre mão de parte de sua soberania e reconhece a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. É preciso saber casar esse discurso econômico com a questão dos direitos humanos, para cobrar do Estado a entrada do Brasil no Primeiro Mundo não só sob o aspecto econômico, mas também no que diz respeito à proteção aos direitos humanos.
Gostei de ver também, principalmente no que consta do Programa de Direitos Humanos do Estado de São Paulo, que não falamos mais em democracia ou direitos humanos; agora estamos falando em democracia e também em direitos humanos. Uma coisa realmente não existe sem a outra. Relembrando as palavras do representante do Governo chileno, Sr. Alejandro Salinas, é verdade que existem democracias ruins e democracias boas, mas acho que devemos buscar uma democracia sem adjetivos. Democracia ruim não é democracia. Essa é a luta que nós, enquanto entidades representativas da sociedade organizada, temos que travar sempre com o Estado.
Achei interessante notar também que, apesar de termos um discurso já avançado acerca da indissociabilidade dos direitos humanos, na prática continua-se a priorizar os direitos civis e políticos. É isso que temos nos dois programas. Não tive acesso ao programa de Campo Grande, infelizmente. Estou falando sobre o programa de São Paulo e do Programa Nacional. Acho que é um programa mínimo, louvável, fruto de lutas e reivindicações do Movimento dos Direitos Humanos, mas temos que atentar para isso, ou seja, não podemos continuar a fazer o discurso da indissociabilidade e permitir que, na prática, continue-se a priorizar os direitos civis e políticos. Acho que devemos estar muito atentos para essa repercussão por tabela no trato de outros direitos, como o Dr. Ivair expôs. Devemos acabar com essa repercussão por tabela e começarmos a tratar de maneira direta a questão dos direitos sociais, econômicos e culturais. Temos que nos lembrar que a dignidade humana é também afrontada de maneira negativa, através do não-ter, do não-possuir, do não-poder.
Fiquei satisfeito ao ouvir também o Dr. Belisário dos Santos Júnior falando sobre os quilombos. Tenho prestado consultoria jurídica à Fundação Cultural Palmares, que é um órgão vinculado ao Ministério da Cultura,e tenho acompanhado de perto a briga, a luta, que aquela fundação tem travado para fazer cumprir aquilo que o Antropólogo Olímpio Serra chama de "último capítulo legal do Escravismo no Brasil", que é a questão da titulação definitiva das comunidades remanescentes de quilombos, conforme previsto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos, essa questão foi contemplada no Programa de São Paulo, mas não existe com as palavras "titulação definitiva" no Programa Nacional. Precisamos atentar para isso e fazer com que se inclua também no Programa Nacional.
Finalmente, acerca da agenda para 1998, que será discutida, precisamos ultrapassar um pouco a questão das comemorações e lançar essas idéias no papel. Por issoi que estou sugerindo a instituição de um prêmio nacional, a ser conferido a uma monografia ou a um trabalho de pesquisa, enfim, uma investigação acerca do direito ou rumo a que a interpretação ou aplicação contemporânea tanto da Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto à Declaração Americana pode levar. Minha intenção é favorecer não somente este trabalho de pesquisa, de investigação, mas também de publicar todas essas monografias posteriormente, pelo menos as que forem selecionadas, aproveitando-as para a realização de um workshop, contando com a participação desses pesquisadores, para que possamos então discutir a viabilização dessas idéias.
Na medida em que esses programas de direitos humanos forem sendo implementados, tanto a nível estadual quanto a nível municipal, precisamos discutir de imediato a criação de um órgão, fórum, ou mesmo atribuirmos competência a um órgão já existente para que se responsabilize pela coordenação nacional na implementação dessas diferentes iniciativas.
Meu tempo está esgotado, Sr. Presidente, mas quero defender aqui um direito básico de todo cidadão, um deles, para que se coloque logo em eficácia, que é o direito à alimentação. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Achei muito esclarecedoras as palavras do Dr. Joelson Dias, advogado, militante, cuja luta é notória aqui em Brasília, em todo o Brasil, em instituições inclusive internacionais e junto ao Movimento Nacional dos Direitos Humanos, que é uma das expressões da sociedade civil. Este é o mote principal desta Comissão de Direitos Humanos: trabalhar com o Governo, o Legislativo, a sociedade civil e o Ministério Público. Não conseguimos trabalhar ainda com o Judiciário, mas ouvimos com atenção as palestras dos representantes do México, da Argentina e do Chile, e sabemos que a questão do Judiciário ainda é um obstáculo a ser vencido.
Gostaria de agradecer a todos a presença, em especial à OAB, ao Fórum das Comissões de Direitos Humanos dos Legislativos do Brasil, ao Movimento Nacional dos Direitos Humanos, à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, ao Departamento de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores, ao Instituto de Estudos Sócio-econômicos - INESC, ao Conselho Indigenista Missionário, ao Fórum Nacional contra a Violência no Campo, à CES - Coordenaria Ecumênica de Serviços e a todas as entidades que aqui compareceram. Especialmente gostaria de manifestar meu agradecimento pela presença dos representantes do México, do Chile e da Argentina, o que torna vitoriosa para nós a realização deste encontro. Gostaríamos de manifestar nossa intenção e, ao mesmo tempo, fazer um apelo para que nossa agenda seja divulgada já na próxima semana. Agradecemos, também especialmente, aos estudantes do Centro Acadêmico 11 de Agosto, de São Paulo, que expressa a luta estudantil pelos direitos humanos, lembrando-nos inclusive dos 150 anos do grande orador e poeta brasileiro, Castro Alves, símbolo da luta dos estudantes. A luta contra a Ditadura na América Latina foi de toda a sociedade, mas nela os estudantes tiveram papel importante na Argentina, no Chile, Brasil e México. Igualmente agradecemos, pela participação, aos homens e mulheres que acreditam na nossa luta. Passados cinqüenta anos, tivemos muitas vitórias, mas queremos mais vitórias ainda, ou seja, como o Dr. Joelson Dias disse: vamos passar para a luta prática pelos direitos humanos!
Agradeço aos componentes da Mesa o compromisso de todos na luta cotidiana pelos direitos humanos, convidando a todos para a última atividade deste anos da Comissão de Direitos Humanos. No dia 10 de dezembro próximo, terça-feira, vamos ter aqui audiência pública para tratar de questões de direitos humanos, com a presença de um representante dessa luta na da África do Sul, o Reverendo Jameson. Vamos estar aqui no dia 10 de dezembro fazendo um ato simples, uma audiência pública, mas ainda um ato no sentido da construção dos direitos humanos.
Dando um viva à luta de todos aqueles que acreditam que direitos humanos é democracia, pluralidade, tolerância, respeito à vida, à criança, ao idoso e a todos os desvalidos nesse momento na América Latina. Muito obrigado a todos pela presença!
Declaro encerrado o IV Fórum das Comissões de Direitos Humanos Legislativas do Brasil e este encontro preparatório para a comemoração dos cinqüenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, esperando que cada entidade presente aqui, sozinha ou em parceria, possa realizar atos, eventos, atividades e programações acerca não só da comemoração, mas da aplicação dos princípios, paradigmas e valores escritos na Carta Americana de Direitos Humanos de Bogotá, de abril de 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e, para nós brasileiros em particular, no art. 5º da nossa Constituição. Estamos comemorando também dez anos de nossa Constituição. Oxalá possa ela durar muito mais, com seus dispositivos pétreos e fundamentais, para que homens e mulheres possam aceitar este País como um país generoso para com seus homens e mulheres.
Muito obrigado e felicidade a todos. (Palmas.)
***

 

 

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