Relatório da
III
Conferência
Nacional de Direitos Humanos
Conferência
realizada nos dias 13, 14 e 15 de maio de 1998, no Auditório
Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados e palestras proferidas
durante o Encontro Preparatório das Comemorações do Cinqüentenário
das Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos,
realizado nos dias 3 e 4 de dezembro de 1997.
Centro
de Documentação e Informação
Coordenação
de Publicações
Brasília
- 1998
CÂMARA
DOS DEPUTADOS
DIRETORIA
LEGISLATIVA
Diretor:
Afrísio Vieira Lima Filho
CENTRO
DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO
Diretora:
Suelena Pinto Bandeira
COORDENAÇÃO
DE PUBLICAÇÕES
Diretora:
Nelda Mendonça Raulino
Edição:
Márcio Marques de Araújo
Registro
taquigráfico e primeira revisão: Departamento de Taquigrafia,
Revisão e
Redação
da Câmara dos Deputados
SÉRIE
Ação
Parlamentar
n.
84
COMISSÃO
DE DIREITOS HUMANOS
PRESIDENTE:
Deputado ERALDO TRINDADE (PPB-AP)
1º
VICE-PRESIDENTE: Deputado OSMAR LEITÃO (PPB-RJ)
2º
VICE-PRESIDENTE: Deputado LUIZ EDUARDO GREENHALGH (PT-SP)
3º
VICE-PRESIDENTE:
Deputado LUIZ ALBERTO (PT-BA)
SUMÁRIO
Apresentação......................................................................................
Cerimônia
de Abertura......................................................................
Pronunciamento
do Presidente, Deputado Eraldo Trindade .............
1º Painel: A aplicação
das normas de proteção aos Direitos Humanos nos planos
internacional e nacional...........................
Ministro
Marco Antônio Diniz Brandão........................................
Texto
da palestra do Professor Antônio Augusto Cançado Trindade
Memorial
em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos
Direitos Humanos nos planos internacional e Nacional.
Deputado
Hélio
Bicudo..................................................................
Dr.
Márcio Gontijo.........................................................................
Dr.
Romany
Rolland.......................................................................
Debates..........................................................................................
2º Painel:
A Concretização do Programa Nacional de Direitos
Humanos e a criação de programas estaduais.............................
Dr.
José
Gregori............................................................................
Professor
Paulo Sérgio
Pinheiro.....................................................
Reverendo
Romeu Olmar Klich......................................................
Deputado
Mário
Mamede...............................................................
Dr.
Belisário dos Santos Jr.
............................................................
Debates
..........................................................................................
Dra.
Maria do Perpétuo Socorro
Prado...........................................
Deputado
Nilmário
Miranda............................................................
Dr.
Carlos
Fernandes.......................................................................
Outras
participações........................................................................
Plenária
Final...................................................................................
Relatórios
dos Grupos de trabalho.....................................................
Grupo
temático 1: Programa Nacional de Direitos Humanos -
Aperfeiçoamento e
Implementação............................................
Grupo
temático 2: Formas de articulação visando a criação de
programas estaduais de Direitos
Humanos...............................
Grupo
temático 3: O Poder Judiciário e os Direitos
Humanos.............
Grupo
temático 4: O Poder Legislativo e os Direitos
Humanos...........
Grupo
temático 5: As normas internacionais de Direitos Humanos e o
reconhecimento da jurisdição das cortes internacionais no
Brasil
Moções
apresentadas e aprovadas em plenário..............................................
Convidados
presentes e entidades representadas............................................
Anexo
Anais
do Encontro Preparatório do Cinqüentenário da Declaração
Americana sobre Direitos e Deveres do Homem e da Declaração
Universal dos Direitos Humanos.................................
Cerimônia
de Abertura....................................................................
Pronunciamento
do Presidente, Deputado Pedro Wilson................
1º Painel: O significado
e o valor da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem......................................................................
Professor
Antônio Augusto Cançado
Trindade...............................
O
Legado da Declaração Universal de 1948 e o Futuro da Proteção
Internacional dos Direitos Humanos.......................
Deputado
Renato Simões...............................................................
2º Painel: A implementação
das recomendações de Viena e os novos paradigmas dos Direitos
Humanos....................................
Ministro
Marco Antônio Diniz Brandão.........................................
Deputado
Nilmário
Miranda..........................................................
Deputado
Nelson
Pelegrino...........................................................
Debates.........................................................................................
3º Painel: Situação e
perspectivas para os Direitos Humanos na América Latina.............................................................................
4º Painel: Atuação do
Governo brasileiro na área de Direitos Humanos e as experiências
nos Estados e Municípios.................
Dr.
Ivair Augusto Alves dos
Santos...............................................
Dr.
Belisário dos Santos Jr.
...........................................................
Dr.
André Puccinelli
......................................................................
Dr.
Wagner Gonçalves
..................................................................
Dra.
Herilda Balduíno
...................................................................
Dr.
Benedito Mariano
...................................................................
Dr.
Joelson Dias
............................................................................
APRESENTAÇÃO
É
com satisfação que disponibilizamos ao público este relatório
da III Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada pela
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em
parceria com diversas instituições públicas e entidades não-governamentais,
nos dias 13, 14 e 15 de maio de 1998.
A
Conferência Nacional de Direitos Humanos tem se consolidado
como o mais representativo fórum de discussão e proposição
dessa área em nosso país. A I Conferência, em 1996, reuniu
propostas que foram encaminhadas aos elaboradores do Programa
Nacional de Direitos Humanos, sendo muitas delas incorporadas. A
II Conferência, em 1997, avaliou a implementação do Programa
no seu primeiro ano de vigência, indicando propostas para sua
concretização.
A
III Conferência, relatada neste livro, teve por objetivo
comemorar o Cinqüentenário das Declarações Universal e
Americana dos Direitos Humanos. Para isso, procuramos analisar a
posição brasileira nos sistemas universal e americano de
direitos humanos. Também buscamos dar continuidade às discussões
e proposições visando ao aperfeiçoamento e à concretização
do Programa Nacional de Direitos Humanos, além de estimular a
criação de programas estaduais.
A
força dessas conferências - que não têm caráter
deliberativo - deriva de sua representatividade e da qualificação
de seus participantes. Um total de 506 pessoas participaram da
III Conferência, representando 276 instituições públicas e
organizações não-governamentais, participaram do evento.
Cumpre ressaltar o elevado nível das palestras e dos debates
realizados, animados pela participação de muitos dos expoentes
da reflexão teórica e da ação prática em direitos humanos
no Brasil.
Nesta
publicação, o leitor também encontrará, como anexo, os
registros do Encontro Preparatório das Comemorações do Cinqüentenário
das Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos,
igualmente realizado pela Comissão de Direitos Humanos, em
dezembro de 1997. A publicação conjunta desses anais se deve
à complementaridade dos dois eventos. Ambos foram promovidos
sob o marco do Cinqüentenário dos dois textos que balisam o
nosso sistema universal e interamericano de direitos humanos. Um
momento de intensificar nosso empenho e entusiasmo no sentido de
que o Brasil se integre de forma progressiva nesses sistemas.
Na
expectativa de que essa publicação seja útil no processo de
construção da cidadania em nosso País, agradecemos a todos os
que, com sua participação, tornaram a III Conferência
Nacional de Direitos Humanos um momento de afirmação do
compromisso com os Direitos Humanos.
Deputado ERALDO TRINDADE
Presidente
da Comissão de Direitos Humanos
Cerimônia de Abertura
13/05/98
SR.
APRESENTADOR - Senhoras e senhores
conferencistas, convidamos todos a tomarem assento neste plenário
para darmos início aos trabalhos da III Conferência Nacional
de Direitos Humanos.
Este
evento é uma promoção da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados, em nome da qual transmitimos nossas saudações
de boas-vindas a todos os presentes.
Antes
de compor a Mesa para a abertura dos trabalhos,
ouviremos o Quarteto de Cordas da Orquestra
Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro,
de Brasília, que apresentará Quarteto, de
Beethoven, e Anos Dourados, de Tom Jobim.
(Apresentação
do Quarteto de
Cordas) (Palmas.)
O
SR. APRESENTADOR - Nossos
agradecimentos ao Quarteto de Cordas da Orquestra Sinfônica do
Teatro Nacional Cláudio Santoro pela sua bela apresentação.
Nosso agradecimento, também, à Secretaria de Cultura do
Distrito Federal, na pessoa do Secretário Hamilton Pereira, que
possibilitou esta apresentação artística na abertura da nossa
Conferência.
Neste
momento, passaremos a compor a mesa para a abertura da III
Conferência Nacional de Direitos Humanos.
Temos
a honra de convidar para tomar assento à mesa o Exmo.
Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro (Palmas.);
o Exmo. Sr. Secretário Nacional de Direitos e representante do
Ministro da Justiça, Dr. José Gregori (Palmas.); o Exmo. Sr.
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Reginaldo Oscar
de Castro (Palmas.); o ilustríssimo representante da Organização
das Nações Unidas, Dr. Cristian Koch-Castro (Palmas); a ilustríssima
representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria —
CFEMEA —, Dra. Iáris Ramalho Cortês (Palmas.), o Exmo. Sr.
Coordenador da III Conferência Nacional de Direitos Humanos e
ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Deputado Pedro
Wilson (Palmas.) e, para presidir os trabalhos desta Conferência,
o Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos,
Deputado Eraldo Trindade (Palmas.)
O
SR. PRESIDENTE, DEPUTADO ERALDO TRINDADE -
Ao assumir os trabalhos desta Conferência, convido o Secretário-Geral
da CNBB, Dom Raimundo Damasceno, para fazer parte da mesa.
Em
nome da Comissão de Direitos Humanos e da Câmara dos
Deputados, desejo a todos um bom dia e quero agradecê-los por
estarem presentes a esta Conferência. É com muita honra que
abrimos a III Conferência Nacional de Direitos Humanos,
encontro que já começa com perspectivas promissoras,
considerando-se as presenças tão numerosas quanto qualificadas
neste plenário.
Em
nome de todos os integrantes da Comissão de Direitos Humanos,
expresso nossa calorosa saudação a todos os presentes, aos
integrantes da Mesa, às autoridades dos Poderes Legislativo,
Judiciário e Executivo, aos representantes das organizações não-governamentais,
aos membros do Corpo Diplomático, aos professores, aos
estudantes e a todos os demais participantes desta Conferência.
Cabe-me
esclarecer que a presente Conferência não tem caráter
deliberativo. Trata-se de uma instância coletiva de âmbito
nacional, cujas proposições serão por todos nós apresentadas
e encaminhadas na forma de indicações. Essas indicações,
naturalmente, emergirão da Conferência respaldadas pela
legitimidade derivada quer de sua representação e qualidade,
quer pelo conhecimento, vontade e compromisso público de todos
nós. As indicações serão remetidas às autoridades e aos
organismos incumbidos dos assuntos que aqui serão discutidos.
Nossa
expectativa é de que as contribuições desse encontro venham a
ter merecida acolhida, tanto entre as instituições públicas
com responsabilidade pela proteção dos direitos humanos quanto
entre as entidades privadas atuantes nessa área em todo o País.
Quero
registrar o apoio que tivemos de várias organizações
sinceramente empenhadas num trabalho voltado para afirmação
dos direitos humanos. Esta Conferência, que tem a chancela da Câmara
dos Deputados, é uma promoção da Comissão de Direitos
Humanos da Casa, que tenho a honra de presidir. E contou com o
decisivo apoio das seguintes entidades: Fórum das Comissões
Legislativas de Direitos Humanos; Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil; Secretaria Nacional de Direitos Humanos;
Anistia Internacional; Fórum Nacional Contra a Violência no
Campo; Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC; Movimento
Nacional de Direitos Humanos; Comissão de Direitos Humanos da
OAB do Distrito Federal; Centro de Proteção Internacional de
Direitos Humanos; Comissão Pastoral da Terra; Comissão de
Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia; Fundação
Educacional do Distrito Federal; Movimento Nacional dos Meninos
e Meninas de Rua; Associação Brasileira dos Anistiados Políticos;
Comissão Brasileira Justiça e Paz.
Registro,
também, nosso agradecimento ao Deputado Pedro Wilson,
ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos, que coordenou a
preparação desta Conferência, emprestando sua experiência,
conhecimento e talento na luta pelos direitos humanos.
Para
nós, é extremamente gratificante poder contribuir para dar
continuidade ao processo bem-sucedido que têm sido essas conferências.
A Conferência Nacional dos Direitos Humanos tem-se consolidado
como o mais representativo fórum de discussão e proposição
na área em nosso País.
A
primeira Conferência, em 1996, reuniu propostas que foram
encaminhadas aos elaboradores do Programa Nacional dos Direitos
Humanos, sendo muitas delas incorporadas. A II Conferência, em
1997, avaliou a implementação do programa em seu primeiro ano
de vigência, além de ter servido de parâmetro para priorização
de alguns pontos do programa. A III Conferência, que ora se
realiza, tem por objetivo primordial comemorar o cinqüentenário
das Declarações Universal e Americana dos Direitos Humanos.
Para isso, escolhemos junto às entidades parceiras desta promoção
o tema "Os Cinqüenta Anos dos Direitos Humanos — Utopia
e Realidade".
Nesses
dois dias e meio do encontro que estamos iniciando, vamos,
juntos, discutir e propor o aperfeiçoamento e a máxima
concretização do Programa Nacional dos Direitos Humanos.
Buscaremos definir estratégias conjuntas para a criação de
programas estaduais de direitos humanos e, finalmente, faremos
uma reflexão sobre a posição brasileira nos sistemas
universal e americano dos direitos humanos.
Nossa
contribuição poderá ser fundamental no sentido de
estimularmos o Governo e a sociedade a somar esforços na
implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos, que
hoje completa dois anos desde sua edição pelo Exmo. Sr.
Presidente da República.
Na
realidade, são ainda muito tímidos os esforços no sentido da
implementação do programa. É necessária a urgente aprovação
de projetos que dão substância ao programa de direitos humanos
e que se encontram em lenta tramitação no Congresso Nacional.
Alguns desses projetos prioritários são de autoria do Poder
Executivo, como o que cria o Serviço de Proteção a Vítimas e
Testemunhas Ameaçadas, o que federaliza os crimes contra os
direitos humanos, o que institui penas alternativas, o que cria
o Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Não
há dúvidas de que há boas propostas em pauta. Talvez falte
mais empenho do Governo junto à base política para acelerar
essas votações no Congresso. Em nossa opinião, esses projetos
deveriam ser efetivamente priorizados e acelerada a sua votação.
De nossa parte, na Comissão de Direitos Humanos desta Casa,
temos nos esforçado para sensibilizar as lideranças políticas
nesse sentido.
Por
outro lado, sabemos que a apreciação dessas matérias, pela própria
natureza do processo parlamentar, demanda muito tempo. Mas uma
sinalização clara de sua prioridade por parte do Presidente da
República, aliada à manifestação das instituições públicas
e organizações não-governamentais aqui presentes, acredito
que contribuiria, e muito, para acelerarmos essas votações.
Uma manifestação de boa vontade do Governo e de todos nós
neste ano em que comemoramos o cinqüentenário da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana de
Direitos Humanos seria atribuir essa prioridade às matérias em
tramitação no Congresso Nacional.
Desejo
anunciar, com muita satisfação, a presença das crianças
representantes da Marcha Global pela Erradicação do Trabalho
Infantil, para as quais solicito aplausos. (Palmas
prolongadas durante entrada de cerca de 100 crianças no plenário.)
Mais
uma vez, queremos agradecer, em nome da Comissão de Direitos
Humanos, a presença dessas crianças.
Antes
de passar a palavra aos próximos convidados, chamo a Daiane
Gomes da Silva, integrante do grupo de crianças, da
Arquidiocese de Porto Alegre, para fazer uso da palavra,
naturalmente apresentando aos senhores convidados informações
significativas a esta conferência.
Com
a palavra a representante da Marcha Global pela Erradicação do
Trabalho Infantil, Daiane Gomes da Silva, da Arquidiocese de
Porto Alegre.
A
SRTA. DAIANE GOMES DA SILVA - Vou ler um documento elaborado
a partir das discussões das crianças nos vários Estados do
Brasil, por ocasião da Marcha Global contra o Trabalho
Infantil.
Somos
crianças do Brasil. Estivemos nos reunindo nos vários Estados.
Estudamos e detalhamos a situação das crianças em nosso País.
Nesses
seminários da Marcha Global contra o Trabalho Infantil concluímos
que era muito importante fazer um documento para entregar ao
Presidente da República e às pessoas que têm responsabilidade
sobre nossas vidas.
A
gente sonha muito. Sonhamos com um dia em que todos nós
possamos viver nossa infância e adolescência com dignidade.
Estamos exigindo o direito de cidadania que nos vem sendo
negado. Tem gente grande que acha que não podemos ficar
exigindo nada; que se a nossa situação não está boa, a gente
tem que se virar, e pronto. Mas sabemos que o art. 227 da nossa
Constituição Federal diz que a gente é prioridade absoluta. O
Estatuto da Criança e do Adolescente tem uma porção de coisas
boas que não são levadas a sério pela nossas autoridades.
Vemos que a sociedade exige tanto das crianças, mas ainda faz
muito pouco por nós. Estamos vendo que a Marcha Global é muito
importante. O trabalho para nós não é nenhum motivo de
alegria; causa-nos muita dor e sofrimento. A gente ainda tem
nosso corpo em formação. O trabalho traz para as crianças sérios
problemas físicos. Nossa vida acaba ficando torta.
O que queríamos mesmo era poder
estudar, brincar, conviver, com saúde, na
família e na comunidade.
Muitas
vezes, enquanto trabalhamos, estamos tirando o emprego de nossos
pais. É claro que não estamos nos negando a ajudar a mãe, lá
em casa, ou a ajudar o pai, às vezes, lá na roça, mas isso não
pode ser a coisa mais importante da vida da gente. Não
aceitamos o trabalho que nos explora. A responsabilidade de
garantir a vida da família é dos nossos pais, dos adultos, não
é nossa. Mas nossos pais estão desempregados, nossas mães estão
desempregadas. Quando eles têm empregos, os salários são
muito baixos. A situação em nossas casas está muito
complicada. A gente queria ver como vocês iriam se virar com
uma vida assim.
Acreditamos
que o Presidente da República tem que dar mais atenção às
pessoas que vivem no campo: terra para os que querem trabalhar
nela. Só assim as pessoas deixarão de vir para cidades e vai
haver mais alimentos para todos.
Queremos
estar nas escolas. Por causa da situação econômica, tendo que
trabalhar desde cedo, muitas crianças nunca estarão nelas.
Outras entrarão e terão que trabalhar também. Fica muito difícil
aprender assim e permanecer na escola. Achamos que o trabalho de
criança é o dever da escola. Isso não é brincadeira!
Queremos que as escolas sejam lugares bons para nós. Que nossos
professores tenham bons salários e estejam motivados para nos
ensinar com paixão.
Também
é verdade que muitas crianças e adolescentes estão sendo
obrigados a se prostituírem para auxiliar na manutenção da
família. Nossos corpos não são dados para serem explorados,
eles são um território sagrado. Tem gente que diz que é
melhor trabalhar que roubar. Achamos que é melhor estudar que
roubar e também que é melhor estudar que trabalhar. (Palmas.)
Estamos
apresentando soluções para o problema do trabalho infantil e
acreditamos que os adultos podem resolvê-lo — por favor, não
nos decepcionem: fiscalização sobre o trabalho infantil e punições
severas aos exploradores; ampliação da bolsa-escola ou dos
programas de renda mínima no Brasil; garantia a todas as crianças
de acesso, reingresso, permanência e sucesso em escola de
qualidade; ampliação da oferta de emprego aos nossos pais e
salários que sejam suficientes para garantir as necessidades
das famílias; ratificação e respeito à Convenção 138, da
Organização Internacional do Trabalho, que determina a idade mínima
para o ingresso no mercado de trabalho; aprovação do Projeto
de Emenda à Constituição nº 413/96, que proíbe o trabalho
de crianças e adolescentes menores de 14 anos, inclusive na
condição de aprendiz; cumprimento do Estatuto da Criança e do
Adolescente com a implantação dos conselhos tutelares dos
direitos em todos os Municípios do País.
Brasília,
13 de maio de 1998. (Palmas.)
Agora,
convido meus colegas a entregarem o documento às autoridades
que compõem a Mesa. (Palmas.)
O
SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade)
- Agradecemos às crianças integrantes da Marcha Global
pela Erradicação do Trabalho Infantil, que tanto abrilhantaram
o início desta Conferência. Essas crianças estarão dentro de
alguns instantes com o Presidente da Câmara, Deputado Michel
Temer, entregando a S.Exa cópia desse documento e solicitando
providências com relação a alguns projetos em tramitação na
Casa.
Dando
seqüência à presente Conferência, esta Presidência tem o
prazer de passar a palavra ao Exmo. Sr. Procurador-Geral da República,
Dr. Geraldo Brindeiro.
O
SR. GERALDO BRINDEIRO - Exmo. Sr. Presidente, Deputado
Eraldo Trindade, autoridades presentes, senhoras e senhores,
para mim é um grande privilégio estar participando desta III
Conferência Nacional de Direitos Humanos, por ocasião da
celebração do cinqüentenário da Declaração Universal dos
Direitos Humanos e para celebrar, também, a Declaração
Americana de Direitos e Deveres do Cidadão.
Desejo,
em primeiro lugar, cumprimentar a Comissão de Direitos Humanos
da Câmara dos Deputados e todas as organização de direitos
humanos e seus representantes aqui presentes pelo extraordinário
trabalho que vêm realizando em defesa dos direitos humanos
neste País. Também cumprimento a Secretaria Nacional de
Direitos Humanos, aqui representada pelo Dr. José Gregori.
O
Presidente da República Fernando Henrique Cardoso foi muito
feliz quando disse que o novo nome da democracia é direitos
humanos. É uma tarefa longa e difícil a efetivação dos
direitos humanos não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
Depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948,
da ONU, que celebrará, no segundo semestre de 1998, cinqüenta
anos, muitos documentos importantes sobre esses direitos foram
elaborados não apenas nas Américas, mas em âmbito universal.
Tem-se
hoje plena consciência de que em se tratando de direitos
humanos não pode haver dicotomia entre direitos civis e políticos,
direitos econômicos, sociais e culturais. De um lado,
liberdades públicas e direitos civis têm de ser assegurados.
Por outro, numa ditadura, eles são negados, com a promessa de
se assegurar o bem-estar social — direitos econômicos,
sociais e culturais. Isso é uma falácia. Na verdade, não
existe essa dicotomia. A realização dos direitos humanos se
deve a uma busca permanente aos anseios da pessoa humana e do
respeito a sua dignidade e abrange não só a liberdade, os
direitos civis e políticos, mas também o bem-estar: direitos
econômicos, sociais e culturais.
Existiram
e existem violações gravíssimas no campo dos direitos civis não
só em nosso País, mas em todo o mundo, como durante o período
do regime militar, quando houve tortura — violação das
liberdades públicas. E também no campo social. Acabamos de ver
aqui manifestação da Marcha Global contra o Trabalho Infantil,
questão gravíssima de violação aos direitos humanos,
prostituição infantil, discriminações de minorias, questões
relacionadas aos indígenas, preconceitos.
Uma
agenda de realização dos direitos humanos exige um regime
democrático, onde se possa debater as matérias, procurar
efetivamente enfrentar as questões relativas a eles e buscar
soluções, numa luta constante e contínua. Daí a importância
da consolidação do regime democrático no Brasil. E, como
todos sabemos, durante toda a nossa história esses períodos
foram escassos.
O
Conselho de Defesa do Direito da Pessoa Humana, do qual sou
membro, constituído pelo Ministro da Justiça, pelo
Procurador-Geral da República, pelo Secretário Nacional de
Direitos Humanos, que preside o Conselho, e por representantes
da CNBB, da Ordem dos Advogados do Brasil, das universidades e
de organizações de direitos humanos, tem discutido temas sobre
direitos humanos e proposto aos Poderes Executivo e Legislativo
alterações na legislação, a fim de procurar viabilizar o
combate às violações dos direitos humanos.
Algumas matérias já foram
trazidas ao Congresso Nacional e modificadas, como a
jurisdição da Justiça Comum para crimes cometidos por
policiais militares. Ainda está no Congresso Nacional a
definição de crimes contra os direitos humanos para levá-la
para a área da jurisdição federal, a reformulação do
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
Ocorre uma luta não apenas no campo dos fatos, para combater
aqueles que violam os direitos humanos, que cometem crimes, mas
também no campo legislativo, para aperfeiçoar a legislação e
permitir que se possa combater no campo judicial, com maior
efetividade, a violação dos direitos humanos.
Esta Conferência, mais uma vez, se revela, especialmente sendo
realizada neste ano de 1998, em que se comemora o
cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
extremamente importante para se manter a fé e a determinação
na realização dos objetivos daqueles que acreditam ser
essencial, numa democracia, a defesa dos direitos humanos.
Nesta Conferência serão discutidos temas importantes, com a
presença de pessoas cujas biografias estão ligadas não só ao
campo teórico e doutrinário, mas à ação efetiva de
proteção aos direitos humano. São temas importantíssimos
não só no âmbito nacional, mas também no internacional.
Para finalizar, quero dizer, tal como foi dito há pouco pela
representante da Marcha Global contra o Trabalho Infantil e
parodiando as palavras do Pastor Martin Luther King, dos Estados
Unidos da América, que tenho um sonho - acho que todos temos -,
que é ver este País com a democracia consolidada, estável,
onde se respeita a Constituição, os direitos humanos e que
assegure a todos os brasileiros liberdade e bem-estar. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Nossos
agradecimentos ao Sr. Procurador-Geral da República, Dr.
Geraldo Brindeiro, por se fazer presente a esta Conferência e,
com sua palestra, contribuir de maneira significativa para a
adoção de medidas por parte da Comissão de Direitos Humanos.
Lembro aos senhores presentes que hoje, às 14h, teremos o
primeiro painel, cujo tema é "Aplicação das Normas de
Proteção aos Direitos Humanos nos Planos Internacional e
Nacional". Amanhã, às 9h, haverá o painel
"Concretização do Programa Nacional de Direitos Humanos e
Criação de Programas Estaduais". Em seguida, esta
Presidência mencionará os nomes dos convidados que estarão
participando como debatedores e expositores dos painéis em
questão.
Concedo a palavra ao Exmo. Sr. Secretário Nacional de Direitos
Humanos, que também representa, nesta oportunidade, o Sr.
Ministro da Justiça, que por motivos outros não pôde
comparecer.
Com a palavra o Dr. José Gregori. (Palmas.)
O SR. JOSÉ GREGORI - Na pessoa da Dra. Iáris Cortês, saúdo
os companheiros de Mesa.
Minhas amigas e meus amigos, hoje estou aqui para cumprir uma
missão institucional, uma vez que recebi a delegação do
Ministro da Justiça, Dr. Renan Calheiros, para representá-lo
na abertura desta Conferência. Amanhã, pela manhã, vamos
conversar mais especificamente sobre a temática desta
Conferência.
Entretanto, não gostaria de fazer essa delegação passar
apenas pela faixa protocolar da representação, mas dizer pelo
menos duas coisas: a primeira, saudar os organizadores desta
Conferência; a segunda, saudar a Comissão de Direitos Humanos
da Câmara dos Deputados, que hoje continua uma saudável
tradição de fazer essas conferência, e apresentar a ela meus
respeitos
O Presidente atual, Deputado Eraldo Trindade, segue a linha dos
Deputados Pedro Wilson, Hélio Bicudo e Nilmário Miranda. De
maneira que é, para quem está na militância dos direitos
humanos, um fato muito importante saber que a Casa do povo, a
Câmara dos Deputados, não tem esmorecido no seu esforço no
sentido de lutar pela promoção dos direitos humanos. E
cabe-lhe uma dura tarefa, uma vez que a bandeira dos direitos
humanos ainda não foi devidamente encampada pela classe
política no Brasil.
Sei do esforço pioneiro que os integrantes desta Comissão têm
feito no sentido de levar a mensagem dos direitos humanos a um
setor ainda arredio a essa palavra, o setor político do Brasil.
Mas, felizmente, a fibra e a constância dos integrantes desta
Comissão são muito grandes. Por isso, mais uma vez, venho aqui
e constato que esse esforço continua. Portanto, a minha
primeira palavra é de congratulações com os organizadores
deste congresso.
A segunda palavra é que já houve tempo em que praticamente eu
era capaz de dar o nome e até o CGC de cada um daqueles que
compunham o mundo dos direitos humanos. No entanto, verifico por
esta platéia que esse quadro vem se ampliando de ano para ano,
vem- se fazendo cada vez mais representativo de todos os setores
que realmente integram-se na luta pelos direitos humanos para
consolidar a democracia brasileira. É realmente uma alegria
verificar de ano para ano o quanto este auditório vai se
ampliando, que ele vai ganhando a legitimidade de representar,
cada vez mais, setores da sociedade brasileira.
Houve um tempo em que meia dúzia de abnegados levava a bandeira
dos direitos humanos e quase sempre contra os governos, contra o
Estado. Hoje já se pode falar, se não numa identidade, pelo
menos em boas parcerias dos governantes com os militantes dos
direitos humanos.
A Igreja sempre esteve presente, sem dúvida alguma, mas hoje
já podemos falar em igrejas, porque a pluralidade dessa
representação também começa a se fazer no campo dos direitos
humanos.
Visualmente, já faço um balanço que é altamente
superavitário do ponto de vista de quanto vai se ampliando o
espectro da representação do movimento dos direitos humanos.
Acho que para isso tem valido muito o esforço, a abnegação,
não só dos pioneiros, mas de todos os que vão se integrando
à luta pelos direitos humanos. Mas acho também que seria
injusto não registrar objetivamente, sem nenhum tipo de
ufanismo, o esforço que alguns Governos, especialmente o
Governo Federal, têm feito nesses anos para se integrar a essa
luta pelos direitos humanos. Foi feito um programa nacional de
direitos humanos. Foi criada uma secretaria e está-se fazendo
um esforço, que ainda não se concluiu, mas se pode dizer que
já saiu do zero, no sentido de criar neste País uma política
pública e uma consciência geral pelos direitos humanos,
sobretudo, porque - não vou dizer isso para ninguém aqui -
ninguém chegou aqui de improviso, ninguém chegou aqui porque
caça borboletas, mas, sim, porque luta por algum setor que
precisa dos direitos humanos e, mais do que isso, é preciso que
esse setor se amplie na representação e na concretização de
reivindicações. Portanto, V.Sas. sabem do que estou falando.
Nós vivemos num País violento, num País onde a taxa relativa
ao desrespeito aos direitos humanos é muito grande. Diante
disso, nenhum setor, seja governamental, seja
não-governamental, seja civil, seja religioso, pode se orgulhar
do seu desempenho. Todos nós, sem nenhuma exceção, estamos em
débito com este País, porque realmente essas taxas que dizem
respeito aos direitos humanos são a prova de que se o nosso
trabalho é grande, ainda é insuficiente para mudarmos essa
situação. Não é fácil a luta pelos direitos humanos num
País com a nossa realidade, com tão grande carga de
violência. Mas acho que os direitos humanos são o fato novo
nessa luta contra a violência. Agora temos esperança crescente
de que vamos mudar essa situação. Os direitos humanos, a meu
ver, são um instrumento dos mais válidos e eficazes na luta
para diminuirmos a violência, e neste ano, sob a inspiração
do cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, temos motivos ainda maiores para continuar lutando.
Acredito que o nosso século XX vai ser resgatado de tantas
guerras, de tantos holocaustos, de tantos genocídios, por dois
fatos: um é a emancipação dos povos e dos países que viviam
subjugados sob o colonialismo. O século XX é, sobretudo, o
século da emancipação, da independência desses países e, em
segundo lugar, o século XX será conhecido como o século que
proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, a
rigor, com o colapso das ideologias, com o colapso das certezas
totalitárias, é a âncora única que sobrevive para estear a
transição do século XX para o século XXI.
Portanto, esse documento é muito importante, mas ele precisa
ser vivenciado em concreto pelo cotidiano de todos os povos
deste mundo.
Sob a inspiração desse cinqüentenário é que se abre esta
conferência, que, sem dúvida alguma, deverá ser uma
conferência crítica, de troca de opiniões independentes,
vigorosas. O Governo, com humildade, como fez nas outras
conferências, vai receber as críticas e sugestões.
Portanto, parabéns, Deputado Eraldo Trindade, pela realização
desta Conferência, parabéns a todas as minhas amigas e meus
amigos. Tenho a certeza de que essa luta é comum e, apesar de
todas as dificuldades, chegaremos um dia a ter respeitados os
direitos humanos neste País.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade.) - Muito obrigado,
Dr. José Gregori, pelas referências feitas à Comissão de
Direitos Humanos. Gostaríamos de, em nome desta Comissão, dar
o testemunho de que a Comissão de Direitos Humanos tem recebido
todo o apoio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos do
Ministério da Justiça,. Na última reunião do Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana firmou-se um pacto no
sentido de o Congresso Nacional trabalhar pela aprovação dos
projetos que tramitam nesta Casa, não só esta Comissão, e
também de a própria Secretaria Nacional de Direitos Humanos
implementar suas ações, como já vem fazendo, no sentido de
defender os direitos humanos no País inteiro.
Gostaria de informar aos presentes que ainda não tiveram acesso
à programação que hoje, a partir das 14h, teremos o primeiro
painel: "Aplicação das Normas de Proteção aos Direitos
Humanos nos Planos Nacional e Internacional", sendo
expositores o Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade,
Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; o
Ministro Marco Antônio Dias Brandão, Diretor-Geral do
Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério
das Relações Exteriores; o Deputado Hélio Bicudo, membro da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Concedo a palavra ao Exmo. Sr. Presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil, Dr. Reginaldo Oscar de Castro. (Palmas.)
O SR. REGINALDO OSCAR DE CASTRO - Exmo. Sr. Presidente da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Deputado
Eraldo Trindade, Exmos. Srs. integrantes da Mesa, Exmos. Srs.
Parlamentares, Dr. Romany Roland Cansanção Mota, Presidente da
Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil, na pessoa de quem saúdo os demais membros de comissões
de direitos humanos da Ordem dos Advogados e de movimentos de
direitos humanos aqui presentes, Srs. magistrados, membros do
Ministério Público, Sras. e Srs. advogados, senhoras e
senhores, ao agradecer ao atencioso convite de V.Exa., Sr.
Presidente, para participar desta sessão de abertura da III
Conferência Nacional de Direitos Humanos, agrada-me sublinhar o
quanto me pareceu oportuna a escolha do tema central deste
conclave: "Os Cinqüenta Anos de Direitos Humanos - Utopia
e Realidade".
Se bem entendi, os propositores deste desafiante temário visam
a algo mais do que focalizar tão-somente o cinqüentenário da
aprovação pela Assembléia Geral das Nações Unidas da
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A meu sentir, colocados os cinqüenta anos da Declaração
Universal ao lado de termos aparentemente antagônicos, tais
como utopia e realidade, somos conduzidos a perquirir em
profundidade se os postulados ínsitos da Declaração traduzem
utópicas formulações ou se representam realidades viáveis
que, se ainda não concretizadas, estejam pelo menos a caminho
de o serem.
O desafio tanto é fascinante que está a me inspirar três
brevíssimas considerações que a seguir passo a tecer: entre
as várias acepções do termo utopia duas há que melhor nos
podem ajudar no deslinde desse questionamento. À utopia
costuma-se atribuir uma conotação negativa pela qual se lhe
confere o significado de veleidade ou de projeto quimérico,
irrealizável no tempo e no espaço. Nessa acepção, nem o mais
bisonho principiante em ciência jurídica ousaria associar
utopia a direitos humanos. É que ele não ignoraria que a
Declaração reconhece e proclama um conjunto de prerrogativas
individuais e coletivas envolvendo direitos civis, políticos,
econômicos e sociais invioláveis. Tampouco ele poderia ignorar
que aprovados pelos participantes da Assembléia das Nações
Unidas, subscritos pelos representantes de seus Estados-membros,
inclusive do Brasil, os preceitos enunciados na proclamação
asseguram direitos aos indivíduos e às coletividades e impõem
obrigações jurídicas de inquestionável concretude aos
Estados-membros.
Entretanto, ao termo utopia confere-se também outra
conotação, a de um projeto transformador de alto alcance, a de
um grande ideal, colocado em horizonte distante, é verdade, mas
dotado de instrumentos consistentes que, utilizados com
tenacidade, fazem-no caminhar dia após dia para a sua
realização no tempo e no espaço. Nessa acepção, sim, os
direitos humanos podem ser considerados a um só tempo uma
utopia tenaz e voluntariosamente perseguida e uma realidade em
construção, pela qual se desenvolve um trabalho permanente e
sem trégua.
Sob esse enfoque, o Decálogo muito se assemelha aos direitos
humanos. Proclamado há vários milênios, nunca teve a
totalidade dos seus preceitos unanimemente acatados em todos os
tempos por todos os povos do universo. Não obstante, desde que
instituído pelo Supremo Legislador, milhões de seres humanos,
em todos os quadrantes da Terra, buscam pautar suas vidas pelos
ordenamentos nele estabelecidos. Tão vigorosa tem sido sua
presença na história humana que dele pode se afirmar que
constitui um dos sólidos pilares sobre os quais se assenta a
civilização ocidental.
Se me perguntarem de que é constituída a realidade dos
direitos humanos, eu não hesitaria em responder: de luzes e de
sombras, mais de luzes do que de sombras, visto como a grande
parcela silenciosa da humanidade prefere o império dos direitos
humanos. Uma parcela menor, se bem que é mais poderosa e mais
astuta, esta sim, é que se obstina em impor aos demais a
prevalência do crime, da opressão, da injustiça e da
violência.
Toda vez que homens de boa vontade se conjugam num evento como
este, toda vez que se levanta uma denúncia contra violações
isoladas ou coletivas desses direitos, instrumentaliza-se a
cidadania para a luta por sua reversão. Daí que a segunda
consideração que pretendo tecer nessa solenidade resume-se
numa denúncia, não minha, mas da própria ONU. Um quarto dos
5,6 bilhões de habitantes do planeta vive em miséria absoluta,
enquanto um quinto dessa população goza de 85% das suas
riquezas. Os gastos militares anuais dos países ricos são
iguais à renda de 2 bilhões de pessoas pobres. A assistência
internacional aos países em desenvolvimento chega anualmente a
110 bilhões de dólares, mas o reembolso anual da dívida dos
países em desenvolvimento carreia 170 bilhões de dólares de
volta para os países ricos. Creio que essas revelações já
são suficientes para nos convencer de que a rigor não é ainda
hora de explodirmos em cânticos de aleluia. O reinado dos
direitos humanos ainda não se impôs plenamente, nem em nosso
País, nem no resto do mundo.
E por aqui infiltro-me na terceira e última de minhas
prometidas considerações. Há muito pouco que comemorar nesse
cinqüentenário. Há, porém, muito que fazer para reversão
desse quadro de iniqüidades ainda demasiado dramático. Também
não vejo muitos com quem nos congratularmos. Não os vejo nem
entre os nossos governantes e homens públicos, e se
mergulharmos não encontramos, mesmo voltando atrás, muitos com
quem nos abraçarmos nesse momento. E não vendo tudo isso, e
sabendo também que pouco e pouco se faz para minorar esse
estado de angústia, bastaria para tanto, no entanto, que o
Governo fizesse o que aqui listamos que faça com a maior
urgência: a implementação do Programa Nacional dos Direitos
Humanos. Não os vejo, por outro lado, entre os líderes das
grandes potências; pelo contrário, são eles os que ditam as
regras desse jogo sujo, no qual a cada passo os direitos humanos
são escamoteados. Deles é, por exemplo, a proclamação da
nova ordem universal a determinar que o mundo e seus bens
pertençam aos mais fortes, aos mais produtivos, aos mais
competentes, aos mais afoitos, aos que mais sabem e podem
competir no mercado da prosperidade global. Em outras palavras,
o mundo é e continuará sendo sempre deles. O resto
dificilmente deixará de ser a grande parcela da humanidade
excluída e descartável. Finalmente, não os encontro nem mesmo
na Organização das Nações Unidas ou em seus conhecidos
braços executivos. Ao contrário, entre estes vemos o FMI e o
Banco Mundial apertando o laço no pescoço dos pobres
endividados para folgar o cinto de seus abastados credores.
Vemos o Conselho de Segurança apoiando em tudo as grandes
potências, até mesmo em guerras absurdas por elas promovidas
ou em bloqueios econômicos desumanos, dos quais as maiores
vítimas são sempre as populações civis. E entre estas as
crianças, as mulheres e os idosos.
Endereço, por isso, as homenagens da Ordem dos Advogados do
Brasil a todos os cidadãos e cidadãs do Brasil e do mundo, os
quais, isoladamente ou agrupados em grandes associações,
assumiram as dores do mundo com heróica e resoluta vontade de
liberá-lo de toda espécie de sofrimento e opressão.
Os expoentes dessa ação libertadora foram, nesses cinqüenta
anos, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Madre Teresa de
Calcutá. Neles e com eles sejam homenageados todos que lutaram
e continuam lutando para que a utopia dos direitos humanos seja,
cada dia mais, uma realidade em permanente construção.
Muito obrigado. (Palmas).
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Nossos
agradecimentos ao Dr. Reginaldo Oscar de Castro pela
participação nesta Conferência.
Dando continuidade a esta Conferência, concedo a palavra agora
ao representante da Organização das Nações Unidas, Dr.
Cristian Koch-Castro. (Palmas).
O SR. CRISTIAN KOCH-CASTRO - Muito obrigado Sr. Presidente, Sr.
Procurador-Geral da República, Sra. representante do Centro
Feminino de Estudos, Sr. Presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil, do Conselho Federal, Srs. Deputados Federais aqui
presentes, Sr. Secretário da Confederação Nacional dos Bispos
do Brasil, Srs. Embaixadores e representantes do Corpo
Diplomático, Sras. e Srs., eu gostaria, em primeiro lugar, de
agradecer ao Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados, Sr. Eraldo Trindade, e ao coordenador
desta Conferência, Deputado Pedro Wilson, pela oportuna
convocação desta Conferência e por seu convite para
participar da III Conferência Nacional de Direitos Humanos, que
visa comemorar o cinqüentenário da Declaração Universal dos
Direitos Humanos e também da Declaração Americana, e ao mesmo
tempo discutir os avanços de alguma maneira logrados com o
programa nacional.
O coordenador residente do sistema das Nações Unidas no
Brasil, Dr. Walter Franco, solicitou-me que nessas palavras de
abertura deste importante evento transmitisse aos senhores
participantes seu compromisso para continuar coordenando os
esforços setoriais de cooperação de cada uma das agências do
sistema das Nações Unidas presentes no Brasil em prol do
desenvolvimento humano sustentável inspirado logicamente nos
princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas.
A promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades
fundamentais são uma preocupação legítima da comunidade
internacional para a manutenção da paz e segurança mundial.
Por isso, nós pensamos que comemorar a data e refletir sobre os
cinqüenta anos em que a Assembléia-Geral das Nações Unidas
adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos nos parece
importante. É preciso lembrar que foi a partir da Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948 que as Nações Unidas
elaboraram, pela primeira vez na história, uma legislação
internacional sobre direitos humanos, baseados naqueles direitos
civis, culturais, econômicos, políticos e sociais, e que
possibilitam o desenvolvimento pleno dos seres humanos, tanto
como indivíduos quanto como membros das comunidades das
Nações.
As Nações Unidas não somente definiram, através da carta
internacional dos direitos humanos, uma ampla variedade de
direitos internacionalmente aceitos, como também têm
contribuído com quase todos os países do mundo para educar e
informar sobre os direitos inalienáveis, além de cooperar como
estabelecimento dos sistemas judiciários e penais para a
proteção desses direitos. A Comissão de Direitos Humanos da
ONU é o principal órgão que se ocupa dessa matéria. Essa
Comissão está integrada por representantes de 53
estados-membros, cujo mandato dura três anos. Esse é o fórum
universal onde os Estados e os órgãos intergovernamentais e as
organizações de direitos humanos podem expressar suas
preocupações, denunciar violações e examinar o desempenho
dos países em matéria de direitos humanos.
É preciso lembrar também que em 1989 a Assembléia-Geral da
ONU convocou uma reunião mundial que pudesse examinar e avaliar
os avanços alcançados no âmbito dos direitos humanos, a
partir da aprovação da Declaração dos Direitos Humanos de
1948, visando assinalar os obstáculos de maneira que isso
pudesse ser superado.
Posteriormente, em 1993, é celebrada a Conferência Mundial dos
Direitos Humanos, em Viena, reunião que juntou aproximadamente
7 mil participantes. Estiveram presentes representantes de 171
países, que aprovaram, por consenso, uma declaração e um
plano de ação, criando, portanto, a comunidade internacional,
um novo marco referencial para o planejamento, o diálogo e a
cooperação. Esse plano de ação possibilita uma visão
integral da promoção dos direitos humanos, envolvendo
protagonistas tanto a nível internacional, como nacional, de
dentro das nações em nível local. Lembramos que a
Conferência de Viena destacou também a universalidade,
indivisibilidade e interdependência dos direitos civis,
culturais, econômicos, políticos e sociais, confirmando que a
promoção e a proteção dos direitos humanos são a primeira
responsabilidade dos governos.
A Declaração de Viena estabeleceu também que o progresso
verdadeiro requer políticas eficazes de desenvolvimento
interno, assim como relações econômicas eqüitativas de um
entorno econômico favorável no plano internacional.
Destacou-se também na Declaração os direitos específicos de
grupos particularmente vulneráveis, entre eles, mulheres,
populações indígenas, refugiados, crianças e adolescentes,
trabalhadores migrantes e um número de medidas concretas para
esses grupos se estabeleceram para lograr melhor proteção.
O Governo brasileiro foi um dos primeiros que perseguiu o Plano
de Ação de Viena. No dia 13 de maio de 1996, o Presidente da
República lançou o Programa Nacional de Direitos Humanos,
documento que ao mesmo tempo em que apresenta projetos concretos
também identifica os principais obstáculos para a promoção e
proteção dos direitos humanos do Brasil.
O Programa Nacional assinala, além das prioridades e das
propostas de caráter administrativo, legislativo e político
que visam equacionar os problemas mais graves que hoje
impossibilitam ou dificultam o respeito por esses direitos no
Brasil.
Consideramos que esta III Conferência Nacional dos Direitos
Humanos é uma ótima oportunidade para avaliar o grau dos
direitos humanos no Brasil e estabelecer estratégias para
ações futuras nessa área.
Gostaria, finalmente, de reiterar o compromisso firme do
Coordenador residente do Sistema das Nações Unidas no Brasil,
Sr. Walter Franco, para continuar cooperando com as relevantes
instâncias no País, para alcançar um desenvolvimento humano
sustentável, que contribua para a consolidação progressiva da
democracia, da justiça, da paz social e do respeito aos
direitos humanos no Brasil.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Nossos
agradecimentos ao Dr. Cristian Koch-Castro, representante da
Organização das Nações Unidas.
Antes de conceder a palavra à nossa próxima convidada,
gostaria de passar a Presidência dos trabalhos ao Sr. Deputado
Osmar Leitão, Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos,
que também está contribuindo na coordenação e realização
desta Conferência.
Com muita honra, concedo a palavra à Sra. Iáris Ramalho
Cortês, ilustríssima representante do Centro Femininista de
Estudos e Assessoria, uma das entidades parceiras da Comissão
de Direitos Humanos na promoção desta Conferência. (Palmas.)
A SRA. IÁRIS RAMALHO CORTÊS - Srs. componentes da Mesa, minhas
senhoras e meus senhores, em nome do Centro Feminista de Estudos
e Assessoria - CFEMEA -, agradeço a oportunidade de participar
desta Mesa de abertura da III Conferência Nacional de Direitos
Humanos, promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados.
Ao tempo em que consideramos uma honra esta participação,
sentimos uma enorme responsabilidade diante da grandeza do
objetivo desta Conferência, no ano em que se comemora o
cinqüentenário das Declarações Universal e Americana de
Direitos Humanos.
Esta é uma oportunidade para que os Estados-membros das
Nações Unidas venham renovar seu compromisso com o
reconhecimento e a vigência dos direitos humanos constantes na
declaração de 1948, reiterados em conferências posteriores,
em especial na Conferência Mundial de Direitos Humanos ocorrida
em 1993, em Viena, onde foi afirmado que todos os direitos
humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e
interrelacionados.
A afirmação de Viena possibilita, de forma mais enérgica, a
ampliação do conceito de direitos humanos sobre o enfoque de
gênero, conferindo visibilidade às novas categorias de
direitos emergentes nas últimas décadas, como consta da
proposta apresentada pelo CLADEM - Comitê Latino-Americano e do
Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher -, para uma
declaração de direitos humanos onde a perspectiva de gênero
esteja presente.
A proposta do CLADEM enfatiza seis categorias de direitos:
cidadania, desenvolvimento, paz e vida livre de violência,
direitos sexuais e reprodutivos, direito a um meio ambiente
saudável e, finalmente, que sejam respeitados os direitos das
pessoas e povos em razão de sua identidade étnica-racial.
Outros organismos também estão trabalhando nessa linha. Assim
é que o Centro para a Liderança Global da Mulher e o Fundo das
Nações Unidas para a Mulher deflagraram, no início do ano, a
Campanha Mundial pelos Direitos Humanos das Mulheres, que já
está envolvendo grande número de organizações de mulheres do
planeta. A campanha vem sendo realizada em âmbito local,
regional e mundial, e culminará no grande evento que as
Nações Unidas estão preparando para o dia 10 de dezembro,
data da assinatura da Declaração Universal.
Esperamos que, no decorrer da campanha, o movimento organizado
de mulheres e os Conselhos Nacional e Estaduais dos Direitos das
Mulheres, com o apoio de grupos que desenvolvem ações em
defesa dos direitos humanos, encontrem formas que aperfeiçoem o
Programa Nacional de Direitos Humanos no Brasil.
O passo inicial pode estar nesta Conferência. Por isso,
afirmamos que a responsabilidade pela concretude dessas ações
não pode limitar-se exclusivamente aos movimentos de mulheres.
Todos aqueles que aqui vieram para apresentar propostas visando
ao aperfeiçoamento e à concretização do Programa Nacional de
Direitos Humanos também são responsáveis para a inclusão da
universalidade, indivisibilidade, interdependência e
inter-relacionamento desses direitos, incluindo a questão de
gênero, nas agendas nacional e locais, de forma que fique claro
que sem os direitos das mulheres não existem direitos humanos.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - A Presidência
agradece à Sra. Iáris Ramalho Cortês, ilustríssima
representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, não
só por sua presença, mas sobretudo por sua participação.
Com prazer e alegria, a Mesa passa a palavra ao autor do
requerimento para que fosse realizada esta III Conferência
Nacional dos Direitos Humanos, Sr. Deputado Pedro Wilson, que é
ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados. (Palmas.)
O SR. DEPUTADO PEDRO WILSON - Bom-dia a todos, saúdo a III
Conferência Nacional dos Direitos Humanos e parabenizo todos
pela presença, ao mesmo tempo em que agradeço a colaboração
de todos os servidores desta Casa, especialmente dos
funcionários da Comissão de Direitos Humanos, que tanto
trabalharam para que este evento pudesse acontecer neste 13 de
maio. Esta data nos faz lembrar a luta contra a escravidão, que
infelizmente ainda permanece, porque a discriminação racial
ainda está presente no Brasil.
Saudamos os colegas Deputados, os inúmeros companheiros que
lutam pelos direitos humanos nos diferentes Estados do Brasil.
Agradecemos aos representantes da Polícia Militar, do
Ministério Público, de Governos Municipais e Estaduais, do
Movimento Nacional dos Direitos Humanos e da Igreja a
participação nesta reunião. Isso nos dá a dimensão da luta
pelos direitos humanos no Brasil; mais do que utopia, isso tem
de tornar-se realidade.
Temos o privilégio de falar por último porque as questões
básicas já foram expostas. Vagabundos ou não, aposentados ou
não (Palmas), anistiados ou não, desaparecidos ou não, com
direito ou sem direito, sem eira e sem beira, sem voz e sem vez
neste Brasil, na luta pelos direitos humanos, quero reafirmar
meu compromisso e a convicção de que estamos na luta e não
abriremos mão dos nossos direitos, por mais que pareçam, às
vezes, privilégios.
Como pode ser privilégio alguém poder se aposentar com
cinqüenta anos ou menos, sendo que, na roça, é comum se
começar a trabalhar com oito, nove, dez anos, e se exige,
inclusive, carteira assinada, num País em que nem as pessoas
que estão na cidade têm acesso a uma carteira assinada. É um
desafio muito grande para todos nós.
Escrevi isso num discurso para fazer a todos os senhores, mas
quero ser bem sintético e falar da esperança do compromisso:
no dia 16 de abril próximo passado, a Comissão de Direitos
Humanos, a Frente Parlamentar da Criança e a Frente Parlamentar
Contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
reafirmaram um compromisso com a Marcha. A Marcha Global pela
Erradicação do Trabalho Infantil é um dos movimentos que se
colocam, perante o Parlamento, o Governo e a sociedade civil, na
luta concreta contra a violação dos direitos humanos no
Brasil.
Ontem, participei de um debate na Cruz Vermelha Internacional,
nossa parceira de muitas atividades, e pude ver como as
crianças estão sendo violadas neste mundo. Quando vemos
notícias dos massacres na Argélia, fotografias e filmes de
crianças mutiladas em Angola e tanto horror praticado contra a
mulher no Afeganistão, lembramos que, nesses cinqüenta anos, a
luta dos direitos humanos permanece firme, porque há pessoas
com consciência e organização e que lutam pelos direitos
humanos a fim de que ela possa ultrapassar o século XX até os
umbrais do século XXI. Espero poder dizer, como disse Norberto
Bobbio, grande filósofo italiano, que a nossa luta, no próximo
século, é a luta da justiça, é a luta dos direitos humanos,
só que ela tem que ser também concretizada. Este Parlamento
tem o dever de aprovar muitas leis importantes. Os Governos
Federal, Estaduais e Municipais têm de alocar recursos
orçamentários para os programas dos direitos humanos, porque o
discurso é uma coisa, e a realidade é outra.
Reafirmo aqui, como membro da Comissão de Direitos Humanos e
militante dos direitos humanos, a necessidade de, vagabundos ou
não, lutarmos pelos direitos humanos no Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Com alegria,
agradecemos ao deputado Pedro Wilson. A Mesa lembra aos
participantes que, dentre outras programações, os debates
serão realizados na parte da tarde e que, às 19 horas, haverá
o encerramento das atividades deste primeiro dia de
Conferência.
Esta primeira etapa vai se encaminhando para o seu final e a
Mesa faz questão de registrar aqui menção toda especial ao
Sr. Deputado Pedro Wilson, a satisfação por ter-se lembrado da
realização desta III Conferência Nacional de Direitos
Humanos.
Como ato final desta primeira parte, convido todos para
assistirmos agora à exibição de um vídeo sobre a Escolas das
Américas.
Convido a Dra. Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais do
Rio de Janeiro, para fazer uma rápida apresentação deste
vídeo. (Pausa.)
A SRA. CECÍLIA COIMBRA - Um bom dia a todos. Vamos exibir um
vídeo de dezoito minutos sobre a Escola das Américas, cujo
título é "Escola de Assassinos". Esse vídeo foi
feito por uma entidade dos Estados Unidos, os missionários de
Maryknoll, cujo representante, Padre Roy Bourgeois, está preso
hoje nos Estados Unidos por desobediência civil. Esse grupo
está fazendo um apelo internacional, e o Grupo Tortura Nunca
Mais do Rio de Janeiro, desde o ano passado, entrou na campanha
para fechar essa escola.
A Escola das Américas, conhecida como "Escola de
Assassinos", treinou vários militares nos anos 50, 60, 70
e treina ainda hoje. Fizemos um levantamento e descobrimos que,
durante os anos 60 e 70, no período da ditadura militar,
dezenove militares brasileiros que participaram diretamente de
torturas a presos políticos no Brasil foram instruídos nessa
Escola das Américas.
Acho esse vídeo que vamos ver muito importante no sentido de
conhecermos um pouco mais a história dessa escola. Depois do
vídeo, o companheiro David, de João Pessoa, que faz parte
inclusive dessa entidade missionária Maryknoll, falará sobre a
campanha que está sendo feita, principalmente no Congresso
norte-americano, visando ao fechamento da Escola das Américas.
Aqui no Brasil, estamos solicitando inclusive ao Presidente
Fernando Henrique Cardoso que não envie mais militares
brasileiros para esse tipo de treinamento na Escola das
Américas (Palmas.), porque isso ainda tem acontecido e agora a
luta não é mais pelo que se faz na Escola das Américas,
contra a subversão latino-americana, mas sim contra o
narcotráfico latino-americano. Então, é importante que todos
nós levemos inclusive para os Estados este vídeo, que estará
à venda, para que essa campanha cresça no Brasil a fim de que
possamos nos aliar aos companheiros norte-americanos. (Palmas.)
(Projeção do filme "Escola
de Asssassinos")
SR. DAVID KANE - Bom-dia a todos.
Sou David Kane, missionário de Maryknoll, o mesmo grupo
religioso do Padre Roy Bourgeois e de outros que foram mortos em
El Salvador, que tiveram participação na elaboração desse
vídeo.
Estou nesta reunião para falar da campanha que está ocorrendo
nos Estados Unidos. A cada ano ela está mais forte, o resultado
das votações está melhorando, e com isso estamos conseguindo
atingir o nosso objetivo. Porém, o problema está nos Deputados
e Senadores, ao afirmarem que os americanos não querem essa
escola, mas que ela não é apenas para os americanos, e, sim,
para beneficiar o povo da América Latina.
Por isso, estamos fazendo uma campanha no Brasil e em vários
países da América Latina para que não enviem soldados
brasileiros para essa escola, pois se não houver alunos, a
mesma não existirá. Atualmente o Brasil está enviando menos
soldados e mais professores, e os países que mandam mais alunos
são México, Peru, Colômbia, os que se encontram em pior
situação com relação aos direitos humanos.
Hoje à noite haverá o lançamento dos livros. Estarei vendendo
o vídeo e um kit de informações, pois há mais informações
sobre a escola e também um material para fazer as transmissões
em outros lugares. Temos de respaldar essa informação e
também temos de mandar cartas para o Presidente pedindo para
que não se mandem mais soldados.
Procurem-me durante a conferência ou lá em cima.
Obrigado. (Palmas.)
1º Painel: A Aplicação das
Normas de Proteção aos Direitos Humanos nos Planos
Internacional e Nacional
13/05/98
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo
Trindade) - Declaro reabertos os trabalhos da nossa III
Conferência Nacional de Direitos Humanos. Antes de chamar para
fazerem parte da Mesa os nossos conferencistas e debatedores,
solicito-lhes que procurem definir os grupos de trabalho dos
quais vão participar, na tarde de amanhã, a partir das 14h. Na
programação da conferência estão relacionados os cinco
grupos de trabalho.
Comunico ao Plenário que, ao final dos trabalhos desta tarde,
exatamente às 19h, faremos o lançamento de alguns livros da
área de direitos humanos. Na ocasião também haverá um
coquetel para todos os conferencistas e demais participantes, no
saguão deste plenário.
A título de informação, gostaria de comunicar a realização
da I Conferência Municipal de Direitos Humanos, nos dias 15, 16
e 17 de maio, do presente ano, no Salão de Atos de Porto
Alegre. Na seqüência, daremos mais detalhes a respeito dessa
conferência.
Iniciando nossos trabalhos desta tarde, informo que, a partir de
agora, teremos o primeiro painel: Aplicação das normas de
proteção aos direitos humanos nos planos internacional e
nacional.
Chamo para fazerem parte da Mesa o Sr. Professor Antônio
Augusto Cançado Trindade, Vice-Presidente da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (Palmas); o Exmº. Sr.
Ministro Marco Antônio Diniz Brandão, Diretor-Geral do
Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais, do Ministério
das Relações Exteriores. (Palmas.) O outro conferencista é o
Deputado Hélio Bicudo que, em função da multiplicidade de
atividades na Casa, S.Exa. ainda não está presente em
plenário, mas proximamente deverá fazer-se presente para
participar deste painel.
Mais uma vez, em nome de todos os componentes da Comissão de
Direitos Humanos e da Presidência da Câmara dos Deputados,
gostaria de agradecer a todos os senhores presentes,
autoridades, representantes de entidades que aqui estão
participando diretamente desta Conferência.
O Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel
Temer, infelizmente, não pôde comparecer pela manhã em
virtude de uma vasta programação que está sendo cumprida na
Casa, inclusive com votação relacionada aos destaques da
reforma da Previdência. Assim sendo, o Sr. Presidente, na
tentativa de buscar um acordo com as lideranças partidárias,
encontra-se assoberbado de trabalho, mas prometeu que se fará
presente numa oportunidade bem próxima, ainda nesta
Conferência, para poder falar em nome da Câmara dos Deputados.
Gostaria de chamar agora também para fazerem parte da Mesa os
senhores debatedores Dr. Romany Rolland, Presidente da Comissão
de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil; Dr. Márcio Gontijo, Vice-Presidente da Anistia
Internacional do Brasil; Dr. Cláudio Fonteles, representante do
Fórum Nacional contra a Violência no Campo. (Palmas.)
Vamos, então, dar início ao primeiro painel: A Aplicação das
Normas de Proteção aos Direitos Humanos nos Planos
Internacional e Nacional, passando a palavra ao Sr. Ministro
Marco Antônio Diniz Brandão, Diretor-Geral do Departamento de
Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações
Exteriores.
Pelo programa, o primeiro a se pronunciar deveria ser o
Professor Antônio Augusto Cançado Trindade, mas, num
entendimento havido entre os dois, houve uma permuta de tempo.
Assim sendo, o primeiro a se pronunciar será o Sr. Ministro
Marco Antônio Diniz Brandão, a quem tenho a honra de passar a
palavra neste instante.br>
O SR. MINISTRO MARCO ANTÔNIO DINIZ BRANDÃO - Antes de mais
nada, gostaria de agradecer a V.Exa. a oportunidade de
representar o Itamaraty nesta III Conferência Nacional de
Direitos Humanos. V.Exa. sabe que o Itamaraty já tem um
histórico de cooperação com a Comissão de Direitos Humanos
da Câmara dos Deputados desde as gestões dos ilustres
Deputados Nilmário Miranda, Hélio Bicudo e Pedro Wilson, e a
nossa firme intenção é continuar essa cooperação na
presente Presidência, a qual V.Exa. tão bem vem desempenhando.
A minha intervenção tratará de aspectos gerais do sistema da
aplicação de normas de proteção aos direitos humanos nos
planos internacional e nacional, sobretudo com a internacional,
e me dedicarei a uma descrição dos mecanismos existentes
antecedida de um breve histórico do contexto internacional em
que foram negociados esses mecanismos e também de uma breve
descrição do relacionamento brasileiro com esse sistema
internacional de proteção dos direitos humanos.
Portanto, para efeito de objetividade e clareza, pretendo
dividir a intervenção em quatro partes, que, apesar de
distintas, deverão ser interpretadas como complementares.
Iniciarei com um comentário geral sobre a contribuição das
Conferências Mundiais dos Direitos Humanos, a de Teerã, de
1968, e a de Viena, de 1993, a evolução do sistema
internacional de proteção dos direitos humanos. Em seguida,
passarei a descrever, em linhas muito gerais, os sistemas de
proteção dos direitos humanos no âmbito da ONU e da OEA.
Finalmente, concluirei com uma rápida exposição a respeito do
diálogo do Governo brasileiro com os diferentes mecanismos
internacionais de proteção dos direitos humanos.
A Conferência de Teerã, de 1968, ocorreu em momento
particularmente fértil em regimes autoritários de todos os
matizes, em todas as regiões do planeta. A paralisia e a
politização do sistema internacional de proteção,
instauradas com o advento da Guerra Fria, começavam a
desmoronar diante do movimento de emancipação dos povos sob o
domínio colonial.
O processo de colonização vai influenciar todo o debate
multilateral sobre direitos humanos, criando condições para o
exame de situações específicas, a começar pelos territórios
árabes ocupados e pelo apartheid sul-africano. Não obstante,
princípios então considerados sacrossantos de soberania
estatal e da não-intervenção, princípios esses expressos de
modo muito explícito na Carta das Nações Unidas.
Teerã consagrou o caráter obrigatório da Declaração
Universal de 1948, e o princípio da indivisibilidade de todos
os direitos humanos. A afirmação dessa indivisibilidade
evidencia o fato de que tais direitos não são só civis e
políticos, mas também econômicos, sociais e culturais.
A questão não é meramente teórica, como bem demonstra o
cotidiano brasileiro. Os direitos civis e políticos não se
realizam no vácuo, não são direitos que possam ser cultivados
in vitro, mas, ao contrário, exigem condições econômicas e
sociais adequadas, investimento em educação para a cidadania.
O impacto causado pelos problemas econômicos e sociais com a
pobreza sobre os índices de marginalidade e violência é
ilustrativo dessa inter-relação.
A Conferência Mundial de Viena, realizada em junho de 1993,
consolida os avanços logrados no sistema internacional de
proteção. Convocado em 1990, em clima de certo triunfalismo do
ocidente, graças ao desmoronamento do Império Soviético e ao
fim da Guerra Fria, a Conferência teve por pano de fundo a
eclosão de conflitos étnicos entre essas regiões, mas
sobretudo na Europa oriental. A derrocada do chamado socialismo
real resultou, entre outros fatores, da incapacidade de regimes
do leste em reconhecer a toda a população, inclusive às
minorias étnicas, lingüísticas e religiosas, o caráter
essencial dos direitos civis e políticos e das liberdades
fundamentais intrínsecas à própria noção de modernidade.
A Declaração e o Plano de Ação de Viena reafirmam a
universalidade dos direitos humanos, expressos na Declaração
de 1948, comprometendo toda a comunidade internacional com o
texto que fora adotado por votação. Oito Estados haviam
impedido, por razões diversas, o consenso mundial em torno das
idéias promovidas pela Declaração. Esse dado assume um
significado especial, quando se recorda que o processo
preparatório da Conferência foi cenário de confrontação
não mais no sentido leste-oeste ou norte-sul, mas entre o
ocidente e o oriente, estando em jogo a relativização do
conceito de universalidade à luz dos chamados particularismos
históricos e culturais.
Ao falar da Conferência de Viena, gostaria de prestar uma
homenagem a um colega do Itamaraty, Embaixador Gilberto Sabóia,
que foi Presidente do Comitê de Redação e cuja atuação foi
peça instrumental, fundamental no sucesso da Conferência. O
Embaixador, que é pessoa conhecida de muitos aqui,
possibilitou, na verdade, a adoção do programa da Declaração
de Viena e marcou a presença do Brasil de uma forma, creio,
indelével na história do sistema de proteção dos direitos
humanos no cenário internacional.
A Conferência de Viena é muito importante, porque registra o
consenso internacional quanto à legitimidade da preocupação
internacional com a situação dos direitos humanos em qualquer
país, que deixa de ser assunto exclusivo de jurisdição
interna dos Estados. Hoje, apenas um pequeníssimo grupo de
países insiste em invocar os princípios e propósitos da Carta
das Nações Unidas para obstruir a ação dos mecanismos de
monitoramento aos direitos humanos. Viena também reconhece o
direito ao desenvolvimento como um direito humano inalienável.
Assinala a interdependência dos direitos humanos, democracia e
desenvolvimento, com formulação equilibrada para impedir que a
ausência de condições socioeconômicas adequadas possa ser
utilizada como pretexto para as violações aos direitos
humanos. E cria um enfoque sistêmico envolvendo todos os
órgãos e agências do sistema das Nações Unidas em programas
a serem implementados pelo alto comissário dos direitos
humanos, cargo cuja criação constitui talvez a recomendação
de maior impacto da Conferência.
Se as conferências são importantes como suporte moral das
ações empreendidas pelo concerto das nações, os sistemas de
proteção propriamente ditos dependem também de uma série de
outros pilares, que, ao conferirem tangibilidade aos princípios
gerais, permitem criar compromissos mais concretos para os
Estados.
Nesse sentido, o grande marco do sistema da ONU é a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, cujo
cinqüentenário inspirou a presente edição da Conferência
Nacional dos Direitos Humanos.
Embora enunciado inicialmente de forma recomendatória, como um
padrão comum de realização para todos os povos e nações, a
Declaração, por sua autoridade moral, tornou-se jus cogens no
que for importante não apenas para as conferências mundiais de
direitos humanos, mas também na formação da jurisprudência
internacional nesse sentido.
A Declaração Universal forma, juntamente com os pactos
internacionais de direitos civis e políticos e de direitos
econômicos, sociais e culturais, de 1966, a chamada Carta
Internacional dos Direitos Humanos.
A intenção por trás da co-elaboração dos pactos
internacionais de direitos humanos era conferir maior
especificidade dos direitos enunciados na Declaração, ademais
de vincular juridicamente os Estados-partes. Desde 1948, tem
sido intenso o trabalho de elaboração de declarações e
convenções que vieram complementar o sistema, de modo a
proteger determinados segmentos particularmente vulneráveis,
como crianças, mulheres, trabalhadores migrantes, ou ainda
responder a ameaças específicas aos direitos humanos e que
não escolhem as vítimas pelo sexo ou pela faixa etária, tais
como o racismo, a intolerância religiosa e o próprio
subdesenvolvimento.
Esses tratados de direitos humanos negociados e adotados nas
Nações Unidas estabelecem os chamados reaty bodies, que são
comitês compostos por peritos independentes encarregados de
verificar se os Estados-partes estão efetivamente implementando
os compromissos assumidos com a retificação do respectivo
tratado. Como vou explicar mais adiante, ao tratar do diálogo
do Governo brasileiro com os mecanismos internacionais de
proteção dos direitos humanos, a ratificação dos tratados
sob esse tema implica a obrigação dos Estados-partes de
apresentar relatórios periódicos aos comitês de peritos sobre
as medidas legais, administrativas ou de outra natureza
colocadas em prática, com vista a garantir na prática os
direitos assegurados nos instrumentos jurídicos.
Além dos comitês de peritos, o sistema da ONU conta com
mecanismos não-convencionais, criados pela Comissão de
Direitos Humanos e pela Subcomissão de Prevenção da
Discriminação e Proteção das Minorias.
Os mecanismos não-convencionais assumem a forma de relatores
especiais, grupos de trabalho ou representantes especiais de
Secretário-Geral, que tem um mandato que cobre todos os
Estados-membros, não dependendo de ratificação de tratados
para operar. No âmbito da OEA, os dois instrumentos que formam
a base do sistema são a Declaração Americana Sobre Direitos e
Deveres do Homem, de 1948, e a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, chamado Pacto de San José da Costa Rica, de
1978. A Convenção Americana possui ainda dois protocolos
adicionais: o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, em matéria de direitos econômicos, sociais e
culturais, que foi adicionado ao protocolo de São Salvador, e o
Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos Relativo à Punição da Pena de Morte, de 1990. O
Brasil já aderiu a ambos os protocolos e os ratificou.
O sistema interamericano compõe-se ainda da Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, adotada em 1985,
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência Contra a Mulher, adotada em 1994, e da Convenção
Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas,
também adotado em 1994.
Os órgãos de monitoramento do sistema são a Comissão e a
Corte Interamericana dos Direitos Humanos. Temos aqui à mesa
nobres representantes de ambos os órgãos: o Deputado Hélio
Bicudo, que foi eleito ano passado como membro brasileiro da
Comissão, com o nosso apoio entusiástico, e o Professor
Cançado Trindade, que é Vice-Presidente da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a CIDH, como é
mais conhecida, é um dos órgãos principais da OEA. Foi criada
pela Resolução 6, da 5ª Reunião de Consulta dos Ministros
das Relações Exteriores, que se reuniram em Santiago, em 1959,
com a função de promover o respeito aos direitos humanos.
Em 1960, o Conselho da OEA aprovou o estatuto da CIDH, que a
define como entidade autônoma e esclarece que os direitos
humanos que ela deve promover são os consagrados na
Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, de 1948.
A Comissão teve seu mandato ampliado em 1965 e passou a
examinar comunicações, ou seja, queixas sobre violações de
direitos, a dirigir-se aos Estados para solicitar informações
e fazer recomendações. Conforme seu estatuto, a Comissão tem
funções e atribuições com relação a todos os
Estados-membros da OEA, tanto aos que não são parte do Pacto
de San José quanto com relação aos que o são.
Considerável parte do trabalho da CIDH consiste na tramitação
de petições, representada tanto por indivíduos quanto por
organizações não-governamentais relativas a denúncias de
violações de direitos consagrados na Convenção Americana de
Direitos Humanos ou da Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem. A tramitação das petições obedece ao
disposto no Pacto de San José, no regulamento da CIDH, conforme
uma processualística quase judicial, baseada no princípio do
contraditório, ou seja, há petição, há réplicas, há
tréplicas e audiências. Se a Comissão considerar que o Estado
violou algum direito ou liberdade garantida pela Convenção
Americana e não se alcançar uma solução amistosa no caso, a
CIDH pode publicar, da maneira que julgar apropriada, um
relatório sobre o caso, declarando o Estado responsável por
violar a Convenção.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, foi
criada pela Convenção Americana como um órgão judicial de
monitoramento do seu cumprimento. A Corte tem competência
conjuntiva, reconhecida automaticamente por todos os
Estados-partes, segundo opinião da maioria dos especialistas na
matéria, e contenciosa: essa competência depende do
reconhecimento facultativo por parte dos Estados.
O § 1º do art. 62 da Convenção prevê o reconhecimento da
jurisdição obrigatória da Corte como cláusula facultativa,
na verdade.
A Corte Interamericana, tal como a Européia, que lhe serviu de
inspiração e modelo, não é um tribunal penal e não
substitui as ações penais de competência dos Estados. A Corte
determina se o Estado é ou não responsável por violação à
Convenção Americana de Direitos Humanos e dita as medidas de
reparação: indenização das vítimas, medidas legislativas,
administrativas e outras. É evidente que eu não me estenderei
sobre a questão da Corte, uma vez que tenho certeza de que o
Professor Cançado Trindade falará bastante sobre o assunto.
Antes de entrar no relacionamento do Brasil com os mecanismos
internacionais de monitoramento em geral, é necessário
ressaltar os dois pilares fundamentais que sustentam toda a
política federal para essa área. O primeiro é a
Constituição de 1988, que forneceu uma base sólida sobre a
qual assentar as ações governamentais no campo dos direitos
humanos. A Constituição Federal, após proclamar que o Brasil
se rege em suas relações internacionais pelo princípio da
prevalência dos direitos humanos, em seu art. 4º, inciso II,
constituiu-se em um Estado democrático de direito, tendo como
fundamento a dignidade da pessoa humana, estabelece que os
direitos e as garantias nela expressos não excluem outros
decorrentes dos regimes e princípios por ela adotados ou dos
tratados internacionais de que o Brasil seja parte. E acrescenta
que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata.
O segundo pilar decorrente da dinâmica do processo de
consolidação da democracia reside na ratificação para o
Brasil dos principais instrumentos jurídicos internacionais de
proteção dos direitos humanos, tanto na esfera da ONU quanto
da OEA.
Os principais instrumentos jurídicos aos quais o Brasil se
encontra vinculado são os seguintes: Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos; Pacto Internacional de Direitos
Econômicos Sociais e Culturais; Convenção Internacional para
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial;
Convenção para Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra a Mulher; Convenção sobre os Direitos
da Criança; Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos
ou Condições Cruéis, Desumanas ou Degradantes, e a
Convenção Americana dos Direitos Humanos do Pacto de San José
e seu protocolo referente à abolição da pena de morte.
Esse processo, iniciado nos anos oitenta e consolidado nos anos
noventa, tem contribuído para que se torne muitas vezes
difícil distinguir entre as dimensões interna e externa dos
compromissos em matéria de direitos humanos. Com efeito, as
posições defendidas pelo Brasil nos foros multilaterais e as
obrigações que assumimos com adesão a tratados apenas
refletem a realidade nacional, constituindo-se no espelho das
obrigações e compromissos assumidos internamente. São, na
realidade, expressão de uma comunidade nacional que quer ver
consagrados, na prática, os direitos fundamentais da pessoa
humana e que utilizam os métodos internacionais como importante
complemento dos esforços que são primordialmente nacionais do
Estado e da sociedade brasileira.
A atuação da diplomacia brasileira no campo dos direitos
humanos pauta-se, portanto, pelos seguintes princípios: o
reconhecimento de que, embora a responsabilidade primordial pela
proteção dos direitos humanos incumba aos Estados, é
legítima a preocupação internacional com a situação dos
direitos humanos em qualquer parte do mundo.
O segundo princípio é que a soberania não é argumento para
que o Estado recuse o diálogo com a comunidade internacional
sobre sua situação interna de direitos humanos. Como muito bem
definiu o Presidente Fernando Henrique Cardoso, hoje pela
manhã, na cerimônia comemorativa do Dia dos Direitos Humanos,
os direitos humanos transcendem toda e qualquer questão de
soberania.
Um terceiro princípio é a transparência e a franqueza no
diálogo com a comunidade internacional, com as ONGs e com os
indivíduos interessados nas causas dos direitos humanos.
Um quarto princípio é que os direitos humanos são
indivisíveis e interdependentes.
Um quinto é que a garantia dos direitos humanos, a democracia e
o desenvolvimento estão indissoluvelmente ligados e são
interdependentes.
O sétimo princípio é que o direito ao desenvolvimento é um
direito humano.
E o oitavo e último princípio é que a cooperação é
essencial à defesa dos direitos humanos, e que a comunidade
internacional deve prestar todo apoio ao fortalecimento do
Estado de Direito nos países em desenvolvimento.
A adesão e a ratificação dos principais tratados na área de
direitos humanos têm gerado obrigação de prestar contas
quanto à efetiva implementação dos direitos consagrados nos
textos legais. Os tratados negociados no âmbito da ONU, por
exemplo, prevêem a apresentação periódica de relatórios por
parte dos Estados-partes, de modo a dar a conhecer aos
respectivos comitês encarregados de monitorar o cumprimento do
tratado, as medidas administrativas, legais ou de outra natureza
tomadas pelo Governo brasileiro.
Como parte de um esforço muito grande de atualizar a
apresentação dos relatórios, o Brasil apresentou, em 1994 e
1995, o Relatório Inicial ao Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos e o 10º Relatório Periódico à Convenção
para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial. Esses documentos foram objeto de defesa oral perante o
Comitê de Direitos Humanos e o Comitê para a Eliminação da
Discriminação Racial, cujas observações e recomendações
estão sendo examinadas em profundidade, como adjutório da
ação governamental nesse campo. Encontram-se em fase de
elaboração os Relatórios do Comitê Dos Direitos da Criança,
do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do
Comitê contra a Tortura e do Comitê sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher.
O diálogo estabelecido com os órgãos convencionais de
supervisão não substitui, contudo, o intercâmbio de
informações com outros mecanismos da Comissão de Direitos
Humanos da ONU, sobre casos específicos de violações
ocorridas no Brasil. Um deles é o procedimento confidencial
estabelecido pela Resolução nº 1.503, para o exame fechado;
pela CIDH e pelos seus órgãos subsidiados, de casos
específicos de países, apresentados por meios de petições
individuais. Esse exame, em geral, quando se chega a um ponto em
que se verifica um padrão sistemático de violações, é
transferido para o plenário da Comissão de Direitos Humanos e,
em geral, essa Comissão acaba designando um Relator Especial
para monitorar a situação dos direitos humanos em países
determinados. Mais ágeis e menos seletivos do que o relator da
CIDH, os mecanismos temáticos da Comissão monitoram
violações graves, como desaparecimentos forçados, as
execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, a
tortura, intolerância religiosa, o racismo e a xenofobia. Para
tanto, dirigem comunicações urgentes aos governos, com base em
denúncias de ONGs e de indivíduos e apresentam relatórios
atuais à CIDH. O Brasil mantém um diálogo freqüente e
construtivo com esses Relatores, cujo mandato vem sendo
progressivamente fortalecido e ampliado por resolução da
própria Comissão.
Quanto aos Relatores Temáticos, cabe mencionar a visita ao
Brasil, em 1995, do Relator Especial Sobre Formas
Contemporâneas de Racismos, cujo relatório constitui uma
importante colaboração aos esforços do Governo Federal e do
grupo de trabalho interministerial para a valorização da
população negra.
Praticamente, todos os casos recentes de maior repercussão de
violações dos direitos humanos no Brasil foram objetos de
comunicações urgentes desses Relatores, às quais podem
somar-se as medidas cautelares solicitadas pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Tais casos ficam pendentes
até que ocorra a punição dos responsáveis e compensação
às vítimas ou aos seus familiares. Alguns especialistas
afirmam que, no plano objetivo, a ação dos Relatores da honra
e defesa das vítimas de violações é mais eficaz do que a dos
mecanismos convencionais para a tramitação de queixas
individuais, inclusive do Protocolo Opcional ao Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Fundamentam eles
essa tese nas limitações expressas do art. 5º do protocolo,
ou seja, a não-duplicação com outras instâncias
internacionais, a confidencialidade do procedimento e o
requisito do prévio esgotamento dos recursos internos
disponíveis, desde que os mesmos não excedam os prazos
razoáveis.
No plano regional, o Brasil tem cooperado muitíssimo com a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão de
controle da Convenção Americana encarregado de examinar
denúncias excepcionais, de acompanhar processos judiciais
internos e dialogar com os Estados-partes, para, se for o caso,
buscar soluções amistosas que preservem o interesse das
vítimas. Isso pode ocorrer quando se esgotam os recursos de
jurisdição interna ou quando, ainda que não esgotados, ocorra
uma demora injustificada no andamento dos processos. O Governo
brasileiro mantém contatos regulares com a Comissão e presta
informações sobre vários casos relativos ao Brasil que
atualmente tramitam naquele órgão.
Em 1997, durante a Assembléia Geral da OEA, como já havia
mencionado, foi eleito como membro da CIDH, pelo período de
1998 a 2001, o Deputado Federal Hélio Bicudo. Ainda em 1997, o
Governo brasileiro deu mais um passo no sentido de aprofundar a
cooperação com a CIDH, ao aceitar, pela primeira vez, um
segundo ofício da Comissão para intermediar um acordo de
solução amistosa no contexto do caso Parque de São Lucas,
ocorrido em São Paulo, em que houve asfixia de presos. Os
acordos de solução amistosa, em geral, envolvem pagamento de
indenização a vítimas familiares, assim como outros
compromissos relacionados a medidas administrativas, legais ou
de outra natureza. Com a solução amistosa evita-se que a CIDH
declare responsabilidade internacional do Estado por violação
dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que garante uma
reparação mais rápida dos danos causados.
A cooperação do Brasil com o Sistema Interamericano de
Proteção aos Direitos Humanos também se faz evidente com a
realização, em dezembro de 1995, a convite do Governo Federal,
de visita dos membros da CIDH ao País, na ocasião, com os
integrantes da Comissão, entrevistados com autoridades de todos
os níveis, autoridades da administração pública, além de
manter contato com representantes da sociedade civil. Essa
visita ensejou a publicação, em outubro de 1997, de um
relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil,
que identifica os principais obstáculos à fruição dos
direitos consagrados na Convenção Americana, que conhece os
esforços internos na matéria e formula recomendações que, na
sua maioria, são coincidentes com as metas estabelecidas pelo
Programa Nacional de Direitos Humanos.
No que diz respeito à Corte Interamericana dos Direitos
Humanos, o reconhecimento da competência obrigatória
contenciosa, conforme já mencionei, é uma cláusula
facultativa da Convenção Americana dos Direitos Humanos -
Pacto de San José. O Brasil aderiu a esse pacto em setembro de
1992, mas a mensagem, o texto que submeteu à aprovação do
Congresso Nacional não optou pelo reconhecimento da
competência contenciosa da Corte.
O Governo brasileiro tem assinalado que a questão precisa ser
vista de uma perspectiva dinâmica. O reconhecimento da Corte
pode ser feito a qualquer momento. O Programa Nacional de
Direitos Humanos, lançado pelo Presidente Fernando Henrique
Cardoso no dia 13 de maio de 1996, estabelece como meta de
médio prazo o fortalecimento da cooperação com o CIDH, com a
Corte e com o Instituto Interamericano de Direitos Humanos.
Mas é preciso reconhecer que a própria Corte - e o Prof.
Cançado Trindade me corrigirá - é uma instituição em
evolução, tendo passado alguns anos sem julgar nenhum caso. A
Corte foi criada em 1978, quando entrou em vigor a Convenção
Americana, mas apenas em 1986 os primeiros casos relativos a
desaparecimentos forçados em Honduras foram submetidos à sua
apreciação.
Lenta, mas segura e solidamente, a Corte vem ampliando a sua
atuação. Sua jurisdição obrigatória é reconhecida
atualmente por vários Estados, e apenas sete Estados-partes da
Convenção da OEA não reconhecem a competência da Corte. São
Barbados, Brasil, Granada, Haiti, Jamaica, México e República
Dominicana.
Um estudo sobre a conveniência de reconhecer a competência
obrigatória da Corte deve levar em conta a necessidade de
aperfeiçoamento dos meios legais e administrativos de que a
União disponha na estrutura federativa para o cumprimento das
obrigações internacionais. As sentenças da Corte,
diferentemente das conclusões da CIDH, são de execução
obrigatória. Independentemente da competência estadual para
investigar e processar a maioria absoluta das violações dos
direitos humanos, caberá sempre à União, enquanto pessoa
jurídica de Direito Internacional Público, a responsabilidade
internacional.
O Brasil tem assumido, durante toda a década de 90,
compromissos crescentes no cenário internacional, tendo em
vista a nossa identificação com os princípios da
universalidade dos direitos humanos, da legitimidade e da
preocupação internacional com a situação dos direitos
humanos de qualquer país.
Nesse contexto, um estudo sobre a conveniência do
reconhecimento da competência contenciosa da Corte deverá
permanecer na ordem do dia, e certamente os aportes trazidos
aqui pelo Prof. Cançado Trindade, sobretudo no que tange à
responsabilidade exclusiva da União no cenário internacional,
serão de grande valia para o estudo dessa questão.
Para finalizar, eu gostaria de recordar que a aplicação das
normas de proteção dos direitos humanos internacional e
nacional, tema deste painel, não depende apenas de um
raciocínio simples capaz de subsumir um ato e um fato
particular como uma lei geral. Infelizmente, a aplicação das
normas dos direitos humanos possui dimensão que transcende as
fronteiras da lógica jurídica, dependendo também, talvez
principalmente, das condições propícias no campo societário.
De nada adiantaria consagrar uma ampla carta de direito, nas
legislações nacionais e em tratados internacionais; e, além
disso, solicitar aos tribunais que apliquem as normas vigentes,
se a organização cultural, se a organização social ou a
cultura prevalecente impedisse a eficácia correta dos direitos
abstratamente assegurados.
Creio que no Brasil de hoje Governo e sociedade têm
consciência de que é preciso transformar estruturas longamente
sedimentadas. Requer-se a parceria constante de todos os atores
sociais na realização de projetos capazes de conferir
tangibilidade aos direitos enunciados nos instrumentos
jurídicos.
O principal exemplo nesse sentido é a ampla mobilização que
possibilitou a formulação que tem animado a execução do
Programa Nacional dos Direitos Humanos, assim como a
mobilização do Congresso, que se verifica através de
iniciativas como essa que, mais uma vez, eu aplaudo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo Trindade) - Queremos agradecer
ao Sr. Ministro Marco Antônio Diniz Brandão pela sua
participação nesta Conferência.
Informo que, anteriormente chamados, já fazem parte da Mesa o
Deputado Helio Bicudo, membro da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados; o debatedor Romany Rolland, Presidente da
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil.
Quero também informar aos senhores presentes e ratificar o
anúncio que foi feito no início da segunda etapa da
Conferência, exatamente com a abertura deste painel, que, por
volta das 19h, teremos, além de coquetel, o lançamento de
diversos livros que tratam do tema que estamos abordando hoje,
exatamente o de direitos humanos.
Dando seqüência ao painel A Aplicação das Normas de
Proteção dos Direitos Humanos nos Planos Internacional e
Nacional, concedo a palavra ao Prof. Antônio Augusto Cançado
Trindade, Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos
Humanos. (Palmas.)
O SR. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE - Sr. Presidente da
Comissão de Direitos Humanos, Deputado Eraldo Trindade; Sr.
representante do Ministro de Estado das Relações Exteriores e
Diretor-Geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas
Sociais do Ministério das Relações Exteriores, Ministro Marco
Antônio Diniz Brandão; Sr. membro da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos e da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados, Deputado Hélio Bicudo; Sr.
Vice-Presidente da Seção Brasileira da Anistia Internacional
no Brasil, Dr. Márcio Gontijo; Sr. Presidente da Comissão
Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil Nacional, Dr. Romany Rolland; Srs.
Magistrados, Srs. Parlamentares, senhores professores, Srs.
membros do Ministério Público, representantes de
Organizações Não-Governamentais e outras entidades da
sociedade civil brasileira, senhores universitários, senhoras e
senhores, permitam-me inicialmente expressar os meus
agradecimentos à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados pela distinção do convite para participar deste
evento e minha satisfação pela realização do mesmo.
TEXTO DA PALESTRA DO
PROFESSOR ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE
MEMORIAL EM PROL DE UMA NOVA
MENTALIDADE QUANTO À PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NOS PLANOS
INTERNACIONAL E NACIONAL
Vice-Presidente da Corte
Interamericana de Direitos Humanos; Professor Titular da
Universidade de Brasília e do Instituto Rio-Branco; Membro dos
Conselhos Diretores do Instituto Internacional de Direitos
Humanos (Estrasburgo) e do Instituto Interamericano de Direitos
Humanos (Costa Rica); Associado do Institut de Droit
International
SUMÁRIO:
I. Introdução.
II. O Locus Standi dos
Indivíduos nos Procedimentos perante os Tribunais
Internacionais de Direitos Humanos.
1. Desenvolvimentos no Sistema Europeu de Proteção.
2. Desenvolvimentos no Sistema Interamericano de Proteção.
3. O Direito Individual de Acesso Direto (Jus Standi) aos
Tribunais Internacionais de Direitos Humanos.
III. Compatibilização entre as
Jurisdições Internacional e Nacional em Matéria de Direitos
Humanos.
IV. O Amplo Alcance das
Obrigações Convencionais de Proteção: As Obrigações
Executivas, Legislativas e Judiciais dos Estados.
1. As Obrigações Executivas dos Estados Partes nos Tratados de
Direitos Humanos.
2. As Obrigações Legislativas dos Estados Partes nos Tratados
de Direitos Humanos.
3. As Obrigações Judiciais dos Estados Partes nos Tratados de
Direitos Humanos.
V. Conclusões.
I. Introdução.
Há pouco mais de cinco meses, na
abertura do Encontro Internacional promovido pela Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e realizado neste
mesmo Auditório, que marcou o início em nosso país dos
preparativos das comemorações do cinqüentenário das
Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos, tive a
ocasião de abordar, em longa exposição, no dia 03 de dezembro
de 1997, o legado da Declaração Universal de 1948, desde seus
trabalhos preparatórios até sua projeção normativa em
numerosos e sucessivos tratados de direitos humanos nos planos
global e regional, nas Constituições e legislações
nacionais, e na prática dos tribunais internacionais e
nacionais também de numerosos países. Ao voltar a esta Casa, o
Congresso Nacional de meu país, para participar hoje nesta III
Conferência Nacional de Direitos Humanos, o tema e o propósito
de minha exposição são claramente distintos.
Permito-me, inicialmente,
expressar meus agradecimentos pela distinção do convite e
minha satisfação pela realização deste evento. Vejo um valor
simbólico no fato de contar esta Conferência com a presença e
participação de autoridades das instituições públicas e
representantes e membros da sociedade civil brasileira,
congregados em torno do tema central que nos une: o da
proteção dos direitos humanos nos planos a um tempo
internacional e nacional. O fato de estarmos aqui todos
reunidos, para uma reflexão coletiva sobre a matéria, atesta o
valor que todos atribuímos à referida temática. Não poderia
haver melhor ocasião para um diálogo franco e respeitoso,
sobre um tema que diz respeito ao quotidiano de todos os
brasileiros e de todas as pessoas que vivem em nosso país.
O tema desta Conferência - a
aplicação das normas de proteção dos direitos humanos nos
planos internacional e nacional - poderia consumir dias de
debates, dada sua amplitude e complexidade. Em um esforço
extremo de síntese, o abordarei no que mais diretamente possa
interessar às conclusões e iniciativas que porventura emanem
deste conclave. A questão da interrelação entre o direito
internacional e o direito interno na proteção dos direitos
humanos, cujo exame me tem consumido tantos anos de pesquisa,
reflexão, e atuação nos planos nacional e internacional,
permea todas as etapas de operação dos mecanismos de
proteção, desde o acesso dos indivíduos às instâncias
internacionais de proteção até a execução de sentenças e
decisões dos órgãos internacionais de proteção no plano do
direito interno dos Estados.
Assim sendo, e premido pela
pressão impiedosa do tempo, proponho-me analisar o tema segundo
o seguinte plano de exposição: em primeiro lugar, examinarei a
questão atinente ao acesso direto dos indivíduos aos tribunais
internacionais de direitos humanos existentes (ou seja, as
Cortes Européia e Interamericana de Direitos Humanos), causa
esta à qual tenho pessoalmente me dedicado, não sem
dificuldades, por mais de uma década; em segundo lugar,
abordarei a questão dos meios previstos pelos próprios
tratados de direitos humanos para a compatibilização entre as
jurisdições internacional e nacional em matéria de direitos
humanos (prévio esgotamento dos recursos de direito interno,
cláusulas de derrogações e de reservas, execução das
sentenças internacionais no direito interno); em terceiro
lugar, examinarei o amplo alcance das obrigações convencionais
internacionais de proteção no plano do direito interno,
identificando as obrigações executivas, legislativas e
judiciais dos Estados Partes nos tratados de direitos humanos;
e, enfim, apresentarei minhas conclusões.
A tese que sustento, como o venho
fazendo já por mais de vinte anos em meus escritos , é, em
resumo, no sentido de que, - primeiro, os tratados de direitos
humanos , que se inspiram em valores comuns superiores
(consubstanciados na proteção do ser humano) e são dotados de
mecanismos próprios de supervisão que se aplicam consoante a
noção de garantia coletiva, têm caráter especial, que os
diferenciam dos demais tratados, que regulamentam interesses
recíprocos entre os Estados Partes e são por estes próprios
aplicados, - com todas as conseqüências jurídicas que daí
advêm nos planos do direito internacional e do direito interno;
segundo, o direito internacional e o direito interno mostram-se
em constante interação no presente contexto de proteção, na
realização do propósito convergente e comum da salvaguarda
dos direitos do ser humano; e terceiro, na solução de casos
concretos, a primazia é da norma que melhor proteja as vítimas
de violações de direitos humanos, seja ela de origem
internacional ou interna.
É esta, a meu ver, a tese que
melhor reflete e fomenta a evolução contemporânea convergente
sobre a matéria tanto do direito internacional quanto do
direito público interno, e a única que, como assinalarei ao
longo de minha exposição, logra desvencilhar-se e emancipar-se
dos dogmas do passado, maximizando a proteção dos direitos
humanos. Os ordenamentos internacional e nacional formam um todo
harmônico, em benefício dos seres humanos protegidos, das
vítimas de violações dos direitos humanos. Esta nova visão
que venho sustentando há tantos anos, e cuja aplicação requer
uma mudança fundamental de mentalidade, encontra expressão na
jurisprudência internacional, começa a florescer de forma
sistemática também na jurisprudência nacional de alguns
países, - e espero sinceramente que venha a germinar de igual
modo em terras brasileiras.
Assim sendo, o Leitmotiv de minha
exposição é precisamente o da necessidade premente de uma
mudança fundamental de mentalidade no tocante à proteção dos
direitos humanos nos planos internacional e nacional, sem a qual
pouco lograremos avançar em nosso país neste domínio. Por
esta razão, permito-me dar à minha exposição o cunho de um
memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção
dos direitos humanos nos planos internacional e nacional. Passo,
pois, ao exame de cada um dos pontos de minha exposição.
II. O Locus Standi dos
Indivíduos nos Procedimentos perante os Tribunais
Internacionais de Direitos Humanos.
Uma das grandes prioridades da
agenda contemporânea dos direitos humanos reside, a meu modo de
ver, na garantia do acesso direto das supostas vítimas aos
tribunais internacionais de direitos humanos. Em entrevista que
tive a satisfação de conceder à Associação Juízes para a
Democracia, em São Paulo em outubro de 1995 , assinalei a
importância desta questão , que até então passava
inteiramente despercebida em nosso país, inclusive dos que
atuam no campo dos direitos humanos. Como há muito venho me
empenhando por tal acesso direto no plano internacional,
permito-me retomar o tema nesta Conferência, dada a
importância da difusão, em nosso país, dos últimos
desenvolvimentos a respeito.
Ao serem concebidos os sistemas de proteção das Convenções
Européia e Americana sobre Direitos Humanos, os mecanismos
enfim adotados não consagraram originalmente a representação
direta dos indivíduos nos procedimentos perante os dois
tribunais internacionais de direitos humanos criados pelas duas
Convenções (as Cortes Européia e Interamericana de Direitos
Humanos), - os únicos tribunais do gênero existentes sob
tratados de direitos humanos até o presente. As resistências,
então manifestadas, - próprias de outra época e sob o
espectro da soberania estatal, - ao estabelecimento de uma nova
jurisdição internacional para a salvaguarda dos direitos
humanos, fizeram com que, pela intermediação das Comissões
(Européia e Interamericana de Direitos Humanos), se buscasse
evitar o acesso direto dos indivíduos aos dois tribunais
regionais de direitos humanos (as Cortes Européia e
Interamericana de Direitos).
Neste final de século,
encontram-se definitivamente superadas as razões históricas
que levaram à denegação - a nosso ver injustificável, desde
o inicio, - de tal locus standi das supostas vítimas. Com
efeito, nos sistemas europeu e interamericano de direitos
humanos, como veremos a seguir, a própria prática cuidou de
revelar as insuficiências, deficiências e distorsões do
mecanismo paternalista da intermediação das Comissões
Européia e Interamericana entre os indivíduos e as respectivas
Cortes - Européia e Interamericana - de Direitos Humanos.
1. Desenvolvimentos no Sistema
Europeu de Proteção.
Já no exame de seus primeiros
casos contenciosos, tanto a Corte Européia como a Corte
Interamericana de Direitos Humanos se insurgiram contra a
artificialidade do esquema da intermediação das respectivas
Comissões (supra). Recorde-se que, bem cedo, ja desde o caso
Lawless versus Irlanda (1960), a Corte Européia passou a
receber, por meio dos delegados de la Comissão Européia,
argumentos escritos dos próprios demandantes, que
freqüentemente se mostravam bastante críticas no tocante à
própria Comissão. Encarou-se esta providência com certa
naturalidade, pois os argumentos das supostas vítimas não
tinham que coincidir inteiramente com os dos delegados da
Comissão. Uma década depois, durante o procedimento nos casos
Vagrancy, relativos à Bélgica (1970), a Corte Européia
aceitou a solicitação da Comissão de dar a palavra a um
advogado dos três demandantes; ao tomar a palabra, este
advogado criticou, em um determinado ponto, a opinião
expressada pela Comissão em seu relatório.
Os desenvolvimentos seguintes são conhecidos: a concessão de
locus standi aos representantes legais dos indivíduos
demandantes perante a Corte (por meio da reforma do Regulamento
de 1982, em vigor a partir de 01.01.1983) em casos a esta
submetidos pela Comissão ou os Estados Partes, seguida da
adoção do célebre Protocolo n. 9 (de 1990, já em vigor) à
Convenção Européia. Como bem ressalta o Relatório
Explicativo do Conselho da Europa sobre a matéria, o Protocolo
n. 9 concedeu "um tipo de locus standi" aos
indivíduos perante a Corte, indubitavelmente um avanço, mas
que ainda não lhes assegurava a "equality of arms/égalité
des armes" com os Estados demandados e o benefício pleno
da utilização do mecanismo da Convenção Européia para a
vindicação de seus direitos (cf. infra).
De todo modo, as relações da
Corte Européia com os indivíduos demandantes passaram a ser,
pois, diretas, sem contar necessariamente com a intermediação
dos delegados da Comissão. Isto obedece a uma certa lógica,
porquanto os papéis ou funções dos demandantes e da Comissão
são distintos; como a Corte Européia assinalou já em seu
primeiro caso (Lawless), a Comissão se configura antes como um
órgão auxiliar da Corte. Têm sido freqüentes os casos de
opiniões divergentes entre os delegados da Comissão e os
representantes das vítimas nas audiências perante a Corte, e
tem-se considerado isto como normal e, até mesmo, inevitável.
Os governos se acomodaram, por assim dizer, à prática dos
delegados da Comissão de recorrer quase sempre à assistência
de um representante das vítimas, ou, pelo menos, a ela não
objetaram.
Não há que passar despercebido
que toda esta evolução tem-se desencadeado, no sistema europeu
de proteção, gradualmente, mediante a reforma do Regulamento
da Corte e a adoção do Protocolo n. 9 à Convenção. A Corte
Européia tem determinado o alcance de seus próprios poderes
mediante a reforma de seu interna corporis, afetando inclusive a
própria condição das partes no procedimento perante ela.
Alguns casos já tem sido resolvidos sob o Protocolo n. 9, com
relação aos Estados Partes na Convenção Européia que
ratificaram também este último. Daí a atual coexistência dos
Regulamentos A e B da Corte Européia .
É certo que, a partir de 01 de
novembro de 1998, dia da entrada em vigor do Protocolo n. 11 (de
1994) à Convenção Européia (sobre a reforma do mecanismo
desta Convenção e o estabelecimento de uma nova Corte
Européia como único órgão jurisdicional de supervisão da
Convenção), o Protocolo n. 9 tornar-se-á anacrônico, de
interesse somente histórico no âmbito do sistema europeu de
proteção. Ao contrário do que previam os céticos, em
relativamente pouco tempo todos os Estados Partes na Convenção
Européia de Direitos Humanos, em inequívoca demonstração de
maturidade, se tornaram Partes também no Protocolo n. 11 à
referida Convenção, possibilitando a entrada em vigor deste
último ainda em 1998.
O início da vigência deste
Protocolo, em 01 de novembro de 1998, representa um passo
altamente gratificante para todos os que atuamos em prol do
fortalecimento da proteção internacional dos direitos humanos.
O indivíduo passa assim a ter, finalmente, acesso direto a um
tribunal internacional (jus standi), como verdadero sujeito - e
com plena capacidade jurídica - do Direito Internacional dos
Direitos Humanos. Isto só foi possível em razão de uma nova
mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos
internacional e nacional.
Superado, desse modo, o Protocolo
n. 9 para o sistema europeu de proteção, não obstante retém
sua grande utilidade para a atual consideração de eventuais
aperfeiçoamentos do mecanismo de proteção do sistema
interamericano de direitos humanos (cf. infra). Os sistemas
regionais - situados todos na universalidade dos direitos
humanos -vivem momentos históricos distintos. No sistema
africano de proteção, por exemplo, só recentemente (setembro
de 1995) se concluiu a elaboração do Projeto de Protocolo à
Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos sobre o
Estabelecimento de uma Corte Africana de Direitos Humanos e dos
Povos . E apenas um ano antes, em setembro de 1994, o Conselho
da Liga dos Estados Árabes, a seu turno, adotou a Carta Árabe
de Direitos Humanos .
2. Desenvolvimentos no Sistema
Interamericano de Proteção.
Os desenvolvimentos que hoje têm
lugar no sistema interamericano de proteção são semelhantes
aos do sistema europeu de proteção na última década, no
tocante à matéria em exame. Na agenda atual de nosso sistema
regional de proteção, ocupa hoje posição central a questão
da condição das partes em casos de direitos humanos sob a
Convenção Americana, e, em particular, da representação
legal ou locus standi in judicio das vítimas (ou seus
representantes legais) diretamente ante a Corte Interamericana,
em casos que a ela já tenham sido enviados pela Comissão.
Também aqui se faz sentir a importância de uma interpretação
apropriada dos termos e do espírito da Convenção Americana.
É certo que a Convenção
Americana determina que só os Estados Partes e a Comissão têm
direito a "submeter um caso" à decisão da Corte
(artigo 61(1)); mas a Convenção, por exemplo, ao dispor sobre
reparações, também se refere à "parte lesada"
(artigo 63(1)), i.e., as vítimas e não a Comissão. Com
efeito, reconhecer o locus standi in judicio das vítimas (ou
seus representantes) ante a Corte (em casos já submetidos a
esta pela Comissão) contribui à
"jurisdicionalização" do mecanismo de proteção (na
qual deve recair toda a ênfase), pondo fim à ambiguidade da
função da Comissão, a qual não é rigorosamente
"parte" no processo, mas antes guardiã da aplicação
correta da Convenção.
No procedimento perante a Corte
Interamericana, por exemplo, os representantes legais das
vítimas são integrados à delegação da Comissão com a
designação eufemística de "assistentes" da mesma.
Esta solução "pragmática" contou com o aval, com a
melhor das intenções, da decisão tomada em uma reunião
conjunta da Comissão e da Corte Interamericanas, realizada em
Miami em janeiro de 1994. Em lugar de resolver o problema,
criou, não obstante, ambigüidades que têm persistido até
hoje. O mesmo ocorria no sistema europeu de proteção até
1982, quando a ficção dos "assistentes" da Comissão
Européia foi finalmente superada pela reforma naquele ano do
Regulamento da Corte Européia. É chegado o tempo de superar
tais ambigüidades também em nosso sistema interamericano de
proteção, dado que os papéis ou funções da Comissão (como
guardiã da Convenção assistindo à Corte) e dos indivíduos
(como verdadeira parte demandante) são claramente distintos.
A evolução no sentido da
consagração final destas funções distintas deve dar-se pari
passu com a gradual jurisdicionalização do mecanismo de
proteção. Desta forma se afastam definitivamente as
tentações de politização da matéria, que passa a ser
tratada exclusivamente à luz de regras do direito. Não há
como negar que a proteção jurisdicional é a forma mais
evoluída de salvaguarda dos direitos humanos, e a que melhor
atende aos imperativos do direito e da justiça.
O Regulamento anterior da Corte
Interamericana (de 1991) previa, em termos oblíquos, uma
tímida participação das vítimas ou seus representantes no
procedimento ante a Corte, sobretudo na etapa de reparações e
quando convidados por esta . Bem cedo, nos casos Godínez Cruz e
Velásquez Rodríguez (reparações, 1989), relativos a
Honduras, a Corte recebeu escritos dos familiares e advogados
das vítimas, e tomou nota dos mesmos .
Mas o passo realmente
significativo foi dado mais recentemente, no caso El Amparo
(reparações, 1996), relativo à Venezuela, verdadeiro
"divisor de águas" nesta matéria. Na audiência
pública sobre este caso celebrada pela Corte Interamericana em
27 de janeiro de 1996, um de seus magistrados, ao manifestar
expressamente seu entendimento de que ao menos naquela etapa do
processo não podia haver dúvida de que os representantes das
vítimas eram "a verdadeira parte demandante ante a
Corte", em um determinado momento do interrogatório passou
a dirigir perguntas a eles, aos representantes das vítimas (e
não aos delegados da Comissão ou aos agentes do governo), que
apresentaram suas respostas .
Pouco depois desta memorável
audiência no caso El Amparo, os representantes das vítimas
apresentaram dois escritos à Corte (datados de 13.05.1996 e
29.05.1996). Paralelamente, com relação ao cumprimento da
sentença de interpretação de sentença prévia de
indenização compensatória nos casos anteriores Godínez Cruz
e Velásquez Rodríguez, os representantes das vítimas
apresentaram igualmente dois escritos à Corte (datados de
29.03.1996 e 02.05.1996). A Corte, com sua composição de
setembro de 1996, só determinou por término ao processo destes
dois casos depois de constatado o cumprimento, por parte de
Honduras, das sentenças de indenização compensatória e de
interpretação desta, e depois de haver tomado nota dos pontos
de vista não só da Comissão e do Estado demandado, mas
também dos peticionários e dos representantes legais das
famílias das vítimas .
O campo estava aberto à
modificação, neste particular, das disposições pertinentes
do Regulamento da Corte, sobretudo a partir dos desenvolvimentos
no procedimento no caso El Amparo. O próximo passo, decisivo,
foi dado no novo Regulamento da Corte , adotado em 16.09.1996 e
vigente a partir de 01.01.1997, cujo artigo 23 dispõe que
"na etapa de reparações, os representantes das vítimas
ou de seus familiares poderão apresentar seus próprios
argumentos e provas de forma autônoma". Este passo
significativo abre o caminho para desenvolvimentos subseqüentes
na mesma direção, ou seja, de modo a assegurar que no futuro
previsível os indivíduos tenham locus standi no procedimento
ante a Corte não só na etapa de reparações como também na
do mérito dos casos a ela submetidos pela Comissão.
Seria irrealista e impraticável
pretender que este objetivo se logre por uma simples emenda a
uma disposição da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, como o artigo 61. A tarefa é bem mais complexa . Como
tal disposição está inexoravelmente ligada a tantas outras da
Convenção (como os artigos 44 a 51 da Convenção), há que ir
muito mais além, e modificar toda a estrutura do mecanismo da
Convenção, - como se acaba de lograr no sistema europeu de
proteção. É este o caminho a ser seguido, o qual requer uma
nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos
planos internacional e nacional.
3. O Direito Individual de Acesso
Direto (Jus Standi) aos Tribunais Internacionais de Direitos
Humanos.
São sólidos os argumentos que,
em meu entendimento, militam em favor do pronto reconhecimento
do locus standi das supostas vítimas no procedimento ante a
Corte Interamericana em casos já enviados a esta pela
Comissão. Tais argumentos encontram-se desenvolvidos no curso
que ministrei na Sessão Externa (para a América Central) da
Academia de Direito Internacional da Haia, realizada na Costa
Rica em abril-maio de 1995 , e que resumimos a seguir.
Em primeiro lugar, ao
reconhecimento de direitos, nos planos tanto nacional como
internacional, corresponde a capacidade processual de
vindicá-los ou exercê-los. A proteção de direitos deve ser
dotada do locus standi in judicio das supostas vítimas (ou seus
representantes legais), que contribui para melhor instruir o
processo, e sem o qual estará este último desprovido em parte
do elemento do contraditório (essencial na busca da verdade e
da justiça), ademais de irremediavelmente mitigado e em
flagrante desequilíbrio processual.
É da própria essência do
contencioso internacional dos direitos humanos o contraditório
entre as vítimas de violações e os Estados demandados. Tal
locus standi é a conseqüência lógica, no plano processual,
de um sistema de proteção que consagra direitos individuais no
plano internacional, porquanto não é razoável conceber
direitos sem a capacidade processual de vindicá-los. Ademais, o
direito de livre expressão das supostas vítimas é elemento
integrante do próprio devido processo legal, nos planos tanto
nacional como internacional.
Em segundo lugar, o direito de
acesso à justiça internacional deve fazer-se acompanhar da
garantia da igualdade processual das partes (equality of arms/égalité
des armes), essencial em todo sistema jurisdicional de
proteção dos direitos humanos. Em terceiro lugar, em casos de
comprovadas violações de direitos humanos, são as próprias
vítimas - a verdadeira parte demandante ante a Corte - que
recebem as reparações e indemnizações. Estando as vítimas
presentes no início e no final do processo, não há sentido em
negar-lhes presença durante o mesmo.
A estas considerações de
princípio se agregam outras, de ordem prática, igualmente em
favor da representação direta das vítimas ante a Corte, em
casos já a ela submetidos pela Comissão. Os avanços neste
sentido convêm não só às supostas vítimas, mas a todos: aos
Estados demandados, na medida em que contribui a afastar
definitivamente as tentações de politização e a consolidar a
jurisdicionalização do mecanismo de proteção ; à Corte,
para ter melhor instruído o processo; e à Comissão, para por
fim à ambigüidade de seu papel , atendo-se à sua função
própria de guardiã da aplicação correta e justa da
Convenção (e não mais com a função adicional de
"intermediário" entre os indivíduos e a Corte). Os
avanços nesta direção, na atual etapa de evolução do
sistema interamericano de proteção, são responsabilidade
conjunta da Corte e da Comissão.
Nos círculos jurídicos
especializados em nosso continente ainda se expressam dúvidas
ou preocupações de ordem prática, como, e.g., a possibilidade
de divergências entre os argumentos dos representantes das
vítimas e os delegados da Comissão no procedimento ante a
Corte, e a falta de conhecimento especializado dos advogados em
nossa região para assumir o papel e a responsabilidade de
representantes legais das vítimas diretamente ante a Corte. O
que me parece realmente importante, para a operação futura do
mecanismo da Convenção Americana, é que tanto a Comissão
como os representantes das vítimas manifestem seus pontos de
vista, sejam eles coincidentes ou divergentes. A Comissão deve
estar preparada para expressar sempre sua opinião ante a Corte,
ainda que seja discordante da dos representantes das vítimas. A
Corte deve estar preparada para receber e avaliar os argumentos
dos delegados da Comissão e dos representantes das vítimas,
ainda que sejam divergentes. Tudo isto ajudaria a Corte a melhor
formular seu próprio entendimento e a formar sua convicção em
relação a cada caso concreto.
Para gradualmente superar a outra
preocupação, relativa à suposta falta de expertise dos
advogados dos países de nosso continente no contencioso
internacional dos direitos humanos, poder-se-iam preparar guias
para orientação aos que participam nas audiências públicas
ante a Corte Interamericana, divulgadas com a devida
antecipação. Ignorantia juris non curat; como o Direito
Internacional dos Direitos Humanos é dotado de especificidade
própria, e de crescente complexidade, este problema só será
superado gradualmente, na medida em que se dê uma mais ampla
difusão aos procedimentos, e em que os advogados tenham mais
oportunidades de familiarizar-se com os mecanismos de
proteção. O que não me parece razoável é tentar
obstaculizar toda a evolução corrente rumo à representação
direta das vítimas em todo o procedimento perante a Corte
Interamericana, com base em uma dificuldade que me parece
perfeitamente remediável ou superável.
A isto há que agregar que os
avanços neste sentido (da representação direta dos
indivíduos), já consolidados no sistema europeu de proteção,
hão de se lograr em nossa região mediante critérios e regras
prévia e claramente definidos, com as necessárias adaptações
às realidades da operação de nosso sistema interamericano de
proteção. Isto requereria, e.g., a previsão de assistência
jurídica ex officio por parte da Comissão Interamericana,
sempre que os indivíduos demandantes não estivessem em
condições de contar com os serviços profissionais de um
representante legal.
Enfim, e voltando às
considerações de princípio, somente mediante o locus standi
in judicio das supostas vítimas ante os tribunais
internacionais de direitos humanos se logrará a consolidação
da plena personalidade e capacidade jurídicas internacionais da
pessoa humana (nos sistemas regionais de proteção), para fazer
valer seus direitos, quando as instâncias nacionais se
mostrarem incapazes de assegurar a realização da justiça. O
aperfeiçoamento do mecanismo de nosso sistema regional de
proteção deve ser objeto de considerações de ordem
essencialmente jurídico-humanitária, inclusive como garantia
adicional às partes - tanto os indivíduos demandantes como os
Estados demandados - em casos contenciosos de direitos humanos.
Como adverti já há uma década em curso ministrado na Academia
de Direito Internacional da Haia, na Holanda, todo
jusinternacionalista, fiel às origens históricas de sua
disciplina, saberá contribuir a resgatar a posição do ser
humano no direito das gentes (droit des gens), e a sustentar o
reconhecimento e a cristalização de sua personalidade e
capacidade jurídicas internacionais .
A mesma advertência voltei a
formular, recentemente, em Explicações de Votos nos casos
Castillo Páez e Loayza Tamayo (exceções preliminares, janeiro
de 1996), relativos ao Peru, no sentido da necessidade de
superar a capitis diminutio de que padecem os indivíduos
peticionários no sistema interamericano de proteção, em
razão de considerações dogmáticas próprias de outra época
histórica que buscavam evitar seu acesso direto ao órgão
judicial internacional. Tais considerações, agreguei,
mostram-se inteiramente sem sentido, ainda mais em se tratando
de um tribunal internacional de direitos humanos. Propugnei,
nestes meus Votos, pela superação da concepção paternalista
e anacrônica da total intermediação da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos entre os indivíduos
peticionários (a verdadeira parte demandante) e a Corte, de
modo a conceder a estes últimos acesso direto à Corte .
O necessário reconhecimento do locus standi in judicio das
supostas vítimas (ou seus representantes legais) ante a Corte
Interamericana constitui, nesta linha de pensamento, um avanço
dos mais importantes, mas não necessariamente a etapa final do
aperfeiçoamento do sistema interamericano de proteção, pelo
menos tal como concebemos tal aperfeiçoamento. Na continuação
desta evolução, a partir de tal locus standi, estamos
empenhados todos os que, no sistema interamericano, comungamos
do mesmo ideal, para lograr o reconhecimento futuro do direito
de acesso direto dos indivíduos à Corte (jus standi), para
submeter um caso concreto diretamente a ela, prescindindo
totalmente da Comissão para isto. O dia em que o logremos, que
sinceramente espero seja o mais rápido possível, - a exemplo
da entrada em vigor iminente, em 01 de novembro de 1998, do
Protocolo n. 11 à Convenção Européia de Direitos Humanos
(supra), - teremos alcançado o ponto culminante, também em
nosso sistema interamericano de proteção, de um grande
movimento de dimensão universal a lograr o resgate do ser
humano como sujeito do Direito Internacional dos Direitos
Humanos, dotado de plena capacidade jurídica internacional.
III. Compatibilização entre as
Jurisdições Internacional e Nacional em Matéria de Direitos
Humanos.
Os próprios tratados de direitos
humanos têm sempre cuidado de prevenir ou evitar conflitos
entre as jurisdições internacional e interna, e de
compatibilizar os dispositivos convencionais e de direito
interno. No tocante à admissibilidade de comunicações ou
denúncias de violações de direitos humanos, prevêem o
requisito do prévio esgotamento dos recursos de direito
interno. Na prática, o critério básico, na aplicação deste
requisito, tem sido o da eficácia dos recursos internos. A
jurisprudência internacional tem, assim, dispensado a regra do
esgotamento em casos, e.g., de prática estatal, ou de
negligência ou tolerância do poder público, ante violações
dos direitos humanos.
O requisito em apreço reveste-se
de um rationale próprio no contexto da proteção dos direitos
humanos, em que o direito internacional e o direito interno se
mostram em constante interação. Os recursos de direito interno
integram, assim, a própria proteção internacional, e a
ênfase recai não em seu esgotamento mecânico pelos
peticionários, mas na prevenção de violações e na pronta
reparação dos danos. Ao dever dos peticionários de esgotar os
recursos de direito interno corresponde o dever dos Estados de
prover recursos internos eficazes, como duas faces da mesma
moeda . A correta aplicação deste requisito vincula-se à
questão básica do acesso direto dos indivíduos às
instâncias legais internacionais para perante elas fazer valer
os seus direitos, sempre que as instâncias nacionais se
mostrarem incapazes de garantir a realização da justiça.
Outra modalidade de prevenção
de conflitos entre as jurisdições internacional e nacional
prevista pelos tratados de direitos humanos reside nas chamadas
cláusulas de derrogações. Os termos gerais com que foram
estas redigidas têm requerido consideráveis esforços
doutrinais, desenvolvidos nos últimos anos, no sentido de
dar-lhes maior precisão, estabelecendo controles do poder
público, de modo a assim evitar abusos (como, e.g., o
prolongamento indefinido e patológico dos chamados estados de
exceção, ou a suspensão indeterminada ou crônica do
ejercício de direitos, entre outros). Os princípios afirmados
na doutrina contemporânea são, em resumo, os seguintes: o
princípio da notificação (das derrogações) a todos os
Estados Partes (nos tratados de direitos humanos, o princípio
da proporcionalidade às exigências da situação, a
consistência das medidas tomadas com outras obrigações
internacionais do Estado em questão, o princípio da
não-discriminação, a não-derrogabilidade dos direitos
fundamentais em estados de emergência, o ônus da prova a
recair no Estado que busca justificar um estado de exceção.
Em quaisquer circunstâncias,
subsiste a intangibilidade das garantias judiciais, tal como
afirmado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em seus
oitavo e nono Pareceres, ambos de 1987. Estes princípios já
têm tido aplicação na prática internacional nos últimos
anos, o que é alentador. Desse modo, com base tanto na doutrina
como na jurisprudência contemporâneas sobre a questão, tem-se
buscado um tratamento adequado da matéria, de modo a evitar a
repetição, no futuro, de violações de direitos humanos
resultantes da invocação indevida de cláusulas de
derrogações, ocorridas na história recente de muitos países,
inclusive de nossa região.
Outra modalidade de prevenção
de conflitos entre as jurisdições internacional e nacional
reside na possibilidade de recurso a reservas permitidas por
alguns tratados de direitos humanos. Este é um dos pontos mais
debatidos na doutrina contemporânea. Há mais de dez anos venho
alertando para a inadequação do sistema de reservas consagrado
nas duas Convenções de Viena sobre Direito dos Tratados (de
1969 e 1986) para a aplicação dos tratados de direitos
humanos, dotados de caráter especial e especificidade própria.
Nos últimos anos, os próprios órgãos convencionais de
proteção têm dado mostras de sua disposição de proceder à
determinação da compatibilidade ou não de certas reservas
formuladas por Estados Partes a disposições dos respectivos
tratados de direitos humanos com o objeto e propósito dos
mesmos.
A matéria encontra-se atualmente
em exame na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.
No meu entender, o presente sistema individualista,
contratualista e fragmentador de reservas não se mostra em
conformidade com a noção de garantia coletiva subjacente aos
tratados de direitos humanos, que incorporam obrigações de
caráter objetivo transcendendo os compromissos recíprocos
entre as Partes, e se voltam ao interesse comum superior da
salvaguarda dos direitos do ser humano e não dos direitos dos
Estados. Impõe-se aqui, como sustentei em minhas Explicações
de Voto no caso Blake versus Guatemala (Sentenças da Corte
Interamericana de Direitos humanos sobre exceções
preliminares, 1996, e sobre o mérito, 1998), a humanização do
direito dos tratados.
Do exposto, vê-se que os
próprios tratados de direitos humanos têm cuidado de
compatibilizar as jurisdições internacional e nacional para
lograr a realização de seu objeto e propósito. Enfim, no
tocante às relações entre o direito internacional e o direito
interno no presente contexto, uma questão de grande atualidade,
mormente em nosso continente, diz respeito à execução de
sentenças dos tribunais internacionais de direitos humanos. A
questão encontra-se diretamente relacionada à aplicação
eficaz das Convenções Européia e Americana sobre Direitos
Humanos, - os dois únicos tratados de direitos humanos dotados,
até o presente (início de 1998), de tribunais internacionais
(as Cortes Européia e Interamericana de Direitos Humanos), - no
âmbito do direito interno dos Estados Partes.
A Convenção Européia conta com
o concurso do Comitê de Ministros, que zela pela execução das
sentenças da Corte Européia (artigo 54). A Convenção
Americana, - que não conta com mecanismo semelhante, - dispõe
que a parte das sentenças da Corte Interamericana atinente a
indenizações pode ser executada no país respectivo pelo
processo interno vigente para a execução de sentenças contra
o Estado (artigo 68(2)). Acrescenta a Convenção Americana que
os Estados Partes se comprometem a cumprir a decisão da Corte
Interamericana em todo caso contencioso em que sejam partes
(artigo 68(1) da Convençao). Por conseguinte, se um Estado
Parte na Convenção Européia ou na Convenção Americana deixa
de executar uma sentença da Corte Européia ou da Corte
Interamericana, respectivamente, no âmbito de seu ordenamento
jurídico interno, está incorrendo em uma violação adicional
da Convenção regional respectiva. Acresce a obrigação geral
(do artigo 2 da Convenção Americana) de adequação do direito
interno à normativa de proteção da Convenção.
A experiência da Corte Européia
registra numerosos casos de execução de suas sentenças pelos
Estados Partes na Convenção Européia, ao longo de muitos
anos, para o que tem contado com o concurso da supervisão do
Comitê de Ministros (artigo 54 da Convenção), um órgão de
composição política. A experiência da Corte Interamericana -
que não conta com o concurso de órgão congênere - é ainda
relativamente recente, e também positiva, porquanto suas
sentenças têm sido normalmente cumpridas. As dificuldades
temporárias surgidas em quatro casos até o presente, que
levaram à aplicação pela Corte, em seus Relatórios Anuais,
da sanção prevista no artigo 65 da Convenção Americana ,
encontram-se já todas remediadas e superadas. Não obstante,
urge que os Estados Partes na Convenção Americana se equipem
devidamente, no âmbito de seu direito interno, para dar fiel e
pleno cumprimento às sentenças da Corte Interamericana à luz
do artigo 68(1) da Convenção. Não creio que um órgão de
composição política - como o Comitê de Ministros no sistema
europeu de proteção - seja o mais adequado para zelar pela
execução das sentenças da Corte Interamericana. Daí a
importância crescente, em nosso sistema regional, das medidas
que neste propósito venham a adotar os Estados Partes na
Convenção Americana.
Entre estes, há os que, como
Colômbia e Peru, adotaram instrumentos legislativos naquele
propósito. Assim, e.g., na Colômbia, a Lei 288 de 1996
estabelece um mecanismo para as indenizações às vítimas de
violações de direitos humanos consoante o disposto por dois
órgãos de proteção internacional, a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos e o Comitê de Direitos Humanos sob o Pacto
de Direitos Civis e Políticos. Inexplicavelmente, a referida
lei colombiana se refere expressamente somente a estes dois
órgãos (que, aliás, não proferem sentenças), e se omite em
relação às sentenças da Corte Interamericana de Direitos
Humanos. A questão permanece, assim, em aberto. A mencionada
lei cria um Comitê de Ministros , encarregado de determinar o
cumprimento das decisões dos órgãos supracitados de
proteção internacional .
O outro exemplo é fornecido pela
Lei de Habeas Corpus e Amparo do Peru, de 1982, que atribui ao
órgão judiciário supremo do ordenamento interno (a Corte
Suprema de Justiça) a faculdade de dispor sobre a execução e
o cumprimento das decisões de órgãos de proteção
internacional a cuja jurisdição se tiver submetido o Peru,
"de conformidade com as normas e procedimentos internos
vigentes sobre execução de sentenças" (artigo 40). O
artigo 39 da referida Lei menciona alguns destes órgãos, mas
não se trata de uma cláusula fechada, pois agrega "outros
que se constituam no futuro"; a Corte Interamericana
encontra-se, pois, aí incluída, ainda que não expressamente
mencionada . O artigo 40 acrescenta significativamente que a
Corte Suprema de Justiça recepcionará as decisões dos
órgãos de proteção internacional, sem que se requeira
reconhecimento, revisão e tampouco exame prévio algum para sua
validade e eficácia.
Recentemente, na Argentina, concluiu-se um Projeto de Lei, já
submetido à consideração do Congresso Nacional, no propósito
de "regulamentar a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos", como o indica a Exposição de Motivos . O
Projeto de Lei argentino, que se inspira no modelo colombiano,
também cria um Comitê de Ministros (artigo 2(b)), que
determina sobre o cumprimento de uma recomendação da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Caso haja alguma
divergência na consideração da matéria, esta deve ser
submetida à Corte Interamericana de Direitos Humanos, para a
"decisão definitiva da mesma" (artigo 4).
Estes são exemplos de passos
legislativos iniciais, tomados por poucos Estados Partes na
Convenção Americana até o presente, no propósito de
assegurar o seu fiel cumprimento no plano do direito interno. É
de se esperar que todos os Estados Partes busquem equipar-se
para assegurar a fiel execução das sentenças da Corte
Interamericana. Por enquanto, o alentador índice de cumprimento
- caso por caso - de todas as sentenças da Corte Interamericana
até o presente se deve sobretudo à boa fé e lealdade
processual com que neste particular os Estados demandados têm
acatado as referidas sentenças, também contribuindo desse modo
à consolidação do sistema regional de proteção.
Mas não se pode daí inferir que
a execução de tais sentenças esteja legalmente assegurada, no
âmbito de seu ordenamento jurídico interno. Exceto as raras
iniciativas acima mencionadas, a grande maioria dos Estados
Partes na Convenção Americana ainda não tomou qualquer
providência, legislativa ou de outra natureza, nesse sentido.
Por conseguinte, as vítimas de violações de direitos humanos,
em cujo favor tenha a Corte Interamericana declarado um direito
- quanto ao mérito do caso, ou reparações lato sensu, - ainda
não têm inteira e legalmente assegurada a execução das
sentenças respectivas no âmbito do direito interno dos Estados
demandados. Cumpre remediar prontamente esta situação.
IV. O Amplo Alcance das Obrigações Convencionais de
Proteção: As Obrigações Executivas, Legislativas e Judiciais
dos Estados.
Apesar de toda a atenção
dispensada pelos próprios órgãos de supervisão internacional
de direitos humanos à questão central das relações entre os
ordenamentos jurídicos internacional e interno na proteção
dos direitos humanos, persistem aqui curiosamente incertezas e
uma falta de clareza conceitual. Como neste final de século o
que se requer mais que tudo é uma mudança de mentalidade,
cabe, neste propósito, ter sempre presente que as disposições
dos tratados de direitos humanos vinculam não só os governos
(como equivocada e comumente se supõe), mas, mais do que isto,
os Estados (todos os seus poderes, órgãos e agentes); é
chegado o tempo de precisar, por conseguinte, o alcance não só
das obrigações executivas, mas também das obrigações
legislativas e judiciais, dos Estados Partes nos tratados de
direitos humanos.
Há muito venho chamando a
atenção para este ponto básico, não só em minha atuação
no plano internacional, como também em conferências recentes
que tenho proferido em nosso país (e.g., na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) , no Superior Tribunal de
Justiça , no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) , no Instituto Brasileiro de Direitos Humanos , na
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) , e nesta
mesma Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados ).
Há que ter sempre presente que a operação dos mecanismos
internacionais de proteção não pode prescindir da adoção e
do aperfeiçoamento das medidas nacionais de implementação,
porquanto destas últimas - estou convencido - depende em grande
parte a evolução futura da própria proteção internacional
dos direitos humanos. A ênfase em tais medidas nacionais se
dá, não obstante, sem prejuízo da preservação dos padrões
internacionais de proteção.
Seria incorreto, por exemplo,
visualizar os órgãos convencionais internacionais de
proteção dos direitos humanos como instâncias de revisão,
por exemplo, de decisões de tribunais nacionais; disto não se
trata. No entanto, tais órgãos internacionais podem, e devem,
no contexto de casos concretos de violações de direitos
humanos, determinar a compatibilidade ou não com os respectivos
tratados de direitos humanos, de qualquer ato ou omissão por
parte de qualquer poder ou órgão ou agente do Estado, -
inclusive leis nacionais e sentenças de tribunais nacionais.
Trata-se de um princípio básico do direito da responsabilidade
internacional do Estado, aplicado no presente domínio de
proteção dos direitos humanos.
A questão se situa em um
problema de maior dimensão, no qual me permito insistir: o da
falta de uma clara compreensão, que a meu ver continua a
existir, neste final de século, na maioria dos países, quanto
ao alcance das obrigações convencionais de proteção. O
recurso a doutrinas ou fórmulas que na realidade não servem ao
propósito de fortalecer a proteção dos direitos humanos, e
que se mostram desprovidas de conteúdo, tem contribuído à
perpetuação de uma falta de clareza quanto ao amplo alcance
dos deveres convencionais de proteção dos direitos humanos.
Uma nova mentalidade é o de que mais se necessita. Temos que
proteger nosso labor de proteção dos efeitos negativos do
recurso a palavras ou conceitos vazios.
No dia em que prevalecer uma
clara compreensão do amplo alcance das obrigações
internacionais de proteção, haverá uma mudança de
mentalidade, que, por sua vez, fomentará novos avanços neste
domínio de proteção. Enquanto perdurar a atual mentalidade,
conceitualmente confusa e portanto defensiva e insegura,
persistirão as deferências indevidas ao direito interno, cujas
insuficiências e deficiências ironicamente requerem a
operação dos mecanismos de proteção internacional. A
aplicação da normativa internacional tem o propósito de
aperfeiçoar, e não de desafiar, a normativa interna, em
benefício dos seres humanos protegidos.
1. As Obrigações Executivas dos Estados Partes nos Tratados de
Direitos Humanos.
Voltemos nossas reflexões, por
alguns momentos, às obrigações executivas, legislativas e
judiciais dos Estados Partes nos tratados de direitos humanos.
De início, cabe ter presente que, a par das obrigações
específicas em relação a cada um dos direitos protegidos, os
Estados Partes contraem a obrigação geral de organizar o poder
público para garantir a todas as pessoas sob sua jurisdição o
livre e pleno exercício de tais direitos. A aceitação dos
tratados de proteção internacional pelos Estados Partes
implica o reconhecimento da premissa básica, subjacente a estes
últimos, de que a tarefa de proteção dos direitos humanos
não se esgota - não pode se esgotar - na ação do Estado.
No tocante a nosso país, no
final da década passada o Brasil já se tornara Parte em
diversos tratados de proteção "setorial" ou
particularizada dos direitos humanos, mas persistia uma lacuna
quanto a três tratados gerais de proteção, - os dois Pactos
de Direitos Humanos das Nações Unidas e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, - a despeito da decisão de
adesão a esses instrumentos tomada já em 1985 (supra). Tal
decisão veio a ser consumada, sete anos depois, em 1992.
A demora em efetuar a adesão do
Brasil àqueles três tratados gerais de proteção levou o
então Consultor Jurídico do Ministério das Relações
Exteriores a emitir um extenso Parecer, de 18 de outubro de
1989, sobre a forma ou modalidade de tal adesão, no qual
acrescentou outros dados, - que continuam a revestir-se de
atualidade, - a título de providências adicionais que
recomendava fossem prontamente tomadas pelo Brasil, relativas a
instrumentos e cláusulas facultativos, com vistas à plenitude
do alinhamento à causa da proteção internacional dos direitos
humanos.
Suas recomendações,
fundamentadas no citado Parecer, foram as seguintes: além da
adesão aos três tratados gerais de proteção supracitados, a
adesão ao [primeiro] Protocolo Facultativo do Pacto de Direitos
Civis e Políticos das Nações Unidas (reconhecimento do
Comitê de Direitos Humanos para receber e examinar petições
ou comunicações individuais), aos dois Protocolos Adicionais
de 1977 às Convenções de Genebra de 1949 sobre Direito
Internacional Humanitário, às duas Convenções da Nações
Unidas contra o Apartheid (de 1973 e l985), à Convenção (n.
87) da OIT sobre a Liberdade Sindical de 1948 (a Convenção
básica da OIT de garantia de um dos direitos humanos
fundamentais, pendente de aprovação parlamentar desde 1949),
ao Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
de 1988; além disso, as declarações de reconhecimento das
competências do Comitê de Direitos Humanos para receber e
examinar petições ou comunicações interestatais (artigo 41
do Pacto de Direitos Civis e Políticos), do Comitê para a
Eliminação da Discriminação Racial (CERD) para receber e
examinar comunicações individuais (artigo 14 da Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para
receber e examinar petições ou comunicações interestatais
(artigo 45 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos), da
Corte Interamericana de Direitos Humanos (reconhecimento de sua
competência obrigatória em matéria contenciosa, sob o artigo
62 da Convenção Americana), do Comitê contra a Tortura para
receber e examinar petições ou comunicações individuais
(artigo 22 da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura)
e interestatais (artigo 21 da mesma Convenção); e, enfim, o
levantamento das reservas a alguns artigos (15(4); 16(1)(a),(c),
(g) e (h); e 29(1)) da Convenção da Nações Unidas sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher de 1979; e o levantamento da reserva geográfica sob o
artigo 1(B)(1) da Convenção de Genebra de 1951 relativa ao
Estatuto dos Refugiados (reiterando o recomendado em Parecer
anterior, de 19.05.1986) .
Como observou o Parecer
supracitado de 18.10.1989, a aceitação pelo Brasil de
instrumentos e cláusulas facultativos de tratados de direitos
humanos havia que se dar "necessariamente de forma
integral": as providências supracitadas correspondiam ao
"reconhecimento da anterioridade dos direitos humanos face
ao direito estatal, e da confluência e identidade de objetivos
do direito internacional e do direito público interno quanto à
proteção da pessoa humana (...)" . À medida em que o
Brasil tomasse estas providências, estaria dando mostras de que
continuava se orientando no sentido de buscar a plenitude da
proteção internacional como garantia adicional dos direitos
humanos. Adviriam por certo obrigações que se somariam às já
contraídas, particularmente no tocante à elaboração de
relatórios periódicos e de respostas a eventuais denúncias
sob os instrumentos internacionais de proteção. Haveria
certamente que voltar as atenções às medidas nacionais de
implementação dos instrumentos internacionais, preocupação
corrente também nos foros internacionais.
Tais medidas passariam a requerer
por vezes a adoção, ou a reforma, da legislação nacional,
com vistas a compatibilizála ou harmonizála com as
obrigações convencionais. Persistia, neste particular, uma
diversidade de situações, ilustrada pelos tratados de
proteção recém-ratificados, uns já regulamentados em nível
do direito interno (como a Convenção sobre os Direitos da
Criança de 1989), e outros que continuariam a aguardar
regulamentação no país (como as duas Convenções - a das
Nações Unidas e a Interamericana -contra a Tortura) até o ano
de 1997.
Nos últimos oito anos, algumas
das recomendações contidas no mencionado Parecer de 18.10.1989
foram acatadas, outras ainda não. Tivessem sido seguidas
plenamente todas aquelas recomendações, as adesões do Brasil
a tratados gerais de proteção como a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos e o Pacto de Direitos Civis e Políticos
teriam abarcado igualmente a aceitação, pelo Brasil,
respectivamente, da competência obrigatória em matéria
contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos (artigo
62 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) assim como
da competência do Comitê de Direitos Humanos das Nações
Unidas para receber e examinar petições ou comunicações
individuais (sob o [primeiro] Protocolo Facultativo ao Pacto de
Direitos de Direitos Civis e Políticos). Além disso, Estado
Parte também na Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial e na Convenção das Nações
Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, teria o Brasil já aceito, sob a
primeira (artigo 14) e a segunda (artigo 22) Convenções, as
competências do Comitê para a Eliminação da Discriminação
Racial (CERD) e do Comitê contra a Tortura (CAT),
respectivamente, para receber e examinar petições ou
comunicações individuais.
Surpreende que, decorrido todo
este tempo, não tenha ainda o Brasil aceito tais cláusulas ou
instrumentos facultativos. Isto significa que, no tocante, por
exemplo, aos quatro importantes tratados de direitos humanos
supracitados, nos planos global e regional, o Brasil aceita as
obrigações convencionais substantivas contraídas em relação
aos direitos protegidos, mas não se submete integralmente, até
o presente, aos mecanismos de supervisão ou controle
internacional do cumprimento de tais obrigações.
Urge que o Brasil reconsidere sua
atual posição acerca das competências dos órgãos
internacionais convencionais de proteção dos direitos humanos,
aceitando-as integralmente, e dando assim outro salto
qualitativo, no sentido de proporcionar desse modo uma garantia
adicional de proteção a todas as pessoas sob sua jurisdição.
Não há forma mais concreta de o país demonstrar seu
compromisso sincero com a causa da proteção internacional do
que a aceitação das mencionadas competências. Assim agindo,
imbuído de nova mentalidade, estará dando mostras do
sentimento de solidariedade humana que a livre aceitação de
tais mecanismos de proteção requer, e sem o qual pouco se
poderá continuar a avançar na salvaguarda internacional dos
direitos humanos.
Apesar de todos os percalços, e
sem prejuízo de iniciativas como as acima propostas, que ainda
há que tomar, têm-se registrado avanços na postura do Brasil
nos últimos anos, sobretudo em relação aos instrumentos
internacionais de proteção particularizada . No plano
regional, em 27.11.1995, o Brasil ratificou a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher (adotada na Assembléia Geral da OEA, realizada
em Belém do Pará, em 1994) . Em agosto de 1996, tomou o Brasil
a decisão positiva de tornar-se Parte nos dois Protocolos à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o primeiro (de
1988) sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e o
segundo (de 1990) referente à Abolição da Pena de Morte. E
cabe ressaltar que o Brasil encontra-se hoje vinculado por todo
o corpus juris tanto do Direito Internacional Humanitário como
do Direito Internacional dos Refugiados, o que é alentador. Há
igualmente que se fazer referência, no plano interno, à ação
de coordenação, sem precedentes, hoje empreendida pela
Secretaria Nacional de Direitos Humanos, e à mobilização e
concerto, intensificados nos últimos anos, das organizações
não-governamentais, muitas das quais hoje aqui presentes, nesta
III Conferência Nacional de Direitos Humanos.
A grande lacuna a ser suprida
refere-se, pois, à aceitação pelo Brasil das competências em
matéria contenciosa dos órgãos convencionais de proteção
estabelecidos pelos tratados de direitos humanos em que é
Parte. No tocante à Corte Interamericana de Direitos Humanos,
em particular, sua posição reticente é ainda mais
surpreendente, porquanto a criação da Corte foi originalmente
proposta na Conferência de Bogotá de 1948, precisamente pela
Delegação do Brasil. Permito-me, a seguir, resumir os
argumentos que, em tantas outras ocasiões, tenho avançado, em
favor da aceitação incondicional pelo Brasil da competência
obrigatória da Corte Interamericana (sob o artigo 62 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos):
primeiro, o reconhecimento da
jurisdição em matéria contenciosa da Corte Interamericana de
Direitos Humanos constituiria uma garantia adicional pelo
Brasil, a todas as pessoas sujeitas a sua jurisdição, da
proteção de seus direitos, tais como consagrados na
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, quando as
instâncias nacionais não se mostrarem capazes de garanti-los e
de assegurar com isto a realização da justiça;
segundo, tal reconhecimento projetaria no plano internacional o
compromisso sincero do Brasil com a causa da salvaguarda dos
direitos humanos, e em muito fortaleceria a posição da
própria Corte Interamericana, ao passar a contar esta com o
apoio de um país de dimensão continental e com uma vasta
população, necessitada de maior proteção de seus direitos;
terceiro, a Constituição Brasileira vigente, de 1988,
curiosamente propugna (artigo 7 das disposições transitórias
finais) pela formação de um tribunal internacional dos
direitos humanos, - tribunal este que, por sinal, já existe e
opera regularmente há quase vinte anos: a própria Corte
Interamericana de Direitos Humanos, - cuja criação foi
proposta na IX Conferência Internacional Americana (em Bogotá,
1948) precisamente pela Delegação do Brasil;
quarto, o Brasil participou efetivamente dos trabalhos
preparatórios da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e
apoiou a sua adoção - na Conferência de San José de 1969, -
de forma integral, inclusive quanto a seus instrumentos e
cláusulas facultativos (como a do artigo 62, sobre a
aceitação pelos Estados Partes da jurisdição obrigatória da
Corte Interamericana em matéria contenciosa);
quinto, o reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte
Interamericana estaria de acordo com a mais lúcida doutrina
publicista e jusinternacionalista brasileira;
sexto, tal reconhecimento geraria um interesse bem maior, em
particular por parte das novas gerações, pelo estudo e
difusão da jurisprudência da Corte Interamericana (e de outros
órgãos de proteção internacional dos direitos humanos), que
continua virtualmente desconhecida em nosso país;
sétimo, ao longo dos anos, o Brasil adquiriu experiência no
diálogo com outros órgãos de supervisão internacional dos
direitos humanos, de base tanto convencional como
extra-convencional, que pode ser-lhe de valia no contencioso de
direitos humanos perante a Corte Interamericana;
oitavo, os órgãos de base convencional, como a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, têm um mandato concreto,
fundamentado no próprio tratado de direitos humanos em
questão, e baseiam suas decisões em regras de direito
(distintamente dos órgãos de composição política); a via
jurisdicional representa a forma mais evoluída de proteção
internacional dos direitos humanos;
nono, não é razoável aceitar tão somente as normas
substantivas dos tratados de direitos humanos, e deixar de
aceitar os mecanismos processuais para a vindicação e
proteção dos direitos consagrados nestes mesmos tratados;
e décimo, há uma interação entre o direito internacional e o
direito interno no presente contexto de proteção, e as
jurisdições internacional e nacional, motivadas pelo
propósito convergente e comum de proteção do ser humano, são
aqui co-partícipes na luta contra as manifestações do poder
arbitrário e contra a impunidade.
Sobre este último ponto me
permito acrescentar uma reflexão: pode perfeitamente ocorrer,
como na prática tem efetivamente ocorrido, que as instâncias
nacionais necessitem a cooperação das instâncias
internacionais para os problemas de direitos humanos que não
conseguem resolver. Ilustram-no dois importantes casos decididos
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no ano passado. Um
mês depois da sentença desta (de 17.09.1997) no caso Loayza
Tamayo, o Peru acatou a ordem da Corte Interamericana de
libertar a prisioneira María Elena Loayza Tamayo, detida sob a
legislação anti-terrorista; pouco depois, anunciou sua
decisão de extinguir os chamados "tribunais sem
rosto" no país. Este é um caso sem precedentes, em que
uma prisioneira com base na legislação anti-terrorista foi
libertada por determinação de um tribunal internacional de
direitos humanos. Igualmente, pouco mais de um mês após a
sentença da Corte Interamericana (de 12.11.1997) no caso
Suárez Rosero, a Corte Suprema do Equador decidiu declarar a
inconstitucionalidade de uma disposição da legislação penal
anti-drogas, para tal invocando a referida sentença da Corte
Interamericana. Este é outro caso sem precedentes na América
Latina, em que a Corte Suprema de um país se respalda na
sentença de um tribunal internacional de direitos humanos.
Os julgamentos da Corte
Interamericana nos citados casos Loayza Tamayo versus Peru e
Suárez Rosero versus Equador prenunciam a chegada de novos
tempos na América Latina, no tocante à proteção dos direitos
humanos nos planos a um tempo internacional e nacional; pelo
imediato impacto que tiveram no direito interno dos respectivos
países, já fazem parte da história contemporânea da
proteção internacional dos direitos humanos em nosso
continente. Com base em minha própria experiência, posso
afirmar que as instâncias internacionais de proteção têm se
mostrado valiosas na luta contra a impunidade, verdadeira chaga
que corrói a crença nas instituições públicas e gera a
anomia e apatia sociais. Muitos casos de direitos humanos, na
verdade, só têm sido resolvidos graças ao concurso das
instâncias internacionais de proteção, e este é um argumento
de particular importância e grande peso, que vem ao encontro da
realização dos propósitos das p_óprias instituições
públicas de todos os países.
Seria auspicioso se, por ocasião
deste cinqüentenário das Declarações Universal e Americana
de Direitos Humanos, e de suas comemorações que já se
multiplicam em nosso país, assim como do cinqüentenário da
proposta do Brasil na Conferência de Bogotá de 1948 de
criação de uma Corte Interamericana de Direitos Humanos,
viesse o Brasil, - como já há tempos vivamente espero, -
imbuído de nova mentalidade, a dar o salto qualitativo de
reconhecer incondicionalmente a jurisdição obrigatória da
Corte Interamericana em matéria contenciosa (artigo 62 da
Convenção Americana). As gerações presentes e futuras de
brasileiros hão de ficar reconhecidas por esta decisão.
A par deste reconhecimento, é de
se esperar que o Brasil, paralela e adicionalmente, faça o mais
amplo uso da via consultiva, sob o artigo 64 da Convenção
Americana. A base jurisdicional consultiva da Corte
Interamericana é particularmente ampla; sua amplitude, na
verdade, não tem precedentes, bastando compará-la com as
correspondentes de outros tribunais internacionais. A da Corte
Interamericana se encontra aberta, como sempre esteve, a todos
os Estados membros assim como aos órgãos principais da
Organização dos Estados Americanos (OEA).
Tentar mesclar ou confundir as
funções contenciosa e consultiva da Corte Interamericana seria
revelar pouca familiaridade com a matéria: uma e outra repousam
em bases jurisdicionais inteiramente distintas. Tanto é assim
que a via consultiva está aberta a todos os Estados membros da
OEA, sejam ou não Partes na Convenção Americana, e aos
órgãos da OEA enumerados no capítulo X de sua Carta, - sendo
pois dotada de uma amplitude sem paralelo. A Corte
Interamericana vem de esclarecer a diferença básica entre suas
funções contenciosa e consultiva em seu décimo-quinto Parecer
sobre os Relatórios da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, de 14.11.1997, com o sólido respaldo de ampla
jurisprudência internacional sobre a matéria, como o
demonstrei em meu longo Voto Concordante neste recente Parecer
da Corte Interamericana.
Pode perfeitamente o Brasil,
portanto, a qualquer momento, paralela e adicionalmente à
aceitação da jurisdição contenciosa da Corte, formular a
esta pedidos de Pareceres sobre a interpretação da Convenção
Americana ou de outros tratados concernentes à proteção dos
direitos humanos nos Estados americanos. É o que, a meu ver,
deveria prontamente fazer, ou inclusive já ter feito, porquanto
tais Pareceres podem inclusive ajudar o país nos esforços
empreendidos em prol da proteção dos direitos humanos no
âmbito de seu ordenamento jurídico interno.
2. As Obrigações Legislativas
dos Estados Partes nos Tratados de Direitos Humanos.
Ao ratificar os tratados de
direitos humanos, os Estados Partes contraem, a par das
obrigações específicas relativas a cada um dos direitos
protegidos, a obrigação geral de adequar seu ordenamento
jurídico interno às normas internacionais de proteção. As
duas Convenções de Viena sobre Direito dos Tratados (de 1969 e
1986, respectivamente) proíbem (artigo 27) que uma Parte
invoque disposições de seu direito interno para tentar
justificar o descumprimento de um tratado. É este um preceito,
mais do que do direito dos tratados, do direito da
responsabilidade internacional do Estado, firmemente
cristalizado na jurisprudência internacional. Segundo esta, as
supostas ou alegadas dificuldades de ordem interna são um
simples fato, e não eximem os Estados Partes em tratados de
direitos humanos da responsabilidade internacional pelo
não-cumprimento das obrigações internacionais contraídas.
A interpretação das leis
nacionais de modo a que não entrem em conflito com a normativa
internacional de proteção seria um meio de evitar o
descumprimento daquelas obrigações internacionais. Os
tratados, uma vez ratificados e incorporados ao direito interno,
obrigam a todos, inclusive aos legisladores, podendo-se, pois,
presumir o propósito de cumprimento de tais obrigações de
proteção por parte do Poder Legislativo (da mesma forma que
dos Poderes Executivo e Judiciário). Em matéria de direitos
humanos, isto implica o dever geral de adequação do direito
interno à normativa internacional de proteção (seja
regulamentando os tratados para assegurar-lhes eficácia no
direito interno, seja alterando as leis nacionais para
harmonizá-las com as disposições convencionais
internacionais), - dever este que se encontra expressamente
consignado nos tratados de direitos humanos (a exemplo do artigo
2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Em virtude
do caráter especial dos tratados de direitos humanos,
impõe-se, com ainda maior força, a adequação do ordenamento
jurídico interno às disposições convencionais.
Uma das formas mais concretas de
medição da eficácia de um tratado de direitos humanos reside
em seu impacto no direito interno dos Estados Partes, constatado
através de reformas legislativas resultantes das decisões dos
órgãos internacionais de proteção, e conducentes à
adequação das leis nacionais às obrigações convencionais
internacionais relativas à salvaguarda dos direitos humanos. A
aplicação da Convenção Européia de Direitos Humanos pela
Corte Européia de Direitos Humanos oferece uma pertinente
ilustração a esse respeito.
No tocante a leis nacionais,
recorde-se, por exemplo, para citar alguns casos dentre muitos
outros, que, no caso Abdulaziz, Cabales e Balkandali (sentença
de 28.05.1985), a Corte Européia concluiu que as três
demandantes - que denunciaram estar privadas ou ameaçadas de
ver-se privadas da companhia de seus familiares no Reino Unido,
em virtude das normas de imigração (que visavam proteger o
mercado nacional de trabalho), - eram efetivamente vítimas de
discriminação com base no sexo e em violação do artigo 14 em
combinação com o artigo 8 da Convenção; ademais, como o
Reino Unido não havia incorporado a Convenção Européia em
seu direito interno, as demandantes não dispunham de um recurso
interno eficaz ante uma autoridade nacional para remediar a
discriminação sexual de que eram vítimas, o que, no entender
da Corte, configurava ademais uma violação do artigo 13 da
Convenção. E, no caso Dudgeon (sentença de 22.10.1981), a
Corte Européia concluiu que a própria existência da
legislação penal na Irlanda do Norte (proibindo as relações
homossexuais masculinas) atentava contra o direito ao respeito
da vida privada (que compreende a vida sexual) consagrado no
artigo 8 da Convenção.
Em decorrência da sentença da
Corte Européia no caso Marckx (1979), uma nova lei belga (de
31.03.1987) modificou a legislação relativa à filiação.
Cerca de quatro anos após a sentença da Corte Européia no
caso Campbell e Cosans (1982), uma lei britânica (de
07.11.1986) aboliu os castigos corporais nas escolas públicas
daquele país. E, no mesmo ano da decisão da Corte Européia no
caso X e Y versus Holanda (1985), foi adotada uma lei holandesa
(de 27.02.1985) emendando o Código Penal, de modo a permitir a
um portador de deficiência mental interpor una queixa por meio
de seu representante legal. Várias outras sentenças da Corte
Européia tiveram igual impacto no direito interno dos Estados
Partes, no sentido de adequar as leis nacionais à normativa da
Convenção Européia.
Em nosso continente, tanto a
Comissão como a Corte Interamericanas têm dado mostras de sua
disposição de embarcar decididamente nesta rota. Nos últimos
anos, a Comissão Interamericana, nos casos das leis de anistia
(1992), relativos ao Uruguai e à Argentina, por exemplo,
concluiu que as referidas leis eram incompatíveis com os
artigos 8, 25 e 1(1) da Convenção Americana, por acarretarem
uma denegação de justiça. No caso Verbitsky versus Argentina
(1994), a Comissão ressaltou expressamente o alcance do dever
geral do artigo 2 da Convenção Americana para tornar efetivos
os direitos por ela garantidos, e expressou sua satisfação
pela culminação de um processo de solução amistosa, com a
derrogação, pelo Estado demandado, da figura do desacato da
legislação nacional.
A Corte Interamericana, por sua
vez, em sua já citada sentença de 17.09.1997 no caso Loayza
Tamayo versus Peru, determinou a incompatibilidade dos
decretos-leis de tipificação dos delitos de "traição à
pátria" e "terrorismo" - aplicados no caso - com
o artigo 8(4) da Convenção Americana (princípio do non bis in
idem). E, na também citada sentença de 12.11.1997, no caso
Suárez Rosero versus Equador, foi mais além, ao declarar que o
artigo 114 bis do Código Penal equatoriano, que privava a todas
as pessoas detidas sob a lei anti-drogas de certas garantias
judiciais (quanto à duração da detenção), violava per se o
artigo 2, em combinação com o artigo 7(5), da Convenção,
independentemente de sua aplicação no caso concreto. Esta
conclusão da Corte é, a meu ver, de extraordinária
importância para a evolução futura da matéria.
Pode inclusive ocorrer que, em um
determinado caso, uma lei nacional constitua a base ou a origem
de uma violação comprovada de direitos humanos; assim sendo,
não basta, a meu ver - como tenho assinalado em meus reiterados
Votos em decisões da Corte Interamericana - que o Estado
demandado indenize as vítimas, porquanto também deve fazer
cessar a violação da obrigação convencional, e só pode
lograr isto mediante a revogação daquela lei e a conseqüente
adequação de seu direito interno à normativa internacional de
proteção. Para a fundamentação jurídica desta tese,
permito-me referir-me a meus Votos Dissidentes nos casos El
Amparo (1996-1997) , relativo à Venezuela, Caballero Delgado e
Santana versus Colômbia (1997) , e Genie Lacayo versus
Nicarágua (1997) . No seio da Corte Interamericana, minha
posição a respeito, - inicialmente solitária e minoritária,
e a partir dos casos Loayza Tamayo e Suárez Rosero (supra),
majoritária, - tem sido no sentido de que, tais como invocadas
em casos concretos, as leis de exceção - a exemplo das que
privilegiam foros militares especiais - são incompatíveis com
as garantias do devido processo legal consagradas na Convenção
Americana sobre Direitos Humanos.
Entendo que a adequação do
direito interno às normas internacionais de proteção é,
ademais, da própria essência do dever de prevenção, para
evitar a repetição de violações de direitos humanos
derivadas de uma determinada lei nacional. Pode também ocorrer
que, em algum outro caso, seja a própria vacatio legis a fonte
de uma violação comprovada de direitos humanos; nesta
hipótese, o dever do Estado demandado consiste na adoção de
uma lei (e.g., estabelecendo garantias de proteção), de
conformidade com os preceitos dos tratados de direitos humanos
que vinculam o Estado em questão. O dever de prevenção é um
componente básico das obrigações gerais, consagradas nos
tratados de direitos humanos (a exemplo das consignadas nos
artigos 1(1) e 2 da Convenção Americana), de assegurar a todos
o pleno exercício dos direitos consagrados e de adequar o
direito interno às normas internacionais de proteção.
É de se lamentar que
dificuldades práticas tenham surgido no cumprimento pelos
Estados Partes de suas obrigações legislativas impostas pelos
tratados de direitos humanos, sobretudo em razão da falta de
uma compreensão clara do alcance de tais obrigações, que
infelizmente parece ainda prevalecer em muitos países, em
particular em nossa região. Não obstante, nem por isso deixam
estas obrigações de impor-se, sem atrasos indevidos. Não é
razoável, por exemplo, que se tenham consumido quase oito anos,
como ocorreu no Brasil, para suprir uma lacuna, com a
tipificação - em abril de 1997 - do crime da tortura, e ainda
assim guardando um paralelismo apenas imperfeito com as duas
Convenções sobre a matéria ratificadas pelo Brasil em 1989, -
a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e a
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.
O problema dos atrasos nas
providências legislativas - e.g., adoção ou modificação de
uma lei - para compatibilizar o ordenamento jurídico interno
com a normativa dos tratados de direitos humanos não tem
passado despercebido no sistema europeu de proteção. Ao
contrário, tem nele tido conseqüências para os Estados Partes
na Convenção Européia. No caso Vermeire versus Bélgica
(1991), por exemplo, advertiu a Corte Européia que o atraso de
oito anos do Estado belga em proceder à modificação da
legislação nacional sancionada por sua sentença no caso
Marckx (supra) não estava em conformidade com suas obrigações
convencionais (sob o artigo 53 da Convenção Européia); por
conseguinte, conclamou o Estado belga a efetuar a adequação
legislativa sem maior atraso.
Com efeito, durante os oito anos
que se seguiram à sentença da Corte Européia no já citado
caso Marckx (supra), sem que a Bélgica modificasse a
legislação impugnada, apresentaram-se duas outras denúncias
com base no mesmo motivo. A Corte, nestes dois casos, em lugar
de ordenar novamente a reforma da legislação (o que já havia
feito no caso Marckx), determinou ao Estado demandado o
pagamento de uma indenização pelos danos ocasionados pela
omissão do Estado em questão de reformar a legislação
impugnada no contexto do caso concreto.
Os Estados Partes nos tratados de
direitos humanos obrigam-se não só a não violar os direitos
protegidos, mas também a tomar todas as medidas positivas para
assegurar a todas as pessoas sob sua jurisdição o exercício
livre e pleno de todos os direitos protegidos, - o que implica a
obrigação geral de adequação de seu direito interno à
normativa internacional de proteção. Tais medidas positivas
têm importância direta para a aplicação devida dos tratados
de direitos humanos em múltiplos aspectos.
Por exemplo, se um Estado cumpriu efetivamente com esta
obrigação geral de adequação do direito interno, muito
dificilmente, por exemplo, poderia efetuar a denúncia de um
tratado de direitos humanos (a exemplo do que ocorreu no Brasil,
em novembro de 1996, com a Convenção n. 158 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) sobre o Término da Relação de
Trabalho por Iniciativa do Empregador, e em junho de 1971 com a
Convenção n. 81 da OIT sobre a Inspeção do Trabalho na
Indústria e no Comércio, - esta última re-ratificada pelo
Executivo em dezembro de 1987) , em razão de controles do
próprio direito interno em um Estado democrático. Por que a
ratificação de um tratado de direitos humanos pelo Executivo -
como de todos os tratados - está condicionada à prévia
aprovação do mesmo pelo Legislativo e sua denúncia não? Não
atentaria isto contra o equilíbrio de poderes e a salvaguarda
dos direitos humanos em um Estado de Direito?
Quando não expressamente
prevista em um tratado, para se efetuar tem a denúncia que
poder inferir-se da natureza do tratado em questão (tendo
presente o disposto no artigo 56 das duas Convenções de Viena
sobre Direito dos Tratados); o Comitê de Direitos Humanos das
Nações Unidas vem de advertir oportunamente - em outubro de
1997 - que, em razão de sua própria natureza jurídica, o
Pacto de Direitos Civis e Políticos, por exemplo, não admite a
possibilidade de denúncia. Até mesmo em relação às
condições em que uma violação de um tratado pode acarretar
sua terminação ou a suspensão de sua aplicação, as duas
referidas Convenções de Viena excetuam expressa e
especificamente "as disposições relativas à proteção
da pessoa humana contidas em tratados de caráter
humanitário" (artigo 60(5), - em uma verdadeira cláusula
de salvaguarda em defesa do ser humano. Os controles tanto do
direito internacional como do direito interno devem aqui operar
conjuntamente em prol da preservação e continuidade das
obrigações convencionais internacionais de proteção dos
direitos humanos.
A adequação das leis nacionais
à normativa dos tratados de direitos humanos constitui uma
obrigação - de tomar medidas positivas - a ser prontamente
cumprida pelos Estados Partes. O fato de ser às vezes
considerada uma obrigação "de resultado" (para
fazermos uso de uma expressão reminiscente do linguajar da
Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas) não
significa que possa ser seu cumprimento adiado indefinidamente.
Toda a construção doutrinária e jurisprudencial das
"obrigações positivas" dos Estados representa uma
reação contra as omissões legislativas - entre outras - e a
inércia dos órgãos do poder público no presente domínio de
proteção: contribui ela a explicar e fundamentar as
obrigações legislativas dos Estados Partes em tratados de
direitos humanos.
Estas últimas correspondem a um
dever geral - paralelamente aos deveres específicos relativos a
cada um dos direitos protegidos, - de cujo cumprimento cabal
depende a cessação de uma violação da Convenção (quando
derivada de uma lei nacional). A pronta adequação ou
harmonização das legislações nacionais à normativa dos
tratados de direitos humanos constitui uma obrigação geral que
se impõe de modo uniforme a todos os Estados Partes nos
tratados de direitos humanos, complementando suas obrigações
específicas atinentes a cada um dos direitos garantidos. O que
urge, em nossos dias, mais do que tudo, é uma nova mentalidade,
um melhor entendimento das obrigações convencionais de
proteção, que abarcam todo e qualquer ato ou omissão do
Estado Parte, de quaisquer de seus órgãos ou agentes, seja do
Poder Executivo, seja do Legislativo, ou do Judiciário. É este
princípio fundamental do direito da responsabilidade do Estado
que deve nos orientar.
3. As Obrigações Judiciais dos
Estados Partes nos Tratados de Direitos Humanos.
No tocante às relações entre
os ordenamentos jurídicos internacional e nacional na
proteção dos direitos humanos, um ponto recorrente é o do
status, no direito interno, da normativa internacional de
proteção. Como a posição hierárquica dos tratados no
ordenamento jurídico interno obedece ao critério do direito
constitucional de cada país, as soluções variam de país a
país. Como muitos Estados continuam - com variações - a
equiparar os tratados - inclusive, equivocadamente, os de
direitos humanos - à legislação ordinária
infraconstitucional, têm surgido problemas na prática.
O mais grave deles configura-se
em virtude da aplicação do princípio lex posteriori derogat
priori: se aos tratados é dada a mesma hierarquia das leis,
poderiam teoricamente uns e outras revogar-se mutuamente (e.g.,
uma lei posterior alterando uma disposição convencional), por
força do simples critério cronológico. Trata-se de uma
posição insustentável, e, sem sombra de dúvida, absurda, no
campo da proteção internacional dos direitos humanos. Como
assinala a jurisprudência internacional, os tratados de
direitos humanos, diferentemente dos tratados clássicos que
regulamentam interesses recíprocos entre as Partes, consagram
interesses comuns superiores, consubstanciados em última
análise na proteção do ser humano. Como tais, requerem
interpretação e aplicação próprias, dotados que são,
ademais, de mecanismos de supervisão próprios.
Assim sendo, como sustentar que a
um Estado Parte seria dado "derrogar" ou
"revogar" por uma lei um tratado de direitos humanos?
Tal entendimento se chocaria frontalmente com a própria noção
de garantia coletiva, subjacente a todos os tratados de direitos
humanos. Neste contexto de proteção, já não mais se
justifica que o direito internacional e o direito interno
continuem sendo abordados de forma estanque ou
compartimentalizada, como o foram no passado. Ao criarem
obrigações para os Estados vis-à-vis os seres humanos sob sua
jurisdição, as normas dos tratados de direitos humanos
aplicam-se não só na ação conjunta (exercício da garantia
coletiva) dos Estados Partes na realização do propósito comum
de proteção, mas também e sobretudo no âmbito do ordenamento
jurídico interno de cada um deles.
O cumprimento das obrigações
internacionais de proteção requer o concurso dos órgãos
internos dos Estados, e estes são chamados a aplicar as normas
internacionais. É este o traço distintivo e talvez o mais
marcante dos tratados de direitos humanos, dotados de
especificidade própria e, permito-me insistir neste ponto, a
requererem uma interpretação própria guiada pelos valores
comuns superiores que abrigam, diferentemente dos tratados
clássicos que se limitam a regulamentar os interesses
recíprocos entre as Partes. Com a interação entre o direito
internacional e o direito interno no presente contexto, os
grandes beneficiários são as pessoas protegidas. Resulta,
assim, claríssimo que leis posteriores não podem revogar
normas convencionais que vinculam o Estado, sobretudo no
presente domínio de proteção.
As sentenças dos tribunais
nacionais devem tomar em devida conta as disposições
convencionais dos tratados de direitos humanos que vinculam o
país em questão. No sistema europeu de proteção, por
exemplo, no tocante à determinação da compatibilidade ou não
de decisões de tribunais nacionais com a normativa
internacional dos derechos humanos, é histórica a sentença da
Corte Européia de Direitos Humanos de 26.04.1979 no caso Sunday
Times versus Reino Unido, célebre locus classicus da liberdade
de expressão e do direito à informação sob a Convenção
Européia; em decisão até então sem precedentes, a Corte
Européia de fato "reverteu", por assim dizer, uma
decisão em sentido contrário da House of Lords britânica.
Para recordar outro exemplo, as sentenças da Corte Européia
nos casos Le Compte, Van Leuven e De Meyere versus Bélgica
(1981) e Albert e Le Compte versus Bélgica (1983), sobre
procedimento disciplinar da "Ordre des médecins"
belga, tiveram o efeito de reverter inteiramente la
jurisprudence constante da Cour de cassation belga.
A persistência de lacunas ou
obstáculos ou insuficiências do direito interno implica
descumprimento das obrigações convencionais de proteção. Por
exemplo, por força dos artigos 25, 1(1) e 2 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, os Estados Partes estão
obrigados a estabelecer um sistema de recursos simples e
rápidos, e a dar aplicação efetiva aos mesmos. O direito a um
recurso simples, rápido e efetivo ante os juízes ou tribunais
nacionais competentes (artigo 25 da Convenção Americana)
representa um dos pilares básicos do próprio Estado de Direito
em uma sociedade democrática (no sentido da Convenção), -
como assinalado pela Corte Interamericana em casos recentes
Esta garantia judicial - de origem latino-americana - não pode
ser minimizada, porquanto sua correta aplicação tem o sentido
de aperfeiçoar a administração da justiça em nível
nacional. Tal garantia no âmbito da proteção judicial
(artigos 25 e 8 da Convenção Americana) é muito mais
importante do que parece haver-se imaginado até o presente, e
requer considerável desenvolvimento jurisprudencial. Em
matéria de proteção e garantias judiciais, o direito interno
dos Estados se aperfeiçoará na medida em que incorporar os
padrões de proteção requeridos pelos tratados de direitos
humanos. Para a realização deste propósito - a plena
vigência dos direitos humanos - foram concebidos os
instrumentos internacionais de proteção. As jurisdições
internacional e nacional são co-partícipes nesse labor, e, a
fortiori, na construção de um meio social mais justo e melhor
para todos. A clara compreensão desta identidade fundamental de
propósito, e de suas conseqüências jurídicas, requer, não
obstante, uma mudança fundamental de mentalidade.
A disposição do artigo 5(2) da
Constituição Brasileira vigente, de 1988, segundo a qual os
direitos e garantias nesta expressos não excluem outros
decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil é
Parte, representa, a meu ver, um grande avanço para a
proteção dos direitos humanos em nosso país. Por meio deste
dispositivo constitucional, os direitos consagrados em tratados
de direitos humanos em que o Brasil seja Parte incorporam-se
ipso jure ao elenco dos direitos constitucionalmente
consagrados. Ademais, por força do artigo 5(1) da
Constituição, têm aplicação imediata. A intangibilidade dos
direitos e garantias individuais é determinada pela própria
Constituição Federal, que inclusive proíbe expressamente até
mesmo qualquer emenda tendente a aboli-los (artigo 60(4)(IV)). A
especificidade e o caráter especial dos tratados de direitos
humanos encontram-se, assim, devidamente reconhecidos pela
Constituição Brasileira vigente.
Se, para os tratados
internacionais em geral, tem-se exigido a intermediação pelo
Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a
suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do
ordenamento jurídico interno, distintamente, no tocante aos
tratados de direitos humanos em que o Brasil é Parte, os
direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante os
parágrafos 2 e 1 do artigo 5 da Constituição Brasileira de
1988, pela primeira vez entre nós a integrar o elenco dos
direitos constitucionalmente consagrados e direta e
imediatamente exigíveis no plano de nosso ordenamento jurídico
interno. Por conseguinte, mostra-se inteiramente infundada, no
tocante em particular aos tratados de direitos humanos, a tese
clássica - ainda seguida em nossa prática constitucional - da
paridade entre os tratados internacionais e a legislação
infraconstitucional.
Foi esta a motivação que me
levou a propor à Assembléia Nacional Constituinte, na
condição de então Consultor Jurídico do Itamaraty, na
audiência pública de 29 de abril de 1987 da Subcomissão dos
Direitos e Garantias Individuais, a inserção em nossa
Constituição Federal - como veio a ocorrer no ano seguinte -
da cláusula que hoje é o artigo 5(2) . Minha esperança, na
época, era no sentido de que esta disposição constitucional
fosse consagrada concomitantemente com a pronta adesão do
Brasil aos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas e
à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o que só se
concretizou em 1992.
É esta a interpretação correta
do artigo 5(2) da Constituição Brasileira vigente, que abre um
campo amplo e fértil para avanços nesta área, ainda
lamentavelmente e em grande parte desperdiçado. Com efeito,
não é razoável dar aos tratados de proteção de direitos do
ser humano (a começar pelo direito fundamental à vida) o mesmo
tratamento dispensado, por exemplo, a um acordo comercial de
exportação de laranjas ou sapatos, ou a um acordo de isenção
de vistos para turistas estrangeiros. À hierarquia de valores,
deve corresponder uma hierarquia de normas, nos planos tanto
nacional quanto internacional, a ser interpretadas e aplicadas
mediante critérios apropriados. Os tratados de direitos humanos
têm um caráter especial, e devem ser tidos como tais. Se
maiores avanços não se têm logrado até o presente neste
domínio de proteção, não tem sido em razão de obstáculos
jurídicos, - que na verdade não existem, - mas antes da falta
de compreensão da matéria e da vontade de dar real efetividade
àqueles tratados no plano do direito interno.
O propósito do disposto nos
parágrafos 2 e 1 do artigo 5 da Constituição não é outro
que o de assegurar a aplicabilidade direta pelo Poder
Judiciário nacional da normativa internacional de proteção,
alçada a nível constitucional. Os juízes e tribunais
nacionais que assim o têm entendido têm, a meu ver, atuado
conforme o direito. Infelizmente, tem-se tentado circundar de
incertezas tais disposições tão claras, e condicionar a
aplicação direta das normas internacionais de proteção,
elevadas a nível constitucional, a uma emenda constitucional,
alterando o disposto no artigo 5(2). Como a Constituição de um
país não é um menu, de onde se possa escolher que
disposições aplicar e que disposições deixar de lado e
ignorar, tal atitude implica em descumprimento da disposição
constitucional em questão por omissão, na medida em que adia a
um amanhã indefinido a aplicação direta, em nosso direito
interno, da normas internacionais de proteção dos direitos
humanos que vinculam o Brasil.
Desde a promulgação da atual
Constituição, a normativa dos tratados de direitos humanos em
que o Brasil é Parte tem efetivamente nível constitucional, e
entendimento em contrário requer demonstração. A tese da
equiparação dos tratados de direitos humanos à legislação
infraconstitucional - tal como ainda seguida por alguns setores
em nossa prática judiciária, - não só representa um apego
sem reflexão a uma tese anacrônica, já abandonada em alguns
países, mas também contraria o disposto no artigo 5(2) da
Constituição Federal Brasileira.
Se se encontrar uma formulação
mais adequada - e com o mesmo propósito - do disposto no artigo
5(2) da Constituição Federal, tanto melhor. Mas enquanto não
for encontrada, nem por isso está o Poder Judiciário eximido
de aplicar o artigo 5(2) de nossa Constituição. Muito ao
contrário, se alguma incerteza houver, está no dever de
dar-lhe a interpretação correta, para assegurar sua
aplicação imediata. Não se pode deixar de aplicar uma
disposição constitucional sob o pretexto de que não parece
clara. O problema - permito-me insistir - não reside na
referida disposição constitucional, a meu ver claríssima em
seu texto e propósito, mas sim na falta de vontade de setores
do Poder Judiciário de dar aplicação direta, no plano de
nosso direito interno, às normas internacionais de proteção
dos direitos humanos que vinculam o Brasil. Não se trata de
problema de direito, senão de vontade (animus).
Ademais, o artigo 5(2) da
Constituição Brasileira tem o grande mérito de não se
restringir expressamente a determinados tratados de direitos
humanos, como o faz, por exemplo, o artigo 75(22) da
Constituição Argentina vigente após a reforma constitucional
de 1994, - lembrado como possível modelo para uma eventual
reforma do artigo 5(2) de nossa Constituição. Entendo que a
fórmula do artigo 5(2) da Constituição Brasileira é bem mais
abrangente, e assegura, - ou deve assegurar, - em combinação
com o artigo 5(1), a pronta aplicação direta, por nossos
juízes e tribunais, de toda a normativa internacional de
proteção que vincula o país, elevada que se encontra a nível
constitucional.
Não surpreende que os próprios
juristas argentinos venham recentemente apontando as
insuficiências do disposto no artigo 75(22) de sua
Constituição , nela inserido naturalmente com a melhor das
intenções. Têm observado, por exemplo, que há uma certa
incoerência em reconhecer a alguns tratados hierarquia
constitucional e a outros tão somente nível
infraconstitucional.
Não há qualquer explicação, e tampouco indicação de
qualquer critério, por que certos tratados de direitos humanos
foram, por assim dizer, "constitucionalizados" e
outros não. O esquema continua sendo hermético,
intra-hierárquico, deixando de impedir que futuras reformas
constitucionais venham a contrariar os tratados de proteção. A
seguir-se a mesma lógica, nada obstaria a que se tivesse
elevado tais tratados a nível supraconstitucional.
Como se o anterior não bastasse, outro inconveniente ou
limitação reside na necessidade de prever um determinado
procedimento legislativo para atribuir hierarquia constitucional
a outros tratados de direitos humanos, que não tenham
encontrado expressão na Constituição. É o que teve que
prever a Constituição Argentina, requerendo para tal a
aprovação congressual (de dois terços da totalidade dos
membros de cada Câmara). Que ocorreria se o Congresso, por
qualquer razão, ainda que de força maior, não tomasse esta
providência? Assim, a Argentina é hoje Parte em diversos
tratados de direitos humanos, inclusive outros que os que foram
"constitucionalizados", e que estão a requerer o
procedimento previsto em sua Constituição reformada.
Por que então buscar
inspiração nas formulações constitucionais de outros
países, se a nossa - o artigo 5(2) da Constituição Brasileira
- é mais abrangente e não apresenta os inconvenientes
apontados? O disposto no artigo 5(2) da Constituição
Brasileira concede um tratamento especial ou diferenciado aos
tratados de direitos humanos, do que não pode restar dúvida,
situada que se encontra aquela disposição constitucional no
capítulo I, "Dos Direitos e Deveres Individuais e
Coletivos", do título II, "Dos Direitos e Garantias
Fundamentais", da Constituição. Ademais, o disposto no
artigo 5(2) da Constituição Brasileira não padece dos riscos
da invocação indevida do inclusio unius est exclusio alterius:
ao contrário, encontra-se aberto a todos os tratados de
direitos humanos que vinculam o Brasil, abarcando-os todos. Mais
do que isto, o disposto no artigo 5(2) da Constituição
Brasileira tampouco se limita aos tratados de direitos humanos
stricto sensu, alcançando igualmente os tratados de direito
internacional humanitário e de direito internacional dos
refugiados que vinculam o Brasil . Modificá-lo, para adaptá-lo
- melhor dizendo, aprisioná-lo - à tese hermética e
positivista da "constitucionalização" dos tratados,
implicaria a meu ver um retrocesso conceitual em nosso país
neste particular. Há que ir mais além da
"constitucionalização" estática dos tratados de
direitos humanos.
Aqui, novamente, se impõe uma
mudança fundamental de mentalidade, uma melhor compreensão da
matéria. Não se pode continuar pensando dentro de categorias e
esquemas jurídicos construídos há várias décadas, ante a
realidade de um mundo que já não existe. A ociosa polêmica
secular entre monistas e dualistas continua a fascinar muitos de
nossos círculos jurídicos ainda hoje. De suas amarras ainda
não conseguiu se liberar grande parte do pensamento jurídico e
da jurisprudência nacionais. O mesmo ocorre com a fantasia
desagregadora das chamadas gerações de direitos,
historicamente incorreta e juridicamente infundada, que tem
prestado um desserviço à promoção da visão holística dos
direitos humanos, da interrelação e integralidade necessárias
de todos os direitos humanos (civis, políticos, econômicos,
sociais e culturais).
Recorde-se que, antes mesmo da
reforma constitucional argentina de 1994, a jurisprudência
argentina deu uma guinada em favor da hierarquia superior das
normas de direitos humanos em relação às leis internas (a
partir da decisão da Corte Suprema de Justiça no caso
Ekmedjian em 1992 ); lá, a mudança jurisprudencial precedeu a
reforma constitucional nesse sentido. Por que razão no Brasil
setores do Poder Judiciário resistem a avançar no mesmo
sentido, ainda mais quando a Constituição de nosso país o
permite expressamente e, mais do que isto, o determina? O
problema não é de direito, mas sim de vontade, e, para
resolvê-lo, requer-se sobretudo uma nova mentalidade.
V. Conclusões.
À luz do anteriormente exposto,
permito-me passar a minhas conclusões:
Primeira: Nas últimas décadas,
a operação regular dos tratados e instrumentos internacionais
de direitos humanos tem demonstrado sobejamente que podem estes
beneficiar diretamente os indivíduos. Na verdade, é este o seu
propósito último; ao criarem obrigações para os Estados
Partes vis-à-vis os seres humanos sob sua jurisdição, as
normas dos tratados de direitos humanos aplicam-se não só na
ação conjunta (exercício de garantia coletiva) dos Estados
Partes na realização do propósito comum de proteção, mas
também e sobretudo no âmbito do ordenamento interno de cada um
deles (nas relações entre o poder público e os indivíduos),
onde devem produzir efeitos.
Segunda: Os tratados de direitos
humanos são dotados de especificidade própria e requerem uma
interpretação guiada pelos valores comuns superiores que
abrigam e em que se inspiram, no que se diferenciam dos tratados
clássicos que se limitam a regulamentar os interesses
recíprocos entre as Partes. O caráter especial dos tratados de
direitos humanos acarreta conseqüências jurídicas nos planos
tanto do direito internacional quanto do direito público
interno. Os tratados de direitos humanos partem das premissas da
anterioridade dos direitos que precedem a toda organização
política e social (inerentes que são ao ser humano) e de que a
ação de proteção de tais direitos não se esgota - não pode
se esgotar - na ação do Estado. A noção de garantia coletiva
é subjacente à aplicação dos tratados de direitos humanos, e
o cumprimento das obrigações internacionais de proteção
requer o concurso dos órgãos internos dos Estados, chamados
que são a aplicar as normas internacionais.
Terceira: Decorridas cinco
décadas de experiência acumulada desde a adoção das
Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos, não
mais se justifica que não se aceitem as cláusulas e
instrumentos facultativos dos tratados de direitos humanos. Por
conseguinte, deve ser integral a aceitação dos tratados de
direitos humanos, incluindo a aceitação da competência
obrigatória dos órgãos de proteção internacional. Não é
razoável aceitar somente as normas convencionais substantivas,
sem os correspondentes mecanismos processuais para a
vindicação e proteção dos direitos consagrados. No tocante a
um órgão judicial internacional como a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, a par da aceitação incondicional de sua
jurisdição em matéria contenciosa, cabe adicionalmente fazer
amplo uso de sua função consultiva.
Quarta: Decorridas cinco décadas
de experiência acumulada desde a adoção das Declarações
Universal e Americana de Direitos Humanos, não mais se
justifica que se busque evitar ou negar o acesso direto das
supostas vítimas aos tribunais internacionais de direitos
humanos (Cortes Européia e Interamericana de Direitos Humanos).
Cabe afastar definitivamente as tentações de politização dos
procedimentos de proteção; a jurisdicionalização destes
últimos equivale à forma mais evoluída de proteção dos
direitos humanos. A representação direta (locus standi) das
supostas vítimas deve conduzir a seu acesso direto (jus standi)
aos tribunais internacionais (Cortes Européia e Interamericana)
de direitos humanos. Só assim se logrará o reconhecimento e a
cristalização da personalidade e capacidade jurídicas
internacionais plenas do ser humano.
Quinta: Diversas Constituições
nacionais contemporâneas, referindo-se expressamente aos
tratados de direitos humanos, concedem um tratamento especial ou
diferenciado também no plano do direito interno aos direitos
humanos internacionalmente consagrados, alçando-os a nível
constitucional. Os tratados de direitos humanos indicam vias de
compatibilização dos dispositivos convencionais e dos de
direito interno de modo a prevenir conflitos entre as
jurisdições internacional e nacional no presente domínio de
proteção; impõem aos Estados Partes o dever de provimento de
recursos de direito interno eficazes, e por vezes o compromisso
de desenvolvimento das "possibilidades de recurso
judicial"; prevêem a adoção pelos Estados Partes de
medidas legislativas, judiciais, administrativas ou outras, para
a realização de seu objeto e propósito. Em suma, contam com o
concurso dos órgãos e procedimentos do direito público
interno. Há, assim, uma interpenetração entre as
jurisdições internacional e nacional no âmbito da proteção
dos direitos humanos. Com a interação entre o direito
internacional e o direito interno no presente contexto, os
grandes beneficiários são as pessoas protegidas.
Sexta: O chamado princípio da
subsidiariedade dos instrumentos internacionais diz respeito
tão somente à operação dos procedimentos ou mecanismos de
proteção, porquanto o corpus juris substantivo do direito
internacional e do direito interno no tocante à proteção dos
direitos humanos forma um todo harmônico, um verdadeiro sistema
de proteção . Assim, na solução de casos concretos,
aplica-se, como o indicam expressamente os próprios tratados de
direitos humanos, o critério da primazia da norma mais
favorável às supostas vítimas, seja ela norma de origem
internacional ou de origem nacional.
Sétima: Afastada em nossos dias
a compartimentalização estática da doutrina clássica entre o
direito internacional e o direito interno, com a interação
dinâmica entre um e outro no presente domínio de proteção é
o próprio Direito que se enriquece - e se justifica, - na
medida em que cumpre a sua missão última de fazer justiça. No
presente contexto, o direito internacional e o direito interno
interagem e se auxiliam mutuamente no processo de expansão e
fortalecimento do direito de proteção do ser humano. É
alentador constatar, nestes anos derradeiros a conduzir-nos ao
final do século, que o direito internacional e o direito
interno caminham juntos e apontam na mesma direção,
coincidindo no propósito básico comum e último da proteção
do ser humano.
Oitava: Os tratados de direitos
humanos vinculam não só os Governos, mas os próprios Estados
(Partes). Em um sistema integrado e coeso como o da proteção
dos direitos humanos, aos órgãos convencionais de proteção
cabe determinar a compatibilidade ou não com os respectivos
tratados de direitos humanos de atos ou omissões de quaisquer
poderes, órgãos ou agentes do Estado, independentemente do
nível hierárquico. As normas internacionais, ao consagrarem e
definirem claramente um direito individual, passível de
vindicação ante um tribunal ou juiz nacional, são diretamente
aplicáveis no plano do direito interno.
Nona: As obrigações
internacionais de proteção, ao vincularem conjuntamente todos
os poderes do Estado, têm um amplo alcance. A par das
obrigações atinentes especificamente a cada um dos direitos
protegidos, os tratados de direitos humanos consagram as
obrigações gerais de assegurar o livre e pleno exercício
desses direitos, e de adequar o direito interno às normas
convencionais de proteção. O descumprimento dessas
obrigações engaja prontamente a responsabilidade internacional
do Estado, por atos ou omissões, seja do Poder Executivo, seja
do Legislativo, seja do Judiciário. Se maiores avanços não se
têm logrado até o presente neste domínio de proteção, não
tem sido em razão de obstáculos jurídicos, - que na verdade
não existem, - mas antes da falta de vontade do poder público
de promover e assegurar uma proteção mais eficaz dos direitos
humanos.
Décima: Para lograr avanços no
presente domínio de proteção, requer-se hoje, sobretudo, uma
mudança fundamental de mentalidade. Não se pode continuar a
pensar no universo conceitual dos dogmas e das categorias
jurídicas do passado. É pouco o que os órgãos internacionais
e nacionais de proteção podem fazer em prol da plena vigência
dos direitos humanos sem uma nova mentalidade. As necessidades
continuadas e novas de proteção do ser humano requerem uma
renovação do pensamento jurídico.
Uma nova mentalidade emergirá,
sobretudo nas novas gerações, a partir da compreensão das
novas realidades: no tocante ao Poder Executivo, a partir da
compreensão de que a aceitação da jurisdição obrigatória
de um tribunal internacional como a Corte Interamericana de
Direitos Humanos é algo bom para o país, e sobretudo para seus
habitantes, que passam a contar, a par das instâncias
nacionais, com o concurso de uma instância internacional para a
proteção de seus direitos; no tocante ao Poder Legislativo, a
partir da compreensão de que a harmonização do direito
interno com a normativa internacional de proteção dos direitos
humanos é algo bom para o país, e sobretudo para seus
habitantes, porquanto vem atender à identidade de propósito
entre o direito internacional e o direito público interno
quanto à proteção daqueles direitos; e no tocante ao Poder
Judiciário, a partir da compreensão de que a aplicação
direta das normas internacionais de proteção dos direitos
humanos é algo bom para o país, e sobretudo para seus
habitantes, e que, ao invés de se apegar a construções e
silogismos jurídico-formais e a um normativismo hermético, o
que verdadeiramente se impõe é proceder à correta
interpretação das normas internacionais e nacionais de modo a
realizar a proteção do ser humano (pro victima), sejam tais
normas de origem internacional ou nacional.
A nova mentalidade que daí surgirá, haverá de manifestar-se,
com maior vigor, no seio de uma sociedade mais integrada e
imbuída de um forte sentimento de solidariedade humana, sem a
qual pouco logra avançar o Direito. Este o memorial em prol de
uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos
nos planos internacional e nacional, que me permito apresentar a
esta III Conferência Nacional de Direitos Humanos, como
contribuição, de um brasileiro preocupado com o futuro de seu
país, ao debate nacional sobre a matéria. Confio em que,
imbuídos de uma nova mentalidade, continuaremos, todos juntos,
nas instituições públicas nacionais e no seio da sociedade
civil brasileira, assim como nos órgãos internacionais de
supervisão, a buscar a plenitude da proteção dos direitos
humanos nos planos internacional e nacional. O que todos
almejamos, em última análise, é deixar um Brasil mais justo a
nossos filhos. Que esta III Conferência Nacional de Direitos
Humanos se converta em uma data marcante, em um divisor de
águas, na realização deste singelo propósito.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro
Wilson) - Agradecendo a extraordinária contribuição ao Prof.
Antônio Augusto Cançado Trindade, passamos a palavra ao
Deputado Federal e membro da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, Hélio Bicudo. Esta Presidência informa
também que logo depois das exposições e do debate teremos à
disposição de todos o Relatório da Comissão de Direitos
Humanos de 1997 e o relatório completo da II Conferência,
realizada no ano passado. Teremos também o lançamento de
livros de autoria do Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade;
do Deputado Hélio Bicudo, intitulado "Direitos Humanos e
sua Proteção"; da Dra. Valéria Getúlio Brito, do
Movimento Nacional de Direitos Humanos; e da Dra. Cecília
Coimbra, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de
Psicologia.
Os autores estarão autografando suas obras no final do debate,
que será seguido de um coquetel oferecido a todos os presentes.
Com a palavra o Deputado Hélio Bicudo.
O SR. DEPUTADO HÉLIO BICUDO - Sr. Presidente, em cuja pessoa
saúdo os companheiros da Mesa e os demais presentes a este ato,
antes de abordar o tema que me foi atribuído, gostaria de
lembrar a memória de alguns companheiros que nos últimos dias
se foram da nossa companhia.
Começaria por recordar a figura desse ilustre Parlamentar que
foi o Deputado Luis Eduardo Magalhães, recentemente falecido.
Foi S.Exa. que presidiu a instalação desta Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e também foi na sua
gestão como Presidente da Câmara dos Deputados que logramos
toda a infra-estrutura material e pessoal para o melhor
desempenho e funcionamento desta Comissão.
Na sua visão de estadista, olhando acima dos partidos, a
Comissão de Direitos Humanos era por ele considerada
instrumento da maior importância na implementação e na
proteção dos direitos humanos no Brasil. Daí, por igual, a
sua atuação na aprovação de projetos de lei que buscavam e
buscam a concretização desses direitos. Não poderíamos
esquecer, dentre outros, o seu empenho na aprovação do projeto
que amplia a competência da Justiça Comum para o processo e
julgamento dos delitos praticados por Policiais Militares nas
atividades de policiamento, que está, depois de anos e anos de
discussão e em tramitação nestas duas Casas, apenas
parcialmente concretizado.
Presto à memoria do Deputado Luis Eduardo Magalhães as minhas
homenagens e lamento a falta que já se faz sentir no concerto
da democracia brasileira.
Por outro lado, Sr. Presidente, quero exprimir a minha
indignação diante do assassinato, em dias de abril último, do
eminente advogado colombiano e defensor dos direitos humanos,
Eduardo Umana Mendoza, na seqüência de eliminação de Mário
Calderon, de sua esposa e sogro, eliminados no clima de
violência que se exacerba hoje na Colômbia. Fatos aos quais
logo se seguiu o assassinato de Monsenhor Juan José Gerardi
Conedera, na Guatemala.
Parece mentira que tenhamos de presenciar atos dessa natureza
já no limiar do século XXI.
São todas perdas irreparáveis.
Isto posto, vamos à matéria que, na verdade, pode até ser
repetitiva quanto ao que já se falou neste ato, porque nós,
expositores, não nos encontramos antes para dividir o conteúdo
de nossas explanações. De maneira que, sendo eu o último
expositor, na medida em que encontrar repetições, vou
permitir-me eliminá-las, porque já estarão satisfeitas por
aquilo que foi produzido nesta Mesa.
Convém observar que no momento em que a civilização européia
atingiu o ultramar com as descobertas da América e do caminho
das Índias, todos os missionários que vieram para a hoje
América Latina, mesmo os mais proféticos como o Frei Pedro de
Córdoba e Bartolomè de Las Casas, partem do pressuposto de que
o cristianismo é a única e verdadeira religião e de que as
religiões dos índios eram falsas e obras de satanás.
Não se fazia - escreve Leonardo Boff, ao abordar o tema - uma
leitura teológica das culturas dos índios; a única ordem
querida por Deus é aquela da cristandade; importa compelir a
todos para que integrem essa ordem religiosa que é, ao mesmo
tempo, uma ordem cultural.
Daí a atitude constante nos catecismos do século XVI: a
satanização das religiões dos índios. Sob o pretexto de pôr
fim aos sacrifícios humanos - quantos sacrifícios humanos não
foram "santamente" cometidos -, a cristianização dos
índios encobriu a violenta maré de cobiça e horror que se
abateu sobre a América Latina nos anos da conquista e de sua
consolidação.
Eduardo Galeano, em "As veias abertas da América
Latina", um clássico sobre a matéria, escreve que
"as mais bem fundadas e recentes investigações atribuem
ao México pré-colombiano uma população que oscilava entre os
30 e 37,5 milhões de habitantes. Calcula-se uma quantidade
idêntica de índios na região andina. A América Central
contava com 10 ou 13 milhões de habitantes. Astecas, incas e
maias somavam entre 70 a 90 milhões de pessoas, quando os
conquistadores estrangeiros apareceram no horizonte; um século
e meio depois, tinham-se reduzido no total a apenas 3
milhões".
O Arcebispo Liñan y Asuenos negava o aniquilamento dos índios:
"É que se escondem" - dizia ele - "para não
pagar tributos, abusando da liberdade de que gozam e que não
tinham na época do incas".
Na costa atlântica, do nosso lado, calcula-se que na faixa
litorânea viviam mais de 1 milhão de pessoas quando aqui
aportou Pedro Álvares Cabral. Cem anos depois, esses índios
não somavam 100 mil pessoas: eliminados ou expulsos para a
selva interior, onde logo mais muitos deles foram apanhados.
A atitude dos missionários, em face das religiões dos índios,
produziu a maior perplexidade entre Astecas e Incas. Há sempre,
seja por parte dos missionários espanhóis, seja por parte dos
portugueses, uma verdadeira guerra aos pajés e sacerdotes
índios. Chega-se ao cúmulo - pois a herança religiosa deixada
por Astecas e Incas qualificava-se, segundo eles, pela mentira,
vaidade e ficção - de se entender a barbárie dos
colonizadores contra os índios como justo castigo pelos pecados
da idolatria. E acrescentava-se uma ameaça final: "se não
se ouvirem as palavras divinas... Deus, que começou a
destruí-los por vossos pecados, acabará de vez por
destruí-los".
Os jesuítas no Brasil testemunharam que "por experiência,
vemos que por amor é muito dificultosa a conversão do índio,
mas como gente servil, por medo fazem tudo."
O que acontecia, em especial nas Américas Central e do Sul, era
bem o espelho de uma verdade imposta por dogmas que se
inspiravam em interpretações estreitas e estranhas ao
progresso do saber humano, teimosias na manutenção do status
quo que incompatibilizava religião e ciência. Aí estão os
episódios, dentre tantas atrocidades cometidas pelo Santo
Ofício, da condenação à morte pelo fogo de Giordano Bruno e
da abjuração de Galileu Galilei. Toda a obra de Teillard de
Chardin só vem à lume muito depois de concebida, trancada a
sete chaves pelos donos da verdade, que era apenas deles, mas
que, ao invés de encontrar na ciência uma das fontes do
conhecimento de Deus, intentava fechar-se sobre si mesma,
alheando-se assim num modelo que entrava em crise, justamente
porque não mais atendia às demandas de um projeto esgotado.
Esse passado, no qual a parceria entre Governo e Clero foi, na
maioria das vezes, o fundamento da violência, fez despontar o
caudilhismo que ainda há bem pouco tempo - fomentado, então,
por interesses imperiais dos Estados Unidos, em especial nos
primeiros anos da Guerra Fria - tornou-se a mola propulsora da
violação dos direitos que qualificam a pessoa, sob o pretexto
de se manter uma dada ordem social, econômica e política.
Neste instante, é relevante observar que a Igreja Católica, a
partir do Concílio Vaticano II, deu início a um movimento de
renovação que teve um de seus momentos mais importantes na
reunião de Puebla, em 1979, quando se denunciaram violências
que vinham sendo praticadas pelos regimes ditatoriais que pouco
a pouco se instalavam na América Latina, sob a inspiração da
doutrina da segurança nacional, nascida nos Estados Unidos para
preservar e ampliar o império.
E foi, sem dúvida, toda essa violência que começou a
despertar a consciência dos povos latino-americanos no sentido
de encontrarem os caminhos para o estabelecimento de governos
compromissados com a construção de uma sociedade nova,
sobretudo sem excluídos.
Nesse processo, chamado de transição democrática, em que
ainda vivemos, deixamos, entretanto, que muitas das raízes
daquela violência que pretendia submeter o povo não fossem de
todo arrancadas, e que algumas delas, ao contrário, tenham
recebido bênção institucional.
Daí a inexistência de uma política de segurança pública,
diante de um organismo policial voltado para a violência; daí
a falta de acesso do povo à saúde, à educação, ao trabalho
e à Justiça. Daí os equívocos eleitorais que, ao invés de
apontarem para essa tão sonhada sociedade solidária,
encaminham a formulação e a implementação das políticas
públicas para uma concentração de renda antes nunca vista,
com o aumento progressivo das taxas de desemprego.
Aliás, tanto o Banco Mundial como o Fundo Monetário
Internacional concebem que as chamadas "políticas de
ajuste econômico", que ignoram a necessidade de
atendimento das demandas sociais, têm sido responsáveis pelos
resultados que todos sentimos, com o crescimento dos níveis de
miséria e o empobrecimento de extensos setores da classe
média.
Ora, esse Estado que procura organizar-se na luta contra a
violência, enfraquecido pela política econômica atrelada aos
interesses dos Estados Unidos e de seus parceiros, busca, não
obstante, dar um salto de qualidade, instituindo organismos
internacionais de controle no que se refere, em especial, aos
direitos humanos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos são, do ponto de vista da
censura internacional, instrumentos de maior valia na
contenção da violência institucional nos países das
Américas Latina e do Norte e do Caribe.
Eu me permitiria, neste instante, ler um pequeno trecho do
discurso recentemente proferido pelo Presidente da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, perante o Parlamento
Venezuelano:
A Comissão leva a cabo suas funções, fundamentalmente,
através das seguintes atividades: em primeiro lugar, mediante o
sistema de casos individuais, que consiste no direito de
petição ou ação popular própria do sistema interamericano
para ingressar na Comissão, a fim de denunciar as violações
de direitos humanos das pessoas naturais, causadas pela ação,
omissão ou tolerância de agentes ou entes de quaisquer que
sejam os Estados americanos. Uma vez cumpridos os requisitos de
admissibilidade, que incluem o esgotamento dos recursos internos
ou, em sua falta, a aplicação de uma das exceções
estabelecidas, a Comissão declara sua admissibilidade, põe-se
à disposição das partes para lograr uma solução amistosa e,
nos casos em que esta não seja possível, prossegue na
tramitação contenciosa, mediante audiências, provas e
informes de fundo. Esses informes de fundo contêm as
conclusões da Comissão. E, no caso de verificarem-se
violações dos direitos humanos, formulam-se ao Estado
recomendações restabelecedoras, reparadoras e indenizatórias
correspondentes. O sistema de casos individuais, que é o
fundamental no sistema interamericano de proteção dos direitos
humanos, inclui a competência da Comissão com base no seu
regulamento, para solicitar aos Estados a adoção das
"medidas cautelares" em situações urgentes; e a
possibilidade de solicitar à Corte Interamericana a adoção de
"medidas provisionais".
Ainda recentemente, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, examinando petições a ela dirigidas por sentenciados
à morte no Caribe, determinou medidas cautelares e, diante do
silêncio dos Governos do Caribe, na obediência das medidas
cautelares, solicitou à Corte medidas provisionais que
permitissem o reexame dos procedimentos levados a efeito - e que
determinaram a condenação dos réus -, para que se verificasse
se esses procedimentos se qualificaram pelo devido respeito aos
direitos das pessoas, ao devido processo legal.
Na suposição de que o Estado responsável não dê cumprimento
às recomendações formuladas pela Comissão, esta pode levar o
caso perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, se
aquele aceitou sua jurisdição segundo a Convenção Americana.
A Corte, além de receber e estabelecer o procedimento, dita uma
sentença de fundo, decidindo sobre a responsabilidade
internacional do Estado pelas violações ocorridas e
estabelecendo as reparações e as indenizações
correspondentes.
Essa sentença, em matéria indenizatória, pode executar-se
pelos mecanismos previstos no Direito Interno para sentenças
contra o Estado.
Por aí, temos um resumo da atuação da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos.
No Brasil convém, neste passo, assinalar a proteção dos
direitos humanos, que até a última década fazia-se,
sobretudo, mediante a atuação dos órgãos internos,
principalmente não-governamentais, e que passou a ser assumida
pelo Ministério Público, por meio dos instrumentos que a
Constituição brasileira de 1988 conferiu à Instituição, e
que hoje encontra amparo nas comissões estaduais e municipais
de direitos humanos, até certo ponto com a coordenação da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a partir
da paulatina aceitação do que poderíamos chamar de
generalização dessa proteção, foi ganhando espaço em
âmbito nacional e internacional, diante mesmo da unidade
conceitual de direitos humanos, alcançada nos conclaves
internacionais, como aconteceu, e aqui já foi mencionado, por
último, na Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada
em Viena, em 1993.
A Declaração Americana dos Deveres e Direitos do Homem e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, ambas de 1948 -
sendo que a americana precedeu a Declaração Universal -, como
se tem afirmado, constituíram o marco inicial de um movimento
que prossegue até hoje, justamente na linha da proteção além
das fronteiras dos Estados. Dessa data até nossos dias, os
instrumentos voltados ao propósito comum de salvaguarda dos
direitos humanos formam um corpus de regras bastante complexo,
de origem diversa - Nações Unidas, Organização dos Estados
Americanos, comissões de direitos humanos ou agências
especializadas, organizações regionais -, de diferentes
âmbitos de aplicação (global e regional), distintos também
quanto a seus destinatários ou beneficiários e,
significativamente, de conteúdo, força e efeitos jurídicos
desiguais ou variáveis (desde simples declarações até
convenções devidamente ratificadas) e de órgãos exercendo
funções também distintas (informação, instrução,
conciliação e tomada de decisão). São igualmente distintas
as técnicas de controle e supervisão (reclamações ou
petições de diversas modalidades, relatórios periódicos,
investigações).
A despeito de sua diversidade, constitui traço distintivo do
rationale dos tratados e instrumentos de direitos humanos o de
que se dirigem eles à proteção dos seres humanos e de que a
solução de reclamações nesse campo deve ser assim guiada e
pautar-se no respeito aos direitos humanos, pode-se dizer, in
genere.
A verdade é que, pouco a pouco, foi-se superando o entendimento
de que a proteção dos direitos humanos se esgota na atuação
dos Estados, naquilo que Cançado Trindade denomina de
"competência nacional exclusiva", que se equipara ao
chamado "domínio reservado do Estado".
Segundo o ilustre autor, aqui presente, essa linha de pensamento
não passa de "um reflexo, manifestação ou
particularização da própria noção de soberania,
inteiramente inadequada ao plano das relações
internacionais".
Aliás, ainda hoje ouvi com alegria o Sr. Presidente da
República, nas comemorações do terceiro ano do Plano Nacional
dos Direitos Humanos, dizer que não há que se apelar à
soberania como fator impeditivo da atuação dos órgãos
internacionais de direitos humanos. Por quê? Porque são
concepções originárias, tendo em mente o Estado in abstracto,
e não em suas relações com outros Estados, e como expressão
de um poder interno - eu aqui estou repetindo o que já disse o
Prof. Cançado Trindade -, de uma supremacia própria de um
ordenamento de subordinação, claramente distinto do
ordenamento internacional, de coordenação e cooperação, em
que todos os Estados são, ademais, de independentes,
juridicamente iguais. Daí, conclui o ilustre conferencista:
"Não há como sustentar-se que a proteção dos direitos
humanos recairia sobre o chamado "domínio reservado do
Estado", como pretendiam certos círculos há cerca de
três ou quatro décadas".
Em conseqüência, no processo da atuação e não apenas de
interpretação internacional dos documentos internacionais -
como dos tratados em geral - não deve haver, e em verdade não
tem havido, lugar para invocação de dogma da soberania. Foi,
aliás, o que afirmou o Sr. Presidente da República ainda na
manhã de hoje.
Como salientou o Prof. Caçado Trindade, esse tribunal já
existe no Brasil. Ele foi proposto pelo Ato das Disposição
Constitucionais Transitórias, quando diz que o Brasil
propugnará pela formação de um tribunal internacional dos
direitos humanos. Se esse tribunal já existe e o Brasil dele
participa, como então restringir a sua competência àquilo que
se harmonize com o nosso direito positivo?
Quando a Constituição brasileira propugna pela criação de um
tribunal internacional para a proteção dos direitos humanos,
sem qualquer distinção, está evidente que se submeterá à
sua jurisdição. Ora, esse tribunal ou esses tribunais já
existem: a Corte Internacional de Haia, o Tribunal Europeu, a
Corte Interamericana. Portanto, não há como sair pela tangente
e, segundo os interesses do Estado, escapar pela porta esquiva
de um conceito de soberania - que até mesmo o Presidente da
República rejeita - inteiramente ultrapassado nos dias de hoje.
O Brasil, não obstante tudo, mantém reservas no que respeita
à aceitação da jurisdição da Corte Interamericana. Não
bastassem os considerandos formulados por entidades
governamentais e não-governamentais a propósito desse
reconhecimento, que, por oportuno, me permito ler aos presentes.
Trata-se de uma manifestação de 1996:
Considerando que a Constituição Brasileira de 1988 consagra o
valor da dignidade humana como fundamento do Estado Democrático
de Direito e estabelece a prevalência dos direitos humanos,
como a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos
Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Interamericana
para Prevenir e Coibir a Tortura em 1939, a Convenção sobre os
Direitos da Criança em 1990, o Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção Interamericana
de Direitos Humanos em 1992 e a Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher em
1995;
Considerando que o Programa Nacional de Direitos Humanos,
lançado pelo Governo Federal em 13 de maio de 1996, prevê,
dentre as ações internacionais para proteção e promoção
dos direitos humanos, o fortalecimento da cooperação com
organismos internacionais de proteção desses direitos, em
particular a Corte Interamericana de Direitos Humanos;
Considerando que o Brasil aderiu à Convenção Americana de
Direitos Humanos em 25 de setembro de 1992, sem contudo aceitar
ainda a competência jurisdicional da Corte Interamericana, nos
termos do art. 62 daquela Convenção;
Considerando que a Corte Interamericana, ao julgar denúncias de
violação de direitos enunciados na Convenção Americana,
constitui uma instância fundamental de proteção e garantia
desses direitos, quando as instituições nacionais se mostram
falhas ou omissas - e quantas falhas e omissões podemos contar;
Considerando que o Programa de Ação de Viena de 1993, no
parágrafo 90, recomenda aos Estados-parte de tratados de
direitos humanos que considerem a possibilidade de aceitar todos
os procedimentos facultativos existentes para a apresentação e
o exame de petições ou comunicações;
Considerando que, até agosto de 1996, um significativo número
de Estados Latino-Americanos reconheceu e aceitou a competência
jurisdicional da Corte Interamericana, destacando-se Argentina,
Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala,
Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru (decisão bastante
recente), Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. E
nestes dias o México prepara-se, também, para reconhecer a
jurisdição da Corte;
Considerando a urgência de o Estado Brasileiro reconhecer e
aceitar a jurisdição da Corte Interamericana como importante
mecanismo internacional de proteção dos direitos humanos.
Entidades governamentais e não-governamentais subscreveram o
Manifesto ao Presidente da República solicitando que se
encaminhe ao Secretário-Geral da Organização dos Estados
Americanos declaração reconhecendo a competência da Corte
Interamericana de Direitos Humanos como obrigatória e de pleno
direito, nos termos do art. 62 da Convenção Americana de
Direitos Humanos, incorporada pelo Direito Brasileiro em 25 de
setembro de 1992.
Entre as entidades subscritoras destacam-se, sem maior
consideração de qualidade, Conselho Estadual de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana, de São Paulo; Seção Brasileira de
Anistia Internacional; Conselho Estadual da Condição Feminina;
Comissão de Justiça e Paz; Centro Santo Dias de Direitos
Humanos; Comissão Teotônio Vilela; Centro Goffredo Telles de
Direitos Humanos; Ação Católica Operária Nacional; Movimento
dos Sem-Terra; Comissão Indigenista Missionária; Juventude
Operária Católica Brasileira; Década Ecumênica da
Solidariedade das Igrejas com as Mulheres; Movimento de Igrejas
Cristãs de São Paulo; Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo; Grupo Tortura Nunca Mais; Comissão de Direitos
Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa do Ceará e de
outros Estados; Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania
do Estado de São Paulo.
Também apóiam a campanha, dentre outros: Prof. André Franco
Montoro; Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade; Prof. Antonio
Carlos Ronca; Belisário dos Santos Jr. e tantos outros.
O Itamaraty, entretanto, mantém irremovível sua posição
contrária ao reconhecimento da jurisdição daquela Corte. E os
argumentos, por último, a mim encaminhados, em resposta ao
convite para uma mudança de posição, em absoluto, não me
convencem.
São eles, após acusarem o recebimento do meu ofício
encaminhando as manifestações das entidades e de pessoas:
Em resposta, observo que a Mensagem Presidencial que submeteu o
texto da Convenção Americana sobre Direitos Humanos à
aprovação do Congresso Nacional referia-se às chamadas
cláusulas facultativas nos seguintes termos: No tocante às
cláusulas facultativas contempladas no § 1º do art. 45 -
referente à competência da CIDH para examinar queixas
apresentadas por outros Estados sobre o não-cumprimento das
obrigações - e o § 1º do art. 62 - relativo à jurisdição
obrigatória da Corte - não é recomendável, na presente
etapa, a adesão do Brasil.
O não-reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte
Interamericana de Direitos Humanos não decorre de uma
"interpretação restritiva" do Tratado, mas, sim, da
faculdade conferida aos Estados partes, pelo próprio § 1º do
art. 62 do Pacto de São José.
O Governo Brasileiro optou por consolidar as práticas de
implementação da Convenção - que exigem um considerável
esforço na estrutura federativa - e amadurecer seu diálogo com
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, antes de dar o
passo de reconhecer a competência da Corte. Mas essa opção
não significa a ausência de cooperação com aquele tribunal.
Ao contrário, o Governo brasileiro tem prestado seu apoio ao
funcionamento da Corte e teve muita satisfação com a eleição
de seu candidato, Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade, para
Juiz. Em consonância com a recomendação do Programa Nacional
de Diretos Humanos, o Governo vem buscando, mediante diversas
iniciativas, fortalecer a cooperação com a CIDH, com a Corte e
com o Instituto Interamericano de Direitos Humanos.
O assunto deve ser visto, portanto, numa perspectiva dinâmica.
O reconhecimento da competência obrigatória da Corte continua
sendo estudado. É preciso, antes de tudo, considerar que a
própria Corte é uma instituição que está em evolução e em
processo de consolidação - o que me parece discutível. Até
1993, a Corte havia julgado um número muito reduzido de casos -
estamos em 1998 - e só recentemente tem ampliado sua atuação.
Além disso, o estudo sobre a conveniência de reconhecer a
competência obrigatória da Corte deve levar em conta a
necessidade de aperfeiçoamento dos meios legais e
administrativos de que a União dispõe, na estrutura
federativa, para o cumprimento das obrigações internacionais.
Ora, todos estamos cientes de que, sendo o Brasil uma
Federação, em muitos casos as violações de direitos humanos
são de responsabilidade dos Estados membros, o que acontece, em
última análise, em decorrência de diplomas legais de
abrangência nacional, quer dizer, de leis federais, embora
aplicadas pelos Estados membros. Recorde-se, contudo, que,
diante do Direito Internacional, o Estado brasileiro, quer
dizer, a União é responsável por quaisquer violações de
direitos humanos em seu território.
Portanto, a ser mantida semelhante posição, na consideração
de que o Brasil é um Estado federado, não haveria
possibilidade de um Estado Federativo, qualquer que seja,
admitir a jurisdição de uma corte internacional de justiça.
Aliás, em pontuação final, como falar-se em soberania
nacional quando está em pauta a questão dos direitos humanos?
Essa afirmativa foi anterior à afirmativa hoje feita pelo
eminente Sr. Presidente da República. Quando em cada tratado,
seja relativo à regulação da tecnologia científica, seja
consoante à abertura industrial e comercial, estamos abrindo
mão de parcela, às vezes bastante substancial, de nossa
soberania em benefício do bom relacionamento das nações? E as
pessoas, os direitos humanos, como ficam?
Pois bem, como vimos, a história da América Latina e do Caribe
aparece maculada, desde a conquista pela sistemática violação
dos direitos humanos. As vítimas foram, primeiro, os índios e
os negros, depois os trabalhadores e, afinal, os contestatórios
políticos. As nossas instituições, não obstante os esforços
de muitos, não conseguiram dar à sociedade que se foi formando
em nosso continente a estabilidade imprescindível à realidade
da Justiça e de seu fruto, que é a paz. Não é por outro
motivo que a atuação da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, da Organização dos Estados Americanos, da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, das organizações de
direitos humanos nacionais e estaduais, sobretudo das
organizações não-governamentais - que foram na verdade a
alavanca que deu o impulso a essa caminhada no sentido do
reconhecimento e da proteção dos direitos humanos -
constituem-se em organismos instrumentadores da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, para que ela possa atuar nos
hiatos deixados pelas instituições nacionais e para que as
pessoas sejam protegidas, onde e como for, na sua dignidade.
Creio que, a prosseguir nessa linha, deixando de lado falsos
arroubos de soberania, estaremos antevendo um terceiro milênio
com olhos de esperança.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro
Wilson) - Agradecemos ao Deputado Hélio Bicudo, membro da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos e desta Comissão
de Direitos Humanos, a participação.
Repetimos que logo após os debates estaremos lançando diversos
livros, entre eles, o do Prof. Antônio Augusto Cançado
Trindade; os relatórios da Comissão de Direitos Humanos, de
1997; o relatório da II Conferência; o livro Direitos Humanos
e sua Proteção, do Deputado Hélio Bicudo; o livro sobre
movimento de direitos humanos, A Luta dos Direitos Humanos, da
Dra. Valéria Getúlio de Brito e Silva, e o livro da Dra.
Cecília Coimbra, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho
de Psicologia.
Portanto, logo depois dos debates, teremos o lançamento desses
livros, seguido de um coquetel.
Antes de passar a palavra ao Dr. Márcio Gontijo e ao Dr. Romany
Rolland, que disporão de dez minutos, como debatedores - depois
abriremos o debate com os presentes -, solicito a todos que
queiram fazer alguma intervenção que façam sua inscrição.
Cada um terá de três a cinco minutos. Se houver muitos
inscritos, restringiremos o tempo a três minutos, se houver
poucos, esse tempo será maior.
Passamos a palavra ao Dr. Márcio Gontijo, Vice-Presidente da
Anistia Internacional no Brasil, debatedor neste painel, por dez
minutos.
O SR. MÁRCIO GONTIJO - Sr. Deputado Pedro Wilson, Presidente da
Mesa, senhores integrantes da Mesa, senhoras e senhores, das
exposições feitas, vê-se algumas incoerências. Por exemplo,
o que mais se fala é que o Brasil ratificou a Convenção
Americana de Direitos Humanos, o Parque São José, mas não
reconhece a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Por quê, quando basta essa declaração aceitando a
cláusula?
O Brasil é um dos signatários da Convenção Interamericana
sobre esse desaparecimento forçado de pessoas, firmada em
Belém. Por que não o ratifica? O Brasil ratificou o Protocolo
Interamericano da OEA sobre a Abolição da Pena de Morte. Teve
papel de liderança para que esse protocolo tivesse vida, mas
ainda não ratificou o Protocolo do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, destinado a abolir a pena de morte.
Peço aos senhores expositores que me corrijam. Inclusive, o
Brasil votou a favor da resolução da ONU, mês passado, que
contém recomendações para a abolição da pena de morte.
O Brasil ratificou o Pacto dos Direitos Civis e Políticos da
ONU. Por que não ratificou o primeiro protocolo facultativo,
que permitiria que os comitês técnicos não apenas analisassem
os relatórios qüinqüenais, mas também recebessem denúncias
de casos individuais?
O Brasil ratificou a convenção sobre tortura, da ONU, em 28 de
setembro de 1989. Por que não admite, na forma do art. 22 da
convenção, a competência também do comitê técnico para
examinar os casos individuais que não tenham tido solução
interna?
Essas incoerências também se manifestam quanto à aplicação
interna das normas de proteção, em geral, dos direitos
humanos.
Hoje, pela manhã, estivemos no Palácio do Planalto e
verificamos várias medidas tomadas em favor dos direitos
humanos, em seqüência ao Plano Nacional de Direitos Humanos,
pelo Governo Federal. Mas, verificamos, por outro lado, nessas
incoerências internas, atentados à universalidade dos direitos
humanos, à falta de resolução de problemas sociais, que levam
ao incremento da violência.
Recordo-me da manifestação da ONU sobre o relatório anterior
do Brasil, que por sinal foi louvado pela sua clareza, pela sua
sinceridade. Com todo respeito ao relatório do Brasil, a
manifestação começava dizendo que com esta situação social
era muito difícil haver respeito aos direitos humanos.
Recordo-me ainda de que, no Congresso Internacional de Direitos
Humanos, realizado sob os auspícios do Conselho Federal da OAB,
um membro do Comitê Executivo Internacional da Anistia dizia:
"Nunca deixe uma pessoa chegar à conclusão de que não
tem mais nada a perder". O fato é que estamos com essas
incoerências no nosso País.
A oração memorial do Prof. Cançado Trindade revela uma
situação de incoerência, à medida que o Brasil aceita as
normas substantivas de proteção aos direitos humanos, mas não
as adjetivas.
Recordo-me de norma do Direito Interno do Brasil, que diz que a
todo direito corresponde uma ação, mas isso não está
ocorrendo em âmbito internacional.
Quanto ao status das normas internacionais de direitos humanos,
mencionados pelo Prof. Cançado Trindade, com referência ao §
2º, art. 5º da Constituição Federal, esse parágrafo lembra,
mas de longe,o § 36 do antigo art. 153 da Constituição
Federal, que falava que as garantias individuais previstas
naquele artigo não excluíam outras que decorriam da
Constituição Federal. E vai mais longe, fazendo referência
aos tratados internacionais.
A observação de S.Exa. é perfeita à medida que esse § 2º
está inserto no art. 5º, que é exatamente o dos direitos e
garantias individuais. Ou seja, a Constituição brasileira
inclui, entre os direitos e garantias individuais - os direitos
humanos de forma geral -, não só os princípios que dela
decorrem, mas também os tratados internacionais.
Evidentemente, pela colocação do dispositivo, quando se diz
que se incluem na proteção os tratados internacionais, é
claro que serão exatamente os de direitos humanos, pela
coerência do dispositivo. Então, um tratado comercial qualquer
não estaria abrangido por esse dispositivo constitucional. Mas
também essa inclusão das normas internacionais, que constam do
§ 2º do art. 5º da Constituição Federal, eleva as normas
internacionais a garantias pétreas, como as garantias
individuais, conforme disse o Prof. Cançado Trindade: "Sob
a proteção do art. 60 da Constituição Federal, que não
permite um retrocesso e diz que constituem cláusulas pétreas
essas garantias individuais". Perfeita a observação do
professor.
Nada mais tenho a dizer.
Outra observação importante é de que a obrigação é do
Estado e não do Governo. Isso já afasta aquela observação,
muitas vezes feita, de que, sendo o Brasil uma Federação, o
Governo não tem como cumprir as normais internacionais de
direitos humanos, porque não é o Governo que tem de fazê-lo,
mas o País, o Estado.
Questionamentos podemos fazer com relação à aceitação da
jurisdição da Corte Interamericana de Direito Humanos.
Reporto-me ao Ministro Marco Antônio Diniz Brandão e o faço
com a maior alegria, porque S.Exa. tem sido um batalhador
constante dos direitos humanos no Itamaraty. Sempre mantemos
contato. S.Exa. tem um envolvimento pessoal com os direitos
humanos; S.Exa. está no local certo.
Com essa observação, refiro-me à fala do Ministro, quando deu
a entender que o não-reconhecimento da jurisdição da Corte
Interamericana de Direitos Humanos tem razão de ser diante da
Federação.
Em primeiro lugar, a solução não estaria toda no Legislativo.
Aí, se me permitem, procuro fazer observações aos
Parlamentares componentes da Mesa.
A federalização dos crimes contra os direitos humanos
encontra-se aqui no Congresso. Essa já seria uma solução. E
também os óbices não parecem verdadeiros.
Vejamos: quem deve garantir, em última instância, os direitos
humanos? O Judiciário. O Judiciário tem início estadual, mas
as normas sobre direitos humanos são constitucionais. E a
discussão vai até o Supremo Tribunal Federal, que é a
egrégia Corte constitucional do País.
Pergunto: há razão, se a obrigação é do Estado, do Brasil e
não do Governo.? Espera-se que o Supremo Tribunal Federal
garanta a proteção dos direitos humanos. Então, a Federação
não influi nisso. O Supremo Tribunal Federal terá de garantir
isso, para não dizer que até mesmo de lege lata já se poderia
questionar a possibilidade até da apuração de tais crimes
pela Polícia Federal, porque diz que a ela incumbe a apuração
de crimes praticados de forma interestadual, de maneira
conjunta, ou que envolvam questão internacional. E o
cumprimento desses tratados é uma questão internacional.
Recordo-me de parecer mais ou menos nesse sentido, exarado pelo
Prof. Inocêncio Mártires Coelho junto ao Conselho de Defesa
dos Direitos da Pessoas Humana no Ministério da Justiça. Já
de lege lata se poderia discutir isso. O fato é que parece uma
incoerência o Brasil aceitar a Comissão Interamericana,
ratificar a Convenção Americana, mas não aceitar a
jurisdição. E, da mesma forma, essa incoerência estende-se
aos demais pontos a que me referi.
O Brasil, que foi um dos criadores da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos, ainda não ratificou sua jurisdição no
Brasil. E o Brasil não permite a atuação dos comitês
técnicos para o recebimento de denúncias individuais. Peço,
se estiver enganado, que os especialistas da área me corrijam.
Recordava-me, quando vinha para este debate, das palavras do
Presidente Fernando Henrique Cardoso, que repetiu a assertiva de
que a democracia hoje tem um nome: direitos humanos. Diria que
os direitos humanos têm um nome: coerência. Acredito que hoje
temos de buscar a coerência para a proteção dos direitos
humanos, tanto na legislação quanto na implementação.
Deixo aqui esses questionamentos formulados para os senhores
debatedores e agradeço a todos a atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro
Wilson) - Agradecemos ao Dr. Márcio Gontijo, da Anistia
Internacional, a participação.
Antes de passar a palavra ao Dr. Romany Rolland, reafirmo que a
nossa assessora, Srta. Jurema, estará circulando entre os
presentes, para anotar os nomes daqueles que quiserem fazer
alguma intervenção. Após a fala do Dr. Romany, daremos a
palavra aos que o desejarem. E, em seguida, ao final, teremos as
considerações finais dos senhores expositores.
Comunico que temos um documento encaminhado pela Pastoral
Carcerária da Arquidiocese de São Paulo, endereçado ao
Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas. Nesse
documento procura-se eliminar a impunidade nas prisões,
facilitando e garantindo especificamente o imediato exame de
corpo de delito no caso de agressão; insiste-se para que o
corpo médico das prisões obedeça e cumpra, em seu trabalho,
as normas nacionais e internacionais, e garantir a inspeção
livre e desimpedida das prisões e cadeias por ONGs nacionais e
internacionais de direitos humanos.
Tal documento é assinado por João L. Pacheco, Conselheiro
Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos; Renato
Simões, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa; por mim, Deputado Pedro Wilson, em nome
da Comissão de Direitos Humanos; e pelo Padre Francisco,
Coordenador da Pastoral Carcerária da CNBB.
Com a palavra o Dr. Romany Rolland.
O SR. ROMANY ROLLAND - Saudamos a todos, na pessoa do Deputado
Pedro Wilson, ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos
desta Casa e Coordenador-Geral da 3ª Conferência.
Inicialmente, queremos manifestar a satisfação da Comissão
Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em
participar dessa 3ª Conferência, brilhante e oportunamente
lançada pela Comissão de Direitos Humanos desta Casa.
Convocada para debater o tema do painel, mas, convergindo o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil com pensamento
lúcido e atual dos expositores, a Comissão Nacional de
Direitos Humanos deliberou, por unanimidade, em não se
contrapor ou discordar dos pronunciamentos. Decidimos aproveitar
esta rara oportunidade, onde cada um dos participantes demonstra
compromisso com o tema, para lançar dois assuntos, ou duas
moções, e, ao final, colher a opinião dos senhores
expositores.
Evidentemente, não vamos falar da escravidão, só por causa do
dia 13 de maio, apesar de o trabalho escravo existir na
atualidade. Vamos expor dois temas que a Comissão Nacional de
Direitos Humanos deliberou, como eu disse, para que fossem
apresentados nesta oportunidade, a fim de colhermos a opinião
dos expositores.
Passo, portanto, à leitura dessas moções.
Respaldada no conteúdo programático da 3ª Conferência
Nacional, a Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho
Federal da OAB vem propor que seja votada uma moção de apoio
à campanha internacional "Uma Flor para as Mulheres de
Cabul"; campanha esta liderada pelo Parlamento europeu, que
tem por objetivo preservar os direitos humanos das mulheres
afegãs.
Propomos esta moção considerando que os direitos humanos
constituem-se em uma das mais elementares preocupações da
atualidade; considerando o artigo 14 da Plataforma de Beijin -
documento oficial resultante da IV Conferência Mundial da
Mulher, realizada em 1995, na China, que finalmente declarou que
os direitos das mulheres são Direitos Humanos - e considerando
que, em realidade, as crenças e práticas religiosas
fundamentalistas, expostas pelos talibãs, encobrem profundas
violações dos Direitos Humanos da população feminina, hoje
proibida até de ir a um estádio de futebol, sem comentar as
violências físicas e psicológicas a que são submetidas todas
aquelas que expressam qualquer reação ao odioso tratamento
discriminatório recebido .
Assim, com a finalidade de sensibilizar a opinião pública
mundial para a realidade daquelas mulheres e pretendendo
convencer os Governos membros das Nações Unidas a pressionarem
os talibãs, a fim de que seja permitido o acesso não
discriminatório da ajuda humanitária a cargo da ONU, bem como
a aplicação das convenções internacionais naquela região,
que versem sobre os direitos da mulher, propomos esta moção.
A moção de apoio, ora proposta, se aceita por esta egrégia
plenária, deverá ser encaminhada à Sra. Ema Bonino , Fiscal
de Relações Humanitárias do Parlamento europeu, que se
encarregou de reunir a manifestação das entidades civis de
todo o mundo, para posterior entrega à ONU, em sessão solene
que marcará o encerramento da campanha.
Sr. Presidente, ainda dentro do tempo disponível, peço vênia
para fazer, logo em seguida, a leitura de outro assunto, para,
depois, fazer a indagação da Ordem dos Advogados do Brasil.
Freqüentemente, a imprensa noticia problemas que afetam as
entidades responsáveis pela reeducação de adolescentes
infratores. Diversas denúncias retratam o caos que se instalou
nas organizações destinadas à custódia e ao internamento
desses adolescentes.
Em sua edição do dia 10 do corrente, o jornal Zero Hora, de
Porto Alegre, denuncia graves violações aos direitos humanos e
ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que estão sendo
perpetradas por autoridades do Instituto Central de Menores da
Fundação Estadual de Bem-estar do Menor de Porto Alegre, Rio
Grande do Sul, cuja leitura estarrece a todos.
No Brasil, são violados direitos fundamentais, sociais e de
solidariedade dos adolescentes infratores que, sob o regime de
internação, sofrem constantes espancamentos, torturas,
utilização forçada de medicamentos sedativos em doses
fortíssimas, medicamentos esses que atuam sobre o sistema
central, com a finalidade de contenção de protestos e com a
conivência médica, o que é pior. Sofrem falta de condições
mínimas de salubridade e de higiene, ausência de assistência
jurídica e de ensino regular e profissionalizante.
Diante desses fatos violadores dos direitos humanos, propõe-se,
primeiro, formulação de uma política nacional baseada na Lei
nº 8.069, no que tange ao adolescente infrator, no sentido do
reaparelhamento físico das instituições estaduais de
internação sob as óticas:
1) do permanente acompanhamento psicológico e psiquiátrico; da
efetiva educação regular e profissionalizante; da prática
constante e orientada de atividades esportivas e de lazer; da
assistência familiar e religiosa, esta optativa para o interno
e obrigatória para o Estado;
2) propugna-se pela constante capacitação profissional e
ética dos funcionários encarregados do trato de adolescentes
infratores;
3) instar a atuação efetiva e eficaz do Ministério Público
na fiscalização das instituições destinadas à internação
de adolescentes infratores.
Sr. Presidente, conferencistas, quão bom e suave seria se todos
os países do mundo pudessem reconhecer a jurisdição das
cortes internacionais. Ontem foi aprovada moção, pelo Conselho
Federal da OAB, em defesa das mulheres afegãs. Há constante
preocupação - agora, de forma drástica - com esses menores
drogados do Rio Grande do Sul, para se conter a violência. Tudo
isso também preocupa.
A Ordem dos Advogados do Brasil traz aqui uma indagação aos
senhores expositores: como as entidades da sociedade civil podem
contribuir efetivamente para que os países, principalmente o
Brasil, possam reconhecer a jurisdição das cortes
internacionais?
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (DEPUTADO HÉLIO BICUDO) - Antes de mais nada,
quero anunciar que vou ter de me retirar, como os Parlamentares
que aqui estavam já o fizeram, porque estamos em votação de
emenda constitucional no plenário da Câmara.
No Brasil ainda está viva a cultura da repressão, da
opressão. E essa cultura, disseminada pela sociedade
brasileira, encontra nesta Casa uma repercussão muito
favorável. Daí as dificuldades que aqui existem para a
aprovação de projetos que objetivam exatamente a
descompressão dessa opressão.
Um corpo que representa uma sociedade repressiva é um corpo
repressivo. Para se obter mínimos objetivos no sentido de
implementação e proteção dos direitos humanos, as lutas -
elas dependem do Executivo, que depende também do Judiciário,
que, evidentemente, depende do Legislativo - demandam, infeliz e
lamentavelmente, um tempo muito maior do que aquele que seria
necessário para a imediata defesa dos direitos da pessoa
humana.
Quero recordar apenas aos senhores que o projeto que desloca
competência da Justiça militar para a Justiça comum tramita
nesta Casa há mais de oito anos, sem solução satisfatória,
ainda, apenas parcial, mais para o público externo do que para
a defesa dos direitos dos cidadãos brasileiros.
Quanto ao que se deve fazer, estamos empenhados nessa luta há
mais de vinte anos. Essa é uma luta do dia-a-dia, que não
conhece madrugadas, dias, semanas, meses e anos. Essa luta terá
de penetrar na consciência dos brasileiros, para que se lembrem
de que os direitos humanos são o fundamento da própria
existência da sociedade.
Como sou obrigado a ir para o plenário da Câmara, vou pedir ao
Prof. Cançado Trindade que assuma a Presidência e que, com a
sua experiência e sabedoria, encaminhe o final deste debate.
Muito obrigado. (Palmas.)
DEBATES
O SR. PRESIDENTE (Antônio
Augusto Cançado Trindade) - Se todos estiverem de acordo,
poderemos proceder da seguinte forma: deixarmos a palavra em
aberto a todos os participantes que porventura quiserem formular
perguntas ou comentários e, ao final, o Ministro Marco Antônio
Diniz Brandão e eu faremos nossas observações finais.
A palavra está aberta.
O primeiro inscrito é Cláudio Iovanovitch, da Associação da
Preservação da Cultura Cigana.
O SR. CLÁUDIO IOVANOVITCH - Boa-noite a todos, boa-noite à
Mesa. É com muita alegria que o povo cigano vem a esta
Conferência Nacional de Direitos Humanos dizer que nos sentidos
duplamente discriminados. Neste País não se cumpre a
Constituição nem para o povo brasileiro. Imaginem para o povo
cigano brasileiro.
É claro que estamos usando todos os meios para que neste País
multirracial, com várias etnias, onde estamos há muitos anos,
sejamos inseridos .
Muitos pensam que no caso do nosso povo isso é um sonho. Para
alguns, um sonho bom; para outros, um sonho ruim. Mas é só um
sonho. Fomos excluídos do Plano Nacional de Direitos
Humanos.Tínhamos dois artigos, que foram enviados como
sugestões.
Há muito tempo estamos tentando nossa inclusão no patrimônio
nazista que se encontra no Brasil, mas as pessoas não ouvem.
Uma das coisas que o Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade
disse aqui: "Amanhã nós vamos resolver". E o Sr.
José Gregori usa muito isso. Já denunciamos esse fato, mas
eles não nos respondem, nem ao Ministério Público, nem à
Comissão Nacional de Direitos Humanos.
O Deputado Pedro Wilson sabe da nossa luta, o Deputado Eraldo
Trindade, também, como novo Presidente. O que estamos pedindo
é que queremos fazer parte deste País, que ajudamos a
construir. O povo cigano está sistematicamente sendo excluído.
Nós estamos lutando para que reconheçam o nosso povo como
vítimas do holocausto e como brasileiros, acima de tudo.
Vou passar para os senhores os nossos questionamentos, para que
analisem, para que nos ajudem.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Antônio
Augusto Cançado Trindade) - Próximo orador inscrito, Luiz
Francisco Caetano Lima, da Comissão de Direitos Humanos da OAB
de Goiás.
O SR. LUIZ FRANCISCO CAETANO LIMA
- Parabenizo os palestrantes desta tarde.
Gostaria de fazer algumas perguntas ao Sr. Cançado Trindade,
elogiando-o, primeiramente, pelo discurso e pelo profundo
conhecimento que demonstrou ter sobre Direito argentino,
inclusive sobre as reformas da Constituição de 1994.Realmente
sou testemunha da crítica que os juristas argentinos têm
feito. Em janeiro, estive fazendo um curso de doutorado. Todos
os professores criticavam o texto, porque cristalizavam aqueles
tratados - o que ficava inviável - não sei se com uma fórmula
jurídica e legislativa adequada.
Outro elogio - quero desejar-lhe sucesso - é em relação à
Corte Internacional. Aliás, V.Exas. bem sabem sobre a obra de
Hurt: "Les concepts de droits". Ele disse que o
elemento sanção não constituiria um elemento do Direito. O
fundamental seria um poder jurisdicional, um tribunal para
ajudar nas causas. Desejo-lhes sorte nesse implemento. Todos
nós esperamos que o Brasil ratifique os tratados que foram
explanados.
As minhas perguntas são divididas em três categorias. A
primeira categoria diz respeito à Corte. V.Exa. disse que uma
lei interna poderia caracterizar uma violação. Conforme V.Exa.
disse, uma lei poderia estar em contrariedade aos direitos
humanos. Ainda que não tenha havido, concretamente, alguma
violação sofrida por um ser humano, pergunto: a Corte julgaria
e anteciparia, é claro, uma prevenção a violações futuras,
decorrentes dessa lei contrária aos Direitos Humanos?
Quanto à Corte, ainda: na omissão, pode a Corte recorrer a um
tratado universal para aplicá-lo no caso concreto em
julgamento?
A segunda categoria de perguntas diz respeito à matéria de
direitos humanos.
Qual seria a delimitação do objeto dos direitos humanos? Na
realidade, o homem, vamos dizer assim, seria o DNA da molécula
familiar, cujo conjunto forma a sociedade. Trata-se de algo
muito abrangente. Todos temos diversas relações e o direito
contempla o homem em suas múltiplas relações.
Às vezes, temos certa dificuldade, diante dessa amplitude, de
delimitar a matéria e aplicá-la sob os princípios e égides
pertinentes. Gostaria que V.Sa. nos passasse uma conceituação
mais delimitativa dos direitos humanos.
Ainda quanto à matéria, V.Sa. falou sobre o caráter especial
dos direitos humanos, embora não tivesse tido tempo, como
sabemos, de discorrer sobre o assunto. Gostaria de saber sobre
um dos fundamentos da epistemologia.
Um dos fundamentos salientados por V.Exa., o único que percebi
no discurso, foi a garantia coletiva. Quais seriam os outros que
V.Sa. poderia dar sobre essa teoria de que os direitos humanos
seriam um direito especial? É claro que também concordo,
porque neste caso se aplicaria o seguinte brocardo: lex
especiale derogat lex generale.
Quanto aos direitos humanos, ainda, no âmbito internacional
estão claras as partes dos direitos humanos: o violador e o
Estado, seja por ação seja por omissão; e o violado, que é a
vítima.
Costumo salientar que no Brasil o contexto histórico foi
diferente. Não se poderia falar como se fosse a França, ou
seja, os direitos humanos surgiram do Direito Internacional, das
grandes declarações, influenciando e modificando o Direito
Interno. Gostaria de saber quais seriam essas partes na
relação jurídica decorrente dos direitos humanos, no âmbito
interno.
Por exemplo - refiro-me a essa questão porque ela aparece na
nossa Comissão de Direitos Humanos e às vezes ficamos tentando
resolvê-la -, um assassinato bárbaro de civis: ladrões entram
numa casa e praticam um crime. Dá-se uma convulsão social e o
fato é levado para a Comissão, em busca de providências. Quem
seria o agressor, sob a égide do Direito Interno? Sob a égide
do Direito Internacional, está claro, mas, e na do Direito
Interno?direito No âmbito interno há o Direito Penal, que pune
quem pratica crimes. Como fica essa questão de relação
jurídica? Quem é o agressor e quem é a vítima? É o Estado?
São os particulares? Isso, sob o Direito Interno.
O terceiro e último tópico diz respeito aos temas abordados.
Há aqui uma questão, sobre a qual estou digerindo, para ver se
sustento minha tese. Desejo saber qual a posição de V.Sa. A
Constituição Federal pode ser derrogada por tratados
internacionais?
Vamos esquecer o caso a que V.Sa. muito bem se referiu - fiquei
admirado e bem satisfeito -, quanto ao § 2º do art. 5º. V.Sa.
disse muito bem: não precisa mexer; é só interpretação.
Vamos entrar na era avançada da interpretação.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro
Wilson) - Observe o tempo, por favor, Dr. Luís Francisco
Caetano da Silva.
O SR. LUIZ FRANCISCO CAETANO DA SILVA - Há possibilidade de
derrogação da Constituição Federal por tratados
internacionais? Esse ponto é que não consegui enxergar ainda.
Está certo que há a visão particular de V.Sa. sobre o
caráter especial dos direitos humanos. Mas essa divergência
doutrinária não é só teórica. Ela é prática, do monismo e
do dualismo, porque sobre um mesmo território, uma mesma
população, é impossível - ou, pelo menos, fora do sofisma -
aplicar uma mesma legislação.
Então, no choque, qual seria a teoria aplicável?
Finalizando, critico o Supremo por sua posição retrógrada
quanto ao depositário infiel decorrente da alienação
fiduciária; reiteradamente, ele vem manifestando a sua
permissão constitucional.
Sabemos que essa é uma medida excepcional, ranço de um passado
longínquo, que não está contemplada nos tratados
internacionais em vigor no Brasil, seja por parte da São José,
que proíbe a prisão por dívida, seja por parte Tratado de
1966, da ONU, que também não permite prender um cidadão por
apenas descumprir uma cláusula contratual.
Dessa forma, fica registrado o meu repúdio a essa
interpretação, que já não é mais contemplada no STJ,
tampouco nos Estados. No Tribunal de Justiça de Goiás, meu
Estado, a opinião é unânime - há dois ou três Desembargados
que têm essa interpretação, mas todos os órgãos fracionados
já entendem que não é aplicável prisão civil.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao Dr.
Luís Francisco Caetano da Silva, da Comissão de Direitos
Humanos da OAB/GO, a participação.
Passamos a palavra ao Dr. Olympio Moraes Júnior, da Comissão
de Direitos Humanos do Amazonas.
O SR. OLYMPIO MORAES JÚNIOR - Ouvi o Prof. Antônio Augusto
Cançado Trindade e o Ministro Marco Antônio Diniz Brandão
discorrerem sobre a aplicação dos direitos humanos no plano
internacional e no âmbito nacional, em decorrência de tratado
internacional.
Falamos en passant sobre a aplicação nacional de direitos
humanos, sob as óticas da legislação nacional e da execução
nacional. O Prof. Antônio Augusto clamou para que houvesse
execução de decisão do tribunal internacional, o que achamos
fundamental, pelos tribunais nacionais, o que não se faz.
Temos milhares de causas em que o Estado, o Município, a União
são condenados reiteradamente e não se cumpre coisa alguma. É
bonita, mas um tanto quanto utópica a aplicação disso.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Informo que no painel
de amanhã vamos tratar da concretização dos direitos humanos
no Brasil.
O SR. OLYMPIO MORAES JÚNIOR - Gostaria que tecessem
comentários sobre o que o Direito Internacional ou o tribunal
internacional poderiam fazer diante da falta de execução das
condenações realizadas.
O caso dos precatórios judiciários, em que o Estado é
condenado a indenizar inúmeras vítimas, só é usado, como se
vê pela televisão, para outros tipos de negociação. Quando
é para pagar pessoas, negros que foram presos - e tenho
conhecimento de vários -, quando há condenações do Estado
para indenizar, passam-se quatro, cinco, seis anos, e ninguém
toma uma providência. Isso ocorre hoje nos Municípios, com
milhares de trabalhadores. Há Municípios e Estados condenados,
e ninguém toma qualquer providência.
Desta Casa mesmo, não vejo qualquer providência. Aqui se fala
muito em direitos humanos, que são direitos de cidadania, mas
não vejo qualquer providência para que se executem de alguma
forma as dívidas que estão sendo reiteradamente feitas pelo
Estado brasileiro. Nós, cidadãos, não podemos ficar a dever,
quando já se está querendo adotar prisão por dívida,
enquanto a União continua violando todas as normas e passando
impunemente por isso.
Há outro problema, voltando à execução: como um tribunal
internacional veria o caso do sistema prisional brasileiro, que
está falido, que não funciona? E ninguém cuida também da Lei
de Execuções Penais. Os juízes de execução dos Estados não
tomam qualquer providência. OAB do meu Estado, pelo menos, é
chamada sempre para apagar incêndio dentro de presídio, quando
na verdade o juiz de execução é o primeiro a sai;, e somos
nós que entramos.
Não vemos qualquer medida para que se mude a legislação
brasileira, buscando uma forma de responsabilizar as autoridades
ditas públicas, que não tomam qualquer providência,
deixando-as muitas vezes para as seccionais da OAB.
Finalmente, falando em tratados, ratificações, desejo pedir ao
Ministro Marco Antônio que comente um pouco sobre isso, porque
o direito ao emprego é direito de cidadania. O Brasil ratificou
a Convenção nº 158 da OIT, depois não a cumpriu e ficou por
isso mesmo.
Gostaria que o assunto fosse comentado, porque se falou muito em
ratificar um tratado com o tribunal. Mas algumas vezes o Brasil
ratifica e depois não cumpre.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao
representante da Comissão de Direitos Humanos do Amazonas, da
OAB, a participação.
Com a palavra a Sra. Yares Ramalho Cortez, representante do
CFEMEA.
A SRA. YARES RAMALHO CORTEZ - Boa tarde.
Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade, gostaria que o senhor se
aprofundasse mais sobre a introdução da perspectiva de gênero
na concepção de direitos humanos, reforçando a universalidade
dos direitos emergentes nas últimas décadas, em consonância
com os protocolos assinados pelo Brasil nas Conferências de
Cairo e Pequim.
Também gostaria de ser mais esclarecida sobre a proposta da
Ordem dos Advogados em relação àquelas mulheres do
Afeganistão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Obrigado, Sra. Yares
Ramalho Cortez, do CFEMEA.
Com a palavra Rinaldo Ribeiro de Almeida, do Centro de Direitos
Humanos Henrique Trindade, de Cuiabá, Mato Grosso.
Ecerraremos esta parte de hoje, lembrando que amanhã, às 9
horas, teremos um painel, quando vai ser debatida a aplicação
dos direitos humanos no Brasil.
Com a palavra o Sr. Rinaldo Ribeiro de Almeida.
O SR. RINALDO RIBEIRO DE ALMEIDA - Penso ser consenso no Brasil
que grande parte das pessoas tem pelo menos alguns de seus
direitos humanos desrespeitados.
Nesse sentido, chamo atenção especial - não poderia perder
isso de vista, neste momento - para a situação em que se
encontra a universidade pública federal e também seus
professores e técnicos, com seus baixos salários. Eles estão
em greve, juntamente com os alunos, em 49 instituições de
ensino.
Também aproveito a oportunidade para pedir o apoio das
instituições e dos Deputados Federais aqui presentes para que
intervenham junto ao Ministério da Educação, a fim de que
isso se resolva o mais breve possível.
Gostaria de fazer algumas análises e, depois, algumas perguntas
aos dois debatedores.
O Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade disse que realmente
não existe interesse em ratificar esses tratados que são
assinados, e que há uma omissão generalizada tanto do
Executivo quanto do Legislativo e do Judiciário nesse processo.
Mas conclui dizendo que o problema não é o direito em si, pois
isso já está regulamentado na Constituição, mas a falta de
vontade política. E termina fazendo um apelo para a necessidade
de se mudar a mentalidade em relação aos direitos humanos no
Brasil.
Anotei aqui que vontade política implica uma reflexão do papel
histórico do Brasil e, a partir disso, uma orientação com
ações que revertam o quadro desastroso em que nos encontramos.
Muita gente lucra com o desrespeito aos direitos humanos. Essas
mesmas pessoas, na maioria das vezes, detêm o poder político
ou econômico.
A implantação dos direitos humanos, então, significa a
mudança de mentalidade e também o rompimento do círculo
lucrativo daqueles que se beneficiam com a exploração da
pessoa humana.
Gostaria de fazer um adendo, sem qualquer pretensão, e lembrar
que hoje cedo estiveram aqui as crianças da marcha global. Na
carta que vão entregar a diversas entidades consta esse relato
de que a criança que trabalha beneficia o contratante, porque
ele paga a elas um salário menor do que o que pagaria a seus
pais.
Nesse sentido, pergunto: além de mudar a mentalidade, não é
preciso também romper com esse círculo das pessoas que lucram?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao Sr.
Rinaldo Ribeiro de Almeida, de Cuiabá, Mato Grosso, a
participação.
Registramos as presenças do Srs. José Alexandre Miranda
Moreira, Vereador de Olinda; Marcelo de Santa Cruz Oliveira,
Vereador de Olinda e Coordenador Adjunto da CENDHEC; e Ives
Ribeiro de Albuquerque, Prefeito de Igaraçu, Pernambuco. Com a
palavra a Sra. Maria Márcia da Silva Kesselmig, do Sindicato
dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo.
A SRA. MARIA MÁRCIA DA SILVA KESSELMIG - Boa tarde, Sr.
Presidente, expositores, debatedores, senhoras e senhores.
O colega acabou de falar a respeito dos direitos humanos. Quero
apresentar aqui um testemunho.
Penso que essa mudança de mentalidade está ocorrendo. Só o
fato de estarmos aqui já é um grande sucesso. Vemos outras
atitudes no âmbito estadual, principalmente no meu Estado,
serem decorrentes desse processo de mudança.
Venho trazer o testemunho de um fato gerado aqui na Comissão de
Direitos Humanos. O tema já foi debatido.Hoje efetivamos uma
luta em São Paulo no sentido de conseguir a autonomia das
perícias oficiais do Estado. Foi um grande sucesso.Agradeço
muito à Comissão pelo trabalho e por fazer parte da proposta o
fortalecimento dos institutos criminalísticos e dos institutos
médicos legais.
Chamo a atenção também para o fato de que São Paulo já fez
o seu Plano Estadual de Direitos Humanos, constando a proposta
de autonomia dos institutos, que já foi efetivada. Quer dizer,
o plano saiu em 1997 e já em 1998 nossa proposta foi atendida.
(Palmas.)
Havia preparado uma exposição bem curta, mas acabei falando.
Preparei um relatório desse fato de como isso se processou.
Infelizmente, não vai dar para fazer a sua leitura. De qualquer
forma, fiz questão de vir a esta conferência, tanto para
participar de seus eventos como para comunicar esse fato, que se
deu graças a um Governo democrático.
Penso que o que está mudando exatamente é a entrada da
democracia no País; é o fato de as pessoas terem consciência
e começarem a participar de tudo o que se passa no Brasil e em
seu Estado, trazendo isso para o particular, saindo de uma
situação macro para uma situação de detalhe.
Nesse sentido, em relação à autonomia das perícias, o que
temos observado é que existe uma reação muito grande por
parte, principalmente, da Polícia Civil.
Temos, hoje, dez Estados com autonomia, inclusive o Amapá. Eles
entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que foi
deferida em parte, em assuntos que não tratavam da autonomia.
Hoje vemos totalmente indeferida essa situação. Perderam
inclusive a liminar que haviam conseguido.
São Paulo conseguiu essa autonomia e houve uma reação por
parte da cúpula.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Dra. Márcia,
desculpe-me interferir na sua exposição, que é muito boa. Mas
amanhã vamos ter uma exposição sobre isso e depois vamos ter
grupos temáticos. Peço-lhe que envie o relatório à Mesa,
para fazermos a divulgação.
Desculpe-me. Gostaríamos de debater o tema. A aplicação dos
direitos humanos no Brasil pressupõe a questão dos peritos; e
temos toda uma luta pela autonomia.
A SRA. MARIA MÁRCIA DA SILVA KESSELMIG - Perfeito. De qualquer
forma, já está preparada aqui.
Minha proposta é muito curta: que se viabilize uma legislação
de âmbito nacional, para que os Estados que não chegaram a
isso o encontrem; e naqueles em que já existe, que isso se
efetive. Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Obrigado.
Com a palavra a Sra. Leonízia Izabel da Silva, do Centro de
Direitos Humanos de Palmas, Tocantins.
Temos ainda para falar a Sra. Ana Cristina Mello, Coordenadora
Legislativa da Comunidade Baha'í do Brasil. Depois, voltaremos
a palavra aos expositores e encerraremos esta parte.
Já estão todos convidados para o coquetel e para a noite de
autógrafos de diversos livros sobre a luta dos direitos
humanos.
A SRA. LEONÍZIA IZABEL DA SILVA - Boa tarde.
Agradeço à Mesa a oportunidade de podermos falar sobre aquilo
que vivemos na base, no nosso trabalho sobre direitos humanos.
O Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade falava da
importância do art. 5º da Constituição; uma conquista, um
avanço, Na verdade, quando pegamos a Constituição e
conhecemos mais profundamente esse e outros artigos, ganhamos
uma esperança. Mas quando observamos sua aplicação, ficamos
tristes de novo. Não sei se vocês sentem isso também. Ficamos
muito tristes, porque percebemos que os direitos da pessoa ali
garantidos não são respeitados na prática.
Estamos vivendo uma experiência forte nacionalmente:a
violência. Sabemos que ela decorre das condições sociais em
que vivemos. E os Governos, inclusive o Governo Federal, não
têm dado tanta importância a essa situação social. Então
percebemos um crescimento desse problema.
Lá em Palmas, Capital de Tocantins, onde trabalho, não é
diferente. Talvez seja um pouco mais difícil, porque numa
Unidade da Federação recém-formada há muito o que fazer
ainda.
Uma coisa que me preocupa bastante é a questão da violência
policial. Ela está sendo um marco forte no nosso Estado. Há
casos de tortura policial a pessoas que, às vezes, não têm
nenhum envolvimento. De repente são pegas, talvez até pela
aparência, e torturadas barbaramente até perderem a força,
até perderem a vida.Tem havido casos assim, e ficamos
preocupados com a situação. Há até ameaças de morte. E
muitas mortes têm acontecido por violência policial.
No ano passado, um rapaz de 26 anos ficou arrebentado por
tortura policial. Ele não morreu e a família, que sofre muito,
até hoje não conseguiu a indenização indenização
decorrente desse fato. Temos muitos problemas nesse sentido.
Na semana passada, recebi denúncia de um professor de
educação física - ele trabalhava com crianças e orientava
aquelas que usavam drogas - que foi pego pelos
policiais,barbaramente torturado e ameaçado de morte. Ele disse
que o policial o ameaçou dizendo que era costume na região,
que se ele não falasse que também usava droga, se não se
acusasse, seria levado para uma serra próxima a Palmas e, na
linguagem deles, seria desovado ali.
Temos encontrado nessa serra alguns cadáveres. É uma
situação difícil, porque não conseguimos identificá-los.
Quando os encontramos, os bichos já comeram tudo; muitas vezes
só se encontram os ossos. Também não achamos os criminosos,
não sabemos quem praticou o crime.
Aqui fica este protesto. Como fazer cumprir a Constituição
brasileira, principalmente para os pobres? Como garantir os
direitos humanos às pessoas? Como fazer para que as pessoas
sejam respeitadas, seja quem for, nos seus diversos níveis
sociais? (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Obrigado à Sra.
Leonízia Izabel da Silva, Assistente de Direitos Humanos de
Palmas, Tocantins.
Finalizando, teremos a participação da Sra. Ana Cristina
Mello, Coordenadora Legislativa da Comunidade Baha'í do Brasil.
A SRA. ANA CRISTINA MELLO - Boa tarde a todos.
A Comunidade Baha'í do Brasil parabeniza os organizadores da
Conferência e também todas as instituições que, num esforço
comum, promovem a educação para que sejam respeitados os
direitos humanos e concretizadas ações efetivas para minimizar
todos esses problemas que hoje fazem parte da realidade mundial.
Ficamos muito entusiasmados com a brilhante explanação
oferecida por todos os membros da Mesa.
O Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade chama a nossa atenção
quando fala sobre o salto qualitativo que o Governo brasileiro
deve tomar para liderar todo esse processo e realmente atingir
todas as metas, que são a implementação das recomendações e
dos tratados internacionais. Gostaria de saber se as ações de
âmbito bilateral podem acelerar o processo de implementação
das resoluções promulgadas pelos organismos internacionais.
Sabemos que as ações multilaterais colaboram com esse
processo. Mas com esse salto qualitativo, se tomamos ações
bilaterais, esses processos podem ser agilizados, tendo em vista
o caso de Tony Blair e também a administração Clinton, fatos
concretos. O que o senhor pensa a respeito e quais as
recomendações que dá?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos à Sra.
Ana Cristina Mello, Coordenadora Legislativa da Comunidade
Baha'i.
Vamos passar a palavra ao Dr. Marco Antônio Diniz Brandão,
Representante do Itamarati, do Departamento de Direitos Humanos,
que tem colaborado muito com a Comissão de Direitos Humanos.
Esta conferência é o lugar de se suscitarem debates. Muitas
vezes não temos respostas para todas as questões, inclusive a
própria Comissão de Direitos Humanos e o Parlamento. Aceitamos
críticas. Há muitas leis que já deveríamos ter aprovado. A
Comissão está fazendo todo o esforço. Muitas vezes eles não
são capazes de transformar a nossa vontade em lei e, mais do
que isso, em programas para a proteção de direitos humanos.
E o nosso esforço aqui é justamente no sentido de, irmanados,
podermos comemorar os direitos humanos no Brasil, tanto no
âmbito federal quanto no estadual - existe muita contradição
em relação aos poderes federal e estaduais.
Com a palavra o Dr. Marco Antônio.
O SR. MARCO ANTÔNIO DINIZ BRANDÃO - Sr. Presidente, usando
suas próprias palavra, acho que estamos aqui irmanados,
procurando soluções.Não há, portanto, muita coisa que eu
possa dizer. Na verdade, eu me enriqueci muito neste debate com
as brilhantes exposições do Prof. Antônio Cançado Trindade e
do Deputado Hélio Bicudo, e também com as perguntas dos
debatedores.
Gostaria apenas de fazer alguns comentários centrados talvez na
questão da adesão ou da ratificação de determinados
instrumentos, de determinados tratados.
Na questão de direitos humanos, tudo o que se faz é sempre
insuficiente, e tem de ser assim. Nunca há um limite máximo,
nunca há um quantum satis; há que se fazer sempre mais. É
preciso lembrar que, nesta área, o Brasil nos últimos dez
anos, progrediu muitíssimo. O Brasil, hoje, aderiu a grande
parte - eu diria que à quase totalidade - dos instrumentos
internacionais de proteção aos direitos humanos. Um e outro
ficaram de fora por diversos motivos. Alguns por motivo de má
sincronia - nem sempre o Estado consegue fazer as coisas com a
rapidez que os assuntos merecem, devido à burocracia.
Por exemplo, não há nenhum problema para que o Brasil adira ao
protocolo adicional referente à pena de morte no sistema das
Nações Unidas. Na verdade, nós já o fizemos no âmbito do
sistema interamericano; nós patrocinamos, no âmbito da CIDH,
uma revolução proposta pela Itália sobre a pena de morte;
nossa Constituição é muito clara a esse respeito.
Então, é algo que não aconteceu.Nesse caso específico,
prometo que vou procurar agilizar nossos procedimentos para que
o Brasil possa brevemente, espero, aceder a esse protocolo
adicional, a esse protocolo facultativo sobre a pena de morte.
Há outros pontos muito técnicos. No Protocolo Facultativo ou
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, por exemplo,
há muitas divergências. Há, no fundo, a idéia de que
permitir petições individuais a esse órgão seria uma
duplicação do que já existe, por exemplo, na CIDH. Isso
poderia até prejudicar o sistema de apresentação de
petições individuais junto ao sistema internacional de
proteção aos direitos humanos, caso houvesse esse tipo de
duplicação.
E temos, finalmente, o caso mais rumoroso, mais importante, que
é o nosso reconhecimento da competência contenciosa da Corte
Interamericana de Direitos Humanos. É pena que o Deputado
Hélio Bicudo, meu amigo, a quem admiro profundamente, não
esteja mais aqui, pois gostaria de fazer uma correção, com
todo respeito, à observação de S.Exa. de que o Itamaraty se
mostra irredutível em relação à questão, quando não é bem
assim. Ao contrário, o Itamaraty vem promovendo um amplo debate
interno - é verdade - sobre a questão. O próprio Ministro
Luiz Felipe Lampreia tem feito consultas muito variadas, muito
amplas sobre o assunto. Mas essa questão não é pacífica na
sociedade brasileira. Ela exige ainda discussão, posicionamento
do Legislativo, do Judiciário, da própria sociedade, da
academia brasileira, das universidades. Ela exige ainda uma
massa crítica que nós não atingimos, para que se possa
plasmar uma posição diplomática.
Uma posição diplomática é sempre muito cautelosa, quer
dizer, ela tem de ter bases muito sólidas para ser tomada. E eu
diria que debates e posicionamentos desse tipo que tivemos aqui
hoje só contribuem para o esclarecimento da questão e, quem
sabe, para um eventual reconhecimento da competência
contenciosa da Corte. Acho que muitos de nós aqui almejamos
isso.
Quanto ao fato de se saber se a ratificação de instrumentos
vale a pena, ou não, se a adesão do Brasil a determinados
instrumentos é válida ou não,é claro que o simples fato de o
Brasil aderir a um instrumento internacional ou ratificar um
instrumento internacional de proteção aos direitos humanos
não é uma panacéia; não significa a segurança de que os
direitos vão ser respeitados. Cabe ao Estado brasileiro, cabe
à própria sociedade brasileira, primordialmente, antes mesmo
de qualquer instrumento internacional, a proteção e a
promoção dos direitos humanos no Brasil. Não é a comunidade
internacional, na verdade, que deve esforçar-se para fazer
isso.Ela é um adjuntório, uma referência; deve interessar-se
pelos direitos humanos no Brasil, promovê-los. Mas essa tarefa
cabe aos brasileiros, ao Estado, à sociedade, primordialmente.
Gostaria de fazer uma pequena referência à questão do
trabalho infantil, levantada pelo Rinaldo Ribeiro.O Brasil, por
exemplo, está agora entrando em negociações, no âmbito da
OIT, para a elaboração de uma convenção do trabalho
infantil, que será, esperamos, mais uma contribuição para a
erradicação desse mal.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao
Ministro Marco Antônio Diniz Brandão pela participação e
reafirmamos nossa proposta de parceria com o Departamento de
Direitos Humanos do Itamaraty.
Se algum participante ainda não registrou o nome, solicito que
o faça. No relatório da 3ª Conferência Nacional de Direitos
Humanos constará a participação de todos. Nós estamos com
aproximadamente 400 membros registrados na Conferência.
Para encerrar, concedo a palavra ao Prof. Antônio Augusto
Cançado Trindade, para as considerações finais. Convido a
todos para o coquetel e o lançamento do livro. Informo que,
infelizmente, por uma circunstância de comunicação, o livro
do Prof. Cançado Trindade não chegou, mas vamos fazer todo o
esforço para que ele esteja à disposição amanhã.
Com a palavra o Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade.
O SR. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE - Como foram várias as
questões a mim dirigidas, tentarei resumir as observações
sobre cada uma delas, agradecendo a todos os que as propuseram.
Em primeiro lugar, responderei à indagação do Vice-Presidente
da Anistia Internacional do Brasil, Dr. Márcio Gontijo.
Concordo em que realmente há uma inconsistência entre aceitar
a parte normativa de tratados e não aceitar a parte processual.
Na verdade, a tendência de hoje, no plano internacional, em
relação aos tratados que não têm meios de implementação
próprias, é justamente adotar meios de implementação, como,
por exemplo, a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher e o Pacto de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas. Há dois
projetos de protocolo dotando essas duas convenções
importantíssimas de mecanismos de comunicação, de petições
ou de denúncias internacionais. É um reconhecimento de que os
mecanismos processuais para reivindicação de direitos caminham
pari passu com as normas substantivas que eles reconhecem; como
reconhecem esses direitos.
Sobre a observação, muito oportuna - e que tive satisfação
em ouvir -, quanto à possibilidade de o Brasil aderir ao
protocolo sobre a abolição da pena de morte, o Segundo
Protocolo ou Pacto de Direitos Civis e Políticos, essa é uma
notícia alentadora, uma vez que o Brasil já aderiu, em
resposta ao Dr. Márcio Gontijo, aos dois protocolos; o segundo
é justamente a abolição da pena de morte. E o conteúdo dos
dois protocolos, tanto a Convenção Americana quanto o Pacto
dos Direitos Civis e Políticos, são idênticos e convergentes
com o que diz a nossa Constituição. Então, nada impede
realmente que o Brasil faça parte do protocolo sobre a
abolição da pena de morte e também do Pacto de Direitos Civis
e Políticos.
Ainda quanto à importância de se aceitar os mecanismos
processuais, juntamente com a parte normativa, e ainda em
relação às perguntas do Dr. Márcio Gontijo, Vice-Presidente
da Anistia Internacional do Brasil, gostaria apenas de recordar
que hoje todos os Estados-parte na Convenção Européia de
Direitos Humanos aceitam a competência contenciosa da Corte
Européia de Direitos Humanos, que também está prevista em uma
cláusula facultativa. E, mais do que isso, é um sistema tão
amadurecido, tão evoluído, que, hoje, para que um Estado
queira ingressar no Conselho da Europa e depois tornar-se parte
da Convenção Européia, ele tem de indicar previamente à
Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa que ele aceitar a
competência contenciosa da Corte Européia. Resultado: todos os
Estados-parte na Convenção Européia de Direitos Humanos,
hoje, aceitam a competência em matéria contenciosa da Corte
Européia. No nosso caso, anteontem mais um aceitou - o Haiti. E
o México já anunciou que vai aceitar em setembro. Então,
seriam dezenove, em setembro, dos 25 Estados-parte.
Quanto à questão do art.5º, § 2º, já me debrucei sobre ela
e concordo em que realmente o fato de estar incluído no
capítulo Dos Direitos e Garantias Fundamentais não deixa
dúvidas de que se refere a tratados de direitos humanos e não
a acordos comerciais. Não pode haver dúvida quanto a isso.Não
seria um subterfúgio para se evadir a essa interpretação que
eu propus, já em 1987, nesta Casa, na Subcomissão de Direitos
e Garantias Individuais da Assembléia Nacional Constituinte?
Concordo com as palavras do Vice-Presidente da Anistia
Internacional em relação ao Ministro Diniz Brandão. Quero
também dar meu testemunho da fidalguia com que S.Exa. tem
tratado os assuntos da Corte Interamericana. No debate interno
do Itamaraty, é uma das pessoas com quem podemos dialogar. Tem
tido cuidado em acompanhar o trabalho da Corte, o que nos faz
crer que está do nosso lado.
Com relação à questão da federalização dos crimes contra
os direitos humanos, pendentes aqui já há alguns anos - uma
luta antiga do Dr. Hélio Bicudo -, gostaria de dizer que, se
puder, isso deve ser feito o mais rápido possível. Mas que
não seja invocado, como óbice para reconhecimento a dilação
da Corte Interamericana, o fato de não se ter logrado isso,
porque a organização interna de um Estado não pode ser
invocada, nos termos dos próprios tratados em que ele é parte,
como óbice para a aceitação de uma cláusula facultativa.
Exemplo concreto: o último caso sobre essa matéria, relativo
à Argentina, pendente quanto às reparações. Nada posso
mencionar sobre reparações, mas quanto ao que já foi
decidido, sim, porque a matéria é de conhecimento público.
O que fez o Presidente Menem, da Argentina, ante o
desaparecimento de duas pessoas nas mãos de policiais, na
Província de Mendoza? As investigações nunca terminavam. Não
se sabia -e até hoje não se sabe - o que aconteceu, quem fez
ou quem não fez. Tampouco ainda não se federalizou. Então, o
Presidente Menem, quando o caso foi enviado pela Comissão
Interamericana à Corte Interamericana, simplesmente enviou um
reconhecimento de responsabilidade internacional do Estado
argentino; e o caso passou imediatamente para a etapa de
reparações, evitando-se assim que entrasse na discussão
própria de Direito Interno sobre repartição de competências
no Estado federal.
Isso obrigou as autoridades de Mendoza a encontrarem uma
solução amistosa, prevista na Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, com os familiares dos desaparecidos, e forçou
as autoridades policiais, de certa maneira, até mesmo a
encontrarem rapidamente uma solução. Então, que essa questão
de não se ter federalizado seja invocada como óbice para
aceitação da competência de um tribunal internacional.
Em relação à pergunta do Sr. Presidente da Comissão de
Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, Dr. Romany Rolland, poderíamos comentar o seguinte:
todo progresso, nessa área, tem sido logrado mediante a
mobilização da sociedade civil. Então, a sociedade civil pode
fazer muito, principalmente quando há diálogo com as
instituições públicas.
No que diz respeito à aceitação da jurisdição da Corte,
deve-se fazer o que já está sendo feito há algum tempo, no
sentido de encaminhar moções às autoridades das
instituições públicas. Espero que isso resulte em uma
decisão, o mais rapidamente possível, expressando o seu ponto
de vista. É aquilo que mencionei: é uma questão de se
reconhecer que isso é bom para o País, sobretudo para aqueles
que aqui vivem.
Sobre a questão levantada pelo Sr. Cláudio Fonteneles sobre os
ciganos, gostaria de dizer que uma das grandes conquistas dos
instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos
foi precisamente desnacionalizar a proteção. Quer dizer, o
vínculo da intencionalidade, do tratamento, do estatuto da
pessoa à luz do Direito Interno deixa de ser importante. O que
vale é a simples permanência de uma pessoa no território de
um Estado e o fato de estar sujeita à jurisdição do Estado,
como é o caso dos ciganos. Então, eles são beneficiários da
proteção internacional.
Agradeço ao Sr. Luís Francisco Caetano Lima, da Comissão de
Direitos Humanos da OAB de Goiás, as judiciosas perguntas, e
também a confirmação de todos os encontros. Já conversei
inclusive com vários juristas argentinos, meus colegas -
encontrei-me freqüentemente com eles - ,sobre o que foi feito
naquele país. Assim, espero que não mais se invoque o que foi
feito lá como modelo para nós, uma vez que a fórmula da
Constituição brasileira é muito mais ampla e abrangente, e
pode proteger muito melhor.
A Corte Interamericana julga a violação em tese? Não. Não
há, ainda, pelo menos até o presente, actio popularis no
Direito Internacional, nos direitos humanos. Mas julga uma
violação de direitos humanos cuja origem esteja em uma lei,
sem que isso seja uma actio popularis. Não é uma actio
popularis. Mas, a partir do momento em que existe uma vítima,
no contexto de um caso concreto, pode-se proceder perfeitamente
à determinação da compatibilidade ou não de uma lei nacional
com a Convenção Americana. A resposta seria essa,
precisamente.
Fundamentos desse direito. Em caso de omissão, pode a Corte
recorrer a um tratado universal? É o que acaba de ocorrer. Não
sei se os senhores estão sabendo, no Brasil, que o México,
até o presente, ainda não reconhece a competência contenciosa
da Corte, mas vai reconhecer em breve. Fez uso da via consultiva
da Corte e formulou, há pouco, a seguinte pergunta ao seu 16º
parecer: Cidadãos de um país que são julgados em um país
estrangeiro, em um idioma ao qual eles não têm acesso, são
condenados à pena de morte e executados. Primeiro: isso viola
as garantias judiciais da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos? Segundo: isso viola o art. 36 da Convenção de Viena
sobre Relações Consulares, de 1963, sobre assistência
consular?
Está invocando um tratado universal, a Convenção de Viena
sobre Relações Consulares. E o precedente que temos para isso
é o primeiro parecer da Corte Interamericana de Direitos
Humanos sobre outros tratados, que desde que os Estados-parte na
Convenção Americana sejam partes também no tratado universal,
pode. A resposta é "sim".
Na questão dos fundamentos, mencionei com ênfase garantia
coletiva, mas também há outros fundamentos, para sustentar
essa tese que tenho tentado desenvolver há tantos anos no
Brasil e que tem conseqüências jurídicas importantes, para as
quais ainda não se acordou no País.
Vou dar alguns exemplos concretos: não só a garantia coletiva,
mas também a questão da não-reciprocidade. Não há questão
de não-reciprocidade aqui; ela não se aplica aqui. São
considerações superiores de ordem do Direito Internacional que
se devem aplicar. Toda essa teoria da autonomia da vontade, que
fascina os civilistas e comercialistas, não tem aplicação
aqui. O que é a autonomia da vontade? São imperativos
superiores. É um mínimo de ordem pública internacional que
estamos buscando, que os Estados respeitem as pessoas, os seres
humanos sob a sua jurisdição. Então, é outro princípio
básico.
Outro princípio fundamental é a questão da proteção do mais
fraco. Não se trata, como no Direito Privado, de proteger
iguais; nada disso. Aqui temos de proteger o mais fraco, o
indivíduo que esteja as mãos de pessoas ou entidades que
possam violar os seus direitos. Então, é um direito que
pretende desequilibrar; um desequilíbrio flagrante. É preciso
lograr um mínimo de equilíbrio processual entre as vítimas de
violações e o Estado violador. E assim, há, daí por diante,
uma série de outros princípios que tenho tentado desenvolver
em meus escritos.
Outra pergunta de V.Sa. é quanto à questão do poder
público.O que acontece se a violação é praticada, por
exemplo, no âmbito do Direito Penal? Isso não é propriamente
do campo do Direito Internacional, dos direitos humanos, porque
da maneira como foram concebidos e adotados os tratados
internacionais de direitos humanos sempre há a presença de
pelo menos um elemento do poder público. Mas há uma grande
discussão, no momento, tanto nas Nações Unidas como no
sistema interamericano, sobre a questão de violações
cometidas por grupos clandestinos, grupos de extermínio, e
sobre o problema de terrorismo internacional.
Em caso recente, relativo à Guatemala, decidimos, há pouco
mais de um mês, em sessão extraordinária da Corte, o caso
Paniagua Morales, uma matança de pessoas por agentes
clandestinos. Em sentença longuíssima, de quase 115 páginas,
condenamos a Guatemala por violar vários artigos da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, apesar de os agentes
perpetradores das violações serem desconhecidos, dada a
situação do paramilitarismo no país, de que havia uma
prática - na época dos anos 80, onde as matanças começaram -
comprovadamente tolerada pelo Estado. Aí, a responsabilidade do
Estado se configurou por omissão.
Então, o dever geral de assegurar o livre e pleno exercício de
todos os direitos se aplica também, independentemente dos
agentes que perpetram as violações. É um dever do Estado.
Então, é responsabilidade por omissão.
Outra pergunta: a Constituição Federal pode ser derrogada por
tratados de direitos humanos? De acordo com a Constituição,
não, não pode. Uma Constituição não pode ser derrogada por
tratados de direitos humanos, de acordo com a Constituição. E
os tratados de direitos humanos tampouco têm a pretensão de
derrogar a Constituição de um país. Não se trata disso.
Por isso, toda essa teoria, que tenho há tantos anos tentado
desenvolver, evita esse tipo de raciocínio, porque não coloca
nesses patamares distintos, compartimentalizados, o Direito
Interno e o Direito Internacional. Não se trata disso. É a
essa visão hermética que estamos acostumados no Brasil,
principalmente em certos setores do Poder Judiciário. Então,
em vez de se preocupar em estabelecer qualquer primazia entre o
ordenamento interno e o internacional, deve-se verificar de que
maneira eles interagem para proteger melhor.
Por isso, rejeito totalmente a perpetuação dessa polêmica
entre humanistas e dualistas. Não acho certo ficar lendo certos
autores, como ocorre em todas as faculdades de Direito no
Brasil, sem qualquer espírito crítico ou criativo, fazendo a
mesma coisa que se fazia nas faculdades há trinta, quarenta,
cinqüenta anos.
Quanto à questão do depositário infiel, estou totalmente de
acordo com as suas observações, que ratifico e endosso com
entusiasmo.
As observações de Olímpio Moraes, da Comissão de Direitos
Humanos da OAB do Amazonas, sobre a questão da execução de
sentenças também são muito interessantes. O que acontece, por
exemplo, se no plano do próprio Direito Interno a execução de
uma sentença ditada por um tribunal nacional não é efetuada?
Isso acaba de chegar até nós. Há dois anos, houve o caso de
um adolescente assassinado pela comitiva dos Ortega, na
Nicarágua. Lamentavelmente, nesse caso, em particular, a Corte
tinha a composição anterior. Eu ainda não estava na Corte,
não havia começado o meu período, mas comecei a examinar o
caso em uma etapa final, já das reparações, onde dei o voto
dissidente.
O que ocorreu foi o seguinte: o assassinato desse rapaz pela
comitiva presidencial ocorreu antes do reconhecimento da
competência contenciosa da Corte pela Nicarágua. Mas o devido
processo legal foi violado posteriormente, porque a Corte
Suprema da Nicarágua, reiteradamente, deixou de decidir o caso
movido pelo pai do rapaz.
Nesse caso, a decisão quanto ao mérito foi um tanto
desastrosa, porque se confiou o caso à Corte Suprema, para que
decidisse em favor. Creio que os instrumentos internacionais
foram concebidos e criados justamente em função das
insuficiências do Direito Interno. Isso deveria ter sido
delegado pela Corte Internacional Interamericana à Corte
Suprema da Nicarágua. E, no voto dissidente, observei, com
vigor, que havia sido um erro da Corte Interamericana.
Em outras palavras, a não-execução de uma sentença que venha
a proteger os direitos, no plano do Direito Interno, pode
configurar uma violação, no devido processo legal, sobre um
tratado de direitos humanos. A resposta seria essa. A solução
seria por essa via.
Em relação à,importância dos tribunais internacionais, posso
dar exemplo de outro caso recente que tivemos: Blake contra
Guatemala. É o caso de um jornalista norte-americano que
desapareceu na Guatemala. Os restos mortais foram encontrados
cinco anos depois e, nesse meio tempo, a Guatemala havia
reconhecido a jurisdição obrigatória da Corte.
Então, a Corte se inibiu de conhecer o momento da detenção
ilegal e o do assassinato, determinado anos depois, quando se
encontraram os restos mortais dessa pessoa, mas ela não se
inibiu de continuar conhecendo o caso, quanto ao mérito, quanto
às garantias judiciais dos familiares da vítima - os pais e os
dois irmãos.
Em audiência pública na Corte - nunca mais vou esquecer -, um
irmão do desaparecido teve um ataque emocional e, em prantos,
disse-nos que essa era a primeira vez, desde que seu irmão
desaparecera, que ele comparecia ante uma instância judicial.
Perguntaram: por quê? Na Guatemala - isso foi há cinco anos -,
comparecer ante instância judicial, em um país sitiado por
militares? Então, ele ficou tão emocionado em poder comparecer
perante um tribunal que disse: "É a primeira vez que
compareço perante um tribunal" - um tribunal
internacional. É a importância da via internacional. É o caso
Blake contra a Guatemala, cuja leitura recomendo, porque é
comovente.
Sobre a questão do sistema carcerário, tivemos um caso recente
no Equador - que mencionei na minha exposição -, em que uma
pessoa, enquadrada na lei antidrogas, por colaborar com o
encobrimento de narcotraficantes no aeroporto de Quito, acabou
ficando em detenção preventiva por quatro anos. Se tivesse
sido julgada culpada, a pena máxima seria de dois anos. Nesse
período, experimentou todo tipo de miséria humana própria do
sistema carcerário de qualquer país latino-americano. O fato
de, depois, ter sido inocentado não quer dizer que se deixou de
violar a Convenção Americana dos Direitos Humanos, como
assinalamos na nossa sentença.
É muito importante essa sentença, pelo seu propósito, pela
sua preocupação. Há vários parágrafos em que se faz uma
série de considerações sobre o desastre que é o sistema
carcerário, não só no Equador, mas em todos os países da
América Latina, e a inversão do princípio da presunção de
inocência. Não se respeita, nesses casos de detenção
preventiva, o princípio da presunção de inocência. Há uma
série de considerações, sobre as quais me permitiria referir.
Quanto à Convenção nº 158 da OIT - Brasil, se as coisas que
tenho dito há anos, que tenho escrito para as paredes, tivessem
sido levadas a sério, não teria acontecido essa série de
desencontros em relação a esse assunto. Mas ninguém tem tempo
para pensar muito nisso. De acordo com o que tenho pensado há
anos, se se realmente entendesse, neste País, que os tratados
de direitos humanos são alçados constitucionalmente, a
Convenção não poderia ter sido denunciada sem violar a
Constituição.
Para que o controle da constitucionalidade pelo Supremo
Tribunal, ao tratar dos direitos humanos, se eles já são
matéria constitucional? O pior de tudo é que essa denúncia
foi efetuada sob as barbas do Supremo Tribunal Federal, antes de
ele ter se pronunciado em Pleno sobre a constitucionalidade ou
não da Convenção. É tão simples quanto isso.
Não há conhecimento da matéria, não há uma mentalidade
clara de que ela esteja em conformidade com o que se tenta fazer
no plano internacional. Isso já aconteceu antes, não foi a
primeira vez. Em 1971, foi a mesma coisa. Denunciaram a
Convenção nº 81 da OIT e, anos depois, rerratificaram-na,
tornando insubsistente a denúncia. Repito: não é a primeira
vez; aconteceu antes. Mas aqui não há mentalidade clara sobre
esse tema.
Por que razão um tratado internacional, para ser ratificado
pelo Executivo, necessita de prévia aprovação parlamentar, e
a denúncia não? A denúncia também deveria necessitar de
prévia aprovação parlamentar, uma coisa óbvia, em relação
ao equilíbrio de poderes em um Estado democrático.
Estamos cansados de todos esses desencontros. Isso já aconteceu
antes e acontece novamente. Vira uma confusão! Saem notícias
em jornais, não há clareza de raciocínio sobre o que seja um
tratado de direitos humanos incorporado,
"constitucionazado" - entre aspas. É matéria
constitucional. Como ele pode ser denunciado sem que a Corte
Suprema sequer considere sua constitucionalidade ou não, como
se isso fosse preciso?
A Jamaica acaba de denunciar o primeiro protocolo ao pacto de
direitos civis e políticos, porque houve contra ela 156 casos
de execução de pena de morte. O que o Comitê de Direitos
Humanos fez? Remitiu um comentário geral, dizendo o seguinte:
"Denúncia, só quando está prevista no tratado. Se não
estiver, há dois critérios em que ela seria permissível:
primeiro, se essa for a intenção das partes; segundo, se se
pode inferir da natureza do tratado que ele admite
denúncia."
Concluiu o Comitê de Direitos Humanos que não admite denúncia
o pacto de direitos civis e políticos. Essa é exatamente a
tese que tenho tentado sustentar por tantos anos. São tratados
especiais de caráter especial e, portanto, não se pode inferir
que a intenção das partes foi prever a possibilidade de
denúncia, ainda mais sem autorização do outro Poder do
Estado, que autorizou a ratificação.
Para concluir as outras observações sobre a introdução da
perspectiva de gênero nos instrumentos internacionais mais
recentes, uma das grandes conquistas do movimento das mulheres,
obtida por meio da convenção sobre a eliminação de todas as
formas de discriminação contra a mulher, foi precisamente
incluir em um instrumento internacional todas as categorias de
Direito. Somente as convenções de não-discriminação abarcam
em um mesmo instrumento todas as categorias de Direito.
Recentemente, quando com outro colega apresentava o Relatório
Anual do Conselho Permanente da OEA, em Washington, a
Embaixadora do Peru nos disse que iria propor, no
Cinqüentenário da Declaração Americana, uma mudança de
nome. .Em vez de Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem, ela passaria a chamar Declaração Americana dos
Direitos e Deveres da Pessoa. E falei: agregue aos Direitos da
Pessoa a palavra humana, senão também haverá problema. Essa
proposta já foi formulada na Conferência de Viena sobre
Direitos Humanos, de 1993, em que se queixou muito da expressão
francesa les droits de l'homme. O movimento de mulheres propôs
na Conferência Mundial de Direitos Humanos - recordo-me da
reunião das ONGs - que se mudasse também a declaração para
les droits de la pesonne humaine. Não se trata somente de
terminologia. O que acho mais importante são os mecanismos.
Neste momento, o movimento de mulheres trava uma luta enorme
para conseguir aprovação pelos Estados do primeiro protocolo
da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra a Mulher, para dotar essa convenção
também de um mecanismo de petições individuais. Não creio
que estejam sendo bem assessoradas, porque há muitas divisões
internas. Na última reunião do grupo de trabalho, não houve
consenso em relação a conceito de vítima, a condições de
admissibilidade das reclamações. Acho que essa seria uma forma
de se promover uma ação mais eficaz, no que diz respeito aos
instrumentos internacionais de proteção.
E quanto aos documentos finais das conferências do Cairo e de
Beijing, considero esses dois documentos os de maior êxito até
o momento, em relação ao ciclo de conferências mundiais nos
últimos anos, principalmente quanto a decisões concretas no
sentido de incorporar a dimensão do gênero em todos os
programas e atividades das Nações Unidas, o que já está
sendo feito pelo novo Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan.
A respeito da observação sobre agregar à mudança de
mentalidade o rompimento do círculo dos que louvam a violação
dos direitos humanos, estou totalmente de acordo. Creio ser
procedente. Referi-me à mudança de mentalidade enquanto
aplicação dos instrumentos jurídicos. Mas, certamente, há
que se agregar esse elemento e outros também, como por exemplo
a inércia, muitas vezes, do Poder Público em muitos países e
a falta de seguimento das decisões dos órgãos internacionais
de proteção.
Finalmente, quanto às ações de âmbito bilateral, isso
depende de cada caso. É de muita importância quando o problema
se dá entre dois países.Posso aqui mencionar como exemplo
episódio já superado há alguns anos. Trata-se do contencioso
que houve entre o Brasil e o Chile, sobre uma brasileira que
havia sido aprisionada e torturada. Isso aconteceu antes da
minha ida para a Corte Interamericana. Fui negociar com um
colega chileno a sua soltura. Eu, acompanhado pelo Cônsul
brasileiro em Santiago, visitei-a na prisão de Ringo. Passei
várias horas com ela. E conseguimos encontrar uma solução
jurídica para que ela saísse do Chile e voltasse para o
Brasil.
O mais interessante - nunca falei isso em público, mas agora
já posso falar, porque o caso já está resolvido - é que esse
é o segundo caso em que o Governo do Chile, depois do caso
Letelier , aplicou a designação de Ministro em visita - uma
figura especial da Corte de Apelaciones, em que se designa
Ministro especificamente para um caso.
O Chile nunca admitiu ter havido tortura. O tempo passou e foi
muito difícil encontrar provas materiais da prática de
tortura. Os agentes da Policia Civil de Investigaciones - não
os carabineiros - nunca foram punidos por tortura, mas ,sim, por
perjúrio, por não revelarem a verdade ao seu superior
hierárquico.
O que achei extraordinário nesse caso foi a grande cooperação
que houve no plano bilateral entre os dois Ministérios de
Relações Exteriores - o brasileiro e o chileno -, o que
dividiu o Chile. O Ministério do Interior reagiu negativamente
à Polícia Civil de Investigação.
Então, no caso Letelier e em outros as ações bilaterais
complementam, por assim dizer, o que se pode fazer no plano
multilateral. Mas somente aí.
Não creio em tese de ingerência. Sou fortemente contrário a
qualquer tipo de dever de intervenção, porque creio que todas
essas teses mirabolantes criadas pelos franceses, por interesse
do Quai d'Orsay francês, são intervencionistas e
inaceitáveis. Intervenção, dever de ingerência, isso não
existe. É ficção científica.
Sobre esse tipo de intervencionismo, por exemplo, no caso
mencionado, do Presidente Bill Clinton, creio que os Estados
Unidos fariam melhor se, em vez de formularem relatórios de
direitos humanos de outros países, ratificassem, eles
próprios, a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, os
pactos de direitos humanos das Nações Unidas (Palmas.), as
convenções sobre não-discriminação; se, enfim, olhassem as
violações dos direitos humanos dentro do seu próprio
território, antes de fazerem relatório sobre direitos humanos
em outros países.. Isso mina o nosso trabalho, tira a nossa
credibilidade.
Creio que o trabalho dos direitos humanos deve ser guiado não
por considerações de ordem política, como as que normalmente
ocorrem no relacionamento bilateral, mas por considerações de
ordem jurídica e humanitária. Por isso, sou fervoroso defensor
do multilateralismo, inspirado por considerações
humanitárias. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Bicudo) - Com a última
intervenção do Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade,
encerramos este painel. Antes, porém, agradeço ao Ministro
Marcos Antônio Diniz Brandão por ter acompanhado de perto as
atividades da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados com muita eficiência, com muita vontade de que nos
constituamos em um todo para a implementação da proteção aos
direitos humanos. Agradeço também ao Prof. Antônio Augusto
Cançado Trindade a participação. Sem dúvida, V.Sa. é hoje,
no Brasil - não o digo apenas porque estou na sua presença - a
maior autoridade no que diz respeito à teoria e à pratica dos
direitos humanos. Agradeço aos Drs. Romany Rolland e Márcio
Gontijo as contribuições que deram às atividades, e,
sobretudo, àqueles que nos acompanharam até este instante e
que revelaram não apenas paciência mas também grande
interesse naquilo que nos move a todos : a proteção dos
direitos da pessoa humana.
Passaremos, agora, à última fase das atividades de hoje, que
se constitui no lançamento de livros do Prof. Antônio Augusto
Cançado Trindade, de relatórios das atividades desta
Comissão, e da 2ª Conferência de Direitos Humanos, de um
livro que acabei de lançar sobre Direitos Humanos e sua
Proteção, e de um livro da Dra. Cecília Coimbra sobre a
Comissão de Direitos Humanos no Conselho Federal de Psicologia.
Esse evento também é promovido pela Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados. Logo em seguida, a Comissão
de Direitos Humanos oferecerá um coquetel, que espero esteja a
contento dos direitos de todos nós.
Muito obrigado. (Palmas.)
Está encerrada a reunião.
2º Painel: A Concretização do
Programa Nacional de Direitos Humanos e a Criação de Programas
Estaduais
14/05/98
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo
Trindade) - Declaro reabertos os trabalhos da presente
Conferência Nacional de Direitos Humanos, em que debateremos o
segundo painel: "A Concretização do Programa Nacional de
Direitos Humanos e a Criação de Programas Estaduais".
Inicialmente nos desculpamos pelo atraso no início desta etapa
da conferência, atraso esse que se deve às votações
relacionadas com a reforma da Previdência que ocorreram ontem
na Câmara dos Deputados e chegaram até as primeiras horas de
hoje.
Antes de chamar os convidados que farão parte da Mesa,
agradecemos mais uma vez às autoridades e às entidades aqui
representadas a participação nesta conferência.
Lembramos que hoje à tarde haverá os trabalhos dos grupos
temáticos, que serão realizados nos Plenários de nºs 9 a 13
do Anexo II da Câmara dos Deputados, localizados no andar
térreo. Se alguém tiver alguma dificuldade para chegar até
aos plenários, poderá valer-se da orientação da assessoria
da própria Comissão de Direitos Humanos.
Mesmo assim, esta Presidência faz questão de apresentar
algumas orientações acerca dos locais onde serão realizados
os trabalhos dos grupos temáticos. Os Plenários de nºs 9 a 13
estão identificados pelos grupos temáticos, que são os
seguintes: "Programa Nacional de Direitos Humanos";
"Formas de Articulação Visando à Criação de Programas
Estaduais de Direitos Humanos"; "O Poder Judiciário e
os Direitos Humanos"; "O Poder Legislativo e os
Direitos Humanos"; e "Normas Internacionais de
Direitos Humanos e Reconhecimento da Jurisdição das Cortes
Internacionais no Brasil".
Não é necessária a inscrição com antecedência para
participar dos grupos temáticos. O conferencista deve apenas
dirigir-se ao plenário onde será instalado o grupo de seu
interesse.
Os trabalhos dos grupos temáticos têm encerramento previsto
para às 19 horas, no máximo.
Cada grupo temático deverá eleger um relator para, na
plenária final, que será realizada amanhã, a partir das 9
horas, apresentar as conclusões do respectivo grupo. É também
na plenária de amanhã que serão apresentadas moções pelos
conferencistas.
O encerramento dos trabalhos amanhã está previsto para às 13
horas, segundo a programação, da qual V.Sas. têm
conhecimento.
Vamos iniciar então o nosso segundo painel:
"Concretização do Programa Nacional de Direitos Humanos e
a Criação de Programas Estaduais".
Convido, neste instante, com muita honra, para fazer parte da
Mesa, o Dr. José Gregori, Secretário Nacional de Direitos
Humanos. (Palmas.) Convido o Reverendo Romeu Omar Klich,
Secretário-Executivo do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
(Palmas.) Convido o Deputado Mario Mamede, presidente da
Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do
Ceará e representante do Fórum das Comissões Legislativas de
Direitos Humanos. (Palmas.) Convido o Dr. Belisário dos Santos
Junior, Secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo.
(Palmas.) Convido o Prof. Paulo Sérgio Pinheiro, Coordenador do
Núcleo de Estudos da Violência da USP. (Palmas.)
Também convido os debatedores, Dra. Maria do Perpétuo Socorro
Prado, Coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de
Manaus (Palmas.); o Deputado Nilmário Miranda, ex-Presidente da
Comissão de Direitos Humanos (Palmas.); e o Dr. Carlos
Fernandes, Presidente da Associação Brasileira de Anistiados
Políticos. (Palmas.)
Agradeço aos nossos expositores e debatedores a presença.
Naturalmente as participações dos mesmos contribuirão de
maneira significativa e eficaz para o sucesso deste segundo
painel.
Iniciando este período de exposições, concedo a palavra ao
Dr. José Gregori, Secretário Nacional de Direitos Humanos.
(Palmas.)
O SR. JOSÉ GREGORI - Companheiros de Mesa, minhas amigas, meus
amigos, serei muito breve, eis que minha principal missão hoje
é ouvir atentamente todas as observações que serão feitas.
Todas elas, a meu ver, serão construtivas, embora críticas.
A finalidade de uma conferência como esta não é aplaudir
irrestritamente o que o Governo tem feito. Mas já deu para
sentir, desde ontem, que ninguém é capaz de praticar o
sectarismo tão estreito de não reconhecer que o Governo
Federal, nesses últimos dois anos, vem-se empenhando para criar
uma política pública de direitos humanos.
Digo, com o coração na mão, que esse esforço é realmente
muito grande, sério e continuado. Mas é claro que se trata de
um esforço que se desenvolve num País ainda chumbado, numa
situação global de desrespeito muito grande aos direitos
humanos, por razões algumas delas seculares.
Portanto, há toda uma situação difícil e complexa que tem de
ser mudada, por intermédio deste esforço que fazemos para
criar uma política de direitos humanos. Não é fácil, porque,
em primeiro lugar, como sempre acontece no Brasil, o
Constituinte de 1988 passou do 8 para o 800, depois de 20 anos
de autoritarismo, deixando o Governo Federal completamente
desamparado de medidas concretas que o habilitem a cobrar dos
Estados o respeito aos direitos humanos e sobretudo medidas
concretas.
Em segundo lugar, ainda há, em todo o Brasil, uma enorme falta
de conhecimento dos direitos humanos. E o pior é que ao lado
desse desconhecimento do que seja direitos humanos ainda existem
setores fortes e com grande penetração na mídia que passam a
noção de que os direitos humanos são um instrumento em
benefício daqueles que transgridem as leis, que transgridem o
Código Penal, ou, para usar a linguagem que eles usam, é um
direito que só interessa aos bandidos. Com isso, a
incompreensão que existe acerca dos direitos humanos é muito
grande, até nos setores populares, que a rigor constituem nossa
opção preferencial dessa política em prol dos direitos
humanos.
Por isso, temos como prioridade, neste momento, estudar
campanhas que massifiquem o conceito de direitos humanos, que
passem cada vez para mais pessoas a idéia dos direitos humanos
e a importância de cada um pautar seu cotidiano pelos valores
básicos dos direitos humanos.
Nossa segunda prioridade é ativar uma medida legal que enviamos
há um ano para o Congresso e que está tendo uma tramitação
lenta, a qual temos de acelerar. Refiro-me à criação do
delito contra os direitos humanos. Segundo pareceres do
Procurador-Geral da República e do Conselho de Defesa dos
Direitos Humanos, qualquer crime, em razão de sua gravidade ou
repercussão, pode ser considerado delito contra os direitos
humanos e imediatamente passa a ser de competência da Justiça
Federal.
Portanto, se já existisse uma lei como essa, os acontecimentos
de Corumbiara, Carajás e Carandiru, sem dúvida alguma, que
têm todas as características de delitos contra os direitos
humanos, passariam a ser de competência da Justiça Federal,
assim que o Procurador-Geral da República ou o Conselho de
Defesa dos Direitos Humanos, que funciona no Ministério da
Justiça, os considerassem crimes contra os direitos humanos.
Hoje V.Exas. estariam aqui na minha frente me cobrando por que,
embora tenha decorrido mais de dois anos da maioria dessas
tragédias, apesar dos processos terem andado - sem dúvida
alguma; nenhum desses processos ficou ou está parado -, até
hoje não houve uma resposta da Justiça.
Acho que poderíamos tomar como resolução desta conferência -
e eu seria extremamente grato por isso - a decisão de cerrar
fileiras para cobrar do Congresso a aprovação dessa emenda
constitucional que modifica a competência para o julgamento dos
delitos contra os direitos humanos, transferindo-a para a
Justiça Federal.
Quero dizer também que nessa linha de incentivar e irradiar o
conceito de direitos humanos, começamos, nos últimos trinta
dias, uma experiência - desculpem a imodéstia -
extraordinária. Se Deus nos ajudar, se tivermos juízo e
persistência, uma experiência como esta pode mudar o Brasil.
Estou-me referindo ao Serviço Civil Voluntário.
Começamos, no Rio de Janeiro e aqui no Distrito Federal, uma
experiência de pegar jovens que são dispensados do Serviço
Militar aos 18 anos e abrindo essa possibilidade também para as
mulheres. Num programa de nove meses, esses jovens terão
conhecimentos de cidadania, direitos humanos, qualificação
profissional, principalmente na área de informática. Aqueles
que tiverem interrompido o 1º grau voltarão a cursá-lo, e,
depois de três meses de aulas teóricas, passarão a trabalhar
em campanhas e atividades comunitárias. Depois dos nove meses,
eles recebem o título de Agentes de Cidadania.
Sem dúvida alguma, o atual sistema é um grande desperdício.
Como vocês sabem, 1 milhão de jovens devem alistar-se para o
serviço militar. No ano seguinte, esses jovens que se alistaram
deverão comparecer para verificar se vão ou não prestar o
serviço militar. São aproveitados apenas 10% desse 1 milhão,
quer dizer, 100 mil prestam o serviço militar e 900 mil voltam
para casa. A esses jovens que tiveram o trabalho de fazer o
alistamento e de, no ano seguinte, comparecerem para verificar
se vão ou não servir, ninguém lhes entrega um papelzinho, nem
a letra do hino nacional; quer dizer, é um enorme desperdício
esses jovens, numa idade tão rica de possibilidades, voltarem
para casa simplesmente com as mãos abanando.
A idéia foi aproveitar esses jovens e dar a eles esse serviço
voluntário de cidadania. Nós começamos essa experiência há
um mês no Rio de Janeiro. Neste momento em que estamos
reunidos, há 3 mil e 500 jovens, sendo 2 mil na cidade
maravilhosa e 1 mil e 500 no interior do Estado do Rio de
Janeiro. Aqui, em Brasília, 1 mil e 600 jovens, mais ou menos
60% do sexo masculino e 40% do sexo feminino, estão trabalhando
com as suas camisetas. Em Brasília eles usam uma camiseta azul
e no Rio de Janeiro, uma camiseta branca. Esse programa está
sendo feito, no Rio de Janeiro, em conexão com entidades
não-governamentais. Mais de 140 entidades governamentais se
credenciaram e foram aprovadas para receber cada uma delas 25 a
30 jovens; e é lá que eles recebem as aulas do seu curriculum.
Se essa experiência der certo - daqui a nove meses ela será
rigorosamente avaliada -, esperamos poder, no próximo ano,
estendê-la a vários outros Estados.
Evidentemente, esses jovens vão ser transmissores de idéias de
direitos humanos. Esse programa não tem a menor finalidade
político-eleitoral. Basta dizer que no Rio de Janeiro eu fiz o
programa com um Governador do PSDB e aqui, em Brasília, eu fiz
com um Governador do PT. Tem sido assim nessa implantação da
política de direitos humanos no Brasil.
V.Exas. podem fazer todas as críticas, menos uma: que eu tenha
instrumentado ou aparelhado essa política para servir a
propósitos partidários ou eleitorais. Eu deposito uma grande
esperança nesse programa, porque ele vai servir, sem dúvida
alguma, para diminuir esse abismo que ainda existe entre
direitos humanos e a coletividade brasileira.
A grande novidade que eu tinha para passar a V.Exas., em
matéria da implementação do Programa Nacional de Direitos
Humanos, é esse serviço civil voluntário. No mais, quero
reafirmar, com todo o vigor, o meu empenho de acelerar e
intensificar os esforços para a criação dessa política de
direitos humanos. Em segundo lugar, quero dizer, mais uma vez,
como tenho dito desde o primeiro momento em que aceitei a
incumbência do Presidente da República de implantar essa
política no Brasil, que ela só se fará se houver realmente
uma parceria entre Governo e não-Governo, entre Governos e a
sociedade civil, de preferência a sociedade civil organizada em
organizações não-governamentais.
Vários Estados já estão colaborando e hoje são parceiros
siameses dessa política. Sem cometer a injustiça dos
esquecimentos, também não quero cometer a injustiça de deixar
de registrar o esforço que o Estado de São Paulo fez de ser o
primeiro Estado a organizar o seu Programa Estadual de Direitos
Humanos. Trata-se de um elenco de medidas concretas que também
estão sendo implementadas.
Quero fazer um apelo no sentido de que mais Estados sigam o
exemplo de São Paulo e preparem os seus programas estaduais de
direitos humanos.
Tendo em vista a comemoração dos 50 anos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, mandei uma correspondência para
todos os Prefeitos do Brasil dizendo que estávamos comemorando
os 50 anos da Declaração dos Direitos Humanos - boa parte dos
Prefeitos nunca tinha posto os olhos nela - explicando o quanto
isso era importante para o Brasil e pedi a cada um deles que
até o dia 10 de dezembro deste ano inaugurasse ou desse o nome
de direitos humanos a uma creche, a uma rua, a um coreto, ou a
qualquer coisa, ou seja, que em todos os 6 mil Municípios
brasileiros houvesse alguma referência aos direitos humanos.
Nos primeiros 30 dias, não recebi resposta alguma, quase tive
vontade de tomar arsênico com serragem. Mas agora começaram a
chegar as respostas. Dos 6 mil, 100 já responderam; alguns até
já fizeram a inauguração e mandaram a fotografia. Vamos fazer
um concurso para premiar a melhor obra com o nome de direitos
humanos. Em Goiânia, por exemplo, na semana retrasada, fui
inaugurar um monumento que transcreve, em bronze, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos na porta do fórum. É uma beleza
todos os juízes, promotores e advogados entrarem no fórum
sabendo que existe a Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Eu acho que temos de fazer uma grande cobrança junto a
esses Prefeitos para que um plano como esse dê certo.
Encerro as minhas palavras, mais uma vez, dizendo que as portas
da Secretaria Nacional de Direitos Humanos estão abertas a toda
colaboração construtiva e, sem dúvida alguma, no próximo
ano, se for o caso, estaremos aqui, nesta mesa, ou nesta
platéia, dando continuidade a esse esforço da Câmara dos
Deputados, com quem tenho me identificado em todas as campanhas,
em todos os trabalhos. Acho indispensável essa parceria entre
Executivo e Legislativo.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo
Trindade) - Muito obrigado ao Dr. José Gregori, Secretário
Nacional de Direitos Humanos, pela brilhante explanação.
De parte do Congresso Nacional, informo aos presentes que existe
um compromisso da Comissão de Direitos Humanos - aliás, esse
compromisso foi ratificado por ocasião da última reunião do
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, reunião esta
que o Dr. José Gregori presidiu - de que a Comissão de
Direitos Humanos, com todos os seus integrantes, tenha uma
audiência com o Sr. Presidente da República, na qual estaremos
fazendo gestão para que o Executivo se empenhe no sentido de
que tenhamos prioridades nos projetos que são de autoria do
Executivo e que tratam, por exemplo, da federalização dos
crimes contra os direitos humanos e da proteção a vítimas e
testemunhas. Esses dois projetos estão no Congresso Nacional,
mas, infelizmente, ainda não receberam a prioridade
necessária, por isso, ainda não tiveram a tramitação devida.
No entanto, todos os membros da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados estão imbuídos no mesmo espírito, que
é tentar junto ao Presidente da República essa prioridade.
V.Sas. devem saber perfeitamente que os projetos nesta Casa só
andam se o Governo tiver participação no sentido do
entendimento político. A Comissão está com essa
responsabilidade. Estamos aguardando tão somente a data para
essa audiência em que todos os componentes da Comissão
levarão, pessoalmente, esse apelo ao Presidente da República.
Dando seqüência ao segundo painel, concedo a palavra ao Prof.
Paulo Sérgio Pinheiro, Coordenador do Núcleo de Estudos da
Violência da USP.
O SR. PAULO SÉRGIO PINHEIRO - Bom dia. Em primeiro lugar, quero
saudar essa conferência, que é um acontecimento
extraordinário.
Quero saudar, também, a Comissão de Direitos Humanos, o
Deputado Eraldo Trindade e toda a sua equipe, o Deputado Pedro
Wilson e os colaboradores por esse magnífico trabalho. Esse
pequeno grupo dá um extraordinário testemunho de uma
realização eminentemente suprapartidária. Penso que a
conferência dá essa demonstração de que é possível, num
largo espectro de opiniões e de partidos políticos, continuar
a luta pelos direitos humanos.
Eu também deveria ter saudado todos os companheiros de Mesa.
Fico muito contente por ter sido convidado. Vou tentar ser o
mais breve possível. Quero simplesmente comentar alguns
apontamentos sobre o programa e ter o cuidado de não repetir o
que disse há um ano.
Vou comentar rapidamente vários apontamentos. Penso que a
primeira coisa que temos de relembrar - e de alguma forma eu
anunciava isso -, é que a luta pelos direitos humanos, em
qualquer sociedade, é um processo extremamente contraditório;
evidentemente, sem vocação partidária.
O Dr. José Gregori dizia, antes da queda do muro, que ele não
estava aparelhando a política de direitos humanos. É evidente
que isso seria absolutamente inaceitável. Qualquer que seja o
Governo democrático e as sociedades civis respectivas, têm
responsabilidades compartilhadas, e essa parceria é fundada em
princípios rígidos e irrenunciáveis.
Gosto muito de um militante argentino que dirige o Centro de
Estudos Legais Sociais. Ele diz que somos basicamente
"principistas" e não há por quê renunciar a isso.
Já estamos mais convencidos de que o Programa Nacional de
Direitos Humanos não é nenhuma porção ou varinha mágica que
vai, em uma sociedade extremamente desigual, com uma das piores
distribuições de renda do mundo, hierarquizada, racista, em
que as instituições fundamentais de controle do Estado de
Direito funcionam precariamente, de repente, fazer com que os
direitos humanos sejam respeitados pelo mero enunciar do
Programa Nacional de Direitos Humanos.
Devemos sempre lembrar que não há política sem contradição;
não há processo sem avanço e sem recuo; e não há luta pelos
direitos humanos sem conflitos, obstáculos e resistência.
Negar essa realidade, a meu ver, é recusar a própria luta.
Penso que na luta pelos direitos humanos há uma metáfora da
viagem e do navegante que não tem porto final. A luta pela
democracia e pela política é uma luta sem porto final. Penso
que essa metáfora também serve para os direitos humanos.
Com essas observações, gostaria de fazer três perguntas.
Primeira, quais foram o impacto e os significados do PNDH? Qual
a diferença da existência do programa no Brasil? O programa é
um ponto de partida para a reforma do Estado e a
democratização da sociedade brasileira?
Nessa série de apontamentos, queria registrar algo que ocorreu
bem no começo deste ano. Aliás, a própria Secretaria Nacional
de Direitos Humanos, desde 1985, esperava que os governos
criassem algo nesse sentido. Penso que devemos registrar isso
como algo extremamente positivo; não se trata de fazer
homenagens aqui ao nosso companheiro e amigo José Gregori.
Penso que os Secretários estão em um lugar muito interessante.
Eu estava procurando, hoje de manhã, várias palavras. Eu ia
falar nó, talvez elo, talvez lugar da confluência da sociedade
civil e o Governo. O Subsecretário de Estado dos Estados
Unidos, que assume mais ou menos o posto de Secretário Nacional
de Direitos Humanos americano, é alguém que vem diretamente da
sociedade civil e que faz relatórios bastante devastadores
sobre a situação dos direitos humanos nos Estados Unidos. Ele
demonstrou como sendo um elo que vive essa contradição.
Evidentemente que se trata de um funcionário de governo que
está condenado a fazer parceria com a sociedade civil, não há
outro jeito. E a sociedade civil tem de se aproveitar, tem de se
valer dessa parceria, de uma forma crítica, contraditória e,
às vezes, com alguns desencontros.
Eu só citaria um exemplo, que não é a maior realização. Eu
estava fora do Brasil nessa período e li nos jornais e nas
revistas sobre a questão da aplicação da pena de reclusão e
dos benefícios da pena dos seqüestradores canadenses. No
Brasil viu-se um delírio de xenofobia e de complexo de
inferioridade em relação a potências estrangeiras, potência
como o Canadá. A impressão que eu tive é de que a Secretaria
estava cometendo um crime de lesa majestade contra os presos. Na
realidade, deveríamos encarar essa questão com grande
claridade. As forças progressistas em vários desses países
apelavam para várias organização no Brasil no sentido de que
algo fosse feito em relação a esses desastrados que cometeram
o seqüestro com sentido de timing perfeito, do tempo
maravilhoso. Aliás, eles escolheram um dia formidável para
fazer aquele memorável seqüestro.
Parece-me que a Secretaria investe desde a questão dos
desaparecidos até em outras questões espinhosas que não vou
declarar, até esse problema extremamente controvertido, que, na
realidade, é o cumprimento de acordos que o Brasil realizou.
Também foi, modestamente, uma oportunidade para tomada de
consciência da necessidade de uma política de benefício da
pena estendida a toda a população carcerária. Em vez de serem
privilegiados, não houve a transparência em relação ao
enorme problema que acontece no Brasil: os benefícios da pena
não estão sendo concedidos à maioria esmagadora dos presos
brasileiros.
Eu disse ao Dr. José Gregori que iria dizer isso. Penso que é
importante essa história. Vários setores da mídia tiveram uma
reação xenófoba, chauvinista e absolutamente despreocupada
com o cumprimento da lei no que diz respeito às penas no
Brasil.
O que o programa já dizia aqui outra vez, é que se trata de um
quadro de referência para concretização das garantias do
estado de direito e para a ação em parceria do Estado com a
sociedade civil de um quadro de referência móvel. Isso ficou
claro na primeira conferência. Não se trata de um programa
engessado. Alguns grupos sociais não se acharam suficientemente
tratados no programa. Eles têm de ser incluídos. Cito um
exemplo: nós recebemos uma delegação de ciganos do Brasil. O
programa não tratou suficientemente desse exemplo. Cito só um
exemplo, que parece um pouco extemporâneo para o Brasil, mas
que nós devíamos ter contemplados. Trata-se de um sem-número
de questões que devem ser contempladas.
Também penso que é importante superarmos a questão que o
programa não tratou dos direitos sociais, econômicos e
culturais. Quando eu debato isso fora do Brasil, eu digo:
gostaria de saber qual a democracia que até hoje fez um
programa de direitos humanos econômicos, sociais e culturais.
Eu não conheço. Talvez alguém da conferência possa me
apontar.
A sociedade civil, o que tem de fazer? A sociedade civil tem de
aproveitar o fato de que houve esse compromisso do Governo de
implantar uma política oficial de direitos humanos. Isso faz
uma enorme diferença e é básico para que os movimentos
sociais possam organizar-se. É evidente que as garantias
básicas do cidadão devem estar em plena vigência.
Qual a diferença que ocorre em relação ao passado? Justamente
porque se trata de uma política oficial de Governo é que o
Governo Federal não dá sustentação, como ocorreu durante o
regime autoritário, ou se omite, como na democracia pré-64. O
Governo não se omite diante das violações dos direitos
humanos.
Temos vários exemplos. Eu vou citar só dois pequenos exemplos.
Primeiro, é preciso levar em conta qual a tensão básica da
realização dos direitos humanos no Brasil. Não vou nomear
nenhum Estado. Há Estados e há personalidades dentro de
Governos que não são tão pró-ativos, mas estão fazendo
trabalhos formidáveis. Esse é o grande milagre brasileiro. Em
qualquer Estado, sempre há alguém dentro do Governo, além da
sociedade civil, evidentemente, tentando fazer uma política
pró-ativa em direitos humanos.
Cito só um exemplo. O Deputado Eraldo Trindade lembrava aqui a
questão do CDDPH - Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana. O CDDPH não tem, stricto sensu, competência para
convocar Governador, Procurador-Geral do Estado, Presidentes de
Tribunais de Justiça. Desde o início deste Governo, essas
personalidades comparecem ao CDDPH. Na última reunião, tivemos
a emocionante visita do Presidente do Tribunal de Justiça do
Acre, que veio denunciar, juntamente com o Subprocurador da
República, os esquadrões da morte, que estão, impunemente,
atuando no Estado do Acre. O Sr. Desembargador apresentou
documentos e mostrou o esforço que ele está fazendo com a
Procuradoria-Geral da República para coibir esses abusos.
Quanto aos programas estaduais, por enquanto, temos de falar no
singular: o Programa Estadual de Direitos Humanos de São Paulo
foi um extraordinário processo de mobilização. Não se trata
de um programa da Secretaria. Durante todo o Governo, houve
fóruns de cidadania, um sem-número de encontros que resultaram
no Programa Estadual. Parece-me que outros Estados estão a
caminho disso. Aliás, é ótimo que outros Estados tenham esses
quadros de referência.
Na área internacional, vai acontecer algo que vários de nós
esperamos - o Secretário Belisário dos Santos Júnior faz
tempo que espera: uma solução amistosa no que diz respeito ao
42º DP. Alguns companheiros jornalistas não entenderam bem que
o Governo não quer ser condenado. Nenhum Governo gosta de ser
condenado. A solução amistosa vai ser um enorme progresso em
relação ao horror, à asfixia dos 18 presos do 42º DP. O
Estado brasileiro reconhece que o Governo passado cometeu uma
grave violação de direitos humanos e, além de reconhecer,
indeniza as vítimas sem esperar o processo judicial e toma
algumas medidas contra funcionários policiais. Está para
acontecer em relação à barbárie do massacre do Carandiru.
Hoje, vou ser bem claro, ele está aqui. Não se trata do
representante do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos
Humanos - Deputado Hélio Bicudo; trata-se do membro brasileiro
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Mas quem foi
que contou com o apoio da sociedade civil e do Governo
brasileiro? Quem mais independente poderíamos ter na Comissão
Interamericana de Direito Humanos que o Deputado Hélio Bicudo?
É até um pouco de ousadia governamental colocar o Deputado
Hélio Bicudo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Mas me parece que isso é um sinal de que esse engajamento em
relação à política de direitos humanos é algo para valer.
Do alto da minha responsabilidade, digo que é inexorável que o
Brasil vá reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana.
Não vai dar outra, isso vai ter de acontecer. É importante que
o Governo Federal não assuma isso sozinho. É preciso que o
Congresso Nacional e outros Poderes no Brasil também se
mobilizem para apoiar o reconhecimento da jurisdição da Corte
Interamericana. Tenho a firme convicção de que isso é um
processo inexorável. O Brasil, brevemente, irá reconhecer a
jurisdição da Corte Interamericana. Não há como escapar
desse destino.
É preciso também não menosprezarmos o que foi realizado este
ano: a tipificação do crime de tortura. Havia sete ou oito
projetos na Câmara dos Deputados. Foi ótimo que isso tenha
sido aprovado três dias depois do caso da favela naval. Foi
aprovado porque apareceu cena de tortura. Ótimo por um lado,
mas péssimo para a violação de direitos humanos. Foi muito
bom o Congresso Nacional ter-se mobilizado e aprovado esse
projeto. A criminalização do porte ilegal de arma também foi
algo extremamente positivo. Espero que a Comissão de Direitos
Humanos, juntamente com o Senador Élcio Álvares, que estava na
nossa Comissão do CDDPH, enfim, que o Congresso Nacional
termine a transferência da competência das Polícias Militares
para a Justiça Civil. Todos os massacres estão sendo
pronunciados, graças à transferência. Os culpados estão
sendo pronunciados graças a essa transferência da
competência. É preciso que o Congresso Nacional aprove a
proposta que veio na esteira da proposta do Deputado Hélio
Bicudo, do Ministro Nelson Jobim, e acabe definitivamente com
essa excrescência brasileira, restaurando, como em qualquer
democracia que se preze, a competência do Judiciário e do
Civil.
O Deputado também lembrou algo que vai resolver melhor essa
tensão entre Governo Federal e Governo Estadual: a definição
de um tipo de crime federal de direitos humanos. Esse é um bom
projeto, porque não vai fazer aquilo que juízes,
desembargadores e advogados adoram, que é o conflito de
competência. Não vai acontecer isso, porque vai ser
simplesmente uma declaração de interesse do Ministério
Público Federal por algumas graves violações de direitos
humanos.
O Dr. José Gregori e o Deputado lembraram isso. Penso que isso
vai fazer alguma diferença. Quais são as perspectivas? São de
continuarmos sendo otimistas na ação e pessimistas em
relação ao horizonte. Os resultados dessa conferência vão
ser uma extraordinária contribuição para o aprimoramento e
para que o processo continue mais ágil.
Finalmente, queria dizer que me parece que o programa e o
núcleo de implementação deverá ser mais dinamizado e é onde
o Movimento Nacional dos Direitos Humanos tem uma cadeira. O
Núcleo de Fiscalização e Implementação do Programa está
começando a preparar o relatório nacional dos direitos
humanos, que a Secretaria Nacional de Direitos Humanos deverá
publicar no dia 10 de dezembro.
Esse relatório está sendo feito em cima do que estamos
chamando de pontos focais, em cada Estado, com os Governadores,
o Ministério Público e entidades da sociedade civil. Cada
Estado vai ter o seu relatório, baseado num questionário
básico que a Secretaria elaborou. Acho que esse relatório vai
ser uma contribuição de transparência.
Ele não será diferente dos outros relatórios, do ótimo
relatório da Comissão Interamericana, que acabou de ser
publicado, do relatório da anistia ou do relatório da Human
Rights Watch. Não vai ser uma outra visão, mas simplesmente
uma afirmação definida de transparência, no âmbito dessa
Secretaria, que está nessa esquisita confluência da sociedade
civil e do Governo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eraldo
Trindade) - A Organização da III Conferência Nacional de
Direitos Humanos agradece ao Professor Paulo Sérgio Pinheiro a
honrosa presença e registra a importância de suas palavras
neste evento.
Seguindo a programação, passamos a palavra agora ao Sr.
Secretário Executivo do Movimento Nacional de Direitos Humanos,
o Reverendo Romeu Olmar Klich.
O SR. ROMEU OLMAR KLICH - Sr. Presidente, senhores membros da
Mesa, senhoras e senhores conferencistas, é inegável e
indiscutível a relevância que o Programa Nacional de Direitos
Humanos tem para a sociedade brasileira. Digo isso porque ele
traz em si a potencialidade, ou é capaz de constituir-se em um
instrumento para a sociedade brasileira apto a implementar
mudanças qualitativas e quantitativas no tratamento dos
direitos humanos no Brasil, apesar das suas limitações. É bom
que se diga que, ao priorizar os direitos civis e políticos,
como faz, ele, de alguma forma, não respeita, ou quebra a
universalidade, a indivisibilidade e a interdisciplinariedade
dos direitos humanos.
No entanto, gostaria de servir-me de um pressuposto que vincule
a realidade concreta das pessoas, seu cotidiano, e aquilo que o
próprio programa e as declarações prevêem e procuram de
alguma forma garantir, ou seja, aquilo que aparece de forma
descritiva no discurso, na letra, no papel e na vida.
Por que faço isso? Porque o Movimento Nacional de Direitos
Humanos, através das suas quase trezentas entidades presentes
em todos os Estados da Federação, se defronta diariamente com
o cotidiano concreto da vida dos cidadãos, ao ser procurado, ao
abordar, ao procurar ter algum tipo de intervenção nas
questões de violação de direitos humanos.
Todos sabemos que nossa cabeça está onde pisam nossos pés. E
é nessa perspectiva que eu gostaria de traçar algumas
considerações sobre a concretização do Programa Nacional de
Direitos Humanos e a criação dos programas estaduais.
Ao fazer isso, lembro - alguns de vocês já me ouviram falar,
pois tenho sempre como propósito fazer referência a esse caso
- da menina chamada Mariângela, uma mistura talvez de Maria e
de anjo, de 14 anos de idade, prostituta, mãe aos 12 anos, que
perambula ainda hoje pelas ruas de Foz do Iguaçu, de onde
viemos.
No ano passado, tivemos contato com essa menina. Vi que nela
está personificado o extremo da violação dos direitos
humanos, porque além de criança é uma mulher; além de
mulher, é negra; e além de negra, é prostituta. Ao conversar
com essa menina, ao ouvir dela suas perspectivas para o futuro,
sobre o que queria para si, a única coisa que nos respondia era
nada, perspectiva nenhuma.
É nesse momento que nos questionamos: de que adianta tanto
empenho? De que adianta uma Declaração Universal dos Direitos
Humanos, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem,
uma Constituição, que de alguma forma contempla tudo isso? Uma
legislação que também procura garantir esses direitos? De que
adianta um Programa Nacional de Direitos Humanos? E todos nós
sabemos da distância que existe entre aquilo que ele prevê e a
realidade concreta que cada um de nós vivemos. Ele é muito
conhecido por nós e pelo Ministério da Justiça, mas o povo
não conhece; não só o povo, mas Governadores e Parlamentares
não o conhecem.
Penso que é fundamental a divulgação ampla do Programa
Nacional de Direitos Humanos, para, então, a partir daí,
podermos garantir os seus desdobramentos e aquilo que ele mesmo
prevê.
Além disso, somos levados a nos questionar sobre as
responsabilidades de concretização desse programa. De quem é
a responsabilidade das proposituras que contém? Fazem-se
necessários mecanismos responsáveis para executar as ações
que prevê, para ultrapassar esse caráter discursivo e se
tornar uma realidade concreta na nossa vida. São necessários
também recursos humanos.
E não é só isso. Nós do Movimento entendemos a real
necessidade de sua vinculação ao Orçamento. Como implementar
aquilo que está previsto sem recursos financeiros? Como
instituir um programa desse tipo nos Estados e Municípios?
Porque é lá, nos Estados e Municípios, que acontece a
violação e que deveria acontecer a garantia dos direitos
humanos.
Então, é necessário e fundamental que ele saia do papel e que
se constitua uma realidade concreta em nosso cotidiano.
Esse programa deve ter também a sensibilidade, como já está
de alguma forma dito, de convocar para uma parceria os Estados e
Municípios, porque a vida acontece em cerca de cinco mil
Municípios do nosso País, nos 26 Estados. Há esse nível
local, concreto da realidade. Daí a necessidade de uma parceria
nesse sentido.
No entanto, é preciso fazer o que precisa ser feito, todos nós
sabemos. Agora, esse fazer acontece quando se faz junto, quando,
a exemplo do Estado de São Paulo, se elaboram programas
estaduais. Isso já é garantia de desdobramento dele mesmo.
Além disso, nos programas de direitos humanos é fundamental
incluir, definir questões concretas dos problemas com que nos
defrontamos no nosso cotidiano, sobretudo neste momento do
cinqüentenário das declarações, quando inúmeras reflexões
são feitas, inúmeras propostas surgem, em todos os lugares do
nosso País e pelo mundo afora, no decorrer deste ano
comemorativo. A atual conjuntura indica o quanto estamos longe
daquilo que declaramos e almejamos.
A par de todas essas cartas declaratórias, de todos esses
desejos, de todas essas intenções formuladas, elaboradas e
manifestadas nos tratados, nos acordos e convenções, a par de
toda a legislação vigente em nosso País, garantindo e
assegurando, de alguma forma, os direitos dos cidadãos, a
realidade das violações se sobrepõe: direitos individuais e
sobretudo direitos coletivos são violados. As doenças, as
epidemias, a fome, o desemprego e a ignorância constituem,
então, um desafio para todos nós.
Mas o que ocorre é que se, por um lado, temos talvez uma das
legislações mais avançadas, que garante o respeito aos
direitos humanos, por outro lado, perguntamo-nos: por que não
se concretiza o que ali está previsto? Por que há essa
distância entre aquilo que se apresenta e a realidade concreta?
De que forma isso pode ser superado? De que forma essas
distâncias podem ser encurtadas? É que os dias atuais exigem
muito mais do que declarações, intenções e manifestações.
A maior crítica, talvez, que se pode fazer ao Programa Nacional
de Direitos Humanos é justamente essa desvinculação que
acontece entre o cotidiano concreto em que vivem as pessoas, o
Plano Plurianual e o Orçamento Público, propriamente dito. O
atendimento aos direitos humanos não pode mais prescindir
dessas questões. Ninguém, em sã consciência, pode ater-se a
intenções, a manifestações, ainda mais no momento em que os
direitos sociais, culturais e econômicos exigem uma atenção
especial de todos nós.
Portanto, gostaríamos de atuar em prol dos direitos humanos.
Mas não temos condições, não temos dinheiro. É
inconcebível num momento como esse! (Palmas.) Quantas vezes os
criminosos, os violadores de direitos humanos ficaram impunes
porque nós e sobretudo quem tem a maior responsabilidade nisso
tudo omitimo-nos ante à imediata atuação contra esses
violadores de direitos.
Portanto, pretendemos concretamente que haja previsão para a
concretização de cada item previsto no programa em todos os
seus níveis. Para tanto, o Movimento Nacional de Direitos
Humanos faz a seguinte proposta: que as entidades promotoras e
participantes desta conferência constituam uma comissão que
trabalhe nesse sentido e façam principalmente a vinculação do
Programa ao Orçamento da União a partir de agora.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - A Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e os demais
organizadores desta convenção agradecem ao Reverendo Romeu
Olmar Klich, Secretário Executivo do Movimento Nacional dos
Direitos Humanos, a presença e participação nesta reunião.
Voltando à programação, concedo a palavra ao Sr. Deputado
Mário Mamede, Representante do Fórum das Comissões
Legislativas de Direitos Humanos e presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Ceará.
O SR. MARIO MAMEDE - Bom dia a todos! Peço a todos os ilustres
companheiros que compõem esta Mesa que permitam que eu me
dirija à Drª. Maria do Perpétuo Socorro Prado, figura
minoritária nesta Mesa do ponto de vista do gênero, para
saudá-la em nome de todos nós que viabilizamos a III
Conferência Nacional dos Direitos Humanos. (Palmas.)
Quero, inicialmente, apontar o fato central que move a todos
nós neste e em todos os momentos na luta pelos direitos
humanos: nossas apreciações e críticas são feitas aqui com o
intuito de contribuir efetivamente com a luta pelos direitos
humanos, que não pode ser de poucos, de uma vanguarda, mas de
muitos, de todos, de um povo e de uma nação. As críticas são
feitas de maneira muito honesta e sincera por parte de todos.
Portanto, não poderia aqui de maneira alguma, em nenhum fórum,
ser abordada a visão maniqueísta, como acontece, em alguns
momentos, em alguns fóruns menores, onde há pouca compreensão
da importância universal dessa luta: posições contra e a
favor do Governo; um lado bom e um lado mau em disputa. Em
absoluto.
Portanto, desejo abordar algumas questões a partir de ontem,
quando deixei esta Casa depois de assistir a formidáveis
palestras de pessoas ilustres.
Ao chegar no hotel, talvez pelos efeitos da viagem e de uma
noite mal dormida, procurei fazer uma retrospectiva de tudo
aquilo que tinha ouvido e aprendido e engrandecido todos nós.
Mas também desejei relaxar um pouco, porque foram dois dias
exaustivos de agenda e liguei a televisão na tentativa de
assistir a alguma programação agradável, um momento de lazer,
de entretenimento, de descontração. Apareceu-me um canal, não
sei exatamente qual, que transmitia o programa da Márcia,
retratando nacionalmente, através dos meios que a moderna
tecnologia oferece e que o satélite permite, dramas sociais,
como, por exemplo, o de um casal cuja relação era muito
conflitante: existia uma amante, uma filha desprotegida, de um
lado, uma filha abandonada, de outro; uma situação de guerra
em que as pessoas estavam sendo publicamente execradas,
diminuídas, humilhadas, com todos os seus direitos negados. Era
um programa televisivo em que a platéia, como nos tempos dos
cristãos que eram jogados aos leões, se deliciava, aplaudia de
pé e ficava contra ou a favor daquele personagem. A
apresentadora Márcia manipulava toda aquela tragédia humana.
Senti-me agredido com aquela situação e rapidamente mudei de
canal. Caí no Ratinho, a que nunca tinha visto. Meu Deus! Minha
primeira reação foi de desligar a televisão. Perguntei-me:
onde estou? Em que país e em que cidade estou? A que Estado
nacional pertenço? Qual é a sociedade da qual faço parte? Mas
deixei correr um pouco. A situação realmente é muito feia.
Aquele é um retrato da nossa sociedade, do nosso Estado, das
nossas relações, dos nossos preconceitos, das nossas
discriminações. É o retrato de uma sociedade que foi
construída por uma elite que teima e continua teimando em
confundir privilégios com direitos.
Perguntei-me: onde está o projeto que trata do controle social
dos meios de comunicação, que, em absoluto, não é censura?
Todos os países modernos e democráticos têm alguma forma de
controle social. Não está tramitando no Congresso Nacional,
certamente por efeitos de lobbies poderosos. Onde estão os
importantes projetos que elaboramos ao longo de tanto tempo,
desde a Conferência de Viena, por exemplo, pelo menos naquilo
que minha vista e ação política alcançam? Por que eles não
estão tramitando efetivamente no Congresso Nacional?
Então, comecei a repensar em tudo aquilo que havia, de algum
modo, tentado esquematizar para, merecendo a confiança da
Comissão Nacional de Direitos Humanos e dos meus pares, poder
fazer minimamente uma avaliação da situação estadual sobre a
implementação dos Programas Estaduais de Direitos Humanos,
obedecendo a um programa nacional.
Em primeiro lugar, devo dizer que é formidável, para mim,
sermos o terceiro país do mundo a obedecer à orientação do
Encontro de Viena e formular nosso Programa Nacional de Direitos
Humanos. É admirável que o Governo Federal tenha abordado esse
aspecto da luta pelos direitos humanos na sua totalidade como
discurso oficial. É muito bom termos na Secretaria Nacional de
Direitos Humanos nosso querido José Gregori. Acho tudo isso
positivo, como também algumas iniciativas que o Governo tem
tomado no sentido de procurar modificar esse dramático quadro
de exclusão social em que estamos vivendo.
Mas, por outro lado, tenho de dizer obrigatoriamente que há
muitas críticas com relação à política de Governo quando,
por vários mecanismos, aumenta a exclusão social: nega
direitos e as pessoas são levadas ao desemprego.
Há pouco tempo, dizia ao Prof. Paulo Sérgio Pinheiro que isso
é uma discussão ideológica, permanente e inevitavelmente
tensa, sobre a qual devemos debruçar-nos com muito cuidado.
A primeira questão fundamental, a meu ver, é que não
conseguimos modificar nosso quadro de organização social,
política e econômica. Somos uma sociedade concentradora de
renda, de riqueza e de acumulação de poder. E as elites
brasileiras não querem efetivamente mudar esse quadro, pelo
menos até a data de hoje e a virada do milênio. Parece-me que
não há prenúncio quanto à modificação de uma organização
social mais justa, humana, fraterna e solidária. Parece haver
teimosia de um segmento da sociedade em manter esse modelo de
exclusão social.
A outra questão é a seguinte: no que diz respeito aos direitos
humanos e outros aspectos da vida nacional e social, não fomos
capazes ainda de estabelecer um projeto nacional para acabar com
a fome, um consórcio entre Estado e sociedade para combater
efetivamente a miséria, com políticas largas, abrangentes;
não fomos capazes de enfrentar debates sobre a questão
prisional, com a profundidade e premência que hoje essa
situação exige de nós; não fomos capazes, enquanto sociedade
e Estado, de estabelecer uma bandeira nacional, um projeto
estratégico de curto prazo para combater a chaga do
analfabetismo; não fomos capazes, até o momento, de
estabelecer a questão dos direitos humanos como uma bandeira e
projeto nacional, como prioridade nº 1 de governo, dentro das
quais outras se colocarão naturalmente, dada a abrangência e
largueza desse leque dessa expressão chamada direitos humanos.
Mas em toda e qualquer análise que se faça sobre os direitos
humanos, o principal é o direito inarredável à vida.
Penso que, ao longo de uma discussão séria e necessária,
podemos buscar a formulação desse pacto Estado e sociedade.
Mas antes da formulação desse pacto, é preciso que o Governo
defina o nível de prioridade que está dando aos direitos
humanos.
Sabemos que não é fácil repensar o modelo social, o modelo de
organização política e enfrentar toda a questão da
reorganização do grande capital internacional. Sabemos de tudo
isso. Mas é preciso que o Governo Federal e, por
conseqüência, os estaduais nos digam claramente o nível de
prioridade que querem estabelecer para a luta pelos direitos
humanos, qual é sua face quanto aos direitos humanos, de
maneira clara e transparente.
Dito isso, algumas questões saltam com muita visibilidade.
Primeiro, será que a Secretaria de Direitos Humanos, com todo
respeito que temos demonstrado, e merecidamente, ao Dr. José
Gregori, não deveria ser uma secretaria de maior porte na
estrutura organizacional do Governo? Não deveria ela ficar
vinculada diretamente ao Gabinete do Sr. Presidente e não em
uma situação de vinculação hierarquicamente colocada abaixo
do Ministro da Justiça? Essa não é uma crítica ao Ministro
da Justiça, digo isso apenas porque, por questão cultural, ao
longo de anos, a Secretaria de Justiça e, por conseqüência, o
Ministério da Justiça são vistos pela sociedade muito mais
como órgãos tomadores de conta de presos. Elas se atrofiaram
ao longo dos anos.
Quando se fala em Secretaria de Justiça no Estado do Ceará
significa dizer que o Secretário irá cuidar dos presos. Os
agentes políticos, a imprensa e a sociedade não conseguem ver
uma função além dessa. Portanto, essa questão tem todo um
estigma que, ao meu modo de ver, tem que ser revertido,
privilegiando-se os direitos humanos, para se colocar a
secretaria num patamar de maior grandeza, pela importância e
desafios que são apresentados à Secretaria, ao Governo, à
sociedade, ao Dr. José Gregori. (Palmas.)
Outra coisa que também me salta à vista nesta discussão, do
ponto de vista da implementação estadual, é o fato de que se
o Governo tem como prioridade, se tem capacidade de chamar a
sociedade para discutir - e fomos capazes de aceitar o desafio,
colocando-nos como parceiros sinceros, realizamos conferências
estaduais, várias atividades regionais, na pessoa do Dr. Paulo
Sérgio Pinheiro, que mereceu a confiança do Estado e da
sociedade para conduzir esse trabalho com muita habilidade e
competência -, se o Governo agora tem um Programa Nacional de
Direitos Humanos, que está completando dois anos, precisa ser o
grande animador da implementação estadual. Essa questão está
ficando muito na mão de uma vanguarda, de alguns abnegados, de
poucos sonhadores e dos Parlamentares que ocupam, na sua grande
maioria, esse espectro da chamada oposição política ao
Governo. As ações das Comissões de Direitos Humanos terminam
perpassando, em âmbito estadual, como ações da oposição ao
Governo e não da luta pela cidadania. (Palmas.)
Portanto, as derrotas parlamentares nessa área são
freqüentes; as derrotas dos Parlamentares envolvidos nessa
luta, que procuram implementar esse Programa Nacional de
Direitos Humanos nos Estados, terminam sendo lutas muito
difíceis, quase sempre derrotadas dentro do Parlamento.
Será que é só no Parlamento ou deverá ficar somente na
alçada dos movimentos de igreja, de militantes, no Movimento
Nacional de Direitos Humanos a tentativa de se implementarem os
programas estaduais? Não seria necessário o Governo Federal
descer aos Estados, através de agentes políticos, para animar
essa implementação em âmbito dos Estados, chamando, por
exemplo - a meu modo de ver, um organismo fundamental na
implementação -, o Ministério Público? Qual a outra
instituição que se adequaria mais, até para cumprir os
preceitos constitucionais, que seria mais formidável para
animar, implementar, chamando a sociedade para discutir, a
imprensa, outros agentes políticos, para implementar, nos
Estados, os Programas Estaduais de Direitos Humanos?
Parece-me que o Ministério Público ainda não compreendeu isso
na sua totalidade, ainda não tem dimensão da envergadura
daquilo que a Constituição Federal lhe garante, não tem
dimensão ainda da importância do plano estadual de Direitos
Humanos, até porque, quando se conversa, se percebe que muitos
agentes do Ministério Público não têm conhecimento do
Programa na sua totalidade.
Outro ponto interessante se refere aos aspectos relativos a
falta de compromisso do Governo ou uma certa falta de vontade
política em cumprir aquilo que a Constituição Federal já
garante, já obriga, já determina e que é inarredável para a
cidadania, absolutamente inarredável. (Palmas.)
Quais são os Estados representados neste plenário que têm
efetivamente funcionando, com estrutura adequada, sua Defensoria
Pública? (Palmas) Quais são os Estados? (Pausa.) Quatro ou
cinco Estados foram citados. Dentro da Federação, não
constituem a maioria.
No Estado do Ceará, lutamos com muita dificuldade. Somos 184
Municípios e em 130 não há defensores públicos. No nosso
presídio maior, chamado PPS, palco de vários atos dramáticos,
só temos dois defensores públicos para atender a população
de 800 presos. E o Governo estadual diz que não tem dinheiro
para implementar defensoria pública porque custa muito caro.
Portanto, questiono a prioridade do Estado em relação a
algumas questões de direitos humanos, alguns aspectos.
Desses vários componentes, temos a desarticulação política:
falta animação política; falta a presença do Governo
Federal, através de seus agentes animadores nos Estados; falta
uma articulação com outras instituições, como, por exemplo,
citei aqui - devo demonstrar meu profundo e mais elevado
respeito ao Ministério Público -, do porte, da importância do
Ministério Público para implementar estadualmente; falta uma
relação política do Poder Executivo com o Poder Legislativo,
para não ficar essa luta entre oposição e a situação
governamental; falta trazer a sociedade ao debate.
Então, há esse desinteresse, essa desarticulação, esse
descompromisso de que falei; em alguns aspectos, não podem ser
adjetivados de outra maneira, nem esse certo descompasso, uma
vez que ficamos navegando no mar de tempestade, de intempéries,
de adversidade, de incompreensões às vezes.
Ainda assim observam-se situações paradoxais, e quero apontar
algumas, porque seria impossível acompanhar a tarefa analisando
a situação de cada Estado, o tempo não me permitiria nem a
elaboração nem a exposição, mas há uma luta nacional pela
autonomia dos órgãos periciais.
A sociedade, em grande parte, compreende que os órgãos
periciais, Instituto Médico Legal, Instituto de Criminalística
e Identificação não podem ficar subordinados à esfera
policial, porque não são órgãos policiais, são órgãos
técnico-científicos. O modelo perpassou toda a ditadura
militar na América Latina e não deve continuar na sociedade
democrática.
Temos essa compreensão, até porque isso está contemplado no
Plano Nacional de Direitos Humanos, que diz, quanto a esse
aspecto, que é preciso fortalecer Institutos Médicos Legais e
de Criminalística, adotando medidas que assegurem sua
excelência técnica e progressiva autonomia, articulando-os com
universidade, com vistas a aumentar a absorção de tecnologias.
Devo dizer, de passagem, de maneira respeitosa, que esta
proposta não é exatamente aquela que queriam importantes
segmentos e representantes que participaram da formulação do
programa. Foi um meio termo entre o tencionamento feito pela
sociedade e a proposta que o Governo pôde acatar.
Nossa proposta era de autonomia plena dos órgãos periciais nos
seus aspectos técnicos, administrativos e financeiros.
(Palmas.) Nossa proposta era essa, mas foi impossível e
entendemos esse processo dialético.
Agora, em São Paulo, o Governo Mário Covas, do mesmo partido
do Governo Federal, deu um passo interessante que considero
formidável: criou uma Superintendência Técnica Científica
englobando os três órgãos periciais e lhes dando maior
autonomia, caráter mais científico, transformando-a em
Superintendência de Polícia Científica. Acho que é um passo
formidável, que devo elogiar.
No Estado do Ceará, onde há uma luta de oito anos por essa
questão, consoante com os ideais do Plano, o Governador do
Estado agora mandou mensagem para a assembléia e, apesar dos
inúmeros clamores, apelos, debates na imprensa, tentativa de
articulação com a bancada, através das várias comissões, o
projeto está passando de maneira vitoriosa, está subordinado
ao delegado de política, voltou à concepção de dez anos
atrás.
São governantes do mesmo partido do Sr. Presidente: no Ceará,
Tasso Jereissati, em São Paulo, Mário Covas, mas com posturas
completamente dissociadas, divergentes e conflitantes em
relação àquilo que emana, orienta, direciona, aconselha o
Plano Nacional de Direitos Humanos.
Vejam o seguinte: em Minas Gerais, por exemplo, a informação
pode ser confirmada, desde novembro o Conselho Estadual de
Direitos Humanos indicou a figura do ouvidor do organismo
policial - desde novembro. O Governador, do mesmo partido do
Presidente, que deveria ter uma consonância também com os
anseios do Plano Nacional de Direitos Humanos, não acata a
indicação do Conselho Estadual de Direitos Humanos, não
ratifica e não procede à nomeação do ouvidor do organismo
policial, que tem a confiança da sociedade civil.
No Ceará, não temos Ouvidoria da Polícia Civil nem da
Polícia Militar e temos um Conselho Estadual de Direitos
Humanos com formação muito interessante: ele nasce não com
identidade própria, mas a partir da criação da
Ouvidoria-Geral do Estado, para atender às preocupações e aos
interesses do Estado, dentro da qual fica vinculada à estrutura
do Conselho Estadual de Direitos Humanos.
Mas há um vício de origem, no meu modo de entender: a pessoa
que preside o Conselho Estadual de Direitos Humanos só pode ser
a Ouvidora-Geral do Estado, ninguém mais. Nenhum dos
conselheiros é digno da mesma confiança, só ela, pois é um
cargo de livre exoneração, portanto, de livre nomeação. No
momento em que houver qualquer situação de confronto entre
autoridade do Estado e aquele que tenciona o conselho,
logicamente esse cargo será de confiança do Governador, logo
de livre exoneração.
Essas questões têm que ser analisadas, e poderíamos talvez
nos estender um pouco no debate para mostrar que não fomos
capazes, por exemplo, de avançar em nada do ponto de vista da
organização policial do Estado brasileiro, uma questão
formidável na luta pelos direitos humanos. Do ponto de vista
global, nacional, os avanços são absolutamente
insignificantes; não se conseguiu modificar a estrutura das
organizações policiais, que continua com uma concepção
militarizada, autoritária e, muitas vezes, antipovo. (Palmas.)
Não conseguimos sair do discurso superficial e insuficiente de
tentar fazer alguma crítica à organização e concepção do
Poder Judiciário brasileiro, mantendo-nos no discurso
insuficiente de que é preciso exercer-se controle externo sobre
a atividade administrativa dos senhores juízes. Não é
suficiente, precisa se reformular. O Poder Judiciário
brasileiro está muito distante da cidadania, está muitas vezes
dissociado das necessidades do cotidiano do povo, preocupando-se
muito mais com a questão patrimonial e a manutenção do status
quo.
Vejo essas questões pilares com preocupação. Estamos tratando
da periferia do problema, debatendo com os Estados com
dificuldades e limitações; os Estados, embora dos mesmos
partidos políticos que deveriam seguir as diretrizes do
Programa Nacional de Direitos Humanos, não conseguem
estabelecer uma política única ou um projeto único. Podemos
observar que as lutas avançam, que a tensão é maior ou menor
e que as conquistas são mais ou menos importantes de acordo com
a capacidade política, com a capacidade de enfrentamento e,
muitas vezes, em situação de risco dos agentes locais, que
continuam sendo a vanguarda.
Efetivamente, no meu modo de ver, não houve empenho pela
implementação do Programa Estadual dos Direitos Humanos na
maioria dos Estados brasileiros.
Obrigado. Desculpe-me por alongar muito a minha fala. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Cumprimentamos o Deputado Mario Mamede por sua
brilhante participação nesta conferência.
Passamos a palavra ao Secretário de Justiça e Cidadania de
São Paulo, Dr. Belisário dos Santos Júnior.
O SR. BELISÁRIO DOS SANTOS JÚNIOR - Sr. Presidente,
caríssimos amigos, queria fazer uma nota de rodapé inicial,
já que o Sr. Paulo Sérgio Pinheiro, que costuma fazê-la, não
fez nenhuma. Farei a primeira.
Achei fundamental contar para os senhores uma experiência
ocorrida na FEBEM, penúltimo lugar onde estivemos antes do
anúncio do Programa Estadual de Direitos Humanos. Antes da
Conferência realizada em São Paulo, há um ano, na realidade,
participamos também de uma miniconferência na FEBEM. Um desses
garotos filósofos, que costumam habitar a FEBEM e que costumam
ser segregados pela sociedade - e ao final da miniconferência
as crianças não discutiram nada sobre a situação delas, mas
discutiram, como se fossem Deputados e membros de organizações
de direitos humanos, questões gerais do Programa Estadual de
Direitos Humanos -, disse o seguinte: "Gostei muito dessa
falação. Mas gostaria de dizer a vocês o seguinte: há alguns
anos isso teria sido impossível." Era muita emoção que
estava surgindo ali. Não prestamos atenção àquela fala.
Mas queria dizer, caríssimos José Gregori e Paulo Sérgio
Pinheiro, caríssimos Deputados Eraldo Trindade, Pedro Wilson,
Nilmário Miranda, Hélio Bicudo, que hoje, ao se completar um
aniversário significativo, com todo esse esforço,
independentemente de cada meta que tenha sido atingida, houve
mobilização. Hoje queremos passar do discurso à prática. Mas
como foi difícil chegar ao discurso, como foi difícil inserir
os direitos humanos no discurso!
Os senhores vão lembrar que há um tempo havia os chamados
direitos fundamentais - vamos denominá-los assim, por que se
denominá-los direitos humanos, vai trazer uma carga...! E
mercê desse trabalho, caro José Gregori, caro Paulo Sérgio
Pinheiro, acho que esse trabalho começou a incorporar o
discurso. E do discurso à prática é questão de, às vezes,
forçar, de trazer a dimensão cotidiana, a dimensão concreta
dos direitos humanos, fazer com que as pessoas entendam que a
implementação dos direitos humanos não é uma coisa teórica.
Ela vai mudar no dia seguinte, ela vai mudar a dimensão
cotidiana das pessoas. E daí vamos conseguir uma verdadeira
revolução. A pessoa vai poder associar voto com mudança de
condição de vida e, portanto, vai parar de votar em discurso e
passará a votar em coerência de vida, votar em princípios,
votar em coisas concretas que foram ligadas por princípios.
Assim, amarro a segunda nota de rodapé, que é a história dos
princípios.
Portanto, realizar as metas do Programa Nacional e do Programa
Estadual de São Paulo é importante. Mas é importante saber
como vamos realizá-las.
Quando o Governo do Estado de São Paulo desejava realizar o seu
Programa Estadual, alguns companheiros faziam terrorismo,
dizendo que iriam fazer um programa mais rápido que o de
vocês. E eu respondia sempre que não estávamos muito
preocupados em ser o primeiro. Até, de certa forma, estou
constrangido de ser o primeiro, porque há outros lugares que
estão fazendo ações em cima do próprio Programa Nacional.
São Paulo não está preocupado em ser o primeiro ou o segundo.
Estávamos preocupados em seguir quatro vertentes principais.
Primeiro, a nova concepção de direitos humanos. Quer dizer,
aquela concepção que se fortalece em Viena, que diz que os
direitos civis não se dissociam dos direitos sociais e que os
direitos são universais.
A vertente da Municipalização trata de levar esse programa
para o lugar onde será necessária a sua implantação. Se
esses Programas Nacional e Estaduais não chegarem ao
Município, falhamos.
Em terceiro lugar, a participação. Fazer um programa só de
Governo é muito difícil. Mas é muito menos complicado do que
fazer um programa com a sociedade; é muito menos complicado do
que fazer um programa com a Igreja; e muito menos complicado do
que fazer um programa com a universidade.
Então, tentar essa dimensão, espalhando o programa no interior
do Governo, talvez seja a característica do programa de São
Paulo. As pessoas que mais falam em direitos humanos são as que
estão vinculadas à área policial militar. Há pessoas falando
em direitos humanos na Secretaria da Fazenda - olha que
conquista, Sr. Presidente! Falar de programas de qualidade, com
essa vertente de direitos humanos!
A quarta vertente, a quarta ótica, o quarto princípio é fazer
tudo isso com a comunidade, através de programas concretos,
resolvendo violações concretas, superando problemas concretos.
Assim, realmente, chegaremos a bons termos concretos, porque se
chegarmos a portos concretos e seguros, diremos que valeu a pena
esse esforço.
Estou vendo lutadores aqui. Lembraria, então, algumas coisas
que chegaram a portos importantes. Na Superintendência da
Polícia Técnica e Científica, vejo lutadores importantes, que
até agora fazem sinal de vitória, pela forma como isso foi
construído. Isso não é um ato de Governo. Não nos trancamos
no gabinete para fazermos o que é bom. Não é isso. Isso era
um clamor. É importante que isso tenha sido discutido. Não era
tudo o que eles queriam. Mas eles se mobilizaram de uma forma
diferente da que faziam normalmente. Eles se mobilizaram na
Conferência Estadual de Direitos Humanos; ou seja, depois de um
ponto consensual das 300 entidades presentes e das 600 que
participaram do conjunto, eles trouxeram um ponto no programa
estadual, que, depois, o Governo teve de cumprir, porque era um
consenso.
Lembro-me da indenização às vítimas de violações
gravíssimas aos direitos humanos, que é o Estado dando
conseqüência ao que ele fala. O Estado diz para respeitarmos
os direitos humanos, mas, às vezes, o seu próprio agente não
o faz. O Estado então vai defender-se em juízo, dizendo que
aquela violação não foi bem assim, que aquela pessoa não
provou tal coisa e temos a dimensão.
O Programa Estadual está fazendo um ano. Ele está exatamente
no seu 10º mês e deverá divulgar todas as iniciativas de
Governo que estarão cumprindo esses 303 pontos consensuais.
Alguns pontos não terão sido cumpridos. Uma das dimensões que
a Comissão Intermitente dos Direitos Humanos captou bem no seu
relatório é a contradição existente entre o Governo Federal,
Estadual, Municipais, entre setores do Governo, entre a
sociedade e o Estado. Há resistências. Por vezes, o
alinhamento pela defesa dos direitos humanos não se passa por
partido, não se passa por bancadas de Governo. Ele é meio
torto, é costurado de uma forma que o pessoal de uma bancada de
Oposição soma com parte da Situação. Parte do Governo é de
um lado, parte do Governo não adotou aquela retórica.
Enfim, essa é uma postura absolutamente difícil. Os programas
que foram implementados, primeiramente visam a facilitar a queda
de muros entre o Estado e a sociedade, mas também entre os
Poderes, inclusive no Poder Executivo.
Ainda tenho dois minutos. Farei uma rápida referência a
programas existentes e farei uma proposta final.
Como conseqüência desses princípios, é importante que os
Programas Estaduais, Municipais sejam criados ou o cumprimento
direto do Programa Nacional, que está ocorrendo em todos os
Municípios.
Caro José Gregori, chegamos a um Município e o cidadão vem,
cheio de orgulho, com um papel, dizendo que imprimiu o Programa
Estadual. Não, às vezes, imprimiu o Programa Nacional de
Direitos Humanos, que está circulando ali. É o que importa.
Mas quando realizamos esse Programa de Direitos Humanos, o que
se tem em mente é devolver ao Estado a finalidade de fazer o
bem comum.
Portanto, assim como o Programa de Integração da Cidadania,
há outros programas em que resolvemos situações concretas. E
eles cumprem todos os outros princípios que enumerava assim.
Esse exemplo do Programa de Integração da Cidadania, Centro de
Integração e a Jornada de Cidadania visam exatamente a isso.
Tem-se por base o Poder Judiciário, que tem uma forma clássica
de agir e solucionar conflitos, e o inserimos de forma diferente
na comunidade, direto na periferia. O Ministério Público de
São Paulo tem teses consagradas em conferências nacionais
sobre o Programa de Integração de Cidadania, e o inserimos de
uma forma também diferente. O Estado cumpre a sua função
tradicional de dar documento, de requalificar profissionalmente.
Só que faz tudo isso no centro de integração, tratando com a
comunidade, que ajuda na administração, estabelecendo uma
sinergia especial com todos esses órgãos.
Dos centros físicos de Integração de Cidadania surgiram os
conceitos de jornada e cidadania, ou seja, a periferia não
atendida por esses centros participa deles através de jornadas.
Esse projeto tem por objetivo levar documentação à
população. Mas se faz muito mais do que isso. Discute-se sobre
política comunitária, sobre entorpecentes, sobre a proteção
dos consumidores e o sobre o compromisso de se estabelecer um
núcleo de direitos humanos acima dos partidos, acima das brigas
comunitárias .
Estamos notando que em cada programa de São Paulo não são só
os bons resultados na superação de algumas violações, mas a
forma que isso está sendo feito, ou seja, o Poder Judiciário
une-se ao Poder Executivo; o Ministério Público participa. A
comunidade discute formas de solução alternativa para combater
conflitos diretamente na comunidade. Diminui-se a distância
entre o Estado e a sociedade e, portanto, diminui-se seguramente
os espaços de violência.
Poderia seguir citando alguns programas que deram muito certo em
São Paulo. O ombudsman da Polícia, em que alguém extremamente
qualificado, mas fora do marco partidário oficial do Governo,
está instalado lá, critica a polícia e sugere providências
concretas para melhorar a situação policial. Poderia falar
sobre a formação de agentes de cidadania, poderia falar sobre
medidas que a USP e outras universidades vão adotar ainda no
curso deste ano, seja em comemoração dos dois
cinqüentenários, seja na própria programação das suas
atividades normais. Mas gostaria de encerrar a minha
participação dizendo uma coisa fundamental.
Acho que poderíamos fazer uma discussão, ainda este ano, sobre
a possibilidade concreta da implementação de programas
estaduais ou municipais. Não sei se se faria isso no Estado de
São Paulo, não tenho nenhuma veleidade por São Paulo. Se for
o caso de termos de convocar, junto com a Assembléia
Legislativa, o Núcleo de Estudos da Violência, para fazermos a
II Conferência Estadual de Direitos Humanos, para discutirmos o
programa estadual. O Movimento Nacional de Direitos Humanos
está convidado para participar disso. Não sei se esse é o
espaço. Se vai ser lá ou em outro lugar. Só acho que a par de
ver as conseqüências dos resultados do programa nacional,
temos de começar a falar das organizações que cuidam de
programas: como são feitos os programas locais, programas
regionais, programas estaduais. Temos de nos preocupar
expressamente com isso, convocando todos os setores que
participaram de todas as outras experiências.
Discutir programas estaduais e programas municipais significa
estabelecer pontos de consenso, significa levar para dentro de
uma câmara de negociação situações, casos e fatos. Se não
fizermos isso, teremos de discutir judicialmente, em torno de
regras clássicas impostas por uma forma jurídica de pensar,
que privilegia o sistema, em detrimento do problema que ele
deveria solucionar.
Mais do que a obtenção de resultados, essas câmaras, que são
os Programas Nacional, Estaduais e Municipais, são instâncias
de reflexão, instâncias de negociação e instâncias de
consenso.
Nisso talvez esteja a virtude principal. O resto são resultados
que seguramente serão obtidos.
Repito o que disse no começo: se tivesse o poder de trazer
aquele garoto da FEBEM aqui, ele diria: "Olha, isso daqui
seguramente é um grande avanço". Não notamos porque
todos que eu estou vendo aqui são uns lutadores de direitos
humanos.
Às vezes, falamos: "Puxa, as mesmas caras!". Pegando
a fotografia do ano passado e comparando-a com uma fotografia da
presente reunião, quase 90% das pessoas seriam as mesmas. Mas o
momento é diferente e o garoto da FEBEM captou bem isso. Nós
conseguimos tirar esta história toda do discurso. Não há mais
vergonha de se falar em direitos humanos, não há mais vergonha
de se falar em direito à segurança, não há mais vergonha de
se discutir direitos humanos.
Hoje, dizemos: "Estou aqui, sim, pelo direito à vida, e
daí?"; "estou aqui, sim, para combater o fim da
impunidade"; "é isso mesmo, estou aqui em nome dos
direitos humanos".
Hoje, não temos vergonha de falar isso - se é que algum dia
tivemos - mas outras pessoas estão se somando a esse discurso.
Está na hora de passarmos para a prática, de incorporarmos às
políticas de Governo esse discurso. Isto seguramente será
alcançado à medida que estabelecermos pontos e patamares, que
são na realidade os programas municipais, estaduais, regionais,
seja lá o que for, ou a própria implantação direta do
Programa Nacional. Eu convido, portanto, todos a essa reflexão.
São Paulo teve de avançar. Cometemos erros grandes, obtivemos
acertos importantes, levamos para dentro de todas as Secretarias
de Estado essa discussão; ou seja, cada um desses 303 pontos
está sendo objeto de discussão, ou de tentativa de colocação
no Orçamento, ou de alguma providência que dê resultados no
futuro, mas, de qualquer forma, estabelecemos coisas de ordem
prática, questionários, formulários, programas de computador,
enfim, caminhamos.
Assim, mais do que nossos acertos, queríamos disponibilizar
nossos erros, para que eles não sejam cometidos por quem tiver
a veleidade de estabelecer essa instância de negociação.
Dirijo-me mais aos movimentos do que ao próprio Governo, porque
estamos na fase periódica dos mandatos e, portanto, não sei se
os governos estaduais ou municipais terão interesse nisso. Mas
seguramente as organizações não-governamentais terão
interesse em saber como é que elas cobram dos governos essas
providências.
Então, eu faço um convite para que possamos fazer, ainda este
ano, um grande debate, sob o patrocínio da Secretaria Nacional
de Direitos Humanos, com a participação, seguramente, de todos
aqueles que cometeram grandes acertos e muitos erros em São
Paulo, a fim de que possamos descobrir um caminho pelo qual esse
discurso se fortaleça e surja uma prática para que possamos
alcançar - é o que queremos - uma sociedade livre, justa e
solidária.
Muito obrigado. (Palmas.)
DEBATES
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Agradecemos ao Secretário de Estado de Justiça e
Cidadania de São Paulo, Sr. Belisário dos Santos Júnior, e
registramos o brilho de sua participação.
Passamos agora à fase de debates. Nesta fase, concedemos, de
início, a palavra a Dra. Maria do Perpétuo Socorro Prado,
Coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Manaus.
A SRA. MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO PRADO - Bom dia a todos. Todos
os expositores fizeram considerações muito sérias,
comprometendo-se com a causa dos direitos humanos. Estamos aqui
na III Conferência de Direitos Humanos, mas temos de dizer que
os direitos humanos passam por uma situação de classe e de
interesses de grupos. Então, quando estamos aqui discutindo com
a sociedade civil a implementação do Programa Nacional de
Direitos Humanos do Governo Federal, nós, do Movimento Nacional
de Direitos Humanos, em Manaus - onde se cogitava, um ano
atrás, a realização de um debate com o tema "Um ano de
esquecimento do Programa de Direitos Humanos em Manaus" -,
podemos dizer que hoje são dois anos de esquecimento deste
mesmo programa no Estado do Amazonas. (Palmas.) Infelizmente,
esta não é só a realidade do Amazonas, mas é também,
sabemos disso, a realidade da maioria dos Estados do País.
Há o empenho de trabalharmos em parceria, Governo e sociedade
civil. Nós, inclusive, estimulamos alguns encontros desse tipo
no final de 1996 para discutirmos essa realidade com as
instituições do Estado. Queríamos estimular, já que fazemos
parte de uma organização não-governamental, essa discussão
com o Estado.
Em 1997, ano passado, o Movimento Nacional de Direitos Humanos
realizou, em parceria com o Ministério da Justiça, oito
conferências nas oito regionais do movimento, onde discutimos e
trabalhamos também o Programa Nacional de Direitos Humanos. E
ao ouvir todos os que trabalharam e contribuíram para a
implementação desse programa, nós nos perguntamos várias
coisas. Por exemplo: como implementar tal programa em um Estado
onde há omissão do Governador de Estado, ou seja, do próprio
Executivo e das instituições que deveriam atuar na área de
Direitos Humanos, onde há Secretário de Segurança e
Secretário de Justiça e Cidadania? Mas alguém disse que o
Secretário de Cidadania está preocupando-se com os presos, e o
Secretário de Segurança está fazendo papel de xerife, indo
aos bairros também fazer o papel de policial. Mas tudo isso
acontece sem que eles se preocupem com a questão da política
pública, da segurança do Estado e da cidadania.
Não generalizamos, porque contamos com pessoas, nessas
instituições, que têm boa vontade, mas elas também não têm
como levar a cabo isso. Eu falo do Estado do Amazonas e do
Estado do Acre, da qual sou Conselheira do Regional Norte 1, que
engloba Estados como o Amazonas, Acre e Rondônia.
Pois bem, em Manaus, a maior Capital da regional, encontramos
muita dificuldade para atuar. Há muito desrespeito ao programa.
Há, também, desconhecimento quando se fala dele. Também
questionamos a questão de como massificar direitos humanos,
quando temos esses programas - que já foram levantados aqui,
por exemplo, do Ratinho e da Márcia - que criam uma
contracultura de direitos humanos. Como a Secretaria Nacional de
Direitos Humanos, como o Ministério da Justiça podem
massificar direitos humanos? De que forma? Perguntamos. E nas
escolas? Não se poderia já criar uma disciplina de direitos
humanos? (Palmas.) Isso já seria um passo.
Enfim, há coisas que haveria condições de encaminhar, mas
encontramos barreiras para encaminhá-las. Vivemos em um País
onde há chacinas, há esquadrões da morte e envolvimento de
policiais nessas chacinas e nesses esquadrões da morte. Apesar
de tudo isso, as testemunhas não recebem proteção. Sabemos
que existe, através do Movimento Nacional de Direitos Humanos,
em alguns Estados, esse programa de proteção às testemunhas -
em cinco Estados. No nosso ainda não temos; por isso, ainda há
um clima de impunidade muito grande no nosso Estado e as
organizações de direitos humanos sentem-se tímidas.
Trabalhamos, desde a Presidência do Dr. Hélio Bicudo na
Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, na
tentativa de tirar o Secretário de Segurança do Estado do
Amazonas de seu posto, pois ele atua de forma arbitrária,
contra os direitos humanos. Tivemos inclusive a ação da
Secretaria Nacional de Direitos Humanos nesse sentido. Mas o que
se fazer quando um Governador do Estado mantém firmemente
aquela pessoa, que continua ameaçando a população? O que se
fazer quando o Programa Nacional de Direitos Humanos diz que os
policiais envolvidos em crimes de violação de Direitos Humanos
não podem mais estar trabalhando, mas eles continuam
trabalhando e são chamados a atuar quando já estão até
afastados? O que fazer diante de tanta violência, quando os
meios de comunicação contribuem para isso e o Congresso
dificulta a regulamentação de leis que venham a dar
condições básicas de direitos à população?
Então, vemos que a raiz do problema está muito mais além do
que imaginamos. Temos de trabalhar com a população mesmo, não
é só divulgar documentos, mas é trabalhar de forma mais
popular. É isso que os movimentos de direitos humanos já vêm
fazendo, mas eles são formiguinhas, pequenas coisas diante de
um mundo de violação de direitos humanos.
Eu acho que era isso que eu queria dizer. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - A Mesa agradece a participação à Dra. Maria do
Perpétuo Socorro Prado, Coordenadora do Centro de Defesa dos
Direitos Humanos de Manaus, e registra a contribuição de sua
participação como debatedora.
Prosseguindo com a programação, tenho o prazer de oferecer a
palavra agora ao Deputado Nilmário Miranda, que, dentre outras
coisas, foi Presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados, que está promovendo este evento.
(Palmas.)
O SR. DEPUTADO NILMÁRIO MIRANDA - Bom dia a todos. Não vou
poder estar aqui amanhã - justamente amanhã, quando teremos o
resultado da avaliação. Então, eu queria deixar desde já o
meu registro.
Quero dar felicitações à Comissão de Direitos Humanos, que,
pela terceira vez, exerce papel fundamental na realização
desta Conferência. É o terceiro ano consecutivo. Quero saudar
os Deputados Eraldo Trindade e Osmar Leitão, além do Deputado
Pedro Wilson, que também ajudou nesta organização.
Aproveito também para saudar os que trabalham nesta Comissão.
Há alguns anos, criamos um grupo homogêneo, um grupo muito bom
e muito respeitado em nosso País e em outros países, sobretudo
a Sra. Suely Belato e o Sr. Augustino Veit, dois assessores,
companheiros, técnicos, profissionais de direitos humanos que
vêm cumprindo papel admirável. Eu, que faço parte desta
Comissão, posso dizer que até no Parlatino e mesmo em outros
países esse grupo tem prestígio. Eu queria deixar então as
felicitações a todos os funcionários e à Mesa Diretora.
(Palmas.)
Quero ainda abordar um tema, mesmo depois da exposição de bons
companheiros. Quero falar da reforma do Estado. No que diz
respeito aos direitos humanos, acho que esse assunto ficou um
pouco para trás. Gostaria de defender a tese de que o
Ministério da Justiça não deveria entrar na cota das
alianças políticas ou na cota da distribuição para
políticos.
O Ministério da Justiça cuida de estrangeiros, de índios, da
Polícia Federal, do sistema penitenciário, da situação da
criança. Tivemos uma experiência, nesses últimos anos - três
anos de conferência -, boa e muito proveitosa com o Nelson
Jobim, mas, depois, houve um inequívoco retrocesso com o
Ministro que o sucedeu, porque o mesmo não tinha vocação para
a questão dos direitos humanos. E agora, com o Ministro atual,
não temos ainda avaliação, porque é muito recente; ele
também não tinha tradição.
Temos que começar a defender a tese de que o Ministério da
Justiça deve ser um Ministério dos Direitos Humanos, um
Ministério que não vá para a cota política, não vá para
pessoas que não têm vocação. (Palmas.) Isso seria um avanço
institucional no País. Sabemos que isso não é fácil. Já
defendemos tanta coisa que parecia impossível conseguir e
conquistamos. Não vejo por que também não começar a defender
essa tese. Mas, enquanto isso não se realiza, apóio o que o
Deputado Mário Mamede disse, que a Secretaria Nacional de
Direitos Humanos seja uma secretaria diretamente ligada à
Presidência da República e que tenha uma estrutura mais forte,
com mais poderes e um orçamento próprio para implementar o
Programa Nacional de Direitos Humanos.
Hoje, os avanços que temos são inequívocos; todos reconhecem.
Isso deve muito à militância de José Gregori e de sua
ligação com o Presidente da República. (Palmas.) Mas
queríamos que isso fosse uma coisa mais institucional e que ele
tivesse muito mais poderes para a sua implementação.
O terceiro ponto é o CDDPH. Já disse, na conferência
anterior, que foi uma das coisas frustrantes para mim ter
participado do Conselho de Defesa de Direito da Pessoa Humana.
Ele deveria ser o principal instrumento da esfera pública, não
estatal, para implementação da política de direitos humanos
no País; ele não tem poder nenhum. O CDDPH se faz com aquelas
pessoas admiráveis que o compõem. Ele toma conhecimento de
questões fundamentais, mas pouco pode fazer. Tem uma iniciativa
e nenhum poder de fiscalização sobre o Estado, que normalmente
é o maior violador de direitos humanos, seja no âmbito
Federal, seja nos próprios Estados.
Há um projeto de lei na Câmara dos Deputados que está
abandonado, desde o primeiro grupo que se formou pós-Viena, que
propunha a reformulação do CDDPH. Mas ele está engavetado.
Acho que se trata de um projeto estratégico dos direitos
humanos no País e precisa ser retomado e aprovado. É um
projeto de consenso dos movimentos do País todo e contempla o
que melhor se elaborou em direitos humanos.
Ainda com relação à reforma do Estado, diria que a nossa
Polícia Federal vem exercendo um grande papel quanto mais
avança na questão dos direitos humanos. Se avançarmos na
federalização de alguns crimes, é evidente que a Polícia
Federal passará a desempenhar um grande papel. Mas ela está
flagrantemente desaparelhada. Às vezes reivindicamos à
Polícia Federal que vá a alguns Estados onde a impunidade se
faz presente, como no caso citado por Socorro, no Amazonas, ou
no Acre, em Alagoas, onde escandalosamente a estrutura policial
acoberta o crime, oficial ou não. Por isso, pedimos que a
Polícia Federal atue, mas sempre esbarramos na autonomia dos
Estados. O que não impediu, por exemplo, a Polícia Federal de
ser utilizada agora para, em evidente abuso de autoridade, a meu
juízo, procurar indiciar líderes do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, ligados à questão dos saques
no Nordeste, o que me parece uma contradição também.
(Palmas.)
Então, acho que a reforma do Estado deveria alcançar a
Polícia Federal, aparelhando-a e redefinindo seus papéis. O
Ministério Público Federal é também uma agência básica
para uma política de direitos humanos no País, embora não
esteja fortalecido da maneira que o País necessita, inclusive
para atuar nos Estados, como no caso denunciado aqui por
Socorro, onde a estrutura de Governo vai de encontro aos
direitos humanos. Há também a FUNAI, o INCRA, quem cuida da
política penitenciária no âmbito Federal, enfim, a reforma do
Estado não alcançou esse tipo de agência ainda. Temos também
o próprio Ministério do Trabalho. Depois ouviremos o
presidente da ABAP, Carlos Fernandes, que falará a respeito.
Parece uma vergonha o que está acontecendo com a anistia no
Brasil. Por exemplo, as aposentadorias especiais, aquelas
pessoas que ainda ficaram para trás, o Estado está em débito
há décadas com essas pessoas. (Palmas.)
Acho que também deve-se dar mais poder ao Secretário Nacional
de Direitos Humanos em situações como a que foi citada por
Mário Mamede, sobre Minas Gerais, envolvendo a designação do
ouvidor de polícia. Foi aprovada uma lei e sancionada pelo
Governador. O Conselho Estadual indicou o ouvidor e agora o
Governador se recusa a sancionar, a fazer designação do
ouvidor, pondo em xeque o próprio Conselho. É muito grave ter
uma lei que não é cumprida e um Conselho que não é ouvido.
Os poucos que lutam por direitos humanos não estão sendo
respeitados. É claro que o Secretário Nacional e o Ministro da
Justiça, agindo com habilidade, preservando inclusive as
autonomias dos entes da Federação, poderiam contribuir muito
com dezenas de situações desse tipo.
Do ponto de vista do Legislativo, esses boletins da Secretaria
Nacional de Direitos Humanos elencam os avanços que tivemos e
com os quais a Comissão de Direitos Humanos da Câmara muito
cooperou.
Dr. José Gregori, só faria um pedido para que, nesse elenco de
avanços de direitos humanos, não fossem incluídas a lavagem
de dinheiro e mesmo do crime organizado, o porte de armas,
porque não me parecem ser questões diretamente relacionadas
com direitos humanos. Todas as demais estão apropriadamente
destacadas; foram grandes conquistas nesse período.
Mas queria levantar algumas delas, as quais acho que devemos
situar como novos objetivos fundamentais. Um dos pontos que já
falei é sobre a lei que reformula o Conselho de Defesa de
Direito da Pessoa Humana. Outro é o fim da Justiça Militar.
Acho que deve ser nossa meta. O Paulo Sérgio Pinheiro disse
aqui, com muita justeza, que isso tem que ser a plataforma de
todos. Não basta a conquista pela metade, como na luta do
Deputado Hélio Bicudo para conseguir a transferência de
competência dos crimes de militares. A lei ficou incompleta. E
a existência da Justiça Militar ainda possibilita que lesões
corporais continuem no seu âmbito. Evidentemente, isso é uma
resistência inútil ao avanço dos direitos humanos, ao
aperfeiçoamento institucional.
Sobre os delitos contra os direitos humanos, acho que temos
também uma oportunidade agora, porque o Deputado José Aníbal
é o Presidente da Comissão de Justiça. E essa discussão
parou por causa dos Governos, da base governista, que não têm
interesse em fazer essa discussão. O Deputado José Aníbal é
um Deputado identificado e, por isso, talvez seja o momento de
realizar essa discussão. Houve uma resistência imensa na
Comissão de Justiça, mas não passou dali a discussão dos
delitos sobre direitos humanos.
Outra questão também que está um pouco paralisada, jogada
para escanteio, é a da reforma das polícias. Na época da
favela Naval se falou muito sobre isso, mas, depois do impacto
inicial, foi para um lugar secundário. A Deputada Zulaiê Cobra
está batalhando sobre isso, mas sentimos que não se trata de
uma coisa importante para a maioria governista. Acho que deveria
ser retomada a importância da reforma das polícias.
Acabou a análise de casos sobre a lei dos mortos e dos
desaparecidos políticos. Há poucos dias, com relativo êxito,
mais de 280 casos de vítimas da ditadura foram indenizados. O
Estado reconheceu sua responsabilidade naquelas mortes e
desaparecimentos, porque violou os direitos humanos. Mas
infelizmente ficou alguma coisa para trás. Acho que o Dr. José
Gregori andou falando sobre isso, depois não ouvimos mais nada.
O ex-Ministro chegou a falar também e disse que ia mandar um
projeto para cá, mas não mandou. Depois do mês de fevereiro
é que se falou um pouco nisso, mas, de lá para cá, só o
silêncio.
Essa seria uma lei que contemplaria os casos que ficaram para
trás. Por exemplo, o caso daquelas pessoas que requereram
depois do dia 14 de maio de 1996. São pouquíssimos casos. É
um absurdo termos trabalhando tanto nessa questão de mortes de
desaparecidos políticos e deixar esses casos simplesmente para
trás. Isso pode ser resolvido com prorrogação da função
desta Comissão Especial. Os que morreram em passeatas e em
greves, em 1968 e 1964, também ficaram de fora, dadas as
limitações da Lei nº 9.140. Também acho que, por uma
questão de justiça para com aquelas famílias e com a
sociedade, os que morreram após 1979, porque a lei também
estabeleceu um limite: até agosto de 1979... Temos o caso de
três argentinos que foram seqüestrados e desapareceram. Há o
caso da Lídia Monteiro, secretária da OAB no Rio, vítima
daquela carta-bomba, e o caso do Dias da Silva, que não puderam
sequer ser analisados, porque esses casos ocorreram depois de
agosto de 1979. Isso também foi admitido pelo Governo, que
disse que faria um projeto de lei, mas esse projeto não veio.
No Congresso, não se toca mais no assunto. Acho que isso é uma
coisa importante.
Queria também registrar, na linha de sugestões para os
Estados, que três Estados do País já têm leis que indenizam
torturados que estão vivos, sobreviventes da ditadura militar.
O Paraná indenizou 237 pessoas torturadas e concluiu o
trabalho. Santa Catarina aprovou uma lei dessa e vai iniciar o
pagamento das indenizações. No Rio Grande do Sul ainda está
em curso o reconhecimento de torturados vivos. E há projetos em
outros Estados também. Acho que em relação a esse assunto
todos os outros Estados merecem tratamento idêntico ao do
Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Com relação às políticas públicas, creio que o Romeu Olmar
Klich tocou na questão central. Não vou nem entrar em
detalhes. A questão central, para mim, do orçamento das
políticas dos direitos humanos é o Orçamento da União. É
ali que vemos também a limitação do plano, a distância entre
a intenção e a prática, a distância entre o que está
projetado e o que aconteceu de fato nesses dois anos, com todos
os avanços que tivemos nas parcerias, todos os avanços
destacados. Os dois boletins registram muito bem todos os
avanços. Todos receberam e vão poder aquilatar cada um,
confrontando com a sua própria experiência. Mas o Orçamento
é questão básica.
Então, essa proposta de a conferência formar um grupo de
acompanhamento do plano e de propostas para o Orçamento, acho
que é um avanço muito importante e deveria ser, para não
dispersar em mil questões, reforçada a proposta do Movimento
Nacional dos Direitos Humanos.
Por fim, gostaria de falar sobre os meios de comunicação. No
ano passado, argumentei nesta Comissão que alguns programas de
televisão e de rádio destroem o trabalho paciente realizado
pela Secretaria Nacional e por todos os movimentos. Está parado
há cinco anos no Senado Federal o projeto que cria o Conselho
Nacional de Comunicação Social. Ele não tem poder
deliberativo, só é opinativo, só teria força moral; mesmo
assim, não sai do Senado Federal. Os advogados, as igrejas e os
jornalistas indicaram representantes. Só falta, única e
tão-somente, o Senado Federal aprovar. Já passaram três
Presidentes, estamos no terceiro Presidente desde que o projeto
do conselho está lá parado. Creio que, muito bem lembrado,
isso deve ser objeto também da questão dos direitos humanos.
Esses programas do Ratinho e da Márcia justificam a inclusão
também na nossa pauta de prioridades do projeto que cria o
Conselho Nacional de Comunicação Social. Depende de um único
ato do Presidente do Senado Federal a aprovação desse projeto
para que se possa discutir esses intocáveis tabus, que não
deveriam ser tabus, porque os meios de comunicação são
concessão pública e deveriam ter um controle social
democrático, sem censura. Por isso, deveríamos incluí-lo
também na nossa plataforma. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Cumprimentamos o nobre Deputado Nilmário Miranda
pela sua brilhante participação.
Quando encerrarmos a fase de exposição dos debatedores,
estaremos abrindo o debate ao Plenário. Solicitamos aos
conferencistas presentes que quiserem fazer uso da palavra na
fase de debates que se manifestem dos seus lugares, levantando o
braço. Os funcionários da Comissão de Direitos Humanos
estarão recolhendo os dados para a lista de inscrição.
Neste debate a que me refiro, quando aberto ao Plenário, cada
debatedor fará uso da palavra por três minutos. Justifica-se a
exigüidade do tempo pela preocupação de tentar atender o
maior número possível de conferencistas que aqui estão
honrando este evento.
Retornando à programação, a Mesa passa a palavra ao terceiro
debatedor programado, o Presidente da Associação Brasileira
dos Anistiados Políticos, Dr. Carlos Fernandes. (Palmas.)
O SR. CARLOS FERNANDES - Em nome de todos os anistiados e
perseguidos políticos brasileiros, saúdo nossa Mesa, na qual
destaco a presença do Dr. José Gregori, digno Secretário
Nacional de Direitos Humanos, e saúdo os nossos companheiros
presentes neste plenário.
Inicialmente, elogio o Dr. José Gregori pelo discurso proferido
ontem, com a conclusão e o mesmo rumo de pensamento das suas
palavras de hoje. No discurso proferido ontem por S.Sa., notamos
três aspectos fundamentais: a experiência do homem que está
lidando com os assuntos no dia-a-dia, a maturidade do ser humano
e a sua humildade em reconhecer as limitações que existem e
que tudo está por fazer; e hoje mesmo, até por estar aqui, a
humildade em ter ouvidos para as críticas.
A humildade é, talvez, a maior qualidade do ser humano, é a
que mais lhe dá dignidade. Digo isso antecipadamente para que o
Sr. Secretário possa sentir que nas nossas palavras, como em
todas ditas aqui, não há nenhum propósito de conflito. Pelo
contrário, queremos ressaltar que é necessário ultrapassarmos
a fase de ódio determinado e explícito que se manifestou
principalmente a partir do golpe militar de 31 de março de
1964.
Ainda não saímos daquele esquema de ódio. Ainda convivem com
as instituições democráticas os homens que pensam daquela
forma; ainda agem no subsolo da nossa democracia as pessoas que
mantêm os preconceitos, a perseguição e a violência,
interferindo nas decisões do Governo que, muitas vezes, por uma
aparência de imparcialidade, na realidade, acaba fortalecendo a
continuidade da violência e da injustiça. (Palmas.)
No Brasil, há algum tempo, vimos o que aconteceu com nossos
companheiros da PETROBRÁS. Quantos novos perseguidos políticos
o Governo quer criar? Estamos assistindo ao que está
acontecendo com o MST, e lembro que o Ministro Iris Rezende, num
momento muito infeliz, fez uma reunião secreta com os
secretários de segurança no Nordeste brasileiro e disse-lhes
que o Movimento dos Sem-Terra era para ser reprimido.
Então, não é possível que se mantenha essa atitude política
de conflito, quando realmente se quer fazer uma revolução
social pacífica neste País, quando realmente se quer respeitar
os direitos das criaturas humanas à terra, ao trabalho, à
produção, à saúde e à educação. (Palmas.)
Não fazemos de forma nenhuma, Sr. Secretário, das nossas
palavras uma espada, mas não é possível desconhecermos que a
realidade não é a transformação favorável à efetivação
dos direitos humanos. Pelo contrário, a realidade é a
continuidade da política de repressão e de ódio das forças
militares e policiais contra o povo brasileiro. (Palmas.)
O Deputado Nilmário Miranda, há pouco, citou o CDDPH. Poucos
talvez saibam, mas o CDDPH foi criado em 16 de março de 1964,
pelo Presidente João Goulart, por determinação de órgãos
internacionais da ONU. Infelizmente, só foi regulamentado pelo
General Médici, por pressão internacional, e é evidente que a
sua regulamentação não atende aos interesses da sociedade
brasileira neste momento, porque ele ainda é um documento da
ditadura.
Então, se o Governo não tomar uma posição concreta e
continuar ponderando as forças reacionárias que aí estão,
não dando forças, não dando palavras, não dando ação às
forças democráticas e populares, continuaremos sob o domínio
da ditadura, que ainda estamos vivendo.
Quanto à questão dos anistiados, gostaríamos de ponderar e
pedir ao Sr. Secretário - em nome dessa humildade e dessa
evidente atividade em favor dos direitos humanos que S.Sa.
exerce como ouvidor deste Governo, com o qual não estamos
satisfeitos - que levasse em consideração todas as provas que
estão nesse dossiê - que entregamos a S.Sa., em mãos -,
porque desde outubro de 1995 estamos tentando conversar com o
Governo e não pudemos ainda sentar à sua mesa.
É impossível que as pessoas que julgam os casos de anistia,
tanto dos mortos, quanto dos desaparecidos e dos que estão
vivos, sejam pessoas - como já bem foi dito aqui -
incompetentes, desconhecedoras da Lei da Anistia e até de
princípios jurídicos fundamentais básicos, como o princípio
da irretroatividade da lei que prejudica; desconhecedoras de
que, mais do que obedientes a chefes políticos ou a Ministros,
nomeados por partidos políticos, têm de fazer justiça e dar
pareceres de acordo com a realidade e não com as ordens que
recebem, porque o que há nessa questão da anistia é decisão
política - conforme dito aqui em relação a toda a questão de
direitos humanos. É falsa a alegação de que os problemas são
de orçamento, porque as verbas são misérrimas. (Palmas.)
Cito o caso especial da D. Amelinha Teles - amiga do nosso digno
Secretário e presente nesta reunião -, que deveria receber 1
mil e 300 reais de aposentadoria, recebeu apenas 600 reais e
agora o INSS está reduzindo para 300 reais. Parece-me que isso
é questão de orçamento.
Devo citar também que existem 400 anistiados políticos que
foram absolutamente prejudicados, presos, torturados e estão
recebendo salário mínimo, quando a lei estabelece que deveriam
receber como se estivessem em atividade. Não é possível que
esses homens, que foram líderes sindicais, trabalhadores
importantes nas suas profissões, estejam recebendo apenas
salário mínimo. Muitos deles com câncer e morrendo por já
atingirem os 60, 70 ou 80 anos.
Não é possível que o Secretário-Executivo do Ministério do
Trabalho alegue mentiras para encobrir, por exemplo, que um
homem morto em conseqüência de cirrose no fígado por ter
levado pontapés e ter sido pisoteado nesse órgão não tenha
direito à aposentadoria. Não é possível se dizer - como é
dito nos processos do trabalho - que homens que ficaram dez
meses na cadeia não puderam comprovar o vínculo da cadeia e da
perseguição política com o prejuízo profissional. Por isso,
não se dá a devida anistia.
Ficaríamos falando horas se não tivéssemos um pouco de
consideração pela necessidade de usarmos o tempo
objetivamente.
Fazemos hoje a entrega, ao Sr. Secretário, de uma dossiê
alentado com todas as provas sobre o que estamos alegando e
pedimos encarecidamente a S.Sa., em nome desta assembléia, em
nome dos direitos humanos, em nome do povo brasileiro, que se
sente à mesa conosco, com todas as entidades de anistia do
Brasil, e nos abra o caminho.
Estamos pedindo e implorando, desde 1995, que o Presidente
Fernando Henrique nos ouça e até hoje, apesar de o Presidente
Mário Soares ter solicitado a S.Exa. que abrisse as portas,
não o fez. (Palmas.)
OUTRAS PARTICIPAÇÕES
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Em nome da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e
demais organizadores deste evento, agradecemos ao Dr. Carlos
Fernandes, Presidente da Associação Brasileira dos Anistiados
Políticos, a presença e a participação.
O Conselho Federal pede para anunciarmos que a OAB estará
promovendo a reunião das Comissões de Direitos Humanos no dia
14 de maio, hoje, às 17 horas, na Comissão Nacional de Defesa
dos Direitos Humanos.
A organização lembra ao Plenário que após o almoço serão
instalados grupos temáticos, nos plenários 9 a 13, no corredor
das Comissões, no anexo II da Câmara dos Deputados, no andar
térreo. O trabalho desses grupos deverá se estender até, no
máximo, às 19 horas. Cada grupo deverá eleger um Relator,
que, na plenária geral de amanhã, pela manhã, relatará as
conclusões desses grupos. Também na sessão plenária de
amanhã será o momento mais adequado - adverte a organização
- para a apresentação de moções.
Concederei a palavra aos inscritos pela ordem de inscrição.
Repetindo o critério do primeiro painel de ontem, cada orador,
sem interrupção, sucederá o outro. Esgotada a lista de
inscrição, faremos uma rodada na mesa, abrindo oportunidade
para que os senhores conferencistas e debatedores possam fazer
qualquer abordagem que desejarem, principalmente em cima das
intervenções dos senhores conferencistas.
Como já dissemos, muito na intenção de atender a todos,
estamos estipulando um tempo. Não é do feitio do Parlamentar
estipular tempo, mas há necessidade de buscarmos atender a
todos.
Chamamos o primeiro inscrito, o Vice-Presidente da Comissão
Brasileira de Justiça e Paz, Dr. Guilherme Delgado.
O SR. GUILHERME DELGADO - Minhas saudações a todos aqui
presentes. Eu queria, brevemente, fazer uma comunicação -
aliás, o tempo me obriga a ser bastante sintético - que tem
tudo a ver com o que foi exposto nesta Mesa e com os objetivos
desta conferência.
A comunicação é a seguinte: a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil, da qual a Comissão de Justiça e Paz é um
órgão auxiliar, está, juntamente com outras 25 entidades
nacionais e regionais e também com a agenda aberta à adesão
de outros participantes, tomando a iniciativa popular de projeto
de lei de combate à corrupção eleitoral.
Esta iniciativa popular envolve a coleta nacional de assinaturas
de, no mínimo, um milhão de eleitores e teria por objetivo
ingressar com um projeto de lei de modificação do Código
Eleitoral para as eleições do ano 2000. Evidentemente, não
podemos ingressar com alteração na legislação eleitoral para
a eleição em curso. Mas o objetivo desta iniciativa é
aproveitar o período de campanha eleitoral, que se inicia logo
em breve, para que haja uma mobilização e uma
conscientização, tendo em vista os objetivos desta iniciativa.
Vou brevemente sumariar o que está em discussão. Primeiro: o
Código Eleitoral, no art. 299, tipifica como crime eleitoral -
portanto, passível de prisão - a doação, qualquer processo
de oferecer, prometer, solicitar ou receber bens em troca de
voto. Este procedimento é altamente difícil de comprovação,
dado que envolve toda uma prova material, testemunhal e isso
impossibilita a punição do crime eleitoral. O que está se
propondo é a transformação do crime eleitoral em infração
eleitoral passível de punição administrativa mediante a
cassação do registro por decisão administrativa do Juiz.
Portanto, a partir dessa mudança, uma vez conscientizada,
aceita e aprovada, ter-se-ia um controle político muito maior e
a possibilidade de, uma vez cassado o registro e o diploma do
partido ou do candidato que notoriamente oferecesse vantagens ou
usasse do cargo administrativo para obter vantagens, obter
votos, comprar votos, termos uma forma muito importante de
transformar o voto, ou seja, o controle do voto num controle de
cidadania.
Não quero estender-me mais para não tomar o tempo dos demais
depoentes, mas esse projeto precisa da adesão das entidades e
das pessoas. Temos aqui nas mesas à frente, na ante-sala no
plenário, uma descrição completa do projeto e o texto para
ser objeto de conhecimento e eventualmente de adesão dos
participantes desta conferência.
Muito obrigado. (Palmas).
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Quem ocupa esta cadeira aqui é encarregado também
das informações não tão simpáticas. A organização informa
que ao começo da fala do primeiro inscrito encerraram-se as
inscrições. Isto foi dito para que possamos, então, controlar
o tempo.
Passo a palavra à Sra. Maria Amélia Teles.
Uma boa providência seria que o próximo orador já se
preparasse e se aproximasse - Heloísa Grecco.
A SRA. MARIA AMÉLIA TELES - Bom-dia. Saudamos os participantes
da III Conferência Nacional dos Direitos Humanos. Muitas das
críticas ou das observações que temos de fazer foram feitas
de forma bastante brilhante pelos debatedores, particularmente o
Dr. Carlos Fernandes e o Deputado Nilmário Miranda, mas temos
aqui o compromisso de reafirmar e apresentar algumas questões.
A primeira é em relação à questão do respeito à
Constituição quando se fala em direitos humanos, que foi
lembrado pelo Deputado Mamede e que queremos reforçar. Não há
como viabilizarmos políticas públicas sem o respeito à
Constituição.
Trabalhamos com a Constituição e a levamos para as bases, para
os setores populares e vimos, com muito desgosto, como estamos
vendo muitas vezes o próprio Congresso, juntamente com o Poder
Executivo, o desrespeito ao se votar leis inconstitucionais.
Isso tem acontecido em nosso País: desrespeito aos direitos
sociais e econômicos dos trabalhadores.
A outra questão é a seguinte: quando se fala em direitos
humanos, temos de pensar nos Municípios. Já foi dito aqui
muito bem -e eu queria lembrar - que a cidade de São Paulo, em
que pesem todas as dificuldades, está fazendo e tem feito o
Plano Municipal de Direitos Humanos, que é - não foi falado
aqui - um trabalho da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania
da Câmara Municipal de São Paulo.
Com esse plano municipal temos o compromisso - e acho que deve
ser o compromisso de todos nós que estamos aqui nesta
Conferência Nacional - de transformá-lo em um programa
municipal de direitos humanos, para que realmente as políticas,
as propostas que fazemos aqui sejam realizadas de fato nos
Municípios, particularmente no Município de São Paulo.
A outra questão é a seguinte: quando falamos de direitos
humanos - e aqui vêm representantes do Governo Federal falar
sobre isso -, esquecemo-nos de prestar contas de pelo menos dois
segmentos que são fundamentais. Não se falou aqui dos direitos
das mulheres, não se prestou contas do que se fez em relação
aos direitos das mulheres, e da discriminação racial.
(Palmas). Quer dizer, não considerar as questões de gene e as
questões de raça e etnia em nosso País é excluir de qualquer
política mais da metade da população.
A última questão que quero lembrar é a dos desaparecidos
políticos. Quando o Governo fala em desaparecidos políticos é
como se tudo estivesse resolvido. Isso não é verdade. Estamos
no processo de resolver essa situação. É um caso antigo, é
um tema antigo neste País, mas não vamos deixar esquecer.
Estamos em todas as conferências lembrando que eles existiram e
continuam existindo e buscamos o resgate dessas pessoas, dessa
história. (Palmas). É esse nosso papel.
Sr. Presidente, para que a comissão que existe no Ministério
da Justiça continue seu trabalho é necessário, é fundamental
que se abram os arquivos das Forças Armadas, do Serviço
Nacional de Informações, enfim, da Polícia Federal, porque
queremos, sim, que se cumpra a segunda fase deste trabalho, que
é a localização dos restos mortais. Queremos dar um
sepultamento digno para todos aqueles que tombaram na luta pela
democracia neste País. (Palmas).
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Chamo a terceira inscrita, conferencista Heloísa
Grecco, e anuncio o nome da quarta inscrita, conferencista
Cecília Coimbra.
A SRA. HELOÍSA GRECO - Bom-dia, senhores membros da Mesa,
bom-dia a todos, meu nome é Heloísa Greco, faço parte da
Coordenação do Movimento Tortura Nunca Mais de Minas Gerais.
Vou apresentar algumas coisas aqui porque, afinal de contas, foi
para isso que vim.
A primeira coisa é o seguinte: acho que aqui no Brasil vivemos
em uma situação de tanta iniqüidade, quer dizer, a barbárie
é tanta que qualquer avanço que façamos a tendência é
cairmos num certo ufanismo. A Sra. Helena Grecco, que é
Coordenadora do Movimento Tortura Nunca Mais de Minas Gerais,
costuma dizer que passamos direto da pré-barbárie para a
pós-barbárie. Portanto, se voltarmos para a barbárie já é
avanço. É isso que temos de reverter.
Nossa referência não pode ser o passado obscuro da ditadura
militar, isso é uma não-referência. Nossa referência tem de
ser a política de direitos humanos, os princípios e a pulsão
de vida que isso traz. O que queremos? Queremos avançar,
queremos construir uma política de direitos humanos. É claro
que todos esses planos, os discursos e a própria prática fazem
com esse processo avance. É a própria gramática, como o Prof.
Paulo Sérgio Pinheiro gosta de dizer. A gramática muda e
avançamos nisso. Mas acho que precisamos ter uns certos
cuidados para não naturalizar nossas limitações e nossa
indigência, que ainda é grande nesse sentido, e,
principalmente, não banalizar certas coisas.
Vou levantar algumas questões, como, por exemplo, o direito à
memória. A companheira Amelinha levantou a importância do
resgate da história, do resgate dos nossos companheiros mortos
e desaparecidos políticos. Para isso temos de ter o direito à
memória. Como avançamos nessa direção? É a abertura dos
arquivos, sim, a abertura dos arquivos dos órgãos militares,
como o SNI, Exército, Marinha, Aeronáutica, DOPS, Polícia
Federal, todos esses... E para isso basta vontade política.
Não entendo qual o obstáculo que se interpõe a isso.
Em Minas Gerais a coisa talvez já esteja mais complicada,
porque lá estamos com atraso de quase dez anos em relação a
isso. Existe uma lei estadual, que é a Lei nº 10.360, de 27 de
dezembro de 1990, que determina que os arquivos em Minas Gerais
sejam transferidos para o arquivo público mineiro. Isso não
aconteceu até hoje. Está em curso atualmente na Assembléia
Legislativa de Minas Gerais uma CPI para tratar dessa questão.
Acho um atraso de vida muito grande termos de instalar uma CPI
para isso. Por que isso acontece? A única coisa que podemos
pensar é que os membros das chamadas comunidade de informação
da época da ditadura militar continuam atuando.
Em Minas Gerais há uma evidência: o componente mais odioso,
talvez, disso tudo, o senhor Ariovaldo Doris Silva, que é
torturador contumaz, citado cinco vezes no volume 3, tomo 2,
"Os Funcionários do Projeto Brasil Nunca Mais", como
participante direto das torturas no próprio recinto do DOPS,
que é objeto da CPI, continua Coordenador de Informações do
COSEG, o órgão geral de informações que passou a ser o
gerador dessas informações a partir de 1976, enquanto o DOPS
continuou como órgão operacional.
Fico pensando assim: que democracia mais esquisita é essa, que
convive com uma coisa dessas! Que democracia mais esquisita é
essa, onde, a toda hora, volta e meia, nós, do movimentos de
direitos humanos, temos de falar que não fica bem um Governo
que se diz democrático empregar pessoas que cometeram crimes de
lesa-humanidade.
O último caso mais expressivo foi o do General Fayad, um
torturador notório que foi nomeado para determinado cargo pelo
Governo Federal e continuou lá até haver uma pressão nacional
e internacional muito grande, de todos os cantos do Brasil e do
mundo. Isso é complicado, é um atraso de vida, não teríamos
de fazer isso, poderíamos estar fazendo outras coisas até
muito mais importantes, mas enquanto não limparmos esse quadro
não dá para passar do tal antagonismo para o protagonismo.
Acho que ninguém é maniqueísta, acho que a relação tem de
ser dialética, sim, mas não dá para perder a substância
crítica também, porque do contrário não avançamos.
(Palmas).
Há uma outra coisa que eu também gostaria de contar, é a
questão da organização da estrutura da polícia do Estado
brasileiro. Enquanto a polícia atuar nas ruas como o Exército
no campo de batalha, para eliminar o inimigo, não vamos
avançar nos direitos humanos. Isso é uma reciclagem perversa
da lei de segurança nacional. Na época da ditadura militar os
inimigos internos éramos nós, os estudantes, os opositores, os
guerrilheiros, os chamados subversivos. Agora, os inimigos
internos são quem? Nada mais, nada menos do que três quartos
da população, que vivem no limiar da linha de miséria e já
são fustigados diariamente pelas relações de opressão e
exploração.
Não dá para conviver com isso. Não dá para conviver,
tampouco, com essa Justiça Militar, que é entulho. Nisso tudo
há pessoas que são responsáveis, temos de responsabilizar o
Governo Federal, sim. Até estranho o fato de o Secretário de
Direitos Humanos ter saído na hora dos debates, era importante
ele estar aqui neste momento. (Palmas). É um momento em que a
sociedade civil está-se manifestando. Acho que enquanto houver
a prática de criminalizar o movimento social e as lutas
populares, não vamos avançar.
O que fez o Ministro Renan Calheiros - constrange-me até falar
Ministro Renan Calheiros, mas é dele que se trata -, ao
indiciar os companheiros do MST e determinar a prisão
preventiva de líderes importantes, como o João Pedro Stedile,
para mim é reciclagem da Lei de Segurança Nacional. (Palmas.)
Isso é um absurdo, não dá para conviver com essa situação.
Para concluir, no que se refere à própria organização desta
conferência, acho-a importante e até um alento para estarmos
aqui dela participando. Contudo, note-se que aqui consta:
"O Poder Judiciário e os Direitos Humanos", "O
Poder Legislativo e os Direitos Humanos", "O Poder
Executivo e os Direitos Humanos". E quanto à sociedade
civil e os direitos humanos? E quanto aos mecanismos de
contra-poder e de defesa que a sociedade civil tem de criar para
isso, quando sabemos que os direitos humanos não estão
limitados ao espaço institucional - o espaço instituinte é
até mais importante que o espaço institucional?
Essas eram as questões que queria levantar, as quais acho que
teremos oportunidade de discutir nos grupos de trabalho.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Mais uma
informação para os senhores conferencistas: o Movimento
Nacional de Direitos Humanos comunica a realização de reunião
de seu Conselho Nacional nos dias 15 e 16, iniciando-se logo
após o término desta conferência.
Peço aos senhores conferencistas que policiem seu tempo e, com
isso, evitem a intervenção da Mesa.
Concedo a palavra à conferencista Cecília Coimbra e anuncio a
próxima conferencista, Sra. Afonsa Gregória Oliveira.
A SRA. CECÍLIA COIMBRA - Ao Sr. Presidente e a todos o meu
bom-dia. Vou ser muito pontual com relação a uma série de
questões que foram discutidas aqui. É lamentável que o Sr.
José Gregori tenha tido de se retirar, assim com é lamentável
que o Sr. Belisário dos Santos Júnior tenha se retirado,
porque vou tratar de uma questão específica de São Paulo.
(Palmas.)
Sou Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, e
uma das questões que temos levantado muito é que, como bem
disse o companheiro Carlos Fernandes, falar de direitos humanos
quando se tenta negar a história recente de um país é
realmente um paradoxo. Para nós, só há sentido em falar de
direitos humanos se efetivamente resgatarmos todo um período de
nossa história que ainda continua sendo mantido em sigilo, com
documentos confidenciais e secretos.
A respeito do que as companheiras Maria Amélia Teles e Heloísa
Grego trataram aqui, devo dizer que estamos lançando, no Rio de
Janeiro, uma grande campanha de âmbito nacional e até
internacional pela abertura dos chamados arquivos secretos. Não
podemos concordar que documentação oficial que diga respeito
à história do País seja mantida em sigilo, sob a alegação
de que esses arquivos não existem. Sabemos que os arquivos das
Forças Armadas existem, mais do que comprovações disso nos
têm sido dadas, principalmente através da imprensa.
Estivemos, há uma semana, com o Ministro da Justiça, Renan
Calheiros, e isso lhe foi claramente dito. Ainda que algumas
negociações com as Forças Armadas sejam necessárias, que de
imediato o Governo Federal abra os arquivos da Polícia Federal
e do SNI. Por que isso não é feito? Essa é uma questão que
estamos levando a todos os companheiros. Isso é importante para
que a segunda fase da comissão efetivamente aconteça, do
contrário não poderemos localizar nenhum daqueles restos
mortais.
A Lei nº 9.140/95 - gostaria que o Sr. José Gregori estivesse
presente - é um primeiro passo importante, sim, mas é uma lei
extremamente perversa, porque colocou o ônus das provas sobre
os familiares; ou seja, o Estado brasileiro, que seqüestrou,
torturou, matou e escondeu cadáveres, em momento algum abriu
seus arquivos, (Palmas), que têm de ser procurados, como temos
feitos nos últimos anos, pelas entidades de direitos humanos e
pelos familiares. Isso é inadmissível. Queremos, para que a
segunda fase realmente aconteça, que esses arquivos sejam
abertos.
O segundo ponto diz respeito, especificamente, à questão da
vala de Perus, em São Paulo. A Comissão de Familiares de
Mortos e Desaparecidos Políticos e os Grupos Tortura Nunca Mais
têm recebido um apoio muito grande do Sr. Belisário dos Santos
Júnior, Secretário de Justiça do Estado de São Paulo. Foi
formada uma comissão graças à qual se conseguiu ir à UNICAMP
ver a situação em que se encontram as ossadas da vala de
Perus. É uma coisa impactante e revoltante. Havia três ossadas
que já estavam para ser identificadas e foram misturadas a mais
de mil ossadas, e nada foi feito.
O Sr. Badan Palhares foi o responsável por essa
"brincadeira" com os familiares de mortos e
desaparecidos políticos, e estamos encaminhando um pedido ao
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo com
relação à atitude ética desse profissional. Estamos também
querendo saber da UNICAMP, responsável por isso, por que os
sacos com os restos mortais retirados da vala de Perus foram
misturados e colocados numa sala sem condições para tanto,
onde havia cadeiras sobre as ossadas. Estamos chegando à
conclusão de que vai ser muito difícil a identificação de
quaisquer restos mortais dos opositores políticos.
Deixo-lhes essa denúncia, passando à Mesa estas fotografias,
que pertencem à Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos.
Obrigada a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Concedo a palavra à conferencista Afonsa Gregória
Oliveira. Adianto o anúncio da próxima conferencista,
Francisca Alves Ribeiro.
A SRA. AFONSA GREGÓRIA OLIVEIRA - Sr. Presidente, membros da
mesa, senhoras e senhores, boa-tarde. Participo desta
conferência não para fazer denúncias generalizadas, mas uma
denúncia específica, porque tive meu irmão e um amigo dele,
no dia 7 de fevereiro último, torturados e assassinados pela
Polícia Militar da Cidade de Barreiras, na Bahia.
Foi um crime hediondo que chocou Brasília, toda a região
próxima ao Distrito Federal e o Estado da Bahia, no entanto,
como eu soube agora, os bandidos... Não os considero policiais
militares, o verdadeiro policial militar não pratica esse tipo
de crime. Vi, nesta conferência, que a maioria dos crimes de
tortura ou contra os direitos humanos é praticado por policiais
militares, como aconteceu na minha família. Meu irmão, depois
de se ter identificado como policial civil, foi torturado com
fogo por duas horas e meia e, depois, assassinado cruelmente
pela falsa Polícia Militar de Barreiras.
O que me choca é o descompasso entre o poder da Polícia, que
vem acompanhando o caso, e o Poder Judiciário, porque os homens
identificados como os assassinos cruéis estão soltos.
Vim, portanto, aqui fazer este registro. Já estive com o
Deputado Eraldo Trindade e com o Sr. José Gregori, conto com o
apoio do Conselho Federal de Direitos Humanos, da Ordem dos
Advogados do Brasil, e peço apoio a essas entidades para que se
faça justiça.
Os direitos humanos, no Brasil, chegam até a pessoa que tem um
certo nível de cultura. O povo mesmo, analfabeto, não consegue
chegar à imprensa e reclamar seus direitos. Os direitos humanos
têm de passar também pelas escolas. Precisamos, sim, instruir
nosso povo sobre os direitos que tem. (Palmas.) Houve pessoas
que me procuraram, aqui em Brasília, porque não tiveram acesso
à imprensa e ao Poder Público para denunciar dores e mortes
provocadas por falsos policiais militares.
Faço este registro aqui porque hoje, neste País, vive-se uma
questão muito séria. Hoje em dia, nossos filhos estão
perdendo a capacidade de chorar, estão-se tornando adultos sem
a capacidade de ser solidários com a dor alheia, o que
frontalmente ofende os direitos humanos, porque quando o homem
perde sua capacidade de chorar e de se comover diante da dor
humana, ele perde a capacidade de ser humano.
Choco-me quando vejo que nossos filhos têm como referência as
lutas de ninjas exibidas na televisão, que seus ídolos são
atores como Arnold Schwartznegger, um monte de músculos que só
espalha violência na tela da televisão. São essas as
referências que têm nossos filhos e com as quais eles crescem,
de forma que a vida humana não tem mais sentido para eles. Hoje
em dia, a televisão mostra barbáries, e já não nos comovemos
mais com elas, porque estamos empedernidos diante da miséria
alheia.
A seca, nada mais comove o ser humano. Estou aqui para clamar
por justiça. Vemos hoje muitos grupos de vingadores no Brasil
porque a Justiça está falhando. No meu caso houve muitos
conflitos. O poder militar agiu para que prendessem esses
homens, mas a Justiça foi também muito ágil e os liberou.
Onde fica a Justiça? Onde estão os direitos humanos?
Os direitos humanos que a sociedade brasileira conhece são
aqueles de a Comissão de Direitos Humanos ir até os presídios
ver como estão sendo tratados nossos presos. E como ficam as
famílias das vítimas?
Consegui chegar à imprensa, à Ordem dos Advogados do Brasil e
ao Ministro da Justiça, mas, infelizmente, não consegui fazer
com que a Justiça pensasse na dor de minha família e da
família do Daniel. Meu irmão foi ultrajado, torturado e morto
por ser negro. Somos negros, sim, com muito orgulho. (Palmas.) E
esses negros vão continuar a dar muito trabalho àqueles falsos
policiais militares.
Não condeno a Polícia Militar ou a Civil, mas sei que o nosso
Brasil já chegou a um nível de desenvolvimento tal que podemos
pensar melhor nossas polícias, reciclá-las não só quanto a
equipamentos materiais mas com "equipamentos humanos".
O que se vê, hoje em dia, são verdadeiros bandidos que
infiltram nessas polícias e saem à caça de pessoas indefesas.
E quanto menor for a capacidade e a cultura desses bandidos,
maior sua violência.
Meu irmão era um policial civil de Brasília e tem voz para
falar por ele, mas muitos se calam. E as famílias engolem o
ultraje e a dor porque não podem chegar até os direitos
humanos.
Então, nesta conferência, faço um apelo ao Deputado Eraldo
Trindade, a quem expus as fotos do caso, ao Sr. José Gregori,
que tomou conhecimento do caso, ao Dr. Romani, que ali está
presente, e a todas as entidades aqui presentes para que me
ajudem a buscar a justiça, porque não quero ser mais uma a
gritar pela vingança.
Obrigada a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Concedo a palavra à conferencista Francisca Alves
Ribeiro e anuncio o próximo conferencista, Padre Francisco
Reardon.
A SRA. FRANCISCA ALVES RIBEIRO - Sr. Presidente, em primeiro
lugar, desejo cumprimentar a Mesa e todo o público. É um
prazer muito grande ter oportunidade de participar da III
Conferência Nacional dos Direitos Humanos.
Na nossa cidade, através do Reverendo Romeu Olmar Klich,
criamos a Comissão Provisória dos Direitos Humanos. Sou do
interior da Bahia, a 902 quilômetros de Salvador e a 800
quilômetros de Brasília. Sou Vereadora pela Oposição em
primeiro mandato. (Palmas.)
Fizemos uma primeira denúncia de corrupção em nosso
Município e, depois disso, descobrimos que há um esquema muito
forte de corrupção envolvendo tráfico de drogas e armas,
roubo de carros e prostituição infantil. À época estive aqui
com o Sr. José Gregori, na Comissão de Direitos Humanos,
quando então dela faziam parte o Deputado Pedro Wilson e a Dra.
Sueli, e saí daqui escoltada pela Polícia Federal por ter sido
ameaçada de morte naquela cidade. As ameaças continuam, só
que hoje de forma mais sutil.
Não acreditamos em nenhum apoio da Justiça do Estado da Bahia.
Ultimamente, até o Promotor da cidade tem vindo para cima de
nós. Como sou mulher, sou discriminada publicamente: dizem que
vão cortar meu cabelo e arrancar minha roupa na rua. Quando
denunciamos isso, o Promotor deu parecer favorável àqueles a
quem denunciamos e, ultimamente, meu processo foi até
arquivado. Eu o trouxe aqui, na forma de um dossiê, que
pretendo entregar nas mãos de algumas pessoas presentes nesta
conferência.
Quero dizer que, lá, a prostituição infantil é promovida por
alguns políticos da cidade, envolvendo as pessoas que têm
dinheiro. Fizemos a denúncia à Comissão de Direitos Humanos,
que a mandou para o Gabinete do Promotor, e foram ouvidos apenas
uma mulher, porque era mãe solteira e tinha um bordel, um
homossexual pobre e negro e um fotógrafo, que foi encontrado
com fotografias das meninas peladas. Dos grandes, até hoje não
existe nenhum depoimento registrado nessa delegacia.
Na quarta-feira, dia 20, estou sendo intimada para depor como
testemunha de tortura na delegacia, porque não vi com os olhos,
mas ouvi um policial torturar um rapaz até a morte: negro,
filho de uma prostituta negra. A menina falou aqui muito bem.
O Deputado Erado Trindade disse que esta Conferência não é
deliberativa. Então, precisamos saber quem vai deliberar sobre
essas questões que estão chegando à nossa comunidade, porque
não temos mais a quem apelar. Disse numa sessão que batíamos
à porta do Ministério Público. Na nossa cidade, nem na porta
do Ministério Público podemos mais bater, porque o Promotor
desacata Vereador e diz o seguinte: "Se tocar-lhe o dedo,
vou mandar a polícia prender". E manda mesmo.
A nossa salvaguarda nessa comunidade é a Igreja Católica e o
movimento de mulher, que me acompanha até as sessões da
Câmara. Se formos pelo policial e pelo Promotor de Justiça
daquela cidade, estamos todos mortos.
Quero, neste momento, dizer que continuo sendo ameaçada. Pode
ser que um dia verão nos jornais manchete sobre mais uma pessoa
que foi morta naquela cidade.
Fui ao DEPIN, em Salvador, e não apuraram o caso. Fui à
Secretaria de Segurança do Estado e estive aqui em todos os
lugares em que pude bater às portas. Contudo, até hoje o
processo não foi encaminhado, não foi apurado. Eu tenho
vários panfletos que foram colocados debaixo das portas dizendo
"Seu fim está próximo", e a Justiça até hoje não
fez nada.
Como essa menina acabou de dizer aqui: estou aqui também
pedindo justiça, não só por mim, mas por todos aqueles que
têm vontade de fazer um trabalho sério na nossa cidade.
Lá há um grande índice de roubo de carros, eles fazem
desmonte de carro. Há pessoas que nos oferecem carro, dizendo:
"Você quer um carro do ano que custa dois mil
reais?". Temos informações até do local em que estão
desmontando os carros. Sabemos quem são os chefões da cidade,
mas se divulgarmos o nome e isso chegar ao conhecimento deles,
vamos ser "apagados", inclusive dentro da nossa casa.
Onde vai ficar a questão dos direitos humanos? As pessoas que
pensam diferente querem fazer justiça neste País. Vamos ficar
como? Então, essa é uma questão que não pode ser só
discutida, sem ser deliberativa, como falou o Deputado. Temos
que partir para a deliberação.
Temos que ver a questão do Ministério Público, que se diz
Ministério Público, mas quando batemos na porta, ele bate a
mão na mesa e diz: "Aqui quem manda sou eu!" E como
fica a situação do povo brasileiro em uma cidade igual a
nossa, a 900 quilômetros de Salvador e a 800 de Brasília?
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Tem a palavra o
próximo conferencista, Padre Francisco Reardon. Já anuncio o
próximo conferencista, Sr. Jacinto Teles.
O SR. FRANCISCO REARDON - Boa-tarde a todos. Sou o Padre Chico,
da Pastoral Carcerária, coordenador nacional pela CNBB.
Sempre tentamos ligar a questão dos 170.000 presos do País à
questão dos pobres, porque 95% dos presos do País são da
classe pobre. Queria comentar um pouco certa impressão em
alguns momentos hoje de manhã, como se fôssemos aqui um grande
clube. Está todo mundo junto e tudo o mais.
Reconheço nas Mesas de ontem e hoje os esforços das pessoas
bem intencionadas. E realmente avançamos muito na questão dos
direitos humanos. Não avançamos o bastante, porque ainda temos
gente nossa sendo morta impunemente por agentes do Estado, em
todos os Estados da Federação.
O problema, na minha área da pastoral carcerária, são os
presos; 95% deles são pobres, não têm advogado; onze mil
deles não deveriam estar mais na cadeia, deveriam estar de
volta, com as famílias. E não estão porque não têm
advogados. O Secretário de Direitos Humanos pede que eles
façam um documento com seus respectivos advogados, mas não
existe advogado para pobre - não existe. As Procuradorias de
Assistência Judiciária não funcionam, a Defensoria funciona
muito pouco no País e o serviço jurídico terceirizado, tipo
FUNAP, também não funciona.
Estamos fazendo um trabalho em São Paulo e identificamos onde
estão os gargalos, as rebeliões nas prisões. Por que o juiz
sempre tem que ir? Porque a raiva dos presos é porque o seu
direito de estar fora da cadeia, de volta à família, não
está sendo respeitado. O juiz vai e confirma isso: "Nós
vamos ver teu processo".
Então, os gargalos estão dentro do próprio Executivo. E os
Executivos estadual e federal têm essa idéia de que você e eu
temos que colaborar com eles; sentar numa dessas câmaras,
colaborar com eles e fazer como eles querem que seja feito,
fazendo de conta que preso não está sendo morto e torturado;
fazendo de conta que cidadão livre, negro e pobre não está
sendo preso sob suspeita de qualquer coisa inventada e torturado
por policiais bêbados e drogados.
O Poder Executivo - tenho andado o Brasil todo verificando a
questão carcerária - não tem poder de correção. Não
corrige nada. As Corregedorias do sistema penitenciário não
investigam nada. No ano passado, a Pastoral Carcerária levou 25
casos comprovados de tortura física e mental contra presos na
masmorra da Casa de Detenção, envolvendo 400 ou 450 presos,
machucados por funcionários hediondos. Preso está lá porque
assaltou. Quem toma conta mata e tortura; quem toma conta de
preso é pior que preso vinte e cinco vezes. A Corregedoria, a
Secretaria do Estado de São Paulo não investigou nada. Aliás,
pegam nosso nome e dão para diretores e guardas dos presídios,
para eles poderem ameaçar os agentes da pastoral.
O vigésimo sexto caso, que seria o primeiro caso novo deste ano
novo, de 1998, resolvi levar para um juiz, direto. Ele acolheu.
Deu o maior bafafá nos jornais e o juiz foi removido na outra
semana. Vinte e quatro torturados comprovados. Pegamos 107
torturados no coração da Polícia Civil do Estado de São
Paulo. Quatorze delegacias especializadas, mil policiais
trabalhando, 356 presos sendo torturados toda noite pelo GARRA -
Grupo Armado de Repressão contra Roubos e Assaltos -, que não
tem nada a ver com preso. Já é uma indisciplina. Cento e sete
presos, dos 350, foram confirmados pelo IML como casos
legítimos de tortura. Onde está a coisa! Onde está a coisa? O
GARRA está entrando no sábado à noite ou no domingo à noite,
provocando os presos novamente.
A cúpula da Polícia Civil é muito bem intencionada, muito
aberta. Agora, o problema não está na cúpula. O problema
está nos policiais profissionais, de formação ruim, de
formação antidemocrática.
Poderíamos ir falando mais e mais, mais um monte de recortes -
vocês estão acostumados... Nós já banalizamos, já
aceitamos...
Quando aceitamos que preso pode ser torturado, o próximo passo
é o irmão da moça ser morto pelo policial aqui fora. Quando
aceitamos, em outras reportagens, que presos convivam com
doenças infecto-contagiosas, de notificação obrigatória pela
Organização Mundial de Saúde, como tuberculose, AIDS,
meningite e mil e uma outras coisas; quando obrigamos um preso,
um ser humano, um cidadão a fazer isso, estamos deixando a
porta aberta para o sucateamento da saúde pública, o que já
está acontecendo - já aconteceu. Então, a questão do preso
está ligada à questão do pobre aqui no Brasil.
Gostaria de poder colaborar, mas eu não posso colaborar se
tenho que vender a minha alma e fazer de conta que o Estado não
está matando o nosso povo. (Palmas.)
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Passando a palavra ao Conferencista Jacinto Teles,
anuncio o próximo Conferencista, Cláudio Luís Meirão.
O SR. JACINTO TELES - Bom-dia aos Conferencistas aqui presentes.
Meu nome é Jacinto Teles. Represento, nesta ocasião, o
Sindicato dos Policiais Civis Penitenciários do Estado do
Piauí que, gostaríamos de registrar também, tem um
Departamento de Direitos Humanos, cujo diretor se encontra
presente neste evento. É a terceira vez que participamos deste
movimento.
Gostaríamos de saudar a plenária, através da companheira
Daisy Benedito, defensora dos direitos das presas negras, das
mulheres, de uma forma geral, no Brasil.
Ouvimos aqui atentamente as questões, inclusive as críticas à
instituição policial, quer seja civil ou militar. E
concordamos plenamente. Não somos hipócritas de dizer que não
acontecem, que não continuam acontecendo as violações aos
direitos do cidadão pela própria Polícia. Mas, infelizmente,
em decorrência do tempo, gostaríamos de nos ater
principalmente a um caso mais específico do Estado do Piauí.
A própria Comissão de Direitos Humanos desta Casa Legislativa
é testemunha do nosso trabalho em defesa da cidadania naquele
Estado. Inclusive nos ajudou quando entramos com uma ação
popular para tornar nulo todos os atos de delegados militares,
que são, no Piauí, os delegados regionais e todos os do
interior do Estado, e para tornar nulas todas as nomeações de
diretores de estabelecimentos penitenciários que até hoje são
ilegais. Com exceção de uma penitenciária, que tem o diretor
investido legalmente na função, as demais são dirigidas por
militares e não atendem aos requisitos estabelecidos no art.
75, da Lei de Execução Penal.
Pois bem, nosso sindicato foi fechado por um ano e dois meses,
por imposição do Governo do Estado, através de um juiz
singular da Justiça piauiense. Mas essa mesma Justiça e o
próprio Supremo Tribunal Federal fizeram uma revisão. E
ganhamos por unanimidade a nossa reabertura. Isso não bastou ao
Governo do Estado, que continuou com a perseguição. Um
segmento retrógrado, atrasado, arcaico, que é minoria na
Polícia Civil e Militar do Piauí, mas que tem o poder de fogo,
que decide, porque a cúpula - ao contrário do Estado de São
Paulo, que não é a cúpula, no Piauí, a partir do Sr.
Secretário de Segurança Pública, que advém do regime
militar, que já era Secretário naquela ocasião - estava
descontente com nosso trabalho em defesa da cidadania...
Quando a Arquidiocese, que nos ajuda juntamente com alguns
membros do Ministério Públio, apoiou nosso evento - a
repercussão foi grande de um debate nosso na televisão -
metralharam o nosso sindicato, no mês próximo passado, com
mais de vinte tiros. Inclusive, já noticiamos o fato ao
Secretário Nacional de Direitos Humanos, ao Ministro da
Justiça, ao Presidente desta Comissão de Direitos Humanos.
Conforme a perícia técnica constatou, foram usados mais de
vinte tiros.
Companheiros, senhoras e senhores, estamos aqui, como foi dito
por outras pessoas que me antecederam, pedindo justiça. Até
quando vamos ser cerceados no nosso direito à liberdade de
expressão? Até quando vamos ser impedidos de falar a verdade?
Eles não admitem que um sindicato de policiais civis - porque a
polícia, a maioria, quer a reestruturação, quer a
democratização - fale a verdade, fale das torturas, fale das
atrocidades acontecidas no meio policial, sobretudo com o total
apoio do poder público, sob a tutela do Estado.
No meu Estado, infelizmente, não existe sequer o Conselho
Estadual de Direitos e de Defesa da Pessoa Humana. O Governo
reluta em implementar esse Conselho. Já pedimos e reiteramos
diversas vezes em seminários, inclusive com a presença do
Deputado Pedro Wilson, que esteve lá conosco, do Padre Chico,
que é um colaborador nosso nessa luta lá no Estado do Piauí,
e o Governo não nos atende.
Agora mesmo, o Dr. Romani, do Conselho Federal da OAB, mais
especificamente da Comissão de Direitos Humanos, esteve lá e
assinou um documento com a Arquidiocese de Teresina, com o
Ministério Público do Estado do Piauí, com diversos outros
segmentos, inclusive conosco, Sindicato dos Policiais Civis, e
com o Superintendente da Polícia Federal, pedindo a
intervenção do Governo Federal nas cúpulas da Polícia Civil
e Militar do Piauí, para que o cidadão comum, o pobre, que é
quem mais precisa da ação da polícia, que é para onde ele
corre primeiro, tenha acesso à segurança pública de
qualidade. Infelizmente, o Governo ainda não entendeu. Aliás,
vem considerando a autonomia dos Estados. Mas, primeiro, pedimos
ao Governador que se sensibilize e encaminhe. Mas o Governador
já disse, alto e bom tom, que não vai pedir, porque já paga
as instituições para fazer isso. Tenta confundir a opinião
pública.
Estamos aqui levando essa nossa preocupação. Da mesma forma,
nesse documento, solicitamos que o Ministério da Justiça
designe um delegado da Polícia Federal para apurar o atentado
ao sindicato, porque, na realidade, eles querem atingir a nós,
diretores da entidade.
Então, fica aqui o nosso apelo. E tenham certeza de que vamos
continuar lutando. Fazemos parte, também, da executiva da
Confederação Brasileira da Polícia Civil, dos policiais
civis, trabalhadores, e vamos continuar lutando por uma polícia
cidadã e, sobretudo, democrática.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Passando a palavra ao próximo conferencista,
Cláudio Luís Beirão, anuncio o seguinte, Padre Pierre Roy.
O SR. CLÁUDIO LUÍS BEIRÃO - Não poderia deixar de registrar
neste plenário, já esvaziado, infelizmente - da própria Mesa
já se retiraram algumas pessoas também, que têm outros
compromissos, acredito -, a questão indígena. (Palmas.) Em
relação ao programa, o Governo nada fez para a questão
indígena. Quando ele, nesse material, faz uma síntese do que
foi feito, percebemos que praticamente não fez nada.
Senão vejamos: aqui diz, nesse material que vocês receberam,
que o Governo instituiu o Decreto nº 1.775. O Decreto n° 1775
foi instituído em 8 de janeiro de 1996, antes do programa.
Inclusive, a I Conferência Nacional de Direitos Humanos
repudiou, aprovou a moção aqui de repúdio a esse decreto.
Esse é um exemplo. Se veio o decreto, não veio de forma alguma
para acabar - como dizia o Governo - com as ações na Justiça,
como se o decreto tivesse o poder de acabar com ações na
Justiça. Não. Pelo contrário, temos hoje cerca de quinze
mandados de segurança contra o decreto, contra a demarcação.
Como o Governo diz que existem discursos falaciosos, este é um
discurso falacioso do Governo - isso sim.
Outra coisa que podemos verificar nesse material que todos
receberam é a questão da retirada de garimpeiros da terra
ianomami. No Programa Nacional de Direitos Humanos o que se
fala, o que se propõe é uma vigilância permanente. Esse tipo
de ação, que foi feita em fevereiro de 1998, em fevereiro
deste ano, é: a Polícia Federal vai lá, as Forças Armadas
vão lá, e retiram os garimpeiros. Eles saem. No outro dia,
eles entram novamente. Então, isso não é uma vigilância
permanente.
Quanto à questão da demarcação, o Governo disse: "Nós
estamos ganhando em todos os Governos: ganhamos do Fernando
Collor, ganhamos do Itamar, ganhamos de todos os
Presidentes". A verdade é que o Governo tem, a cada ano,
reduzido o orçamento da FUNAI. Inclusive, no Programa Nacional
de Direitos Humanos ele se comprometia a dar um orçamento para
a FUNAI, um orçamento que fosse necessário para que a FUNAI
cumprisse o seu dever, particularmente a demarcação. Ele não
faz orçamento. A cada ano ele tem diminuído - 70% este ano. O
orçamento de 1998 foi reduzido para 70%. A vigilância também
foi reduzida.
Então, na questão indígena, se olharmos os quatro pontos que
eles colocam como síntese, o Governo não fez nada. Esperamos
que com a pressão da sociedade ele faça alguma coisa.
É necessária a aprovação do estatuto. O Governo também tem
ido na contramão do estatuto, apoiando projetos de leis
esparsas, como o projeto de mineração em terra indígena,
outros projetos como os de saúde, projetos de educação,
projetos que não são os projetos do estatuto, um projeto
unificado, que o próprio programa diz.
Infelizmente, essa observação deveria ser feita precisamente
para o Secretário de Direitos Humanos, que, infelizmente, teve
que se retirar, e para, talvez se fosse o caso, o Secretário
Executivo de implementação do programa.
No decorrer dessa conferência, esperamos que se reafirme o
programa e que se coloque a necessidade de o Governo cumprir o
que foi compromisso dele no Programa Nacional dos Direitos
Humanos.
Era o que tinha a dizer.(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Convidando o conferencista Pierre Roy, anuncio a
próxima conferencista, Sra. Marilda Helena Santos.
O SR. PIERRE ROY- Padre Pierre Roy, dos Direitos Humanos da
Diocese de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Movimento Nacional de
Direitos Humanos. Abordarei três questões bem breves. Quero
reafirmar uma questão que o Reverendo Olmar assinalou: o
Programa Nacional de Direitos Humanos não contempla os direito
sociais e econômicos, e a não-existência dessa interligação
pode inviabilizar qualquer programa defendendo os direitos civis
políticos. O programa estadual de São Paulo remete a essa
situação. Então, é aviso para os outros Estados e programas
municipais que vão ser implementados e feitos para contemplar a
questão de direitos sociais e econômicos.
O segundo problema é a questão do programa de proteção à
testemunha. Foi pedido ao Dr. José Gregori, ao Pinheiro e à
Secretaria Nacional de Direitos Humanos para ampliar o programa,
para que não atenda somente às questões, os testemunhos
formalmente registrados em processos, já que o Ministério
Público deveria automaticamente fazer; ampliar, pegar os casos
que o próprio Governo e o Ministério Público não podem
resolver, não vão resolver. Um exemplo é o caso da Vereadora
da Bahia.
Nós, no Rio de Janeiro, temos a experiência. Atendemos vários
casos em que famílias, pessoas foram perseguidas pela polícia,
por gangues e por traficantes. O Governo não pode e não vai
atender esses casos. E se não existem entidades que podem
atender esses casos, como conseguimos atender vários casos
nesse sentido - e há mais casos que estão na lista de espera
-, então, não vai ser possível. Precisamos de recursos,
elementos - porque atendemos isso com recursos próprios,
precários - para poder ampliar esse programa.
A terceira questão, também dentro do programa. A Secretaria
Nacional de Direitos Humanos tem como uma das suas prioridades
esse programa e toma, a título experimental, claramente quatro
Estados - Bahia, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e o Rio de
Janeiro - para sua implementação. Infelizmente, podemos avisar
que no Rio de Janeiro já foram tomadas todas as medidas para
implementar o programa, mas podem tirar o Rio de Janeiro da
lista, porque não está acontecendo, pelo simples fato de que,
no último momento, o Governo do Estado não aceitou fazer
parceria com entidades da sociedade civil, entendendo ele que
já está pagando as instituições governamentais para fazer o
trabalho.
Então, nesse sentido, não é a questão tanto do Rio de
Janeiro ou do Governador, mas é para a Secretaria Nacional de
Direitos Humanos entender que se não há recursos, se não há
mecanismos para implementar os programas fora de qualquer
Governo - outros Governos também podem entender dessa maneira
os programas -, se não existe a força necessária para
realizá-los, não vão acontecer os programas,
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Passando a palavra à conferencista Marilda Helena
Santos, anuncio o próximo conferencista, Deputado Sérgio
Silva.
A SRA. MARILDA HELENA SANTOS - Boa-tarde a todos, boa-tarde aos
integrantes da Mesa. Sou Promotora de Justiça e represento o
Ministério Público do Estado de Goiás aqui hoje, até porque
coordeno o Centro de Defesa do Cidadão daquele Estado. Graças
a Deus, não represento o Ministério Público da Bahia. Eu me
envergonho quando vejo um depoimento sofrido, como o que
presenciamos aqui por parte de uma Vereadora de Município
daquele Estado.
Nós, em Goiás, temos a Corregedoria da Procuradoria-Geral de
Justiça. Entendo que a Vereadora deve, se já não o fez,
reclamar à Corregedoria e até mesmo, se for o caso - porque
não conheço os detalhes da questão, que foi trazida sem
maiores informações à plenária -, que ela também proceda a
requerimento de instauração de inquérito policial.
Prevaricação é crime. E o Ministério Público não está
livre de ser processado criminalmente. Costumo dizer em todos os
meus pronunciamentos que nós erramos e queremos arcar com as
conseqüências dos nossos erros. Devemos isso à sociedade. O
Ministério Público representa e há de defender essa
sociedade. Não pode, de maneira alguma, trabalhar contra ela.
Agora, quero dizer ao Deputado Mário Mamede, quando S.Exa.
genericamente fala a respeito de omissão por parte do
Ministério Público, que o Ministério Público recebeu, sim,
uma sobrecarga com a Constituição de 1988. E é evidente que
ainda não tem estrutura para atender as necessidades da
população, as suas atribuições. Agora, é preciso, Deputado,
que o senhor reconheça, como representante do Legislativo,
ainda que não da Câmara Federal, que o Legislativo está
devendo muito diante desse Programa Nacional de Direitos
Humanos.
O senhor sabia, Deputado, que o Ministério Público tem que
controlar a atividade externa da polícia? E temos um plano, um
Programa Nacional de Direitos Humanos; temos uma Constituição
Federal completando dois anos e ainda esse dispositivo não foi
regulamentado. E tantos outros estão sem regulamentação. Isso
ata as mãos do Ministério Público, que precisa de normas.
Não são normas que vão resolver nossos problemas. Temos -
costumo dizer isso e acredito que a maioria dos senhores
concorda -, um País de papel. Temos leis demais,
concretização e respeito de menos pela população. Mas em
muitas das nossas ações precisamos dessas leis, e não temos
iniciativa de leis - o senhor desconhece isso, Deputado. Não
temos também orçamento - e não poderíamos ter - para
estarmos muitas vezes trabalhando na implementação desse
programa.
Quero dizer do descaso do Governo Federal. Eu me fiz aqui
presente não foi tanto para gritar, não foi tanto para dizer
que o Ministério Público precisa e quer trabalhar mais e
muitas vezes não o faz por essas dificuldades que, talvez, o
representante do Poder Legislativo desconheça. E ele também,
mesmo não estando aqui, está precisando trabalhar um pouco
mais. O nosso Congresso precisa deixar de engavetar os nossos
projetos de lei, que interessam e que significam a
implementação desse programa. E não o faz.
Mas eu aqui me fiz principalmente presente para reclamar do
nosso Executivo. Há um desprezo muito grande. O Secretário
Nacional de Direitos Humanos tinha outros afazeres e não podia
ficar aqui conosco. Ele não podia estar aqui para ouvir
reclamações, porque ele não tem respostas.
Fico preocupada, porque tenho lutado para que o Governo do
Estado de Goiás institua um Programa Estadual de Direitos
Humanos. Fico preocupada quando vejo um programa desse, que mais
parece um engodo. Um dos expositores da Mesa disse que, se
fotografássemos a platéia, teríamos o mesmo retrato na I
Conferência, na II Conferência e na III Conferência Nacional
de Direitos Humanos. Mas não temos só o retrato dessa
platéia, não. Temos os mesmos discursos, porque esse programa
não saiu do papel. Depois de tudo o que analisamos no ano
passado, que havia significado avanço dentro desse programa,
nada mais se deu, porque a sociedade brasileira derramou sangue.
E foi à custa do sangue dessa sociedade, dessa população
sofrida, que pudemos dizer que avançamos alguma coisa nesse
programa; ou seja, o Governo Federal, responsável pela
implementação desse programa, quase nada ou muito pouco fez
por ele.
Hoje, temos o desprazer de receber por parte do Governo Federal
mais uma vez o que significaria a implementação desse
programa, que também, como já foi muito bem explorado aqui,
não passa de engodo; ou seja, será que vamos nos reunir mais
quantas vezes?
E fico questionando, quando luto para que o Governo do Estado
institua o Programa Estadual de Direitos Humanos: será que
vamos enganar a população do meu Estado, dizendo, como dizemos
aqui com tanto orgulho, que o Brasil é o terceiro do mundo a
ter um programa desse? Goiás vai ser o segundo ou terceiro a
ter um programa desse, que não vai ser concretizado. Até
quando vamos ficar nessa conversa, que não avança? Aí me
lembro do - não quero dizer saudoso - ex-Ministro Sérgio
Motta. Vou repetir as palavras dele. Elas me parecem até de
certa maneira desagradáveis, mas estamos nesse processo. E o
Deputado Nilmário - só para encerrar - diz o seguinte:
"Nós precisamos criar uma Comissão que vá fiscalizar a
Comissão Nacional de Direitos Humanos, que vá fiscalizar a
Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que vá fiscalizar o
Ministério da Justiça, para que esse programa seja
implementado. Depois, nós vamos nos reunir para criar um grupo
que vai monitorar a Comissão, que vai monitorar outra
Comissão, que vai monitorar a Secretaria, que vai monitorar o
Ministério da Justiça".
É preciso que o Governo Federal se faça mais presente, é
preciso que ele seja responsável realmente por este programa
que instituiu e que ele não nos engane. Quando eu digo isso, é
evidente que eu quero, sim, que todos cobrem e que trabalhem
junto com o Ministério Público. Não quero ser uma
representante do Ministério Público que chegue aqui e ache que
isso é louvável, mas distribuam um programa que no meu Estado
também não estará sendo implementado.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Passo a palavra ao conferencista Deputado Sérgio
Silva e anuncio a próxima conferencista, Raimunda Guedes.
O SR. DEPUTADO SÉRGIO SILVA - Senhoras e senhores, boa-tarde.
Cumprimento a Mesa de personalidades e autoridades, cumprimento
todo Plenário distinto aqui presente. Quero dar apenas uma
informação e fazer uma sugestão. A informação refere-se ao
Estado de Santa Catarina. Sou Deputado Estadual, Presidente da
Comissão de Direitos Humanos. Este ano, temos como meta a
formulação e a implementação do nosso Programa Estadual dos
Direitos Humanos. A Assembléia Legislativa convidou inúmeras
entidades a participar da sua elaboração, até porque apenas
queremos ser o agente agregador das idéias. Assim estamos
fazendo. Temos um calendário já aprovado por essas entidades e
temos uma série de passos que estão rigorosamente sendo
cumpridos, a exemplo de algumas entidades aqui presentes, como a
Procuradoria-Geral do Estado, a OAB, também aqui presente, e
outras entidades que estão nos acompanhando nesta viagem a
Brasília.
Queremos dizer que o Programa, tanto nacional como estadual, é
baseado em metas. E meta é tudo aquilo que pode ser mensurável
no tempo e no espaço. Portanto, considero fundamental que os
programas sejam introduzidos em Estados e Municípios, para que
tenhamos um horizonte a respeito do que queremos para os
direitos humanos no nosso País, no nosso Estado, nas nossas
cidades. Essa é a informação.
Imagino este fórum adequado, pelas personalidades que estão
aqui presentes e pelas autoridades que o compõem, para ser o
agente que irá medir como estamos com o Programa Nacional. Eu
entendo que uma das competências da III Conferência Nacional,
complementando o que disse a representante do Ministério
Público de Goiás, é o que deve determinar como nós
avançamos, se avançamos e quanto avançamos nas metas que o
próprio Governo, junto com as entidades, reuniu no nosso
Programa Nacional. E que as próximas conferências tenham o
cuidado, se a sugestão for acatada, de começar a medir os
avanços dessas metas ou os retrocessos, caso, infelizmente,
eles tenham acontecido.
Assim teremos a condição, além de trazermos aqui o que foi
trazido de conhecimento, de experiência, belíssimas e
verdadeiras aulas que foram dadas, de ter também uma parte
prática: a monitoração ou, melhor dizendo, o acompanhamento
das metas que nós, brasileiros, nos propusemos cumprir.
Portanto, fica a sugestão para que, nas seqüências dos
trabalhos programáticos que serão desenvolvidos hoje à tarde
e amanhã, no encerramento dos trabalhos, tenhamos também a
condição de, ao final, conseguirmos monitorar e avaliar o
quanto já cumprimos das metas de curto, médio e longo prazos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Convidando a conferencista Raimunda Guedes, anuncio o
próximo e último conferencista inscrito, Rubens Pinto Lira.
A SRA. RAIMUNDA GUEDES - Boa-tarde a todos. Meu nome é Raimunda
Guedes. Sou assistente jurídica, trabalho no Ministério da
Cultura.
É um tanto frustrante participar desses trabalhos, quando
desconfiamos que não vai levar a canto algum, não vai dar
qualquer resultado. Mas entre a ação e a omissão, é melhor
nos posicionarmos em torno da ação; que cada um possa fazer o
que lhe caiba, na oportunidade que surge.
Não vou falar da questão da mulher negra, excluída da
sociedade, até porque algumas pessoas aqui já fizeram isso,
graças a Deus. Mas existe um setor da nossa sociedade que nunca
está representado em canto nenhum, não tem direito a voz, nem
voto.
O Dr. Carlos Fernandes - parece que saiu, é uma pena; além do
Dr. Gregori, ele também saiu - falou da raiva, da perseguição
militar, que foi aplicada aos presos políticos e que ainda
persiste nos dias de hoje.
Imaginem os senhores os rapazes submetidos ao serviço militar
obrigatório. Se esses meninos têm tendência ao chamado
socialismo, comunismo; se os pais e os parentes são tidos como
assim, o que é que eles sofreram e ainda sofrem? Porque o
juízo de valor ainda permanece no chamado serviço militar
obrigatório. Imaginem as condições do adolescente negro
submetido ao serviço militar obrigatório, onde ele aprende que
realmente é inferior: tem superior, tem o superior do superior
etc, e ele é alijado à camada mais baixa da sociedade.
Eu tive a infeliz oportunidade de denunciar isso. Escrevi um
livro sobre o fato que ocorreu em 1986, onde um dos meu filhos
prestava serviço militar. Eu esperava que as organizações de
direitos humanos - tive muito apoio da imprensa, inclusive da
grande imprensa, tipo revista Veja, Jornal do Brasil, O Globo
etc. Eu achava que as organizações de direitos humanos fossem
encampar essa questão, mas parece que isso não foi feito até
hoje.
Então, muita gente morreu prestando serviço militar. Muita
gente sofreu perseguição prestando serviço militar. E isso
é, sim, uma questão de direitos humanos (Palmas.). Por que se
indenizam presos políticos que desapareceram por
responsabilidade dos militares e não os rapazes que estavam
prestando serviço militar que morreram, foram mutilados ou
desaparecidos também? Por que não se fazer isso, por que não
se agendar isso? Então, esses meninos, esses rapazes não
falam, não se expressam, não clamam - nem isso eles fazem.
Depois que assumi essa luta, ouço de homens de todas as idades
as experiências que eles tiveram, os casos que presenciaram. É
triste, doloroso, é difícil dormir com isso. Então, a partir
daí, eu até esqueci por que devia lutar por ser negra, por ser
minoria, por ser excluída. Alguém pode ser negro e não sofrer
discriminação racial desde quando assuma o papel de só limpar
o chão, lavar roupa etc. Aí está bom, não tem problema.
Recebe roupa usada, uma cesta de Natal etc. Mas quando um negro
assume, consegue vencer barreiras para ser doutor, assistente
jurídico etc, a coisa pega.
Mas eu esqueci disso tudo. E quero aqui, perante os senhores que
se dedicam à questão dos direitos humanos, solicitar que
voltem um pouco de sua atenção e de seu tempo para esses
meninos que sofrem, porque o serviço militar ainda continua
sendo obrigatório. Os meninos já crescem pensando:
"Quando chegar a data, o que eu faço?" Aí, a
família: "Não, vamos transferir você para uma cidade
onde seja possível escapar; vamos arrumar um atestado falso ou
coisa assim." Então, isso não é admissível.
Eu ouvi o Secretário Gregori falando das vantagens do serviço
voluntário, mas não é só o serviço voluntário que existe.
Existe serviço obrigatório e as suas seqüelas e
conseqüências.
Em segundo lugar - vou ser breve, parece que o tempo é escasso
-, sobre a questão do tabagismo, o próximo dia 31 de maio
será o Dia Internacional contra o tabagismo. As nossas
televisões mostram como é bonito o mundo de Marlboro, não é?
Aquela sensação de riqueza, aquela fantasia, beleza, sucesso
etc, etc, etc. Isso incute nas pessoas que, para ter sucesso,
para ser bem-sucedido, é preciso fumar. Mas sabemos que não é
isso. Por trás do uso do fumo existe uma grande possibilidade
de se morrer de derrame, de mil e uma doenças, de ataque
cardíaco etc. E o pior é quando você é não-fumante e tem de
trabalhar com fumante, porque compartilha aquela fumaça e
adoece também.
Então, são coisas pequenas, coisas simples, fáceis de pôr em
prática. Primeiro: por que admitir essa propaganda perversa na
televisão? Segundo: existe uma lei proibindo o uso do fumo em
locais fechados, por que não se respeita isso? Nos Estados
Unidos é proibido fumar nos prédios públicos. As pessoas,
querendo ou não, vão tomando consciência do perigo do fumo.
Então, por que não fazer isso? É simples, é prático e já
existe lei pronta para isso.
Por fim, quero agradecer a todos a oportunidade, a todos os
organizadores, e mais uma vez reforçar a questão dos sem-voz
do serviço militar obrigatório. Não sou homem, nunca prestei
serviço militar obrigatório, mas ouço as histórias tristes
de cada pessoa que passou por isso, ou da sua família, ou do
seu vizinho, que ouviu contar. E não é admissível que essas
coisas passem assim em brancas nuvens. Devemos tomar
providências conjuntas. Isto o Governo pode fazer: primeiro,
proibir a propaganda enganosa do cigarro, que não traz
felicidade, não traz riqueza, não traz nada; segundo, tratar,
oferecer tratamento às pessoas dependentes químicas do
cigarro; e, por fim, proibir o uso do cigarro em locais
públicos, em locais freqüentados por pessoas não fumantes. Em
síntese, determinar os lugares onde se possa fumar, de modo que
a fumaça de um não prejudique a saúde de quem não fuma. Não
é nada contra o fumante, mas é um apelo à vida.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar
Leitão) - Passo a palavra ao conferencista Rubens Pinto Lira.
O SR. RUBENS PINTO LIRA - Queria fazer uma ponderação à Mesa
no sentido da organização dos trabalhos da próxima
conferência. Após nosso sentimento de culpa por falar agora e
o da Mesa, pela maior dificuldade em controlar a palavra, porque
ela não foi suficientemente democratizada de forma adequada,
faço uma sugestão. Peço à Comissão da Câmara dos
Deputados, ao Movimento Nacional dos Direitos Humanos que pensem
em uma próxima organização em que se dê espaço efetivo aos
participantes da conferência. Existe muita gente com
qualificação que gostaria de dar seus testemunhos, de
intervir.
Aqui fica uma situação delicada. As pessoas, cansadas,
intervêm com preocupações também de poderem ser objetivas
etc.
Faço essa sugestão e proponho que na análise de temas - por
exemplo, como nos temas de ontem, apesar do brilhantismo dos
conferencistas - verifique-se a pertinência em relação às
prioridades do Movimento Nacional dos Direitos Humanos,
interesse da maioria dos que estão aqui. Que se começasse a
conferência pelo relatório de uma Comissão independente,
escolhida pelos participantes da conferência, para fazer uma
avaliação crítica, construtiva, é claro, mas crítica do que
foi feito e do que não foi feito. Isso eu acho importante.
Bem, três intervenções telegráficas. Primeiro, com relação
à questão dos meios de comunicação. Não se trata apenas do
controle dos programas de baixíssimo nível, da necessidade de
modificar isso e de criar o Conselho Nacional de Comunicação.
Eu chamo atenção para a questão da liberdade de expressão,
pedra angular da democracia. No dia 5 de maio, no "Bom-dia
Brasil", a Rede Globo noticiou - e eu transmiti isso a
alguns dos presentes - como tragédia nacional a derrota do
Governo a respeito da modificação do limite da idade de
aposentadoria. Uma tragédia nacional, assim foi declarado, e os
opositores assimilados a antipatriotas. Nenhuma voz dissidente
para registrar uma opinião que não fosse a do pensamento
único nesse campo e em todos os outros.
Essa questão dos meios de comunicação é essencial. E apelo
para os presentes que dêem todo o destaque a esse problema nos
grupos. Não há democracia se não houver a livre formação da
vontade política, que só acontece quando há confronto de
idéias. Essa não é uma posição avançadinha, mas a de
Noberto Bobbio e de qualquer democrata.
O Governo não fará isso. Não é por acaso que até agora esse
tema não está no Programa de Direitos Humanos. Respeito a
figura extraordinária do Secretário de Direitos Humanos - e
não é da boca para fora -, mas é preciso que ele tenha
respaldo, e que questões dessa natureza sejam apresentadas.
Haverá a maior resistência no Congresso Nacional para se
retirar dessa máfia que monopoliza os meios de comunicação o
monopólio da verdade, ou melhor, o monopólio de suas mentiras.
(Palmas.) A mentira maior é a privação do confronto. Não
interessa se a verdade está de um lado ou de outro. O que
interessa é que ela seja expressa e debatida.
Segundo ponto: monitoramento. Temos de contar com o
monitoramento, além do de Paulo Sérgio Pinheiro, que é a
figura mais brilhante e autêntica do grupo nomeado oficialmente
pelo Governo, também das entidades da sociedade civil.
Em relação à intervenção do Deputado Mário Mamede, que
considerei a mais prática e efetiva entre as brilhantes
intervenções, só discordo de um ponto. Não é o Ministério
Público. Tive outra interpretação. Creio que V.Exa. colocou o
Ministério Público num patamar superior. O Ministério
Público tem uma função essencial e precisa efetivamente ser
renovado. Aqui temos exemplos de brilhantes Promotores, porém,
a maioria dos Estados ainda deixa muitíssimo a desejar. Mas
não é isso. Quem tem a função de organizar os planos
estaduais de direitos humanos, por lei, são os Conselhos
Estaduais de Direitos Humanos e, onde não existem, o Movimento
Nacional de Direitos Humanos. Sugiro então que se constitua uma
comissão de monitoramento independente e permanente, que se
possa reunir a cada dois ou três meses. Ela vai captar todas as
novidades e transformações que forem ocorrendo.
Por fim, a Lei de Segurança Nacional. Há alguns anos, um ou
dois, conversei com figuras eminentes que julgavam que essa lei
estava superada e não recepcionada pela Constituição.
Contudo, a Lei de Segurança Nacional está sendo aplicada. E
nunca, nas conferências de movimentos de direitos humanos,
registrou-se a questão da sua revogação. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - De acordo com a
prática adotada para o primeiro painel, a Presidência oferece
a palavra aos membros da Mesa, uma única vez, pedindo que eles
próprios cronometrem seu tempo, para que não haja
intervenção da Presidência.
Está aberta a palavra aos membros da Mesa.
O SR. MÁRIO MAMEDE - Senhoras e senhores, agradeço o convite
para participar desta Mesa. Foi uma honra para mim. Logicamente,
muito poderia ser dito e discutido. A limitação de tempo é
algo terrível para nós, porque o assunto é muito abrangente.
Eu havia anotado pelo menos oito tópicos, mas é impossível
que consiga abordar com alguma profundidade ou de maneira
conseqüente algum deles. Vou tentar encontrar uma maneira de me
dividir nas tarefas de grupo.
Registro duas coisas. Como a Dra. Marilda lamentavelmente
ausentou-se, não poderei abordar a questão olhando para ela,
como eu gostaria. Acho que ela se equivocou com relação ao que
eu disse sobre o Ministério Público. Acredito que o
Ministério Público deverá ser - e constitucionalmente deve
ser - um dos mais formidáveis órgãos para animação,
implementação, cobrança, monitoramento e fiscalização de
qualquer política de direitos humanos ou de garantia do direito
à cidadania. Eu disse que, lamentavelmente, nem todos os
promotores públicos, nem todos os que fazem o Ministério
Público já incorporaram esses novos valores garantidos pela
Constituição que a sociedade a eles confiou. Foi isso o que
falei.
Tenho uma aliança muito forte com as pessoas que compõem o
Ministério Público do Ceará, tanto no âmbito da
Procuradoria-Geral de Justiça como no âmbito da
Procuradoria-Geral da República no Ceará. Talvez eu seja o
Parlamentar que mais encaminhe demandas; talvez o Parlamentar
que mais estabeleça parcerias efetivas; mas, seguramente, sou o
Parlamentar que mais tem exercido críticas ao Ministério
Público no meu Estado. Portanto, não assumo essa posição,
pois ela é de isenção e irresponsabilidade política. Acho
que a Dra. Marilda equivocou-se quando analisou minha postura
como uma crítica negativa ao Ministério Público.
Por fim, tenho aqui uma tarefa que gostaria de ao menos iniciar
em dez segundos, se os senhores me permitem. Estamos diante de
uma seca muito grave no Nordeste brasileiro. A CNBB tem um
relatório, conhecido nacional e internacionalmente, que
registra que de 1979 a 1986, período de cinco anos de seca
continuada, registraram-se cerca de 4 milhões de mortes no
Nordeste brasileiro. Estamos iniciando o mês de maio, a seca
ainda irá tornar-se mais aguda, e a fome já é insuportável.
Não sabemos como será o decorrer do ano.
O Governo Federal sabia, desde setembro do ano passado, que a
seca adquiriria feições dramáticas, e passou essa
informação aos Governantes do Nordeste. As entidades de
direitos humanos já fizeram pelo menos três reuniões bastante
demoradas. Amanhã, sexta-feira - não estarei na comissão, mas
a assembléia estará representada -, iremos ao Ministério
Público pedir-lhe que enfrente com a devida envergadura a
discussão sobre os saques, dada a sua legitimidade, o roubo
famélico, o roubo pela necessidade. Que ele enfrente e não
permita que se agigante, como está acontecendo no Ceará, a
ação policialesca de combater miseráveis e punir aqueles que
estão lutando para sobreviver. (Palmas.)
Agradeço as manifestações, que considero um gesto de profunda
solidariedade.
Tenho aqui um documento que passarei às entidades da Mesa e, se
a Comissão me apoiar, a outras pessoas, para ampliar sua
compilação. O documento está assinado por seis entidades de
direitos humanos: OAB, Assembléia, Comissão de Direitos
Humanos da Câmara Municipal, Centro de Promoção de Direitos
Humanos da Arquidiocese, Centro de Defesa da Criança e do
Adolescente - uma preocupação muito grande nas áreas de seca
- e Anistia Internacional. O que desejamos é que a
problemática da seca no Nordeste brasileiro seja tratada como
uma questão inarredável de direitos humanos. Agradeço a
atenção e peço desculpas pelo abuso de tempo nesta
intervenção final. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Mais algum membro da
Mesa deseja fazer uso da palavra?
O SR. BELISÁRIO DOS SANTOS JUNIOR - Tenho três notas urgentes
e rápidas a abordar.
Cecília, com relação às ossadas, a UNICAMP recebeu ofício
da Comissão. Porém, como a resposta da UNICAMP tardava, o
Secretário de Segurança Pública e eu, como Secretário da
Justiça, oficiamos ao Reitor. Eu, pessoalmente, comuniquei-me
com ele. Ainda ontem ele me pediu um prazo - que achei bastante
razoável e já comuniquei aos familiares - para devolução das
ossadas e preparação dos relatórios finais dos trabalhos da
UNICAMP, que, segundo a própria universidade, estão
concluídos. Seguramente, após isso deliberaremos sobre o que
fazer, até porque a comissão, como outras comissões de São
Paulo, está composta majoritariamente por representantes de
familiares.
Segundo ponto, a questão dos presos. Padre Chico, temos ambos a
mesma preocupação de que essa evolução, a substituição de
uma cultura que viola os direitos humanos para uma cultura que
os respeite, é um processo. Então, creio que ainda durante
muito tempo vamos cruzar com informações em que há vontade
política do Governador, do Secretário e de vários escalões,
mas há também a violação dos direitos humanos. Durante algum
tempo ainda conviveremos com isso. O que não podemos é
conviver com a impunidade e com determinadas situações que
preservam uma esfera de violação dos direitos humanos. Há
muitos anos, em São Paulo é gravíssimo o problema das cadeias
e das delegacias de polícia. E isso não ocorre só naquele
Estado. De um lado, desviam a Polícia Civil de sua função de
polícia investigava, de polícia judiciária, e a transformam
em carcereira. De outro lado, violam profundamente o direito dos
presos.
O Governo do Estado de São Paulo, apesar de encontrar
obstáculos, dispõe de recursos do Governo Federal para
construir 21 novas penitenciárias. A política não é
construir mais cadeias, mas para se esvaziarem as delegacias de
polícia e aquele complexo onde ainda há 6 mil presos e não
cabe nem a metade, precisamos construir. Ainda que violando
nossa filosofia de como tratar o preso, que não é construindo
mais cadeias, mas para substituir a forma degradante como ele
vive hoje, estamos tentando criar essas 18 mil novas vagas.
Inequivocamente, sempre haverá essa questão do processo. Às
vezes, quando se cria um programa nacional de direitos humanos,
alguém diz: olha lá, não cumpriu tudo o que disse. Mas isso
é um processo. Precisamos tomar cuidado para que nessa fase de
avanço dos direitos humanos não batamos nos amigos. Não vou
falar nada em defesa do Sr. José Gregori, até porque quem
falou na ausência dele também já se retirou.
Nós falamos e temos de ser coerentes com aquilo que dizemos. A
Promotora fez algumas referências e foi pessimista. Eu gostaria
até de dar a ela uma palavra de otimismo: acho que é
possível, sim. Estamos cumprindo várias etapas do programa. E
temos de bater nos inimigos; bater nos amigos é muito
complicado, porque criamos diferenças que na realidade não
existem.
Última referência. O Programa Nacional de Direitos Humanos
refere-se de uma forma muito sucinta aos direitos econômicos
sociais, até mesmo nos dois primeiros pontos. É que um
programa estadual como o de São Paulo tem mais possibilidade de
ser referido. Mas estamos realizando a política de
assentamentos, a reforma agrária, a política de uso das terras
devolutas, o uso das terras devolutas públicas para
assentamento de sem-terra cadastrados no movimento social - essa
é uma pista interessante para os Estados -, a regularização
de pequenas posses e um programa que julgo fantástico, que é a
localização, regularização e outorga da propriedade para as
comunidades de quilombos. Para quem acha que não há quilombos
em São Paulo, já localizamos 21.
Eram essas as marcas que eu queria abordar.
O fim desta fala é um fim otimista. Devemos consolidar o
patamar em que estamos sem achar que atingimos o necessário.
Temos de caminhar para frente, mas não caminharemos bem se não
reconhecermos efetivamente que há muita coisa por cumprir. Não
podemos ficar naquele diálogo de surdos em que uns falam nos
avanços, outros falam no que não foi feito. É possível
comunicar essas linguagens. Foi feita alguma coisa? Foi. Há
muito o que fazer? Há. A partir desse consenso, vamos marchar
para frente. A fotografia das pessoas pode ser a mesma, mas,
seguramente, o patamar de civilização, o patamar de direitos
humanos que atingimos não é o mesmo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Osmar Leitão) - Convido todos para a
plenária de amanhã e chamo a atenção para os trabalhos da
parte da tarde de hoje.
A Mesa agradece a todos a presença, principalmente aos que
ficaram conosco até o final. (Palmas.)
Está encerrada a reunião.
Plenária Final
15/05/98
O SR. COORDENADOR (Deputado
Agnelo Queiroz) - Reabrimos agora os trabalhos da 3ª
Conferência Nacional de Direitos Humanos.
Esta fase final tem por objetivo a apresentação das
conclusões dos grupos de trabalho e das moções a serem
aprovadas por esta Conferência.
A organização deste evento achou por bem designar um
relator-geral para colaborar com a Mesa elaborando um relatório
que sistematize os resultados dos grupos de trabalho. Para isso,
estamos designando o assessor jurídico da Comissão de Direitos
Humanos, Dr. Augustino Veit, que já está aqui presente.
Convidamos para compor a Mesa os relatores dos grupos de
trabalho. Do Grupo de Trabalho nº 1, a Sra. Jussara de Goiás;
do Grupo de Trabalho nº 2, o Sr. Narciso Pires; do Grupo de
Trabalho nº 3, a Sra. Maria Lúcia Karam; do Grupo de Trabalho
nº 4, o Sr. Cláudio Luiz Beirão; e do Grupo nº 5, Sr.
Tarcísio Dal Mazo Jardim.
Passaremos a palavra ao relator de cada grupo, que exporá suas
conclusões por dez minutos. Depois, abriremos as inscrições
para os debates. Cada inscrito terá direito a cinco minutos.
Por favor, os interessados dirijam-se aos funcionários da
Comissão que se encontram nas laterais do plenário. Primeiro,
ouviremos os relatores, debateremos o assunto e, posteriormente,
apresentaremos as moções que já estão na mesa e outras que
receberemos durante os trabalhos.
Peço aos participantes que peguem o certificado de
participação na Conferência no balcão de credenciamento,
durante o período da reunião.
Estabeleceremos o encerramento dos trabalhos para as 12h30min ou
13h, de maneira que nos programemos. Assim, não acontecerá
aquele esvaziamento característico, exatamente por sabermos o
horário do término da reunião.
Concedo a palavra à Sra. Jussara de Goiás, relatora do Grupo
de Trabalho nº 1.
A SRA. JUSSARA DE GOIÁS - O tema do nosso grupo foi
"Programa Nacional de Direitos Humanos - Aperfeiçoamento e
Implementação".
Tivemos uma participação bastante representativa. Felizmente,
as pessoas tiveram interesse em discutir o assunto. Fizemos uma
relação de assinaturas de todos os participantes e a
entregamos à organização da Conferência.
Resumindo todas as discussões, que foram muito ricas - em
função do tempo não foi possível escrever detalhadamente
sobre todos os assuntos -, tentamos sistematizar o trabalho. O
Grupo, por favor, sinta-se à vontade para acreescentar algo, se
sentir necessidade de fazê-lo.
Dividimos a primeira parte em seis pontos:
I. Ampliação do Programa Nacional de Direitos Humanos
1.1. O Programa Nacional de Direitos Humanos deverá contemplar
os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais,
de forma a garantir a universalidade, a indivisibilidade e a
interdependência dos direitos humanos.
1.2. Formulação da Política Nacional de Direitos Humanos,
contemplando articuladamente os três níveis: federal, estadual
e municipal.
1.3. Inclusão em todos os níveis de execução orçamentária
de recursos destinados à implementação da Política Nacional
de Direitos Humanos.
1.4. Realização de Conferência Nacional dos Direitos Humanos,
com caráter deliberativo, para definição das diretrizes,
metas e ações para a Política Nacional de Direitos Humanos,
com a participação de representantes da sociedade civil
organizada, Poder Executivo (federal, estadual e municipal),
Poder Judiciário, Ministério Público (federal, estadual e
municipal) e Poder Legislativo (federal, estadual e municipal).
II. Inclusões no texto do atual Programa Nacional dos Direitos
Humanos dos seguintes itens:
2.1. As conclusões aprovadas por ocasião da 2ª Conferência
Nacional de Direitos Humanos, relativas aos direitos dos
homossexuais, gays, lésbicas e travestis, constantes das
páginas 123, 124 e 125.
2.2. As conclusões aprovadas por ocasião da 2ª Conferência
Nacional de Direitos Humanos, relativas aos direitos das
mulheres, constantes das páginas 115 e 116.
III. Ações imediatas
3.1. Cumprimento imediato da implementação da autonomia dos
órgãos periciais, em nível federal, por intermédio de emenda
à Constituição, inserindo-a nas funções essenciais à
Justiça.
3.1.1. Fortalecer os Institutos de Criminalística e o Instituto
Médico Legal, adotando medidas que assegurem a sua excelência
técnica e progressiva autonomia por meio da instalação da
Superintendência de Polícia Técnico-Científica, com
orçamento próprio.
3.2. Criação de um plano de reequipamento dos Institutos de
Criminalística e Medicina Legal, a ser elaborado e efetivado
pelo Governo Federal.
3.3. Implementação de programas de lazer e cultura para
crianças e adolescentes nos assentamentos rurais e urbanos.
3.4. Revogação imediata da Lei de Segurança Nacional.
3.5. Educação pública, gratuita e de qualidade deve ser
prioridade absoluta como forma de garantir a construção de uma
cultura em direitos humanos, a democratização da universidade,
valorização das instituições de ensino e de seus
profissionais.
3.6. Implementação imediata do disposto nas páginas 35 e 36
acerca da Educação e Cidadania - Base para uma Cultura em
Direitos Humanos.
3.7. Definição de critérios objetivos e transparentes para a
escolha do Prêmio Nacional de Direitos Humanos, oferecido pelo
Governo Federal, com monitoramento da sociedade civil.
3.8. Criação de mecanismos que assegurem o acesso às
informações relativas ao direito do consumidor, em especial
para a apuração dos produtos e serviços oferecidos à
população.
3.9. Implementação das ações previstas nas páginas 29, 30 e
31 do Programa Nacional de Direitos Humanos, referentes à
população negra.
3.10. Implementação de um processo amplo de consulta ao
conjunto da população negra, em especial as mulheres negras,
sobre cotas para participação no serviço público e
universidades.
3.11. Constituição de Conselhos Estaduais de Direitos Humanos,
com a participação majoritária de representantes da sociedade
civil organizada.
3.12. Criação de Ouvidorias nos serviços públicos municipal,
estadual e federal dotados de autonomia em relação ao órgão
fiscalizado.
3.13. Cumprimento imediato da lei que proíbe o fumo em recintos
fechados e proibição da propaganda enganosa sobre o fumo.
3.14. Humanização e monitoramento dos programas de treinamento
de cabos e soldados das Forças Armadas.
3.14.1. Criação de Programa de Indenização, Apoio e
Tratamento às Vítimas de abusos efetuados no decorrer dos
treinamentos militares.
3.15. Assegurar atendimento digno aos homossexuais, gays e
travestis nas delegacias de polícia.
3.16. Definição imediata de referencial para identificação
do significado temporal de curto, médio e longo prazos.
Quanto tempo é considerado prazo curto? Já se passaram dois
anos desde a implantação do Programa.
3.17. Que o Governo Federal assuma integralmente os custos
provenientes dos saques em razão da seca, tendo em vista que os
mesmos são frutos de sua omissão.
IV. Aprovação imediata dos seguintes projetos de lei:
4.1. PL que regulamenta a profissão do Agente Comunitário de
Saúde.
4.2. PL que trata do trabalho escravo, em tramitação no Senado
Federal, já aprovado na Câmara dos Deputados.
4.3. PL que trata da democratização dos meios de comunicação
social.
4.4. PL que trata da autonomia dos órgãos de identificação
criminalística.
4.5. PL que trata do Programa de Proteção às Vitimas e
Testemunhas.
4.6. PL que trata do Estatuto das Sociedades Indígenas.
V. Discussão ou formulação de projetos de lei:
5.1. Discussão do PL nº 1.610, em conjunto com as sociedades
indígenas organizadas.
5.2. Apresentação de PL que caracterize os chamados
"crimes de ódio", estabelecendo a obrigatoriedade
pelos órgãos oficiais de pesquisa da produção de dados
estatísticos sobre os crimes praticados.
5.3. Discussão ou formulação de PLs que tratem da
biopirataria dos recursos naturais das comunidades indígenas.
VI. Monitoramento do Plano Nacional de Direitos Humanos:
Criação de uma Comissão de cinco membros, indicados no final
desta Conferência por seus participantes.
VII. 4ª Conferência Nacional de Direitos Humanos
7.1. Iniciar a Conferência com a apresentação de um
relatório crítico sobre a execução do Programa Nacional de
Direitos Humanos.
7.1.1. Produção de um relatório paralelo, pela sociedade
civil, sobre o PNDH, como forma de garantir o monitoramento do
mesmo.
7.2. Assegurar amplo espaço de participação nos debates que
se seguem às palestras.
7.3. Manutenção da realização de Conferências Nacionais
anuais.
7.3.1. Realização de Conferências Nacionais a cada dois anos.
7.4. Rodízio dos lugares de realização da Conferência
Nacional.
Isso foi o que sistematizamos. Valéria e eu trabalhamos na
coordenação e na relatoria. Gostaria de consultar o grupo se
faltou alguma proposta, se desejam acrescentar algo.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Primeiro, vamos
apresentar todos os relatórios e, em seguida, passaremos ao
debate.
Concedo a palavra à Sra. Maria Lúcia Karam, relatora do Grupo
3.
A SRA. MARIA LÚCIA KARAM - O Grupo de Trabalho nº 3 discutiu
"As relações do Poder Judiciário com os direitos
humanos".
Diante das limitações da discussão realizada em uma única
tarde, sem uma pauta previamente preparada e amadurecida, o
grupo de trabalho entendeu que as conclusões e as propostas
deveriam conter apenas sinalizações das linhas gerais a serem
seguidas em posterior aprofundamento do tema, em discussões a
se desenvolverem pelo conjunto da sociedade, com uma
conseqüente viabilização de propostas concretas.
Levando-se em conta a preocupação central no sentido de se
caminhar para uma maior democratização do Poder Judiciário,
de modo a obter de seus órgãos uma atuação comprometida com
a garantia e a efetivação dos direitos humanos, recomendam-se
três grandes eixos de discussão:
1. As relações do Poder Judiciário com a sociedade e as
questões do consentimento, do controle e da participação
populares em relação aos órgãos do Estado.
2. A estruturação e a atuação do Poder Judiciário:
aplicação da lei e a efetivação dos direitos humanos.
3. A atuação do Poder Judiciário na execução penal: a pena
privativa de liberdade surgindo como ponto central das
preocupações em torno da efetivação dos direitos humanos.
1. Poder Judiciário e sociedade
Diante da necessidade primordial de romper com o isolamento e a
postura conservadora do Poder Judiciário, tornando-o mais
conhecedor da realidade e mais próximo das reivindicações e
lutas desenvolvidas na sociedade, bem como de submeter sua
atuação aos necessários consentimento, controle e
participação populares, sugere-se:
- o desenvolvimento de discussões em torno das formas de
ingresso no Poder Judiciário, nos diversos graus de
jurisdição: concurso público, participação dos Poderes
Executivo e Legislativo, eleição, etc;
- a exigência de conhecimentos sobre a disciplina Direitos
Humanos para o ingresso no Poder Judiciário, bem como a sua
introdução nos currículos das Escolas da Magistratura,
enfatizando não só o estudo teórico, como o contato com a
realidade;
- o desenvolvimento de discussões em torno da criação e
ampliação de órgãos colegiados, integrados por juízes
togados e leigos, asseguradores de uma participação popular
direta no exercício da função jurisdicional, à semelhança
do júri e dos juizados especiais, como previsto na
Constituição;
- o desenvolvimento de discussões em torno da
descentralização do Poder Judiciário, a partir da
experiência dos juizados especiais e dos juizados itinerantes.
- o desenvolvimento de discussões em torno dos mecanismos
possíveis de controle popular sobre o Poder Judiciário
(conselhos,ombudsman,etc.);
- o desenvolvimento de discussões em torno dos mecanismos
internos de democratização do Poder Judiciário (publicidade
dos processos administrativos, escolha dos órgãos de direção
dos tribunais, etc.);
- aproximação imediata das entidades ligadas à defesa dos
direitos humanos com os órgãos do Poder Judiciário e com as
entidades representativas dos magistrados, seja através de
reuniões, debates e propostas, seja através da divulgação de
documentos produzidos, a começar pelas conclusões desta 3ª
Conferência Nacional de Direitos Humanos.
2. Aplicação da Lei e Efetivação dos Direitos Humanos. Neste
ponto, o grupo de trabalho priorizou, em sua discussão,
questionando-as, por expressiva maioria, as propostas da chamada
federalização dos direitos humanos, em que se apresenta a
transferência para a Justiça Federal da competência para o
conhecimento de causas relativas a direitos humanos -
transferência objeto de mais de um projeto de emenda
constitucional -, como forma de tornar aqueles direitos mais
efetivos, entendendo os que assim se expressaram que tais
propostas, além de conduzirem a uma indefinida distribuição
de competência, partem de uma suposição, não comprovada, de
atuação mais independente dos órgãos da órbita federal,
rompendo ainda com a desejável aproximação ao conflito e à
realidade, que se faz, em qualquer âmbito da atuação estatal,
por órgãos descentralizados. A independência do Poder
Judiciário local pode ser atingida por sua democratização,
como sugerida no item anterior.
Entendeu também o grupo de trabalho que a simplificação dos
procedimentos e a criação de outros mecanismos asseguradores
de um amplo e efetivo acesso à Justiça fazem-se necessárias
à aplicação da lei, de forma comprometida com a efetivação
dos direitos humanos, questão intimamente relacionada com os
pontos abordados no item anterior, assim exigindo o
desenvolvimento das discussões antes sugeridas. 3. Poder
Judiciário e Execução Penal. Destacando como preocupação
maior e mais urgente nas discussões em torno do comprometimento
do Poder Judiciário, com a garantia e a efetivação dos
direitos humanos sua atuação na execução da pena privativa
de liberdade, o Grupo de Trabalho sugere:
- implementar os Conselhos da Comunidade previstos na Lei de
Execução Penal (Lei 7.210/84), órgãos viabilizadores da
participação popular junto ao Poder Judiciário;
- maior presença dos órgaõs da execução penal (juízes,
Ministério Público, Conselhos, etc.) na fiscalização dos
estabelecimentos prisionais, inclusive com inspeções sem
prévia comunicação;
- repensar o âmbito de competência das Varas de Execução
Penal, considerando, inclusive, a possibilidade de transferi-la
para o juízo da condenação, especialmente no que se refere
às medidas alternativas à prisão;
- empreender ações sensibilizadoras dos juízes, no sentido de
uma maior aplicação de penas alternativas à prisão e de
cumprimento, em prisão domiciliar, das penas privativas de
liberdade impostas a presos doentes, a preocupação maior,
neste ponto, voltando-se especialmente para aqueles atingidos
pela AIDS.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Gostaria de
anunciar a presença da Deputada Maria Laura, do PT do Distrito
Federal, que nos honra com a sua participação.
Passo a palavra ao Sr. Cláudio Luiz Beirão, relator do Grupo
de Trabalho nº 4.
O SR. CLÁUDIO LUIZ BEIRÃO - O Grupo de Trabalho nº 4 tratou
do tema: "O Poder Legislativo e os Direitos Humanos".
Primeiro foram apresentados, pela assessoria, as nove
proposições que tramitam no Legislativo - seis projetos de lei
e três projetos de emenda constitucional - e que seriam
necessárias à implementação do Programa Nacional de Direitos
Humanos. Estes seriam os projetos prioritários, e o grupo
discutiria quais as formas de uma tramitação mais acelerada:
- PL nº 2.057/91, que dispõe sobre os estatutos das sociedades
indígenas;
- PL n º 4.715/94, que transforma o Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana em Conselho Nacional de Direitos
Humanos e dá outras providências;
- PL nº 585/95, que dispõe sobre os direitos básicos dos
portadores do vírus da AIDS e dá outras providências;
- PL nº 627/95, que regulamenta o procedimento de titulação
de propriedades imobiliárias aos remanescentes de quilombos, na
forma do art. 68 do Atos das Disposições Constitucionais
Transitórias, estabelece normas de proteção ao patrimônio
cultural brasileiro e dá outras providências;
- PL nº 2.684/96 (nº na Cãmara) /PLC 32/97 (nº no Senado
Federal), que altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de dezembro de 1940 (Código Penal), o qual inclui entre as
penas restritivas de direitos a prestação pecuniária, a perda
de bens e valores e o recolhimento domiciliar, caracterizando
como penas alternativas;
- PL nº 3.599/97, que estabelece normas para a organização e
a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e
testemunhas ameaçadas e institui o Programa Federal de
Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas;
- PEC nº 46/91, que introduz modificações na estrutura
policial, desmilitarizando a polícia, submetendo-a à
fiscalização do Judiciário e, quanto à polícia judiciária,
à supervisão do Ministério Público, alterando o art.125, que
se refere à Justiça Militar Estadual, da nova Constituição
Federal;
- PEC nº 232/95, que dá nova redação ao art. 243 e a seu
parágrafo único da Constituição Federal, estabelecendo a
pena de perdimento da gleba onde for constatado conduta que
favoreça ou configure trabalho forçado e escravo, com a
reversão dessas áreas aos programas de assentamento de colonos
e destinando os bens apreendidos para programas de
fiscalização e repressão a essas condutas;
- PEC nº 368/96, que atribui competência à Justiça Federal
para julgar crimes praticados contra os direitos humanos. Em
seguida, o grupo franqueou a palavra aos conferencistas que
estavam presentes à discussão, para que eles apresentassem
alguns projetos que fossem incluídos como prioridades. Foram
propostos três projetos de lei, mas o pessoal já me advertiu
de que há um quarto projeto, que não foi incluído por mim.
Os três projetos são:
- PL nº 1.289/91, que amplia para o estrangeiro em situação
ilegal no território nacional o prazo para requerer o registro
provisório;
- PL nº 1.813/91, que define a situação jurídica do
estrangeiro no Brasil e dá outras providências;
- PLP nº 142/97, que dispõe sobre o procedimento do
contraditório especial, de rito sumário, para o processo de
desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para
fins de reforma agrária.
O PL que falta nesta lista é o de nº 4.365/98, que dispõe
sobre a violência doméstica e é de autoria da Deputada Maria
Laura. Quem passou o nome não soube dizer como era a
formulação da ementa. Depois, nós o discutiremos melhor neste
plenário.
Para esses projetos o grupo aprovou, por unanimidade, a
apresentação ao plenário da Conferência de uma moção a ser
encaminhada ao Congresso Nacional para aprovação dessas
proposições, em regime de urgência. Em relação a cada
projeto, é necessário que saia desta Conferência uma carta
às autoridades competentes, como presidentes de Comissões,
relatores, os Presidentes da Câmara e do Senado, onde eles
estão parados, apontando a necessidade de urgência na
tramitação dos mesmos. Também uma carta semelhante seria
encaminhada aos líderes dos partidos, pedindo o o apoio deles
para a posição adotada pelo grupo. Essa foi uma moção geral
aprovada pelo grupo.
O grupo, considerando que existem 198 projetos de lei que tratam
dos direitos das mulheres, propõe que a Comissão de Direitos
Humanos da Câmara discuta o tema " violência
doméstica" - com base no projeto de lei da Deputada Maria
Laura - em audiência pública e considere também outros
projetos semelhantes que tratam desse assunto e tramitam no
Congresso Nacional, tanto na Câmara dos Deputados quanto no
Senado Federal.
Em seguida, discutiu-se sobre a participação dos militares
brasileiros na chamada "Escola das Américas" e qual
seria a forma de impedir essa prática. Foi aprovada uma moção
a ser encaminhada aos Ministros militares, recomendando o
não-envio de seus membros, como alunos ou instrutores, para
essa "Escola". Sobre o assunto outra moção será
encaminhada ao Deputado Nilmário Miranda, para ser apresentada
ao PARLATINO, ressaltando a preocupação com essa instituição
e os males produzidos nos países latino-americanos.
Em relação aos opositores do regime militar, o grupo discutiu
a formação de um grupo de revisão das legislações que
tratam desse assunto, visando a corrigir algumas injustiças,
como: não ampliação do prazo de abrangência da Lei nº
9.140/95; que sejam contemplados os mortos em manifestações de
ruas; que seja discutida a reparação de danos materiais a
todos os perseguidos e outros assuntos que não foram abrangidos
pela lei. Esse grupo de revisão deverá ter assessoria especial
das entidades que discutem o tema.
O Grupo propõe uma moção pedindo ao Presidente da República
a expulsão e a anistia dos presos do caso Abílio Diniz.
Foi também aprovada moção a ser apreciada por esta
Conferência, solicitando ao Presidente da República o envio
dos tratados de transferência de presos entre o Brasil e o
Chile e entre o Brasil e a Argentina, para serem apreciados pelo
Congresso. Outra moção será encaminhada ao Congresso Nacional
para aprovação desses tratados.
O Grupo também aprovou, como moção, a solicitação de
criação, em todas as Câmaras de Vereadores, de Comissões de
Defesa dos Direitos Humanos, assim como a discussão, pelas
Câmaras e Assembléias Legislativas, da criação dos programas
estaduais e municipais. Esses programas devem ser incentivados e
reconhecidos pelos Estados e Municípios.
Estes foram os assuntos tratados pelo Grupo.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Obrigado,
Cláudio, pelo relato das conclusões do Grupo 4.
Passamos a palavra ao relator do Grupo de Trabalho nº 5, Sr.
Tarcísio Dal Mazo Jardim.
O SR. TARCÍSIO DAL MAZO JARDIM - De acordo com as conclusões
do Grupo de Trabalho nº 5, que trata das "Normas
internacionais e reconhecimento da jurisdição das cortes
internacionais pelo Brasil", chegamos a sete moções, que
eu lerei aqui, na íntegra.
Moção pelo reconhecimento da competência obrigatória da
Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Recomendamos uma indicação legislativa, nos termos do art.
113, inciso I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a
fim de o Presidente da República declarar ao Secretário-Geral
da OEA, segundo o art. 62 da Convenção Americana Sobre
Direitos Humanos (já aprovada pelo Congresso Nacional e
ratificado pelo Executivo Federal), que reconhece como
obrigatória a competência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
Moção sobre a Conferência de Roma, que estabelecerá a Corte
Penal Internacional. Recomendamos que o Ministério das
Relações Exteriores do Brasil se pronuncie de forma clara,
perante a opinião pública, sobre a aprovação do tratado que
instituirá a Corte Penal Internacional, esclarecendo os
seguintes pontos: papel do Conselho de Segurança e da
Promotoria; concepção da complementariedade de jurisdições;
tipificação dos crimes; medidas de proteção às testemunhas
e vítimas.
Recomendamos também que o Ministério das Relações Exteriores
do Brasil inclua na delegação que representará o País na
Conferência de Roma o Ministro do referido Ministério, o
Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, um representante da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, um
representante da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos do
Ministério da Justiça e um representante da sociedade civil
ligado à luta pelos direitos humanos.
Também solicitamos uma reunião, em nome da 3ª Conferência
Nacional de Direitos Humanos, com os responsáveis do
Ministério de Relações Exteriores brasileiro pelo tema.
Acreditamos, sobre a questão, que:
a. o Conselho de Segurança não pode ter a prerrogativa de
evitar a investigação e o julgamento de casos sob sua análise
pela Corte Internacional Penal;
b. a Promotoria deve ter o poder de iniciar o processo, chamado
o poder de gatilho, trigger, em todos os tipos criminais, tendo
por base as informações das vítimas, das ONGs ou de outras
fontes;
c. o poder de decidir sobre questões ligadas à
complementariedade da jurisdição da Corte Penal Internacional,
em relação ao direito interno, deve ser dos juízes da Corte
Internacional;
d. a competência da Corte Penal Internacional não deve ser
limitada aos cidadãos dos Estados que tenham ratificado o
tratado;
e. no tratado instituidor da Corte não pode haver a hipótese
de o Estado reconhecer, de forma facultativa, a competência da
jurisdição internacional caso a caso;
f. deve-se ressaltar a inclusão, como crime de guerra, do
estupro sistemático em época de conflito e a utilização de
crianças como soldados;
g. deve ser incluído algum mecanismo efetivo de proteção às
testemunhas e vítimas;
h. não devem ser incluídos os crimes de terrorismo e de
tráfico de entorpecentes, pois esses servirão de escusas para
a responsabilidade dos agentes estatais.
A terceira moção é pela aprovação da Convenção
Interamericana de Desaparecimento Forçado de Pessoas e da
Convenção nº 138 da OIT. Exigimos que o Congresso Nacional
aprove essas Convenções. A Convenção nº 138 da OIT versa
sobre direitos da criança e do adolescente, obviamente para
depois ser ratificado pelo Poder Executivo.
A quarta moção é pelo comprometimento do Brasil com os
mecanismos de implementação da Convenção das Nações Unidas
contra a tortura e do Pacto de Direitos Civis e Políticos.
Recomendamos que o Executivo brasileiro vincule-se ao Protocolo
Facultativo do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e ao art.
22 da Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura,
instrumentos instituidores do direito de petição individual
junto aos órgãos de implementação internacional do Pacto e
da Convenção referidos.
A quinta moção é pela federalização dos crimes fundados em
tratados de proteção da pessoa humana.
Com o objetivo de cumprir fielmente as obrigações
internacionais assumidas pelo Brasil e facilitar a
fiscalização da sociedade civil e dos órgãos de
fiscalização, que o Congresso Nacional aprove legislação
para federalizar os crimes fundados em tratados de proteção da
pessoa humana.
A sexta moção é em prol da implementação de ações
emergenciais para o Nordeste.
Considerando a situação atual de emergência e de risco de
vida dos flagelados nordestinos, em verdadeiro estado de
necessidade e calamidade pública, atingidos pela adversidade da
catástrofe de estiagem prolongada, com duração prevista para
cinco anos ininterruptos, a qual é agravada ainda pelos fatores
de exclusão e de desigualdade sociais vigentes na região;
Considerando também a profunda discrepância entre a situação
desastrosa existente e os objetivos publicamente assumidos pelo
Governo brasileiro de realização plena dos direitos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais de todos os
brasileiros e brasileiras;
Requeremos que o Governo intensifique ao máximo as ações
articuladas no sentido de aliviar esta situação de
emergência, abrangendo iniciativas e esforços de âmbito
nacional, bem como no de considerar a possibilidade do
recebimento imediato de ajuda alimentar humanitária
internacional, destinada às populações do Nordeste afligidas
pela fome, pela falta de água, pela estiagem prolongada.
Por fim, a última moção é pela elaboração e apresentação
pelo Governo brasileiro do informe sobre a situação dos
direitos econômicos, sociais e culturais no Brasil.
Considerando a situação de fome e miséria que milhões de
brasileiros vivem na atualidade;
Considerando que no Brasil o acesso ao trabalho, à terra, à
educação, à saúde de milhões de brasileiros está cada vez
mais restrita;
Considerando o aumento da violência contra as populações
carentes e marginalizadas no Brasil;
Considerando as obrigações assumidas pelo Estado brasileiro
junto aos instrumentos internacionais de direitos humanos;
Considerando o compromisso que os Estados signatários do Pacto
Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
em apresentar periodicamente o informe sobre a situação e as
ações implementadas para realização desses direitos;
Requeremos que o Governo brasileiro elabore, com o envolvimento
da sociedade civil, e apresente no âmbito internacional o
respectivo informe.
Este é o relatório do Grupo de Trabalho n° 5.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Estão sendo
providenciadas cópias do relatório do Grupo de Trabalho nº 2.
A partir de agora estão abertas as inscrições, que serão
feitas pelos funcionários. Quem quiser inscrever-se levante a
mão, e o funcionário anotará o nome do interessado. Os
componentes do grupo que tenham alguma correção ou acréscimo
a fazer podem inscrever-se, de imediato, para a fase de
discussão.
Concedo a palavra ao Sr. Narciso Pires, relator do Grupo de
Trabalho nº 2.
O SR. NARCISO PIRES - O tema do nosso Grupo é "Formas de
articulação visando à criação de Programas Estaduais de
Direitos Humanos".
Coordenadores: Romeu Olmar Klich, Secretário Executivo do
Movimento Nacional de Direitos Humanos, e Belisário dos Santos
Júnior, Secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São
Paulo.
Relatores: Socorro Prado, do CDDH da CNBB de Manaus e
Conselheira do Movimento Nacional de Direitos Humanos - Norte I,
e Narciso Pires, do Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná e
Conselheiro do Movimento Nacional dos Direitos Humanos - Sul II.
A Comissão Temática chegou à conclusão, pelos relatos das
experiências dos Estados, que existem quatro realidades
distintas quanto ao potencial de articulação visando à
criação de Programas Estaduais de Direitos Humanos.
Primeiro cenário.
A iniciativa é de entidades governamentais do Executivo - é o
caso do Estado de São Paulo.
A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, entidade
governamental do Poder Executivo, tomou a iniciativa.
Vamos citar os passos do procedimento de toda essa
articulação.
Primeiro passo: organização, no primeiro semestre de 1996, do
1º Fórum Estadual de Minorias, com a participação de 350
ONGs e entidades governamentais nas áreas de educação,
saúde, moradia, criança e adolescente, trabalho, além de
segmentos como negros, mulheres, índios, homossexuais, líderes
religiosos, moradores de rua, sem teto, trabalhadores rurais e
outros segmentos.
Neste fórum foi proposto, pela primeira vez, o Programa
Estadual de Direitos Humanos a partir de ampla discussão. As
reuniões do fórum incluíam sempre um diagnóstico da
situação dos direitos humanos a partir da realidade de cada
segmento e propostas de superação dos problemas a curto,
médio e longo prazos.
Segundo passo: com base nas propostas do fórum foi realizada
uma segunda rodada de consultas à sociedade civil, já com
vistas ao Programa Estadual. Essa fase incluiu a realização de
oito audiências públicas nas regiões administrativas do
Estado, nas Câmaras Municipais, algumas delas com caráter
intermunicipal.
Terceiro passo: a partir dos subsídios recolhidos nos dois
passos anteriores foram adotadas duas providências:
a - formação de um grupo de acompanhamento do Programa
Estadual de Direitos Humanos, integrado pela própria Secretaria
de Justiça, pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana e pelo Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo e pela Comissão de Direitos Humanos
da Assembléia Legislativa, com o objetivo de preparar a Iª
Conferência Estadual de Direitos Humanos;
b - contratação pela Secretaria da Justiça do Núcleo de
Estudos da Violência para prestar assessoria técnica ao
programa.
Quarto passo: realização da Iª Conferência Estadual de
Direitos Humanos na Assembléia Legislativa, com a
participação de 350 representantes de entidades governamentais
e não-governamentais, durante a qual as propostas passaram por
uma terceira discussão.
Quinto passo: sistematização final das propostas. O texto
final do programa inclui 303 propostas temáticas.
Sexto passo: lançamento do Programa Estadual, pelo Governador
do Estado, em 14 de setembro de 1997. Na mesma data ele foi
publicado pelo Diário Oficial do Estado como decreto
governamental, que também instituiu a Comissão Especial de
Acompanhamento da Implantação do Programa Estadual de Direitos
Humanos.
Sétimo passo: início das atividades de monitoramento do
Programa Estadual de Direitos Humanos, através da Comissão
Especial integrada por representantes do Governo do Estado, dos
Conselhos Estaduais, de Organizações Não-Governamentais,
além de observadores do Poder Judiciário, do Ministério
Público e do Poder Legislativo.
Oitavo passo: criação de comissões do Programa Estadual de
Direitos Humanos nas Secretarias do Estado e início da
elaboração do seu primeiro relatório a ser lançado em junho
de 1998.
Nono passo: aprofundamento do processo de conhecimento e
integração do Programa Estadual de Direitos Humanos com outros
planos e programas municipais e estaduais com o Programa
Nacional de Direitos Humanos; início do processo de
preparação da IIª Conferência Estadual de Direitos Humanos.
Décimo e último passo: no segundo semestre de 1998 serão
realizados eventos ligados ao primeiro aniversário do Programa
Estadual de Direitos Humanos e aos cinqüenta anos da
Declaração Universal de Direitos Humanos.
Segundo cenário.
A iniciativa é de uma entidade governamental do Poder
Legislativo - Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da
Câmara Municipal de Vereadores de São Paulo -, que se associa
a outras entidades governamentais, Fórum Municipal de Direitos
da Pessoa Humana, sem contar, no entanto, com o apoio do Poder
Executivo.
O fórum reúne entidades tais
como de mulheres, sindicalistas, negros, indígenas,
homossexuais - gays e lésbicas; pastorais -, saúde,
carcerária, migrantes, criança, adolescente, portadores de
deficiência, comitê de combate ao trabalho infantil,
trabalhadoras e trabalhadores do sexo, portadores do vírus HIV,
AIDS, idosos, anistiados políticos e familiares de mortos e
desaparecidos políticos.
Essa articulação organizou a Iª Conferência Municipal de
Direitos Humanos da cidade de São Paulo, que reuniu 150
entidades para discutir e aprovar o Plano Municipal de Direitos
Humanos.
Fazendo uma distinção entre plano e programa, o plano não é
assumido pelo Poder Executivo; ele passa a ser programa na
medida em que o Executivo assume o plano. Torna-se, então, um
Programa de Direitos Humanos.
Luta, agora, para transformar o Plano Municipal de Direitos
Humanos em Programa Municipal de Direitos Humanos, o que
pressuporia a sua encampação pela Prefeitura Municipal de São
Paulo, que se mantém, no entanto, refratária à proposta.
Terceiro cenário.
A iniciativa é de ONGs de Direitos Humanos, que se articulam
com entidades governamentais, percebendo um espaço de
ocupação e implementação das políticas públicas de
Direitos Humanos e outras entidades do movimento social e
sindical.
Quarto cenário.
A iniciativa é de ONGs que se articulam com outras entidades do
movimento social e sindical, mas encontra resistência de
entidades governamentais, principalmente do Executivo.
Entendemos que foram esses quatro cenários existentes enquanto
espaço de articulação.
Propostas à IIIª Conferência Nacional de Direitos Humanos
para encaminhar essa articulação:
1 - que esta conferência oriente as entidades de direitos
humanos para criação de grupos de trabalho nos Estados, com a
presença de membros do Executivo, do Ministério Público, do
Legislativo, da magistratura, entidades do movimento social e
sindical e também outras entidades governamentais;
2 - criar instrumentos legais de pressão e coerção às
pessoas que desrespeitam os direitos humanos e introduzir
elementos na Constituição que possibilitem a intervenção nos
Estados para a apuração de crimes de direitos humanos;
3 - propõe ao Ministério da Justiça a destinação de
recursos para a realização de eventos de direitos humanos nos
Estados e Municípios do País, conforme consta do PNDH;
4 - que na construção dos conselhos estaduais e municipais de
direitos humanos articule-se toda a sociedade civil organizada,
assim como as entidades governamentais do Executivo,
Legislativo, Judiciário, do Município, do Estado e da
República.
Que se dê prioridade a uma ação organizativa de direitos
humanos nas cidades do interior, nos colégios, nas fábricas,
nos conselhos profissionais, nos sindicatos, visando a estimular
a organização do tecido social voltada para uma nova cultura
de direitos humanos, centrada na construção de uma sociedade
mais solidária, mais fraterna e mais igualitária;
5 - que seja realizado, em setembro deste ano, em São Paulo,
por iniciativa da Secretaria do Estado da Justiça e da Defesa
da Cidadania, em parceria com entidades não-governamentais e
governamentais interessadas, como, por exemplo, o Movimento
Nacional de Direitos Humanos, a Comissão de Direitos Humanos da
Câmara Federal, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a
Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São
Paulo, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal
paulistana e o Núcleo de Estudos da Violência da USP, um
seminário sobre o tema "Consolidação dos Planos e
Programas Municipais e Estaduais de Direitos Humanos.
Instrumentos, táticas e estratégias". O evento terá como
marco o 50º aniversário da Declaração Universal de Direitos
Humanos e o 1º aniversário do Programa Estadual de Direitos
Humanos de São Paulo. Deverá discutir um plano de ação para
o período 1999/2003 e se propõe que seja realizado no Memorial
da América Latina.
Foram apresentadas 12 moções, que passarei a ler. Peço a
compreensão dos companheiros que apresentaram as moções, pois
fizemos uma verdadeira síntese, já que era um calhamaço de
moções. Se houver alguma dúvida, por gentileza, interfiram e
corrijam o que está sendo relatado.
Primeira moção: recomendar a criação e devida instalação
em todos os Estados da Federação de Conselhos Estaduais de
Direitos Humanos para a efetivação de Programas Estaduais de
Direitos Humanos.
Segunda moção: que os Governos Estaduais não continuem
desrespeitando os mais elementares direitos constitucionais e
trabalhistas dos servidores públicos (policiais militares e
civis), vitimados em serviço por morte ou invalidez, retirando
de suas famílias gratificações salariais a que tinham direito
no momento da ocorrência quando em escala oficial de serviço.
Terceira moção: de protesto ao Governo do Ceará, que,
através da Mensagem nº 6.360, de 8 de abril de 1998, em
tramitação na Assembléia Legislativa, adota uma postura
contrária às entidades de direitos humanos, às associações
e sindicatos de profissionais de perícia forense e à
orientação do Programa Nacional de Direitos Humanos ao
subordinar o Instituto Médico Legal, o Instituto de Perícia
Criminal e o Instituto de Identificação ao superintendente de
Polícia Civil.
Quarta moção: abertura dos arquivos das Forças Armadas e
demais arquivos secretos do Regime Militar e a ampliação da
Lei nº 9.140, de 1995, até o final do regime militar e o
reconhecimento das pessoas assassinadas na rua em
manifestações contra a ditadura; que o Governo Federal assuma
a responsabilidade de investigar e identificar todas as ossadas
já encontradas pelos esforços das entidades de direitos
humanos e familiares de mortos e desaparecidos; e pela criação
de uma lei federal que propicie a reparação de danos morais e
materiais a todos aqueles que foram presos e perseguidos pela
ditadura militar, à semelhança das leis já promulgadas em
alguns Estados, como Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do
Sul.
Quinta moção: de apoio à campanha internacional "Uma
flor para as mulheres de Kaboul", campanha liderada pelo
Parlamento europeu e que tem por objetivo preservar os direitos
humanos das mulheres afegãs.
Sexta moção: de repúdio contra o Governo do Estado do Piauí
pela sua omissão em relação à não-implantação do Programa
Estadual de Direitos Humanos naquele Estado.
Sétima moção: de repúdio às declarações do Ministro da
Justiça, Renan Calheiros, por pedir a prisão preventiva das
principais lideranças do MST por incentivar os saques por parte
dos flagelados da seca.
Oitava moção: para inclusão em todos os Programas Estaduais
de Direitos Humanos de mutirões, com a participação da OAB e
da Defensoria Pública, onde houver, para o exame e tomada de
medidas necessárias para a defesa dos direitos humanos das
pessoas presas nas delegacias de polícia e distritos policiais.
Nona moção: de protesto junto ao Reitor da UNICAMP por dois
fatos: primeiro, atuação do perito Badan Palhares no caso das
ossadas retiradas da vala comum de Perus, que vem sendo marcada
pela falta de transparência e pelo desrespeito à memória dos
mortos e desaparecidos políticos comuns; segundo, a simples
devolução dos restos mortais não significa resolução
daquilo que a sociedade solicitou à UNICAMP, qual seja, a
apuração científica da identidade daquelas vítimas da
violência.
Diante disto, reivindicamos que a UNICAMP notifique formalmente
o Sr. Badan Palhares sobre o que pensamos a respeito do seu
desempenho. Exigimos que o Reitor daquela Universidade explique
à sociedade brasileira os motivos de sua decisão de devolver
as ossadas.
Homenageamos os mortos e desaparecidos políticos, alguns dos
quais executados sumariamente e jogados na vala de Perus.
Solidarizamo-nos com a luta dos familiares e companheiros dos
mortos e desaparecidos pela sua coragem e tenacidade na luta
pela verdade.
Décima moção: de apoio à proposta de emendas aditivas aos
arts. 392, 393 e 394 do anteprojeto do Código Penal brasileiro,
tipificando como crime contra a cidadania a discriminação por
orientação sexual, pois a mesma proposta representa um passo
fundamental na consolidação dos direitos humanos dos cidadãos
homossexuais no Brasil.
Décima primeira moção: de repúdio ao atentado sofrido pelo
Presidente do Sindicato dos Policias Civis Penitenciários e
Servidores da Secretaria da Justiça e da Cidadania do Estado do
Piauí, no dia 14 de abril de 1998, às 23h30min, quando foram
disparados cerca de vinte tiros contra a sede da entidade.
Décima segunda moção: de apoio ao reconhecimento do valor
democrático desta Conferência Anual como um espaço de
avaliação e articulação em defesa das políticas públicas,
tão necessárias para a conquista de uma sociedade digna e do
estado de direito; o incentivo para a criação e manifestação
das comissões legislativas, municipais e estaduais de direitos
humanos, de modo a favorecer o crescimento de uma cultura de
direitos humanos, passo fundamental para o resgate da dignidade
e da justiça em nosso País; o reconhecimento do Plano
Municipal de Direitos Humanos de São Paulo como passo
fundamental para a viabilização de políticas públicas de
direitos humanos, garantindo a participação da sociedade civil
organizada.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Agradecemos ao Sr.
Narciso Pires a colaboração. Vamos distribuir as moções do
Grupo nº 2, para completar. Só faltou o Grupo n° 1 relatar as
suas moções, para que o plenário tenha conhecimento de todas.
Estamos abertos a sugestões.
A nossa companheira Jussara vai apresentar as sugestões de
moções do Grupo nº 1.
A SRA. JUSSARA DE GOIÁS - Tinha entendido que seria em um outro
momento.
Na verdade, o nosso grupo não discutiu moções. Como eu tinha
moções a apresentar e fiquei envolvida no trabalho de
relatoria, acabei me esquecendo de expor as minhas propostas ao
grupo, o que vou fazer agora para o plenário.
A moção, apresentada pelo Grupo nº 2, sobre o apoio à
campanha "Uma flor para as mulheres de Kaboul" também
foi apresentada no meu grupo, para ser trazida a plenário.
Quero reforçar que o Grupo nº 1 também recebeu essa
solicitação de moção.
Gostaria de apresentar a solicitação de moção de repúdio ao
Juiz da Vara de Infância e Juventude de Jundiaí em relação
aos casos das adoções internacionais, gravíssimos, que estão
acontecendo lá. As mães estão se organizando porque estão
perdendo seus filhos. As crianças são retiradas das mães, e
ninguém sabe para onde estão indo.
Além da moção, queria solicitar a criação de uma comissão
interna da Comissão de Direitos Humanos, para que, junto com a
Frente Parlamentar pelos Direitos da Criança, fosse
imediatamente a Jundiaí ouvir as mães e saber o que
verdadeiramente está acontecendo naquela cidade. (Palmas.)
Esse problema já foi identificado por duas CPIs: a que
investigou o assassinato de crianças, em 1992, e a que
investigou a exploração sexual, em 1993. Elas já apontavam
que a Vara da Infância e a Justiça de Jundiaí eram uma ponte
na linha do tráfico de crianças para o exterior. Até hoje
isso não foi devidamente levado a sério, e o resultado que
estamos vendo é cada vez mais grave. Por isso estou sugerindo a
criação dessa comissão.
Apresento também uma moção para o Senado Federal, solicitando
que aprove imediatamente quatro projetos, aprovados na Câmara
dos Deputados em dezembro, que contribuem para o combate ao
trabalho infantil.
São os seguintes projetos: o que garante creches em empresas
que tenham até trinta mulheres a partir de dezesseis anos; o
que tipifica como crime o trabalho escravo...
Agora só me lembrei de dois, mas no debate, se me lembrar,
informarei. Esses quatro projetos precisam chegar a Genebra em
junho, como compromisso do Brasil, o único que assumiu a
adesão à Marcha Global contra o Trabalho Infantil. Portanto,
no mínimo deve isso. São quatro projetos já discutidos,
acordados, aprovados por acordo de Liderança, com urgência
urgentíssima. Penso que no Senado também não oferecerão
resistência. Se caminharmos por um acordo, aprovaremos
imediatamente esses quatro projetos.
Encaminhamos a moção a todos os Senadores, aos Líderes dos
partidos, pedindo a indicação imediata dos seus representantes
para a comissão criada com a finalidade de aprovar a PEC que
proíbe o trabalho infantil até os catorze anos. O Brasil deve
isso às suas crianças. Não regulamentou a Convenção nº 138
até hoje. Para apreciar a PEC do Presidente, enviada em 1996,
até o dia 5 de maio não tinha sido sequer criada Comissão.
Foi criada no último dia 5 de maio, depois de tanta pressão da
Marcha Global. Que pelo menos seja feita a indicação dos
Parlamentares que irão compor essa Comissão para iniciar a
discussão da retirada da nossa Constituição da expressão
"salvo na condição de aprendiz". Essas são as
moções.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Agradecemos à
Jussara a participação.
Vamos abrir as inscrições para os que desejarem apresentar
sugestões. A orientação inicial está mantida. Vamos debater
e discutir o conteúdo apresentado pelos grupos. Como já
apresentamos as diversas moções provenientes dos grupos, é
evidente que na discussão, se alguém tiver sugestões, que as
façam.
Vamos abrir o debate. O Sr. Carlos Sinoreli já pode se dirigir
à mesa, enquanto o Sr. Narciso Pires faz a correção de uma
moção que leu.
O SR. NARCISO PIRES - Foi uma falha, mas trata-se da quarta
moção, que fala sobre a abertura dos arquivos das Forças
Armadas e demais arquivos secretos do Regime Militar.
Acrescentaríamos, por solicitação de Minas Gerais, uma
moção no sentido de que o Governo do Estado de Minas Gerais
faça a transferência imediata dos arquivos da COSEG relativos
ao período da ditadura militar (1964/1981), para o Arquivo
Público Mineiro e a demissão do torturador Ariovaldo da Silva,
Coordenador de Informação do COSEG.
A Socorro, nossa companheira de relatoria, lerá outra proposta.
A SRA. MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO - Há outra proposta, aprovada
pelo Plenário. É a do Grupo Estruturação, um grupo
homossexual do Distrito Federal, que pede a contemplação, no
programa, dos direitos dos homossexuais. O grupo expõe o
seguinte e pede que seja acrescentado à proposta: a IIIª
Conferência recomenda que na elaboração dos planos e
programas estaduais e municipais sejam contempladas as ações
prioritárias em relação a gays, lésbicas e travestis,
aprovadas na IIª Conferência.
Faltou na proposta de São Paulo, sobre o seminário nacional,
acrescentar os Conselhos Estaduais.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - O nosso
Relator-Geral fará a sistematização, pois algumas propostas
se repetem nos grupos.
Passaremos imediatamente aos debates. A Mesa será rígida com o
tempo de cinco minutos, para que todos possam ter oportunidade.
Passo a palavra ao Sr. Carlos Sinoreli, da Câmara Municipal de
Campinas, e, em seguida, ao Sr. Joaquim Ventura, de Cuiabá.
O SR. CARLOS SINORELI - A mim me parece que o grande problema
dessas conferências é o acompanhamento do programa. Ontem, por
exemplo, desde a abertura, estamos vendo que, no fundo, quem faz
o acompanhamento são os mesmos que estão na direção do
programa, por mais que se fique falando o tempo todo que não
podemos fazer mais do que isso ou qual foi o país que fez isso.
A impressão que temos é de que ou fazemos a 4ª Conferência
um pouco mais forte do que a 3ª e 2ª Conferência, ou
ficaremos aqui repetindo as mesmas coisas: pegamos o programa e
lemos.
O Programa Nacional já está sendo criticado desde o segundo
encontro, porque não trata dos direitos sociais, econômicos e
culturais. Veio aqui o Prof. Paulo Pinheiro e disse que, se
nenhum país faz isso, por que temos então que fazer? Acho isso
um absurdo vindo do Prof. Paulo Pinheiro! (Palmas.)
O plano de São Paulo foi elaborado muito mais democraticamente
e já apresenta direitos sociais, econômicos, culturais etc. No
entanto, apresenta uma grave falha no acompanhamento. O
acompanhamento foi feito em São Paulo, a partir do Executivo,
que nomeou a equipe de acompanhamento. Portanto, não há
opositor à equipe de acompanhamento. (Palmas.) Esse problema é
gravíssimo, e acho que a conferência tem que tomar frente
quanto a isso.
O Grupo nº 1 foi muito feliz ao dizer, primeiramente, que tem
que ser deliberativo; ele também acrescentou, se não me engano
no item 7, algumas coisas importantes. Queria solidificar isso
no seguinte sentido de que a 4ª Conferência seja deliberativa,
mas que tenha, primeiro, uma base, ou seja, que se inicie nos
Municípios e nos Estados, ou regiões. Que tenhamos
conferências preparatórias à 4ª Conferência Nacional, que
se poderiam iniciar em janeiro ou fevereiro do ano que vem e
terminar em maio, com a 4ª Conferência. Que houvesse
conferências preparatórias municipais, estaduais ou regionais,
caso fosse possível. Segundo, que na 4ª Conferência
tivéssemos indicados, não só pelo grupo de acompanhamento do
programa, mas também pela sociedade civil, alguns analistas que
pudessem trazer a visão da sociedade civil sobre o programa e
sobre a realização. É duro se chegar à 4ª Conferência e
ver que o Secretário - uma pessoa fantástica por quem temos um
respeito profundíssimo, que há muitos anos luta pelos direitos
humanos - está subordinado a uma figura como Renan Calheiros.
Quer dizer, é algo complicado e não podemos fazer uma crítica
aqui. (Palmas) Essa análise tem que ser feita pela sociedade
civil, pelas organizações que estão na luta dos direitos
humanos, para se dizer ao Governo e à Secretaria que dessa
forma não está funcionando.
A proposta é a de que a 4ª Conferência seja deliberativa, e,
como o Grupo nº 1 disse, que seja no ano que vem, não seja
bianual; e que seja precedida por conferências preparatórias
estaduais, municipais ou regionais.
Gostaria de propor um Encontro Nacional de Comissões
Legislativas de Direitos Humanos. Muitas cidades já têm
Comissões Legislativas Permanentes de Direitos Humanos, mas
não existe contato entre as mesmas. Algumas estão realizando
coisas que outras não estão; algumas estão com muitas
dificuldades, outras indo bem na frente. Queria propor que a
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados pudesse
realizar - quem sabe até julho, porque depois não funciona
nada - um Encontro Nacional de Comissões Legislativas de
Direitos Humanos, principalmente das Comissões municipais.
Por fim, que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados nos envie uma relação de todos os projetos que dizem
respeito ao Programa Nacional de Direitos Humanos ou daqueles
que sejam pertinentes ao tema, a fim de que possamos
acompanhá-los do ponto em que estão. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Muito obrigado,
Sr. Carlos Sinoreli.
Com a palavra o Sr. Joaquim Ventura, de Cuiabá. Em seguida,
falará o Sr. Alberi Espíndola, da Associação Brasileira de
Criminalística.
O SR. JOAQUIM VENTURA - Bom dia a todos. Sou Joaquim Ventura, de
Cuiabá.
Estamos distribuindo uma nota de repúdio aos os métodos e
programas da Polícia Militar de Mato Grosso.
Citarei um caso ocorrido em Mato Grosso, mas fato como esse
acontece em todo o País.
No dia 5 de abril, dois cadetes da Polícia Militar, que
cursavam o 3º ano, morreram durante exercício de treinamento
em caça na divisa do Brasil com a Bolívia. Esse treinamento
estava sendo realizado às 2h30min da manhã. Eles já haviam
feito o exercício durante todo o dia. Colocaram gelo nas suas
mãos para que eles não dormissem, mas os dois morreram
afogados e foram praticamente devorados pelos jacarés e
piranhas existentes no rio.
Queremos apresentar uma moção de repúdio à Polícia Militar
do Estado de Mato Grosso, porque as famílias dos cadetes só
ficaram sabendo do falecimento dos mesmos seis horas depois do
acontecimento e por meio de um telefonema anônimo. O Comando da
Polícia Militar de Mato Grosso em nenhum momento procurou as
famílias dos dois cadetes para os devidos esclarecimentos.
Ressalte-se que essa nota de repúdio foi feita pelas famílias.
Estamos encaminhando a mesma à Mesa, como também foi
distribuída à imprensa de Mato Grosso. Entendemos que esse
caso deve ter repercussão nacional, para que todos dele tenham
conhecimento. Lembro que essa questão já foi discutida pelo
nosso grupo.
Com relação ao Grupo nº 1, acho que faltou acrescentar que,
caso eu não esteja enganado, tivemos acesso ao relatório
oficial só agora na 3ª Conferência. Então, que esse
relatório chegue em tempo hábil às bases para que possamos
discuti-lo e tirarmos dele alguns encaminhamentos.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz)- Muito obrigado, Sr.
Joaquim Ventura. Depois V.Sa. encaminha à Mesa a sugestão de
moção.
Registro a presença das Sras. Edinira Martins Rodrigues,
Coordenadora das Orientadoras Educacionais da Fundação
Educacional do Distrito Federal; Eloísa Helena Dias da Silva,
Técnica da Fundação Educacional do Distrito Federal; Maria
Vieira de Morais, Coordenadora da Fundação Educacional do
Distrito Federal; e Naira de Araújo Pereira,
Diretora-Tesoureira da Ação Liberal Feminina.
Passo a palavra ao Sr. Alberi Espíndola, da Associação
Brasileira de Criminalística. Em seguida falará o Sr. Dermi
Azevedo, da Secretaria de Justiça de São Paulo.
O SR. ALBERI ESPÍNDOLA - Só pediria a atenção da relatora do
Grupo nº 1, para fins de clareza e de que não haja omissão,
para o subitem 4.4, em que consta: "PL que trata da
autonomia dos órgãos de identificação criminalística".
Esse texto gera uma pequena confusão e deixa os Institutos e
Medicina-Legal de fora. O texto correto seria: "PL que
trata da autonomia dos Institutos de Criminalística e
Institutos de Medicina Legal".
Queria aproveitar para informar a todos que distribuímos uma
proposta de nota de repúdio ao Governo do Estado do Ceará, de
que gostaria de fazer a leitura. A colega Márcia está passando
a nota, para que a subscrevam aqueles que concordarem.
Diz a nota:
Os participantes da 3ª Conferência Nacional de Direitos
Humanos, evento patrocinado pela Comissão de Direitos Humanos
da Câmara dos Deputados, reunidos em Brasília, Distrito
Federal, no período de 13 a 15 de maio de 1998, vêm a público
repudiar, veementemente, a atitude do Governo do Estado do
Ceará, que, num lamentável retrocesso democrático, está
patrocinando modificações na estrutura da segurança pública,
onde tenta retornar os órgãos periciais (Institutos de
Criminalística e de Medicina Legal) para a subordinação da
Polícia Civil.
Lamentamos que o Governador Tasso Jereissati, um declarado
democrata, tenha tomado absurda iniciativa em total contramão
com a atual necessidade de, cada vez mais, solidificar as
estruturas institucionais, a fim de se evitar episódios
lamentáveis da recente História quanto à violação das
garantias e direitos individuais da pessoa humana.
Frustra-nos que a mais alta autoridade do Estado do Ceará não
reconheça, como o fazem os demais segmentos verdadeiramente
democráticos, que a autonomia dos Institutos de Criminalística
e de Medicina Legal é uma garantia da produção isenta da
prova técnico-científica no sentido de subsidiar
investigações criminais e processos judiciais de maneira
eficaz, objetiva e com respaldo única e exclusivamente em
fundamentação científica.
Estranhamos que o Governador do Estado do Ceará, Tasso
Jereissati, em desacordo com o Programa Nacional de Direitos
Humanos, que prevê a progressiva autonomia dos órgãos
periciais, cujo compromisso foi assumido pelo Presidente da
República, que é o líder maior da base partidária do
Governador, venha tentar patrocinar esse retrocesso,
demonstrando, com sua atitude, que pretende voltar às
estruturas policiais da época da ditadura, cuja história
triste nos relata tantas violações da integridade física e
psicológica do cidadão.
Em desacordo, também, com seu companheiro de partido, o
Governador do Estado de São Paulo, Mário Covas, que, num ato
de vanguarda democrática e não se sujeitando a grupos de
pressão, regulamentou a autonomia da perícia oficial naquele
Estado no dia 9 de fevereiro de 1998.
Apelamos ao Governador do Estado do Ceará para que não se
deixe levar por interesses de grupos policiais que ainda querem,
a qualquer custo, manter as estruturas arcaicas do sistema
policial repressivo, cujo controle da perícia para eles é
fundamental.
Contamos com o bom senso e o espírito público do Governador.
Ao final dos trabalhos, entregaremos à Mesa o abaixo-assinado
para o qual estão sendo coletadas assinaturas. Pedimos à
Presidência que, solenemente, faça a entrega do mesmo ao
Deputado Mário Mamede, que está clamando por um apoio nesse
sentido.O Deputado Mário Mamede fará a entrega ao Governador,
via Presidente da Assembléia Legislativa, para que toda a Casa
Parlamentar do Estado do Ceará tome conhecimento desse absurdo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Muito obrigado,
Sr. Alberi Espíndola.
Passo a palavra ao Sr. Dermi Azevedo, da Secretaria de Justiça
de São Paulo.
Se houver alguma moção, não precisa ser lida na íntegra. É
só apresentar o conteúdo e encaminhá-la à Mesa.
A próxima expositora será a Sra. Antonieta Magalhães Aguiar.
O SR. DERMI AZEVEDO - O primeiro ponto que quero abordar é
relativo ao item 3.16, ou seja, a uma frase do grupo de trabalho
sobre o aperfeiçoamento e implementação do Programa Nacional.
Fizemos um grande esforço na tentativa de compreender essa
frase, mas, realmente, foi impossível. Não dá para entender
exatamente, por mais hermenêutica que se utilize, o que quer
dizer "definição imediata de referencial para
identificação do significado temporal de curto, médio e longo
prazo". Com certeza, quem formulou a proposta deveria
reeditá-la de forma compreensível aos comuns mortais.
O segundo ponto é relativo a uma moção do Grupo nº 2 sobre a
questão dos restos mortais da vala de Perus. É uma correção
que queremos fazer, como autores da proposta e com base nas
observações feitas pelas companheiras dos familiares dos
mortos e desaparecidos políticos.
Objetivamente, fomos testemunha do que significou a descoberta
daquela vala do Cemitério de Perus, em São Paulo, do esforço
empreendido pelas organizações de luta pelos direitos humanos,
pela Anistia, pela Prefeita da época da cidade de São Paulo,
Luíza Erundina, e o que significou a localização daquela vala
comum e a transferência daquelas ossadas para a UNICAMP para a
devida identificação. Também somos testemunha do descaso com
que o perito Fortunato Badan Palhares tratou esta questão
durantes todos esses anos.
Na verdade, não é a UNICAMP que está devolvendo as ossadas;
são os próprios familiares que em parceria com as Secretarias
de Segurança Pública de São Paulo e da Justiça estão
pedindo a devolução das ossadas para encaminhá-las à
Universidade de São Paulo - USP -, para que realmente seja
feito o trabalho que já deveria ter sido feito há muito tempo.
Feitos estes esclarecimentos, reiteramos os termos da moção
já apresentada.
Pedimos aos companheiros atenção para o terceiro ponto.
Estamos profundamente preocupados com os rumos da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Nós temos
consciência de que os Srs. Deputados são os nossos
mandatários. Temos consciência de que esta Comissão não
nasceu de forma burocrática. Ela nasceu à luz da mobilização
dos movimentos sociais, do crescimento da consciência e de
cidadania da Nação brasileira. Tudo o que tem sido feito,
inclusive a gestação e a realização destas conferências
nacionais, deve-se ao trabalho da Comissão de Direitos Humanos.
E a Comissão de Direitos Humanos não estaria fazendo este
trabalho se não fosse a dedicação dos seus funcionários que,
mais do que servidores, são militantes. (Palmas).
Deste modo queremos deixar clara a nossa preocupação com a
possibilidade de afastamento dos assessores desta Comissão,
particularmente os companheiros Augustino Veit e Suely Belato.
(Palmas). Queremos dizer ao ilustre Deputado Eraldo Trindade,
Presidente desta Comissão, que nós, como diz a televisão,
ficaremos de olho para que isso não aconteça. Essas duas
pessoas não são simplesmente servidores do Estado, são
militantes de direitos humanos. Elas devem continuar na
Comissão para que o trabalho tenha a continuidade e
aprofundamento. Muito obrigado. (Palmas).
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Obrigado, Dermi. O
Deputado Eraldo Trindade receberá esta opinião aqui. Pela
aclamação do Plenário, ela é unânime.
Com a palavra a Sra. Antonieta Magalhães Aguiar, Conselheira
Federal da OAB, membro da Comissão de Direitos Humanos. Quero
anunciar também a presença da Ana Lúcia Ribeiro,
Diretora-Médica do Centro Nacional Berthalutz, da Flórida
Mariana Acioli, Presidente do Centro Nacional Berthalutz, e da
Vereadora Lúcia Pacífico, que é membro da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara Municipal de Belo Horizonte.
Agradecemos-lhes a presença.
O próximo, depois da Sra. Antonieta, é Carlos Fernandes que é
da Associação Brasileira de Anistiados Políticos. Com a
palavra a Sra. Antonieta.
A SRA. ANTONIETA MAGALHÃES AGUIAR - Eu pediria vênia à Mesa,
em nome da democracia, para ler moção de apoio aos atingidos
pela seca do Nordeste da Comissão de Direitos Humanos da OAB.
A 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada nos
dias 13, 14 e 15 de maio de 1998, em Brasília, manifesta o seu
integral apoio aos atingidos pela seca do Nordeste contra a
fome, a falta de água e a omissão das autoridades federais,
estaduais e municipais que se têm revelado morosas na
viabilização de soluções competentes e definitivas.
Considerando a realidade do flagelo que se abate sobre as
populações inteiras que habitam o sertão nordestino, é a
seca tragédia periódica e criminosamente reeditada há quatro
séculos. Fonte propiciadora de miséria e de manipulações
políticas de governos e oligarquias rurais.
A história mostra e a ciência moderna confirma que o Nordeste
brasileiro possui os recursos naturais de que precisa para o
desenvolvimento de assentamentos humanos, com sistema de
produção adequado em formas eqüitativa de organização
social.
Não estamos diante, portanto, de uma situação sem esperança,
mas de um conjunto de circunstâncias sócio-econômicas e
ambientais que requerem somente a atenção devida e o
tratamento prioritário por parte dos seus governantes.
Os estoques reguladores do Governo Federal estão apodrecendo
nos armazéns, conforme amplamente noticiado pela imprensa, em
detrimento da fome que continua matando com requintes de
crueldade, como uma tortura lenta. A fome e a sede são as
piores das torturas.
Convocamos a sociedade brasileira a manifestar-se de forma
concreta e eficaz contra a indústria da seca que beneficia as
oligarquias nordestinas. (Palmas). Registramos nossa
solidariedade aos flagelados e exigimos:
1º - A decretação do estado de calamidade pública nos
Estados atingidos pela seca, propiciando a agilização na
liberação dos devidos recursos;
2º - Aceitação pelo Governo Federal das ajudas
internacionais, porventura oferecidas emergencialmente;
3º - A urgente liberação dos estoques reguladores do Governo
Federal e sua imediata distribuição às vítimas da seca;
4º - Atenção especial aos estudos e ações que visem criar
alternativas para gerar água no Nordeste, como a transposição
das águas do Rio São Francisco; e
5º - Moralização das ações dos órgãos criados para o
combate à seca, a exemplo do DNOCS."
Esta é a proposição da Comissão Nacional de Direitos Humanos
para esta plenária.
Sr. Presidente, gostaria de, neste momento, aproveitar este
fórum de debates para, como militante da defesa da população
infanto-juvenil e consciente de que direitos humanos englobam
políticas sociais básicas, garantidas no art. 5º da
Constituição Federal, e que os mecanismos de implementação
de elaboração e fiscalização destas políticas sociais
básicas também estão elencadas no art. 204 da Constituição
Federal, através dos conselhos paritários, tanto no âmbito da
saúde, da educação, da assistência social, dos direitos da
criança e do adolescente, gostaríamos de propor aqui, com
relação ao conselho nacional e aos conselhos estadual e
municipal, com os seus respectivos fundos - sabemos que os
Governos não querem abrir mão de elaborarem suas políticas
muitas vezes assistencialistas, na maioria das vezes populistas,
mesmo que tenha afeição assistencialista - uma administração
participativa. A administração participativa, em alguns
lugares, mesmo de partidos progressistas, é viável. Portanto,
gostaríamos que esta Casa, através da Comissão de Direitos
Humanos, criasse mecanismos no sentido de que o Ministério
Público, que tem um raio de ação muito forte, seja incumbido
de ajuizar ações civis públicas para que a sociedade civil
ganhe espaço e que, efetivamente, as administrações
participativas neste País, no âmbito nacional, estadual e
municipal, sejam implementadas através dos seus conselhos
paritários, com a participação da sociedade civil nestes
conselhos.
Em 1992 todos os governantes deste País assinaram o pacto pela
infância, dando prioridade absoluta à questão do Estatuto da
Criança e do Adolescente, mas até hoje esta lei civilizatória
não foi implantada neste País por falta de vontade política
dos nossos governantes.
O Ministério Público tem que sair da omissão, da letargia e
realmente se incumbir do seu papel. O seu raio de ação é
forte, o seu poder é constitucional. Ele não pode ficar
submisso ao Executivo. Ele tem, efetivamente, que implementar
ações civis públicas para garantir a plena cidadania neste
Estado Democrático que o Brasil pelo menos diz estar passando.
(Palmas).
Era o que eu tinha a dizer. (Palmas).
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Gostaria de chamar
Carlos Fernandes, da Associação Brasileira de Anistiados
Políticos e Rosiana Queiroz que será a próxima oradora, do
Movimento Nacional de Direitos Humanos.
O SR. CARLOS FERNANDES - Muito obrigado. Nós gostaríamos de
pedir a todos os presentes nesta conferência que assinassem um
abaixo-assinado do Comitê Contra a Perseguição e Prisão
Política no Brasil, sobre os presos e condenados a 28 anos de
prisão pelo seqüestro do empresário Abílio Diniz. Como todos
sabem, esta pena de 28 anos não é imposta no Brasil nem mesmo
aos piores criminosos da nossa sociedade e foi levada a este
extremo por uma questão de perseguição política. É
necessário lembrar que, à época, os presos que fizeram parte
daquele seqüestro foram torturados. Foram colocadas neles as
camisas da propaganda do PT, da candidatura do Lula à
Presidência da República. Eles foram fotografados com essas
camisas. Usou-se esse fato como forma de obter votos para o
nosso ilustre e maravilhoso Presidente Fernando Collor.
Vamos distribuir alguns papéis que não estão com muito
espaço. Gostaríamos que os senhores assinassem embaixo e até
no verso para que na próxima oportunidade, possivelmente na
semana que vem, quando a Comissão de Direitos Humanos estará
com o Presidente da República entregando o resultado desta
conferência, entregarmos também estas mais de 3 mil
assinaturas pedindo não à extradição dos presos, mas, sim, a
sua expulsão. Por quê? Porque a extradição leva à prisão
nos países de origem, possivelmente até mais repressores do
que aqui, e a anistia para o preso brasileiro. Distribuiremos
estes papéis.
Segundo assunto. Pedimos à Casa que o Projeto de Lei nº 4.245,
do Deputado Carlos Alberto Campista, seja objetivamente
incluído também nas decisões do Grupo nº 4 da legislação.
Parece-me que isso foi esquecido no relatório da Comissão.
Gostaríamos também que a moção proposta pelo Grupo Tortura
Nunca Mais, ao mesmo tempo que seja incluída, como já foi
aprovada para a remessa à Presidência da República, seja
incluída também no assunto relativo ao grupo de revisão que
será criado na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos a
partir da próxima semana. É assunto também do Grupo nº 4,
que deve incluir, além do Projeto de Lei nº 4.245, a moção
sobre indenização aos anistiados. Muito obrigado.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Passo a palavra a
Rosiana Queiroz. O próximo orador é o Padre Chico, da Pastoral
da Carcerária.
A SRA. ROSIANA QUEIROZ - Acho que há uma lacuna nas moções: a
imunidade parlamentar. Esta é uma questão com que o Brasil tem
que ser preocupar. Muitas pessoas que se elegem Deputados
Federais, Estaduais e mesmo Vereadores são violadoras de
direitos humanos, praticam violência nos Estados. Elas chegam
ao Parlamento com esta carga e o Parlamento dá a elas o direito
de não serem julgadas por causa da chamada imunidade
parlamentar.
Queremos apresentar a seguinte proposta à Mesa: uma moção de
apoio aos projetos que estão em tramitação, pedindo ao
Congresso imediata decisão contra a imunidade parlamentar.
Queremos também frisar que esta questão da imunidade é coisa
muito séria. No Estado de Alagoas ela é estendida a
ex-Deputados. Pessoas que passaram um ou dois anos no cargo têm
direito à imunidade parlamentar. Ou seja, muitas vezes pessoas
que reconhecidamente estão envolvidas em violência, em crimes,
não podem, de jeito algum, ser punidas.
Nesse sentido, o Movimento Nacional de Direitos Humanos está
promovendo a Campanha Nacional contra a Impunidade, em Alagoas.
Uma das questões levantadas foi a da imunidade parlamentar,
principalmente em Alagoas, Estado que tem esse diferencial.
Parece-me que as coisas no Nordeste sempre aparecem de uma
maneira diferente.
Eu e o Sr. Marcelo vamos redigir essa moção e depois a
passaremos para a Mesa.
O SR. COORDENADOR (deputado Agnelo Queiroz) - Passo a palavra
para o Padre Francisco Reardon. A próxima a falar é Regina
Pedroso, pesquisadora da Universidade de São Paulo e
participante da Pastoral CarcerÁria da CNBB.
O SR. FRANCISCO REARDON - Bom-dia a todos. Vou tratar de quatro
pontos. No relatório do Grupo 3 houve uma discussão sobre se
se deveria ou não federalizar os crimes contra os direitos
humanos. O porquê de questionarmos é que já existem bastantes
casos de corrupção e casos criminais que estão na esfera
federal há vários anos e nunca foram resolvidos. Temos muito
receio de que a Justiça Federal trate crimes contra os direitos
humanos da mesma forma como trata crimes de corrupção dos
políticos. Esta foi a nossa ressalva.
Gostaríamos que, nos crimes contra os direitos humanos de
qualquer espécie, a Polícia Federal os investigasse, e não a
polícia local, que muitas vezes pertence a grupos que violam os
direitos humanos.
Em segundo lugar, no Grupo 2, essa questão de articulação
visa à criação de planos estaduais. O pessoal de São Paulo
estava em peso expondo o Plano Estadual de Direitos Humanos.
Quanto a isso, só tenho uma ressalva a fazer. Quem está
acompanhando o Plano Estadual de Direitos Humanos são todos
amigos. (Risos.) No entanto, a criançada está sendo morta, os
jovens estão sendo torturados, e os presos torturados e mortos,
e não nos podemos queixar a ninguém no Estado. (Palmas.) Isso
é devido a esses amigos no Estado de São Paulo e à falta de
acompanhamento efetivo pelo CONDEP. Aliás, o CONDEP é tudo:
quem sai de lá vai trabalhar na Secretaria de Administração
Penitenciária, órgão que pratica mais violações contra os
direitos humanos. No Estado de São Paulo é impossível
encontrar alguém que ouça qualquer coisa sobre direitos
humanos dos pobres e dos presos. Fui obrigado a enviar dois
dossiês para a OEA, no ano passado, e outro dossiê contra a
tortura para a sede da ONU, em Genebra. Isso porque o Estado de
São Paulo não faz nada contra tortura e morte dos seus pobres
e dos seus presos. Então, quanto a essa atitude de não se
bater nos amigos, entre bater nos amigos ou escolher a vida de
um preso ou de um menor, fico com o menor e com o preso.
(Palmas.)
Trata-se de um problema estrutural. Essa idéia da CNEV e da
CONDEP, junto com o CDH da Assembléia, significa dois contra
um. O único que faz alguma coisa no Estado é o CDH da
Assembléia Legislativa, que pode mudar na nova conjuntura
político-eleitoral. Precisamos ter muito cuidado com isso.
Outro ponto seria uma recomendação aos Estados para que pensem
seriamente em implantar a sua própria academia penitenciária.
Chega de ir para outros Estados e voltar com idéias nazistas. O
que se faz no Japão não funciona aqui no Brasil. Cada Estado
precisa ter a sua própria academia penitenciária,
aproveitando-se dos recursos e do pessoal das ONGs na matéria
de direitos humanos.
Acho que essa conferência vai mexer muito com os brios aqui.
Não aceito mais, no quarto ano, vir aqui e ficar um dia todo
ouvindo autoridades falarem sobre o que não conhecem. Temos que
falar primeiro, e a autoridade tem de ouvir. (Palmas.) A
autoridade vem das nuvens, das conferências internacionais e
diz "abobrinha". Digo isso com todo o respeito a essas
pessoas, pois as conheço bem. Elas estavam comigo lá em São
Paulo, há anos, na militância, mas agora estão nas nuvens.
Quando a sociedade civil começa a falar pelas ONGs, ninguém
mais aparece para ouvir nada, temos de discutir em plenário num
tipo de vácuo.
Então, fica a metodologia da próxima conferência: a sociedade
civil fala primeiro na primeira manhã. À tarde, as autoridades
falam, sob a condição de falarem se tiverem assistido à
conferência na parte da manhã. (Palmas.)
Quando formos para os grupos de discussão, teremos muito mais
conteúdo, porque a autoridade terá tido uma chance de ver que
os planos nacionais e estaduais não batem com o que se passa
com o povo: sofrimento, morte. Hoje temos mais dificuldades em
defender a vida do povo do que no tempo da ditadura. Que a
verdade seja dita. Temos mais dificuldades hoje do que antes. E
é tudo amigo. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (deputado Agnelo Queiroz) - Chamamos a Sra.
Regina Pedroso, pesquisadora da Universidade de São Paulo.
Anuncio a presença de Amaquésia Fernandes, orientador da
Fundação Educacional, e de José Carlos Zanetti Assessor de
Projetos da Coordenadoria Ecumênica de Serviço. Depois da Sra.
Regina Pedroso, ouviremos a Sra. Deise Benedicto.
A SRA. REGINA PEDROSO - Em primeiro lugar, bom-dia a todos.
Gostaria de fazer três observações sobre a exposição feita
ontem no Grupo 3, que tratou do Poder Judiciário.
A meu ver, faltou uma certa objetividade na redação dessas
propostas. Ontem foram discutidas propostas concretas e não
estou vendo expressas neste papel essas propostas.
Gostaria, então, de fazer aqui três observações que ontem
foram discutidas e acrescentar uma nova que apareceu agora. Com
relação ao item três, "O Poder Judiciário e a
Execução Penal", há um item, acho que é o segundo, sob
o título "A Maior Presença dos Órgãos da Execução
Penal". Em primeiro lugar, como pode haver uma maior
presença dos órgãos da execução penal se não há presença
efetiva? Então, "maior presença" é uma expressão
imprópria. Estes órgãos já deveriam estar atuando. A LEP
prevê isso.
Gostaria de substituir essa redação por uma nova. Deveria ser
criada uma "instância de fiscalização dos
estabelecimentos penitenciários, tal qual a existente no
Conselho da Europa, com autonomia e poder sobre a
matéria". Aliás, isso foi proposto pela Dra. Silma
Marlice Madlen durante a discussão ontem.
O segundo ponto seria sobre "empreender ações
sensibilizadoras dos juízes, no sentido de uma maior
aplicação das penas alternativas". "Ações
sensibilizadoras" é uma expressão muito vaga. O que
significa sensibilizar o juiz? Ele já deveria estar
sensibilizado. Então, ninguém quer sensibilizar juiz.
Proponho aqui o que foi sugerido ontem: a redação de um guia,
que deveria ser feita pelo Conselho Penitenciário em conjunto
com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, esclarecendo as
experiências e variedades de aplicação das penas alternativas
no Brasil. Infelizmente, o juiz, principalmente em São Paulo -
a realidade que conheço -, desconhece a realidade da
aplicação das penas alternativas. O juiz não as aplica,
porque diz que não existe controle, que as entidades não
controlam o apenado. Eles, os juízes, preferem aplicar a multa.
Falta, então, uma visão da realidade, do que está acontecendo
na sociedade.
O terceiro ponto se refere ao item um, na primeira página, que
é "Poder Judiciário e Sociedade". No segundo ponto,
nesse item, temos "A exigência de conhecimento sobre a
disciplina de direitos humanos", etc., e, no final,
enfatiza-se não só o estudo teórico, como também o contato
com a realidade. Esse contato com a realidade foi esclarecido
também objetivamente ontem. A Sra. Deise Benedicto propôs a
criação de um estágio obrigatório para juízes, antes de
assumirem efetivamente as suas funções, junto a entidades
carentes, presídios e assentamentos de terra. Esta é uma forma
de se fazer com que o juiz conheça a realidade social do País.
(Palmas.)
Segundo uma proposta sugerida aqui pelo Sr. Jacinto Teles
Coutinho, do Piauí, a efetivação da Lei de Execução Penal
deve passar pela renovação do currículo do agente
penitenciário e dirigente penitenciário, por meio da
implantação efetiva das academias penitenciárias nos Estados.
Hoje sabemos que poucos Estados implantaram as academias
penitenciárias.
Obrigada.
O SR. COORDENADOR (deputado Agnelo Queiroz) - Muito obrigado,
Sra. Regina Pedroso.
Passo a palavra à Sra. Deise Benedicto, Assistente Jurídica da
Pastoral Carcerária. As pessoas que ainda desejam inscrever-se
podem passar o nome aos funcionários encarregados.
A SRA. DEISE BENEDICTO - Bom-dia a todos. Gostaria de destacar
mais uma vez a questão do "Poder Judiciário e Execução
Penal".
No ano passado, fizemos uma sugestão, que não foi acatada: a
criação de uma vara de execução penal feminina nos grandes
Estados, para que houvesse uma maior sensibilização da
problemática da mulher nas prisões. (Palmas.) Sugerimos a
criação de uma vara de execução penal feminina que trate
apenas dos problemas das mulheres, como é o caso dos exames
ginecológicos, do tratamento de doenças infecto-contagiosas,
da questão da gravidez e da amamentação. Que isso seja
efetivamente garantido por um juiz da vara de execução, o que
não ocorre nos grandes Estados, a exemplo de São Paulo.
Também foi proposta ontem a melhoria das condições de
trabalho dos funcionários dos Tribunais de Justiça de São
Paulo e de outros Estados. Está defasado o número de
funcionários dos Tribunais de Justiça. Não há funcionários
suficientes para atender à demanda dos processos,
principalmente na área criminal, como também há falta de
juízes. Isso está acarretando o atravancamento do Judiciário.
Busca-se não só melhores condições de trabalho. Como
sabemos, o Poder Judiciário não é totalmente informatizado.
Há setores do Judiciário que mal têm maquinas de escrever,
onde nem sequer há papel higiênico para os funcionários. Isso
é um exemplo de São Paulo. O que dizer de outros Estados e do
interior, onde não sabemos em que condições os juízes vão
trabalhar? E o que dizer dos funcionários? Acho que tem de se
dar atenção aos funcionários do Poder Judiciário.
Seria também necessária a criação de um plano de carreira
para os funcionários do Poder Judiciário. Não existe nenhum
plano de carreira. O escrevente forma-se em Direito e morre como
escrevente, se não tiver quem o indique para outra função,
aquele "QI". Sabemos muito bem que o Poder Judiciário
é um órgão político e que as promoções não ocorrem por
merecimento nem por antigüidade, mas por indicação. Quem não
for bem indicado vai morrer como escrevente, cheirando o pó dos
processos.
Outro ponto seria a garantia da reformulação dos cursos para
todos aqueles que ingressam no Poder Judiciário, principalmente
o curso de Direitos Humanos e a garantia dos direitos humanos
para os funcionários do Tribunal de Justiça.
Em São Paulo, os funcionários do Tribunal de Justiça não
têm nenhuma garantia. Em São Paulo, nem sequer existe a CIPA.
Isto é, se o Tribunal de Justiça pegar fogo, ninguém sabe
como se usa o extintor. Como podemos acreditar num Poder
Judiciário que julga os outros, que aplica a lei, quando seus
próprios funcionários têm os seus direitos humanos violados?
Acho que é muito importante pensarmos na questão dos
funcionários do Poder Judiciário.
Meu amigo Mário Mamede, Deputado Estadual do PT do Ceará,
trouxe um jornal do dia 13 que noticiava o seguinte: "A
Justiça impede o casamento de um presidiário". O
Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará impediu que um
presidiário se casasse na Igreja. Isso mostra o abuso de
autoridade do Poder Judiciário em certas regiões.
A Lei de Execução Penal não impede que nenhuma pessoa com
condenação transitada em julgado se case. Tanto é que o padre
da arquidiocese do Ceará disse que foi uma decisão
autoritária, que impede que o preso se ressocialize. O
casamento também faz parte da ressocialização do presidiário
como cidadão.
Está aqui uma mostra da atuação do Judiciário no Brasil: um
Desembargador impede uma pessoa de exercitar o direito de
casar-se e ser feliz. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - A partir desta
intervenção, declaro encerradas as inscrições.
Passo a palavra à Sra. Ana Guerra, Presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara Municipal de Poços de Caldas.
A SRA. ANA GUERRA - Bom-dia a todos. Venho de uma cidade
privilegiada, porque tem 150 mil habitantes e apenas dezesseis
menores na rua. O que me traz aqui é que esses dezesseis
menores estão sofrendo as maiores atrocidades. São dezesseis
crianças infratoras porque dependentes de cola e de Thiner -
apenas um deles é dependente de crack. No entanto, sofrem
violência da Polícia Militar, da Polícia Civil e,
principalmente, do Comissariado de Menores, ligado ao Juizado da
Infância e da Adolescência.
Sou Presidente da Comissão de Direitos Humanos na Câmara
Municipal. Ouvimos todas as nossas crianças denunciarem,
claramente, a prática de tortura, inclusive identificando o
nome dos torturadores.
Trouxe um relatório para entregar à Comissão de Direitos
Humanos, mas não poderia deixar de apresentar nesta
Conferência uma moção de repúdio à Juíza da Infância e da
Adolescência, diretora do Fórum da Comarca de Poços de
Caldas, em Minas Gerais, que, com todo o respeito aos
representantes do Judiciário aqui presentes, que, sei, são
diferentes dos outros do nosso País, mostra que o Judiciário
se torna alheio e onipotente quando se pronuncia sobre
violação dos direitos humanos.
A Juíza Onísia tem a coragem e a ousadia de dizer que direitos
humanos tratam unicamente de bandidos e usa a mídia - muito
comum a juízes de cidades do interior, que dispõem de amplo
espaço para discussão e autoridade - para dizer que a questão
da violência contra os menores de rua está unicamente
relacionada com os Poderes Executivo e Legislativo, tornando-se,
assim, o Judiciário alheio.
Trouxe uma matéria feita a partir do momento em que a Comissão
de Direitos Humanos da Câmara começou a ouvir os menores
individualmente. As Polícias Militar e Civil abriram inquérito
para os denunciados. A Juíza recusou-se a encaminhar seus
comissariados à Câmara Municipal, como também se negou a
conversar conosco, que fazemos parte da Comissão. Em
contrapartida, deu uma entrevista ao jornal de maior
circulação de Poços de Caldas, Jornal da Mantiqueira, na qual
se posiciona em relação à questão do menor abandonado.
S.Exa. diz que o problema é do Executivo e do Legislativo, que
o soltam na mão do Judiciário, colocando este na posição de
vilão, pois é o Judiciário quem aplica as leis. Afirma a
Juíza: "O Legislativo fabrica leis políticas
impraticáveis, inaplicáveis e solta-as nas mãos do
Judiciário, para que ele as aplique." As leis
inaplicáveis a que se refere é o Estatuto da Criança e do
Adolescente. E acrescenta: "O menor infrator não pode ir
à cadeia, porque tem de ser recuperado. Concordo. Mas o
Executivo deu uma estrutura para esse menino ser recuperado?
Não deu. Onde eu coloco esses meninos? Na porta do Legislativo,
que faz as leis". S.Exa. diz coisas que nos deixam
indignados: "O Judiciário passa a ser um Poder sem
armas". E continua: "Há a questão dos direitos
humanos. Veja bem: uma criatura que matou a pedradas uma
criança de 10 anos, surdo-muda, pode reivindicar direitos
humanos?" Essa criatura a que ela se refere é também um
menor de 14 anos, dependente de crack. "A criatura que fez
isso é humana? Não é. Então, não pode reivindicar direitos
humanos. Eles vêm atrás da gente, e a vítima, que foi ao
túmulo, não tem direitos humanos. Para esta, o direito acabou.
Para o que ficou e matou, todos os direitos lhe são
garantidos". S.Exa. também utiliza o espaço da mídia
para solicitar uma repressão necessária aos meninos: "É
preciso que haja uma política preventiva e outra
repressiva". Essas são as palavras da Juíza da Infância
e da Adolescência do Município de Poços de Caldas.
Gostaria de entregar à Comissão dos Direitos Humanos um
relatório que fala das crianças torturadas pelos comissariados
de menores, a ponto de determinadas comissárias colocarem luvas
de látex, introduzirem o dedo na vagina e no ânus de crianças
de 14 anos, para detectar a presença de drogas. Sabemos que
maconha, cola e cocaína não podem ser usados com tanto
requinte assim!
Gostaria de contar com V.Exas. para a moção de repúdio,
porque a própria Juíza de Direito propaga a violação dos
direitos humanos.
Quero também denunciar a questão do alheamento do Judiciário
em relação às questões que envolvem direitos humanos.
(Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra
ao Sr. Marcelo Nascimento.
O SR. MARCELO NASCIMENTO - Sou Presidente do Grupo Gay de
Alagoas e representante da Associação Brasileira de Gays,
Lésbicas e Travestis.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Conferencistas, considerando que
nos últimos trinta anos foram assassinados, no Brasil, mais de
1.300 homossexuais masculinos e femininos; considerando que
recente relatório da Anistia Internacional coloca o Brasil na
triste condição de campeão mundial de assassinatos de gays,
lésbicas e travestis; considerando que pesquisas da DataFolha e
da Agência Estado confirmam que de todas as minorias sociais os
homossexuais são as principais vítimas de preconceito e
descriminação, mais odiados do que negros, índios, judeus,
mulheres e idosos; vimos recomendar que seja incorporado ao
relatório do Grupo IV, entre as emendas constitucionais que
necessitam de tramitação mais acelerada, a PEC nº 139/95, que
proíbe a discriminação por orientação sexual na
Constituição Federal.
Outra sugestão nossa é no sentido de que se destaque a
importância da inclusão das propostas aprovadas na II
Conferência Nacional de Direitos Humanos, relativas aos
direitos humanos de homossexuais, no Plano Nacional de Direitos
Humanos, visando à consolidação do direito dos cidadãos
homossexuais, já contemplado no relatório do Grupo cujo tema
foi "Aperfeiçoamento e Implementação do Programa
Nacional de Direitos Humanos".
Gostaria apenas de fazer um breve comentário a respeito da
indiferença do Governo Federal em relação aos direitos
humanos de gays, lésbicas e travestis. Embora o Plano Nacional
de Direitos Humanos tenha reconhecido que as populações são
vulneráveis à violência e à discriminação, não consta
daquele Plano, até a presente data, nenhuma medida, a curto,
médio ou longo prazos, para coibir a violência contra a
minoria homossexual. Faz-se, portanto, necessário que o Governo
Federal, por intermédio da Secretaria de Direitos Humanos,
inclua as 21 propostas sugeridas pela Conferência passada.
Por último, quero dizer que o grupo do qual fiz parte sugeriu
uma moção de apoio, da qual gostaria de fazer a leitura de um
parágrafo:
Considerando que os homossexuais devem ter os mesmos direitos de
cidadania que os demais cidadãos brasileiros, através da
presente moção, manifesto integral apoio - os conferencistas -
à proposta de emendas aditivas aos artigos 392, 393 e 394 do
Anteprojeto do Código Penal brasileiro, tipificando como crime
contra a cidadania a discriminação por orientação sexual,
pois a mesma proposta representa um passo fundamental na
consolidação dos direitos humanos dos cidadãos homossexuais
no Brasil.
Era o que tinha a dizer.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a Palavra
à Sra. Marilena Libardoni.
A SRA. MARILENA LIBARDONI - Sou do Colegiado do CFEMEA e quero
fazer uma nova moção ao Grupo V, cujo tema é "Normas
Internacionais de Direitos Humanos e Reconhecimento da
Jurisdição das Cortes Internacionais no Brasil". A
moção é pelo comprometimento do Brasil com a aprovação do
protocolo facultativo à Convenção para Eliminação de todas
as formas de Discriminação contra a Mulher.
Recomendamos que o Ministério das Relações Exteriores do
Brasil pronuncie-se de forma clara e decisiva pela aprovação
do protocolo facultativo, que dá cumprimento às resoluções
de Viena, de 1993, e de Beijing, de 1995. Recomendamos ainda que
o Ministério das Relações Exteriores inclua na delegação
que representará o Brasil na reunião da Comissão da
Condição Civil e Política da Mulher e na reunião do Grupo de
Trabalho do Protocolo Facultativo, em março de 1999,
representante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher,
representante da Bancada Feminina no Congresso Nacional,
representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados e representante da sociedade civil, mais
especificamente do movimento de mulheres.
Quero esclarecer que nos dois anos anteriores, na reunião da
Comissão, diversos países da América Latina estiveram
presentes. Há um movimento para que a região tenha uma
posição bastante firme pela aprovação de um protocolo
efetivo. O Brasil esteve pouco presente nos dois anos passados.
Esperamos que no próximo ano essa situação mude e o nosso
País volte a ter nesse foro o papel decisivo que sempre teve.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra
à Sra. Iaris Ramalho.
A SRA. IARIS RAMALHO - Sugerimos a inclusão no relatório do
Grupo IV do Projeto de Lei nº 1.609/96, que trata do estupro,
transferindo-o do rol de crimes contra os costumes para o de
crimes contra as pessoas. Tal projeto de lei já está em
andamento neste Congresso.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra
ao Sr. Rinaldo Ribeiro.
O SR. RINALDO RIBEIRO - Quero abordar três pontos. O primeiro
deles refere-se ao que foi sugerido pelo Vereador de Campinas
Carlos Fernandes, no encontro entre as Câmaras Legislativas
ocorrido em julho, se não me engano. Proponho que seja feito um
trabalho maior com as câmaras legislativas que ainda não têm
comissões de direitos humanos. Seria interessante que fossem
mandados para todas as câmaras legislativas do Brasil guias
informativos sobre o papel que deverão exercer e a importância
da instalação de uma comissão de direitos humanos. Reforço a
idéia do encontro.
O segundo ponto diz respeito ao item 1 do Grupo de Trabalho 3.
Foi muito interessante a complementação feita pela Sra. Regina
Pedroso em relação à exigência de conhecimentos sobre a
disciplina Direitos Humanos. Espero que isso seja feito em
nível teórico, mas seja aplicado em entidades carentes.
Ontem, apresentei ao grupo a complementação dessa proposta:
que também seja incluído estágio para os estudantes
universitários, em especial do curso de Direito - eu curso
Direito -, porque noto que existe certa mentalidade
conservadora. E os estudantes de hoje serão os advogados, os
promotores e os policiais de amanhã. Nesse sentido, desejo
incluir no curso o estágio para os estudantes.
O terceiro ponto que desejo abordar, diante de tantas moções
aqui apresentadas, é um pedido de moção especial de apoio aos
professores, técnicos e estudantes universitários brasileiros
que estão em greve. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra
ao Sr. Alan Pascal.
O SR. ALAN PASCAL - Faço parte do Vida Brasil, de Salvador, e
da Coordenação do Fundo de Direitos Humanos daquela Capital.
Quero voltar ao resumo da Conferência do ano passado, constante
da página 122, sobre os direitos dos portadores de
deficiência. No item 2, eles reconhecem que essa área é
bastante genérica, dando a impressão de que foi feita de
improviso e sem o envolvimento de pessoas ou organismos do
setor. Por essa razão, pareceu-nos incompleto e insuficiente,
conforme constatado no ano passado.
O Grupo 1, do qual fiz parte ontem, em nenhum momento tocou na
questão do portador de deficiência. Estou pedindo que sejam
incluídas no item 2 do Grupo 1 as conclusões aprovadas no ano
passado. Peço que isso seja destacado.
No que diz respeito ao item 6, Conferência Nacional de Direitos
Humanos, ontem defendi que seria muito interessante que na
próxima Conferência fosse obrigatório que cada Estado
enviasse dois relatórios. O primeiro seria mandado pelo
Governo, com informações sobre o que foi feito no que se
refere a direitos humanos no Estado. O segundo, pela sociedade
civil, que poderia contrapor-se ao Governo ou reconhecer os
esforços por ele feitos. (Palmas.)
Gostaria que isso fosse mais bem explicado, para que as pessoas
entendessem por que citei esse ponto. Afinal, esta seria a
única maneira de a sociedade civil fiscalizar e acompanhar o
programa do Governo. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Tem a palavra o
Sr. Nestor Pedro. (Pausa.)
Concedo a palavra ao Sr. Luiz Mello de Almeida, que representa o
Grupo Estruturação, grupo homossexual de Brasília.
O SR. LUIZ MELLO DE ALMEIDA - Boa tarde. Sou do Grupo
Estruturação, grupo homossexual de Brasília.
Desejo fazer o registro de um ato falho bastante interessante,
ocorrido quando da elaboração do relatório do Grupo 2, que
trata das articulações com vistas à elaboração dos planos e
dos programas estaduais de direitos humanos.
O Plenário da Comissão apresentou duas propostas. Uma no
sentido de que na próxima revisão do PNDH sejam incluídas
todas as medidas previstas em relação à homossexualidade e
já aprovadas pela II Conferência. Simultaneamente, também
propusemos que seja recomendado a todas as autoridades e
associações da sociedade civil envolvidas na elaboração de
planos e programas municipais e estaduais de direitos humanos
que contemplem as medidas aprovadas pela II Conferência em
relação à homossexualidade. E, na plenária de hoje, ficamos
surpresos ao constatarmos que essas propostas não foram
absorvidas pelo relatório produzido pelos relatores. Por isso
é que dissemos que esse é um ato falho. E, seguramente, como
todo ato falho, não é consciente, mas inconsciente.
Uma das formas de maior discriminação e preconceito em
relação a alguns agrupamentos sociais é desconhecer a sua
existência. Nós, homossexuais, além de muitas vezes sermos
ignorados pelo Governo, também somos ignorados pela sociedade
civil. Quando são anunciadas as minorias existentes no País,
sempre sãos citados os negros, as mulheres, os deficientes, os
estrangeiros, etc. Estamos aqui para dizer que, segundo estudos
existentes no âmbito mundial, somos aproximadamente 10% da
população brasileira e, ainda, 10% da população mundial.
Registramos a importância de os direitos dos homossexuais serem
garantidos pelo Governo e, efetivamente, discutidos em todas as
instâncias da sociedade civil.
As pessoas têm de se lembrar de que nós, homossexuais, somos
uma das últimas minorias a emergir na arena política e
reivindicar direitos porque, infelizmente, somos a minoria que
significa palavrão e cuja forma de amar é considerada abjeta.
Quando aparecemos nos meios de comunicação de massa não
podemos expressar afetividade. Todos vocês, que acompanham as
discussões nos meios de comunicação, poderão ver, na
próxima novela das 20h, um casal de lésbicas. A recomendação
da direção da televisão que exibirá essa novela é no
sentido de que não seja expressa qualquer cena amorosa ou
qualquer palavra de afetividade.
Portanto, gostaria de registrar que, com certeza, não é
sintomática a forma como os homossexuais vêm sendo tratados no
Brasil e no mundo, de maneira geral. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Peço ao Sr. Luiz
Mello de Almeida que entregue à Mesa sua sugestão.
Concedo a palavra ao Sr. Nestor Pedro.
O SR. NESTOR PEDRO - Quero insistir na necessidade de se criar
em Brasília um grupo para intensificar os trabalhos
emergenciais. Seria bom que conseguíssemos amadurecer a idéia
do que isso significa para os direitos humanos. Insisto nisso
porque participo da Ação da Cidadania, que é mais uma
iniciativa para responder às emergências. Até agora, em todas
as conferências, não foi priorizada essa questão. Há muitos
tipos de emergência. A civilização está em emergência, mas
poucos conseguem entender isso.
Há muitos grupos que estão trabalhando, mas que não estão
participando das conferências em Brasília. Um deles é a
Legião da Boa Vontade. Não sei de nenhuma pessoa vinculada a
este grupo que tenha comparecido às conferências.
Todos nós que aqui estamos entendemos isso, mas é preciso
compreendermos o que o Betinho significou para esta
civilização, e não apenas para o Brasil. Se quisermos
continuar com todas as hipercomplexidades para recriar uma
civilização baseada nos direitos humanos, numa estrutura
jurídica ética e moral, teremos de esperar séculos. Se não
conseguirmos evitar que continue o massacre silencioso, que
todos nós conhecemos, não poderemos tratar do assunto da
reestruturação. Aquele que se sentir predisposto que participe
desse pequeno grupo, assim como eu. Afinal, até agora, não
tive a chance de participar dos elos de ligação entre uma
conferência e outra, o que seria talvez um fórum permanente,
para intensificar os trabalhos em Brasília. Fala-se da seca no
Nordeste. Mas muitos de nós sabemos que Brasília tem problemas
iguais aos de Bangladesh e aos do Nordeste.
Portanto, seria necessário integrar o grupo que não consegue,
por alguma razão, vir às conferências aos que já estão
trabalhando com direitos humanos, mesmo que seja usando a
cultura da estatística, por amostragem. Mas é preciso que
materializemos isso. Se conseguirmos entender, filosoficamente,
assuntos superiores, o mais pode menos. Em Brasília,
especificamente na rodoviária do Plano Piloto, existem
crianças trabalhando, mulheres grávidas, idosos. É preciso
que isso seja encarado a partir desta Conferência. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra
ao Sr. Geovani de Oliveira Tavares.
Fazemos um apelo aos expositores no sentido de que se concentrem
nas sugestões constantes dos relatórios, porque o prazo já
terminou. Portanto, a Mesa pede, encarecidamente, a todos os
oradores muita objetividade, para que ainda possamos aprovar as
moções.
O SR. GEOVANI DE OLIVEIRA TAVARES - Eu sou Geovani Tavares, da
Ordem dos Advogados do Brasil do Ceará e da Comissão de
Direitos Humanos.
Não lerei as moções em atenção ao pedido do Sr. Presidente
da Comissão, mas farei o resumo dos fatos que vim relatar.
O primeiro fato é que 28 crianças do Estado do Ceará morreram
sob os cuidados do Estado, ou seja, nas creches mantidas pelo
Estado. Isso já foi apurado, em relatório, pela Ordem dos
Advogados do Brasil. Trago aqui o relatório e a moção, como
proposta, para serem aprovadas por esta Conferência.
O segundo ponto da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho
Federal é a moção de apoio às mulheres de Cabul, que já foi
referida e formalizada.
O terceiro ponto é referente a moção de apoio que diz:
Em sua edição do dia 10 do corrente mês, o jornal Zero Hora,
de Porto Alegre, denuncia graves violações dos direitos
humanos ao Estatuto da Criança e do Adolescente que estão
sendo perpetradas por autoridades do Instituto Central de
Menores, na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor de Porto
Alegre, Rio Grande do Sul.
Vamos protocolar esta moção.
Encerrando as minhas palavras, devo dizer que há uma notícia
positiva que, ao mesmo tempo, causa descontentamento. Estamos
acompanhando, no Estado do Ceará, casos de tortura. Por via
judicial, já ganhamos indenizações. O Poder Judiciário
determinou a condenação do Estado no sentido de pagar
indenizações. Mas a execução essas indenizações, pelo fato
de o Estado não reconhecer a sua responsabilidade, tem sido
muito lenta e dificultosa, e muitas vezes nem se tem esperança
do recebimento por parte da família dessa indenização.
O apelo que fazemos é para que no relatório do grupo do Poder
Judiciário, do qual participo, inclua-se, com muita atenção,
essa questão da alteração, no Poder Judiciário, do seu
compromisso de cumprimento da lei. Que haja instrumentos que
garantam o cumprimento da lei, a execução das sentenças. Vou
entregar e protocolar as moções.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Têm a palavra a
Sra. Jussara e, em seguida, o Sr. Cláudio.
A SRA. JUSSARA DE GOIÁS - Foi solicitado ao Grupo 1 esclarecer
o sentido da expressão "referencial de identificação
temporal", constante do item 3.16. Significa que queremos
saber quantos anos podem ser considerados curto prazo. Dois anos
já se passaram. Serão quatro, cinco anos? Quantos anos podem
ser considerados médio prazo? Seis, dez anos? E também não
temos a menor idéia de quantos anos podem ser considerados
longo prazo. É uma questão de definição. Tem de haver um
referencial que estabeleça quantos anos caracterizam médio e
curto prazos.
Há algumas questões que quero abordar rapidamente. Serei
bastante objetiva.
Primeiro, é necessário que o Governo Federal implemente uma
campanha nacional, permanente e sistemática, de informação e
de formação de consciência sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Não dá mais para conviver com o desserviço dos
meios de comunicação, que passam informações
sistematicamente erradas e equivocadas sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente. Essa campanha deve também promover a
discussão acerca do tratamento dispensado ao menor pelos meios
de comunicação. Parece que ninguém tira mais da consciência
a situação do menor. O menor sempre é o agressor, o infrator,
sempre é aquele que está ameaçando a sociedade, é violento,
é o pivete, o negro e o pobre. Não há menor, há criança e
adolescente. Então, precisamos que haja uma campanha sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de que ele se torne
realmente um projeto de sociedade, como é a Lei nº 8.069.
Outra questão. O Sr. Carlos Sinoreli, primeiro expositor de
hoje, disse que o Governo precisa pensar na escolha dos seus
Ministros. Só me lembrei de que o Ministro que acaba de sair da
Pasta da Justiça é daquele governo responsável pela tragédia
do Césio 137, ocorrida em Goiânia e que vitimou muitas
pessoas.
As vítimas do Césio 137 estão fora das nossas discussões,
até mesmo das nossas, dos militantes dos direitos humanos. O
lixo atômico continua em Goiânia, e as pessoas continuam
morrendo. As famílias atingidas estão abandonadas, fora de
toda a discussão de garantia de direitos humanos. E tudo isso
acontece bem perto de nós.
Em relação à seca no Nordeste, fiz um levantamento rápido,
baseado no relatório final do orçamento aprovado para o ano de
1998, de pontos que precisamos conhecer. Há recursos aprovados.
Portanto, tem-se de encontrar uma forma de liberação dos
mesmos. Só na Comissão de Seguridade Social foram aprovados 35
milhões para ações de combate à fome e à pobreza. A
Comissão de Trabalho aprovou mais 35 milhões para ações de
combate à fome e à pobreza. Só para a Região Nordeste,
somando as emendas de bancada, as de região e as individuais -
cada Parlamentar pode dispor de 1,5 milhão e definir em que vai
ser aplicado - temos 1 bilhão, 780 milhões previstos.
É óbvio que a solidariedade é importante, mas os recursos
previstos no Orçamento têm de chegar lá. E a sociedade deve
acompanhar e monitorar.
Essa é uma discussão a ser mais aprofundada. Só queria dar
essa informação. Abram o relatório aprovado na Comissão e no
Congresso e irão encontrar esses valores.
Quero fazer uma proposta concreta em relação a todos os
projetos sugeridos, e são muitos. Proponho que se reúnam todos
os projetos indicados pelos grupos para que, num esforço
concentrado da Comissão de Direitos Humanos, com planejamento,
possamos definir um quadro, a ser chamado de Projetos
Prioritários para a Consolidação dos Direitos Humanos no
Brasil. Depois, divulga-se esse quadro, que facilitará a
identificação da situação e dos problemas de cada projeto.
Haverá discussão com as bancadas e também com o Relator sobre
o parecer, a fim de identificar problemas e encontrar
soluções. Haverá discussão com as Lideranças. Serão
realizadas audiências públicas, se necessário. Tudo isso com
o objetivo de conseguir aprovação em regime de urgência
urgentíssima. Enfim, escolhemos alguns projetos, e nesse
sentido trabalharemos em esforço concentrado.
O INESC se coloca à disposição para, junto com a Comissão,
trabalhar esse tipo de proposta que estamos apresentando aqui.
Há outros assessores do INESC, e tenho certeza de que iremos
priorizar esse tipo de ação junto com a Comissão de Direitos
Humanos.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Têm a palavra o
Sr. Cláudio e, depois, o Sr. Marcelo Santa Cruz.
O SR. CLÁUDIO LUIZ BEIRÃO - Também sou relator e esqueci de
apresentar uma moção no meu grupo. Vou fazê-lo agora.
No mês de março, os povos tupiniquim e guarani fizeram uma
demarcação no Espírito Santo, no Município de Aracruz. Eles
mesmos fizeram a demarcação, que o Governo não estava
querendo fazer. O que aconteceu? Depois dessa atitude, que teve
o apoio da sociedade organizada do Espírito Santo, dos
movimentos populares, o Governo Federal, por intermédio da
FUNAI, determinou à Polícia Federal impedir a entrada de
qualquer pessoa que não fosse índio no território dos povos
tupiniquim e guarani. Além disso, tentaram expulsar o Sr.
Winfridus, um estrangeiro missionário do CIMI. Fizemos uma
mobilização. Como se não bastasse, o Presidente da FUNAI
baixou uma portaria proibindo a entrada de qualquer pessoa
estranha nessas áreas, a não ser as autorizadas por ele. E
criou-se uma confusão com a proibição da entrada de qualquer
pessoa que não fosse índio em território indígena. Isso é
um absurdo.
Como Assessor Jurídico do Conselho Indigenista Missionário -
CIMI, proponho uma moção aos participantes desta conferência.
Vou lê-la, para que possamos entender do que se trata.
Durante a demarcação de sua terra tradicional, em março do
corrente, os povos tupiniquim e guarani foram impedidos de
manter contato com os movimentos sociais e a sociedade civil
organizada do Espírito Santo, que apoiaram essa luta.
A FUNAI utilizou um forte aparato policial para impedir o acesso
de pessoas e ajuda aos índios. Para reforçar essa atitude, o
Presidente da FUNAI publicou as Portarias nºs 253 e 268,
proibindo a entrada de qualquer pessoa nessas terras indígenas,
exceto aquelas que ele autorizar. Essas portarias são ilegais.
O órgão não tem competência normativa para disciplinar essa
matéria e fere os direitos dos povos indígenas. Essa atitude
atinge a Constituição Federal, que determinou a respeito das
formas de organização social, os usos, costumes, crenças,
línguas e tradições dos povos indígenas.
Toda pessoa que ingressa nessas terras deve submeter-se à
vontade dos índios, em respeito à Constituição, e não ao
Presidente da FUNAI. Esse ato vem interferir na administração
interna das comunidades e é uma forma de impedir o contato
dessas com outras organizações que apóiam a luta pela
garantia e posse das terras tradicionais tupiniquim e guarani.
Os índios encontram-se violentados e constrangidos na liberdade
de comunicação e de reunião dentro de suas terras
tradicionais com pessoas físicas ou pessoas jurídicas,
especialmente aquelas que os apóiam.
Toda vez que eles precisam se reunir com as organizações que
os apóiam têm de sair do seu território.
Nesse sentido, estamos propondo uma moção requerendo ao
Presidente da FUNAI e ao Ministério da Justiça - a quem o
Presidente da FUNAI é subordinado - a revogação das Portarias
nºs 253 e 268 da FUNAI, que ferem os direitos e garantias
fundamentais dos cidadãos, o direito de reunião e de
comunicação e a autonomia dos povos indígenas. É esta a
moção que estamos apresentando.
Outra questão que quero abordar é relativa ao Grupo 1, que
propôs a discussão do PL nº 1.610 em conjunto com a sociedade
indígena organizada. Não sei como isso se dará, porque o PL
nº 1.610, que trata da mineração em terra indígena, é
matéria do estatuto. Nós estamos defendendo que essa matéria
fique no estatuto, não seja matéria avulsa, como está
propondo o próprio Governo, que retirou a parte da mineração
e fez um projeto. Aprovando esse projeto, eles esquecem o
estatuto e não haverá como regulamentar outros direitos que os
índios têm.
No meu ponto de vista, tínhamos de aprovar uma moção contra
esse projeto.
A SRA. JUSSARA - Só esclarecendo. Foi entregue a solicitação
ao grupo, por escrito, pelo Álvaro e por outro representante da
sociedade indígena que estava com a gente. Tem-se de fazer uma
discussão com eles mesmos.
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Sugiro que a gente
discuta já com o Relator Geral esse entendimento.
Passamos a palavra para o Sr. Marcelo Santa Cruz e depois para o
Sr. Cássio, da Associação Brasileira de Criminalística.
O SR. MARCELO SANTA CRUZ - Sou do
Centro D. Hélder Câmara, de Recife, que trabalha com crianças
e adolescentes, e sou também Presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara Municipal de Olinda. Sou Vereador em
Olinda pelo PT.
Gostaria de fazer rápidas ponderações. Primeiro, acredito que
a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados deveria
ter um melhor entrosamento com as Comissões Municipais de
Direitos Humanos e também com as câmaras estaduais.
Consegui vir para a este encontro porque dele tomei conhecimento
através do Centro D. Hélder Câmara, que participa da
implantação do Programa Nacional de Direitos Humanos. Fiz um
pedido à Câmara dos Deputados para que enviasse à Câmara
Municipal de Olinda uma solicitação para que esta custeasse
minhas despesas, a fim de que pudesse comparecer a este
encontro. E mesmo assim há uma dificuldade, porque, muitas
vezes, embora haja as Comissões Municipais de Direitos Humanos,
o Poder Legislativo não facilita a ida a congressos que tratam
especificamente do tema direitos humanos. Acho que a Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados poderia ter um
melhor entrosamento com as Comissões Municipais de Direitos
Humanos e estimular sua participação. Talvez devesse fazer um
encontro entre as Comissões Municipais de Direitos Humanos e as
Comissões Estaduais de Direitos Humanos.
Queria também chamar a atenção para o fato de que o Plano
Nacional de Direito Humanos em Pernambuco vai muito bem. Há
várias discussões e seminários. Mas as violações aos
direitos humanos continuam ocorrendo. O Presídio Aníbal Bruno,
o principal presídio de Recife e que tem capacidade para 450
pessoas, abriga 2.125 pessoas. O outro presídio, que tem
capacidade para 350 pessoas, abriga 950. Essas violações
continuam ocorrendo apesar das nossas discussões.
Com a seca no Nordeste - já foram apresentadas algumas moções
nesse sentido -, o Ministro da Justiça, Sr. Renan Calheiros,
esteve em Pernambuco e reuniu-se na SUDENE. Todo o mundo pensava
que ia sair uma solução para a questão da seca, e, no
entanto, o que saiu foi uma reunião com os comandos militares
do Nordeste e com os Secretários de Segurança do Nordeste. Foi
anunciado que os inquéritos contra o MST seriam transferidos
para a Polícia Federal e que seria pedida a prisão preventiva
dos líderes do Movimento dos Sem-Terra, que estariam
estimulando os saques.
No caso específico de Pernambuco, havia dois agricultores
presos no Presídio Aníbal Bruno, há uma semana, acusados de
terem participado de um saque. Olhem bem. O delegado local e o
juiz da cidade de Aliança enquadraram esses dois sem-terra, que
teriam participado desse saque, em roubo qualificado, com pena
de quatro a dez anos, agravada com metade da pena. Esses dois
agricultores permaneceram oito dias presos. Foi impetrado um
habeas corpus, por intermédio de minha pessoa, e o
desembargador manteve os dois sem-terra presos durante oito dias
e estranhou muito quando solicitei que me desse o pedido de
informação, porque pretendia ir à cidade do interior apanhar
aquele pedido de informação com a juíza da cidade de
Aliança. Ele disse: "Mas são seis horas da tarde!"
Eu disse: "Eu sei onde é a casa da juíza". E disse
mais: "Se fosse o filho de um juiz, de um Parlamentar ou de
alguém que pertencesse à elite política deste País, não se
agiria dessa forma? O habeas corpus não é impetrado até por
telegrama? Não é, às vezes, até por telefone que se soltam
as pessoas que estão presas? Então, por que esses agricultores
permaneceram oito dias presos?"
Foram soltos somente ontem, e mesmo assim estão respondendo o
processo em liberdade.
O Sr. Renan Calheiros disse a respeito desses dois que estão na
relação dos dezessete dos quais ia pedir prisão preventiva.
Dissemos lá em Pernambuco - e aqui repetimos - que, na época
da ditadura, as torturas e violências ocorriam nas delegacias,
nos quartéis, mas, quando chegava no tribunal, apesar de ser
militar, era dada a aparência de legalidade. (Palmas.)
Não será agora que juízes federais, que têm uma formação
jurídica, democrática, vão ser feitores do Sr. Renan
Calheiros, ao decretar prisão preventiva sem fundamentação e
sem nenhum respaldo legal. O procedimento tem que ser normal,
jamais através de inquérito feito pela Polícia Federal. E a
prisão preventiva jamais deveria ser decretada por juízes que
têm formação jurídica e democrática.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Agnelo Queiroz) - Concedo a palavra
a Cássio Rosa, da Associação Brasileira de Criminalística e,
depois, a Nazaré Zenaide, pelo Conselho Estadual da Paraíba.
Convido o Deputado Mário Mamede, Presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Assembléia do Ceará, para presidir os
trabalhos.
O SR. CÁSSIO THIONE ALMEIDA DE ROSA - Vou ser bastante rápido
e objetivo e falar sobre um assunto específico.
Antes de mais nada, gostaria de me apresentar. Sou perito
criminal do Distrito Federal e Secretário da Associação
Brasileira de Criminalística.
Com relação à realização de perícias em locais de crime,
destaco que o que acontece hoje no interior do Brasil é um
quadro bastante triste. O Código de Processo Penal prevê que,
em todos os locais onde haja delitos e tenham sido deixados
vestígios, sejam realizadas perícias. O que se tem visto é
que, nas grandes Capitais e nos Estados ricos, o Código tem
sido cumprido à risca. Mas no interior, onde ocorrem muitas
violações de direitos humanos, os locais nem chegam a ser
periciados. Isso é uma verdadeira omissão do Estado, uma vez
que não equipou os institutos de criminalística e não deu
condições para lotar peritos nessas localidades mais
afastadas. Isso tem prejudicado muito a imagem da nossa
categoria.
Além do mais, a preocupação do Governo é só quando ocorrem
casos de repercussão, como o do PC Farias e o de Corumbiara.
Aí, sim, os órgãos oficiais deslocam peritos que consideramos
verdadeiras estrelas, que se encontram em gabinetes, na UNICAMP
e outros locais, muitas vezes passando por cima até do próprio
Código de Processo Penal, porque enviam um médico legista sem
a experiência e a atribuição legal para fazer um exame de
local - essa é que é a verdade. E o médico legista tem de
ficar circunscrito ao exame cadavérico e à emissão de um
laudo cadavérico. Nesses casos, então, como muita gente gosta
de aparecer,vai querer trabalhar.
Aproveito a oportunidade para colocar a Associação Brasileira
de Criminalística à disposição das pessoas que tiverem casos
ou interesse em nos procurar. Temos articulação também com os
órgãos que representam as associações de médicos legistas
no Brasil.
Nossa associação tem uma preocupação também em sanar os
problemas relacionados aos direitos humanos. Muitas vezes,
existem laudos confeccionados de forma duvidosa. Isso acontecia
muito na época da repressão. E o próprio Programa Nacional
dos Direitos Humanos estabelece que na luta contra a impunidade
os estudos de criminalística devem receber uma atenção toda
especial dos órgãos oficiais.
Àqueles que porventura tiverem necessidade das nossas
orientações, dou o telefone da associação aqui em Brasília:
345-8288.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Muito obrigado.
Chamamos a companheira Nazaré Zenaide, do Conselho Estadual da
Paraíba, e, logo a seguir, Mohamed Abdarrahmane, da Embaixada
do Kwait.
A SRA. NAZARÉ ZENAIDE - Bom dia para todos.
Gostaria de levantar uma questão sobre a indicação de cinco
membros do Grupo 1 tirados desta assembléia.
Alerto sobre a necessidade de que essa comissão seja formada
por diferentes Estados, com cinco ou mais representantes, e que
haja intercâmbio permanente, informando o que está
acontecendo.
Se é uma comissão de fiscalização, temos de, no decorrer do
ano, não só nesta conferência, ter conhecimento do que está
sendo feito e também das necessidades de apoio. Muitas vezes,
é preciso mobilização em âmbito nacional para que quem
participar da conferência possa acompanhar e dar apoio a
determinadas ações que essa comissão de acompanhamento e
monitoramento vai realizar.
Alerto para esse fato a fim de que não haja concentração em
alguns Estados, mas haja membros de vários Estados e Regiões.
Outra questão é a reintrodução na programação da
Conferência Nacional de Direitos Humanos dos grupos temáticos.
Por quê? Porque os grupos temáticos realizados nas
conferências anteriores mostraram a importância de, nesses
encontros, haver uma discussão mais pormenorizada e aprofundada
do que está sendo feito nas diversas áreas, no âmbito de
organizações governamentais ou não-governamentais - isso
implementa, articula e aprofunda a temática.
Devemos também introduzir nos grupos temáticos a discussão
educação para os direitos humanos, que não foi incluída nas
conferências anteriores. É importante que esse seja um dos
temas abordados na discussão do grupo.
Vejam: nesta conferência foi introduzida a discussão sobre os
plano estaduais e municipais. Mas é fundamental também que
esses grupos temáticos aprofundem o assunto. A complexidade em
direitos humanos é muito ampla.
Outra questão abordada na conferência do ano passado foi a da
inclusão dos direitos humanos como tema nos órgãos de
financiamento de pesquisa. Direitos humanos precisam ser
considerados área de conhecimento de pesquisa e aprofundamento,
e não foram incluídos como área de fomento à pesquisa.
É preciso que o MEC também fortaleça os cursos de
pós-graduação em direitos humanos. Existe na Paraíba um
curso de especialização, e em Brasília vai começar agora.
Acontece que, com a retirada de recursos para especialização
da CAPES, nem todas os profissionais que estão trabalhando em
delegacias, em Polícia Militar, em universidade e ONGs têm
condições de pagar curso de especialização em direitos
humanos. E é uma área em que se precisa aprofundar
conhecimento e prática séria. Para isso, é preciso ter
pesquisa, ensino de qualidade e extensão, trabalho junto à
sociedade.
Gostaria de pedir à Comissão de Direitos Humanos, que está
organizando o evento, que as moções que estão saindo da
conferência sejam passadas para as entidades que estão
participando, porque é uma questão política, e nós que
estamos voltando para os Estados precisamos passar para nossos
representados. Estamos representando pessoas e temos um papel de
devolver para eles o que está acontecendo aqui. E, como as
moções são atos políticos desta conferência, seria
importante que a Comissão enviasse essas moções para todas as
entidades presentes à conferência.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Muito obrigado.
Tenho uma questão de ordem prática para o Plenário avaliar: a
companheira Lúcia Pacífico, Vereadora de Belo Horizonte, da
Comissão de Direitos Humanos, está com problema de horário de
vôo. Peço a compreensão do Plenário, da Mesa e do
companheiro Mohamed para que ela fale agora, em intervenção
breve, em função do horário de vôo.
Agradeço ao companheiro, ao Plenário e à Mesa a atenção.
A SRA. LÚCIA PACÍFICO - Boa tarde a todos. Agradeço aos
colegas a compreensão.
Farei algumas intervenções rápidas. Na primeira, reforço a
questão de reuniões preliminares das comissões de direitos
humanos das Câmaras Municipais, como muito bem disse nosso
colega de Campinas, antes da realização das próximas
conferências nacionais de direitos humanos - escrevi para ser
mais didática.
A segunda é instituir um sistema permanente de informações
às comissões de direitos humanos municipais e estaduais e
também aos movimentos civis de proteção aos direitos humanos
das atividades realizadas, do que está se passando aqui na
Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, e também
ajudar a viabilizar a vinda de representantes legítimos aos
fóruns de debates - só estou aqui porque participei da
reunião do Encontro Nacional de Vereadores que está
acontecendo aqui em Brasília - e a participação de
representantes legítimos de movimentos civis de direitos
humanos na organização e programação da IV Conferência
Nacional dos Direitos Humanos.
Finalmente, trago a este fórum uma moção de repúdio, porque
tenho sentido na pele lá na entidade que presido, a
Confederação Nacional das Donas de Casa e Consumidoras, às
revistas íntimas nas funcionárias de fábricas, lojas,
supermercados e outro tipo de comércio, assim como aos
consumidores nas lojas, levando-os a vexames públicos e
colocando-os em situações constrangedoras, proibidas pelo
Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de novembro de
1990.
Muito obrigada pela compreensão de vocês. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Muito obrigado.
Com a palavra o Sr. Mohamed Abdarrahmane.
O próximo é Narciso Pires, a quem pedimos que se aproxime, por
favor.
O SR. MOHAMED ABDARRAHMANE - Vou fazer uma intervenção em nome
pessoal, como participante deste congresso, sem estar
representando um governo.
Aqui ouvimos vários relatos de desrespeito e violação de
direitos humanos praticados no Brasil e no âmbito internacional
também. Lembro que há exatos cinqüenta anos - mais ou menos o
tempo que se comemora da Declaração de Direitos Humanos - o
povo palestino vem sendo desrespeitado nos seus direitos
humanos.
O Estado de Israel tem sistematicamente violado os direitos
desse povo, que, durante todo esse tempo, vem sofrendo
humilhação. O povo palestino teve de ser exilado, teve de
deixar sua pátria, e suporta todo tipo de sofrimento, todos
sabemos.
O atual Governo israelense está irredutível e vem violando
também acordos internacionais que foram assinados para que se
chegue à paz naquela região de extrema importância para o
mundo. Ele continua desrespeitando todas as resoluções das
Nações Unidas, e o povo palestino continua nessa situação de
sofrimento e de violência diária, cometida contra crianças,
mulheres, velhos, sem realmente ter condições de responder à
altura essas violações.
Registro esse fato diante deste congresso a fim de que seja
incluído repúdio ao atual Governo de Israel pela sua
violação dos princípios básicos de direitos humanos em
terras palestinas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Muito obrigado.
O próximo é Adélio Mendes, Promotor de Execução Penal do
Paraná.
O SR. ADÉLIO MENDES - Gostaríamos de levantar rapidamente a
questão do pedido dos grupos Tortura Nunca Mais de criação de
lei federal para indenização de ex-presos políticos
torturados durante a ditadura militar.
Sou do grupo Tortura Nunca Mais do Paraná, Estado pioneiro na
criação de lei estadual que atendeu exatamente a essa
questão. Na seqüência, vieram o Rio Grande do Sul e Santa
Catarina. Nossa comissão já terminou seus trabalhos: cerca de
243 processos foram solicitados, e 235, atendidos. Os não
atendidos estavam ou fora do prazo ou não tinham sido de fato
presos.
É importante resgatar que a lei pedida em âmbito federal,
nesses mesmos termos do Paraná e de Santa Catarina, difere
substancialmente da proposta da anistia excepcional que já
existe, por uma razão muito simples: a lei do Paraná, de Santa
Catarina e do Rio Grande do Sul prevê a indenização por
seqüelas e torturas, seqüelas psicológicas e físicas, e a
aposentadoria excepcional por anistia é uma decorrência de
perdas profissionais, em razão das perseguições pela ditadura
militar. Entendemos que é importante a criação desta lei até
para que se discuta a questão da tortura no Brasil.
No Paraná todas as audiências foram públicas, e tivemos o
entendimento de que essa questão não era meramente uma
reparação aos ex-presos políticos, mas um resgate dos
direitos humanos e uma sinalização para uma sociedade futura
que respeite os direitos fundamentais dos seres humanos.
A questão da tortura foi levantada, e nosso grupo propõe hoje
que se faça uma campanha estadual - estamos encaminhando nesse
sentido -, com a proposta Tortura: Silêncio Nunca Mais. As
delegacias de polícia do Paraná e do Brasil inteiro, cerca de
98%, praticam tortura como principal método investigatório:
prende-se para investigar, quando se deveria investigar para
prender.
Entendemos que o silêncio das autoridades policiais e civis, da
própria sociedade em relação à tortura proporciona sua
continuidade como o principal método investigatório nas
delegacias de Polícia.
Vamos propor uma moção de apoio ao Promotor Público de União
da Vitória, Estado do Paraná, que indiciou diversos policiais
por crime de tortura. No entanto, houve uma reação da própria
sociedade e de elementos da sociedade, que realizaram passeatas
de repúdio à ação punitiva do promotor. É importante que
essa conferência envie a esse promotor uma moção de apoio
pela sua postura corajosa, que já indiciou, só em União da
Vitória, uma cidade pequena, onze membros da Polícia Civil e
da Policia Militar por crime de tortura. É importante essa
postura.
Sabemos que esses processos de tortura ocorrem por todo o
Estado. No entanto, os promotores e juízes têm receio da
própria reação popular em relação à punição de
policiais.
Uma postura decisiva e uma campanha esclarecedora à respeito da
tortura se fazem fundamentais.
Entendemos esse encaminhamento e propomos essa moção.
(Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Obrigado, companheiro.
Há cinco inscrições. São 13h, e o tempo trabalha contra nós
neste momento. Logicamente, a Mesa não poderia pedir a este ou
aquele companheiro que retire sua inscrição.
Para garantir democraticamente este espaço, pedimos a cada um
que seja bem sintético, a fim de que todos falem, porque ainda
temos que tomar algumas decisões fundamentais no fechamento
desta conferência.
O SR. NARCISO PIRES - Sr. Presidente, em especial Dra. Maria
Lúcia Karam, no Grupo 3, Poder Judiciário, Execução Penal,
tenho uma sugestão para alterar a redação.
Entendo que a fiscalização nos estabelecimentos prisionais
não deve pesar simplesmente no âmbito de execução penal,
até porque a Lei de Execução Penal é única para o País, e
a realidade prisional do Pará não é diferente da dos demais
Estados.
Assim, entendo que nesse item 2 da sugestão deveria ocorrer uma
mudança, para se ter maior presença dos órgãos de execução
penal, do juízo singular, juiz, Ministério Público e
conselhos, porque há o conselho da comunidade e o conselho de
política criminal e penitenciária que fiscalizam a execução
da pena. Juízes e Ministério Público, conselhos, etc., na
fiscalização dos estabelecimentos prisionais, inclusive com
inspeção sem prévia comunicação.
Sou Promotor de Execução Penal no Pará. Fiscalizo cadeia
pública e penitenciária, em conjunto com uma juíza.
Trabalhamos na execução penal, verificando presos condenados.
Quem fiscaliza a parte de presos provisórios são os juízes
singulares ou juízes do conhecimento. Então, deveria ser
acrescentado aí órgãos de execução penal e do juízo
singular, ou toda a população carcerária das penitenciárias,
cadeias públicas ou cadeiões, como já ouvi, estará sendo
colocada para os promotores e juízes de execução, que não
têm competência para isso.
E ainda, no item 3, entendo que transferir ou estender a
execução penal para os juízes da condenação é um assunto
que deve ser repensado, porque o juiz do conhecimento ou da
condenação, depois, se ficar ainda para administrar a
execução, tendo inúmeros processos para instruir, acabará
deixando a execução penal em segundo plano, e ficarão muitos
presos esperando chegar seu momento ou que se lembrem dele para
lhe darem remissão, progressão, regressão, se for o caso,
livramento, indulto, ou outro benefício a que tenha direito
pela Lei de Execução Penal.
Então, deve ser repensado esse ponto de vista.
Obrigado. (Palmas).
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Estou inscrito e falarei
muito brevemente.
Faço uma ponderação no documento do Grupo 5, na página 3,
quando pedem, e fico muito sensibilizado, que a situação do
Nordeste seja vista de maneira mais prioritária pelo Governo,
inclusive aberta à ajuda humanitária. Mas o texto coloca a
temporariedade, que haverá cinco anos ininterruptos de seca.
Pela ausência da fonte de onde essa informação foi tirada,
para nos resguardar, peço para ser retirada essa
temporariedade, e apenas colocar diante da possibilidade de uma
seca prolongada. Acho mais pertinente que não nos arrisquemos a
uma crítica de autoridades que se sintam melindradas com nossa
posição.
Se houver concordância do Plenário, poderíamos fazer a
retirada da temporariedade. (Palmas.)
Muito obrigado.
Com a palavra a companheira Raimunda Guedes. Peço a todos que,
daqui para a frente - desculpem-me, mas a Mesa tem esse papel -,
mantenham uma fala bastante breve e objetiva. Faltam quatro
inscritos.
A SRA. RAIMUNDA GUEDES - Boa tarde a todos.
Na condição de mulher negra de nível superior que ganha mais
de dez salários mínimos por mês, o que representa menos de 1%
da população negra do País, tenho obrigação de estar aqui
falando em nome daqueles que não têm sequer direito à voz.
Peço à Mesa para reforçar a questão da implementação da
ação afirmativa com relação a homens e mulheres negros,
apesar dos 110 anos de atraso, tempo em que foi extinta a
escravidão. Apesar dessa demora, ainda é possível, e o
Governo Federal sinaliza nesse sentido, implementar uma
política de ação afirmativa com relação aos homens e
mulheres negros descendentes da escravidão.
O segundo ponto é a questão do serviço militar obrigatório.
Os maus tratos, as mortes - e foi citado aqui por um companheiro
do Mato Grosso que dois cadetes morreram em treinamento
devorados por peixes. É assim que acontece, e as famílias não
são indenizadas, não são sequer notificadas, nem é dada a
devida atenção que o caso requer.
É necessário que as entidades que discutem, que trabalham em
torno dos direitos humanos se voltem para essa questão das
pessoas que morrem em treinamento em entidades militares,
quaisquer que sejam as Armas, no âmbito estadual ou federal.
Isso acontece sempre, e não há reparação, não há sequer
discussão, uma tomada de responsabilidade. Simplesmente as
pessoas morrem, e o que se diz é que foi acidente, e acabou.
Em terceiro lugar, rapidamente, 31 de maio é o Dia
Internacional Sem Tabaco. Essa é uma questão em que fico me
batendo o tempo todo, porque já tive uma indicação para
aposentadoria por invalidez, coração dilatado, grande,
pressão altíssima, por causa de fumaça de cigarro alheio no
meu local de trabalho. Comecei a pesquisar e vi que a coisa é
muito séria. Existe uma lei proibindo o uso de cigarros em
locais onde permaneçam ou transitem pessoas. O Governo Federal
pode, sim, primeiramente, proibir a propaganda do cigarro, que
é enganosa, com aquele mundo de Marlboro, aquela coisa bonita,
todo o mundo feliz, cheio de dinheiro, saudável. Não é isso o
que acontece. A cada tragada de cigarro são jogadas no meio
ambiente 4.700 substâncias tóxicas, cancerígenas,
asfixiantes, que fazem mal à saúde de qualquer ser vivente. É
preciso que se atente para isso. Respirar ar puro é um direito
humano. O planeta também se ressente com esse mal, porque o
planeta Terra é também um ser vivo.
Agradeço a oportunidade e reivindico que as questões que
levantei, das pessoas que morrem em treinamento nas Forças
Armadas, da implementação das ações afirmativas com
relação ao negro e do combate ao tabagismo, sejam levadas a
sério.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Com a palavra o Sr. Praman,
do Instituto Quíron, e, logo a seguir, o Sr. Jacinto Teles, do
SINPOL do Piauí.
A Sra. Maria Lúcia Karam pode ir se aproximando, pois será a
última companheira inscrita a falar.
O SR. DEVA PRAMAN - Falarei sobre dois assuntos.
Primeiro, foi pedido um levantamento dos projetos sobre direitos
humanos em tramitação. Não entendi bem, mas acredito que seja
do Congresso, e não da Câmara. Gostaria que fosse encaminhada,
juntamente com esse levantamento, relação com os dados
completos dos participantes desta conferência, para facilitar e
fortalecer a comunicação entre nossas entidades.
Segundo assunto: proponho uma moção de apoio à Comissão de
Direitos Humanos da Câmara. Formulamos requerimento
fundamentado no art. 253 ao Presidente da Câmara dos Deputados
e até agora não recebemos notícias - como se sabe, nesta Casa
o Regimento vale de acordo com o interesse político,
infelizmente.
Minha moção à Comissão de Direitos Humanos é para que ela
acate esse requerimento e instale comissão para apurar o que
foi publicado no último dia 16 de março na principal manchete
da Folha de S.Paulo, que o País é um dos líderes em morte no
parto. Não é apenas uma matéria, porque se baseia num
relatório da OMS - Organização Mundial de Saúde que mostra
claramente a situação de total menosprezo pela mulher
brasileira.
Além disso, sabemos que o Brasil é líder mundial em
cesarianas. Essa questão de morte não só dos bebês como das
mães nos partos é gravíssima no País. Basta dizer que a
matéria apenas cita, entre muitos outros itens, o fato de que
estamos muito à frente de países de quinto mundo, países
africanos e asiáticos.
Nosso pedido ao Presidente da Câmara não foi atendido ainda.
Acreditamos que esta Comissão tem poderes para instalar uma
comissão para que se comece a apurar essa situação.
Mais grave ainda, consta também que existe uma tecnologia
apropriada para isso que foi recomendada pela OMS ao Governo
brasileiro e aos demais governos e que não está sendo cumprida
pela Ministério da Saúde. Existe a tecnologia, foi
recomendada, e não foi aplicada.
Penso que a Comissão de Direitos Humanos tem poderes para
instalar uma comissão para apurar essa questão, para chamar o
Sr. Ministro a pelo menos cumprir as suas obrigações.
O art. 253 do Regimento desta Casa diz claramente que, quando
há omissão de autoridade, é obrigação da Câmara dos
Deputados instalar Comissão para apurar. O Presidente desta
Casa, simplesmente, não deu resposta ao ofício até a presente
data. Então, acredito que a Comissão de Direitos Humanos, que
vem realmente prestando um serviço, eu diria, pelo menos,
diferenciado, muito diferenciado do que acontece aqui nesta
Casa, instale esta Comissão. Muito obrigado.
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Os próximos companheiros
inscritos são Jacinto Teles, Maria Lúcia Karam e Alberi
Espíndula, que deseja fazer a entrega de um documento à Mesa.
Solicitamos ao companheiro bastante brevidade, até porque o
plenário já está se esvaziando.
O SR. JACINTO TELES - Boa tarde às companheiras e companheiros
deste Plenário. Nós representamos os policiais civis e
penitenciários do Estado do Piauí. Estamos aqui para reiterar
alguns pontos do relatório da I Conferência Nacional de
Direitos Humanos.
Queremos reiterar aqui o cumprimento integral das regras
mínimas da ONU para tratamentos de reclusos pelos Estados
brasileiros, e que seja, à propósito do que já está naquele
relatório, reiterado que o Ministério da Justiça condicione a
liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional ao fiel
cumprimento dessas normas, sob pena de não iniciarmos nunca a
ressocialização do sistema penitenciário.
Por outro lado, queremos reiterar também com relação à
segurança pública, no que diz respeito ao cargo de Delegado
Geral, ou Chefe de Polícia, como queira, obedecendo a
peculiaridade de cada Estado, que seja eleito pelos
trabalhadores que compõem a instituição policial, objetivando
a independência, a autonomia administrativa e financeira dessa
instituição, sobretudo para prestar um serviço realmente ao
alcance da sociedade.
Por último, queremos apresentar uma nota de repúdio contra a
Proposta de Emenda Constitucional nº 514/97, encaminhada pelo
Poder Executivo a esta Casa Legislativa e que, taxativamente,
descumpre o estabelecido no art. 23, inciso IV, da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, quando prevê a extinção dos
sindicatos de trabalhadores da área de segurança pública e
penitenciária e, ainda, que esses profissionais não possam se
organizar politicamente e não tenham o direito de greve. Isso
é um verdadeiro contra-senso no ano em que vamos comemorar o
cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
As notas de repúdio, só para complementar, devem ser também
encaminhadas às autoridades, ou instituições públicas que
foram repudiadas, e não somente a nós, signatários das
mesmas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Com a palavra a companheira
Maria Lúcia Karam.
A SRA. MARIA LÚCIA KARAM - Queria fazer alguns esclarecimentos
sobre o relatório do Grupo 3, que foi questionado aqui.
Em primeiro lugar, vou-me referir ao tema constante do item 1,
Poder Judiciário e Sociedade. Um integrante do grupo veio aqui
reclamar sobre a omissão da proposta de criação de estágios
obrigatórios para juízes em hospitais, assentamentos de
terras, etc. Como ficou esclarecido na introdução do nosso
relatório, o grupo não trabalhou com propostas concretas, mas
com linhas gerais de encaminhamento de discussão, por um
aprofundamento da discussão com a sociedade, porque em uma
tarde apenas, sem uma pauta prévia, com a participação de
pessoas que jamais haviam se reunido antes, era absolutamente
impossível e temerário encaminhar propostas concretas em
relação a tema tão importante como é a atuação do Poder
Judiciário, a sua desejável atuação, comprometida com os
direitos humanos.
Esse tipo de proposta concreta de realização de estágios para
juízes em hospitais, assentamentos de terras, etc. é uma
proposta que evidentemente mereceria um mínimo de discussão e
que, de alguma forma, foi aqui contemplada quando se enfatizou
não só o estudo teórico, como o contato com a realidade. Como
fazer esse contato com a realidade é algo a ser discutido, e
não me parece que se possa, dentro de linhas gerais, fazer essa
sugestão tão concreta e tão discutível. Ela não foi
discutida no grupo, mas apenas levantada, como vários outros
temas, apenas sob a forma de pensamentos e exemplos das pessoas
que se manifestaram.
Esse tipo de questão só poderia assumir a forma de proposta do
grupo se fosse discutida e aprovada. Tenho certeza de que muitos
dos que ali estavam não aprovariam esse tipo de proposta.
Foi também claramente debatido pelo grupo que o relatório
apenas apontaria linhas gerais, e não propostas concretas, até
porque as propostas concretas não foram votadas.
Quanto ao último item, o Poder Judiciário e a Execução
Penal, que já é um tema restrito, tendo em vista que não se
tratava de uma discussão sobre sistema penal, ou sistema
penitenciário, mas apenas de uma discussão sobre a atuação
do Poder Judiciário de forma a comprometê-lo com a
realização dos direitos humanos, de acordo com esse tema mais
genérico, surgiu a preocupação da maioria das pessoas do
grupo com a execução penal, o ponto mais preocupante em torno
da atuação do Poder Judiciário.
Estamos discutindo apenas Poder Judiciário e, dentro dessa
discussão de Poder Judiciário, estamos discutindo apenas
execução penal. Portanto não há que se incluir em tal item
fiscalização de presos provisórios, porque presos
provisórios não são condenados e não cumprem penas. Logo,
não se pode falar de execução penal em relação a presos
provisórios. São coisas diferentes, e é muito importante não
confundir isso. A prisão provisória jamais poderá ser
confundida, porque seria uma das mais graves violações a um
direito fundamental, que é o direito ao devido processo legal,
com execução de pena. Portanto, quando tratamos de um tema
específico, como o da execução da pena, não podemos nos
referir a presos provisórios. Esse é outro tema, cuja
discussão sugerimos para uma outra reunião.
Da mesma forma, as propostas de academias penitenciárias e a
proposta de criação de uma instância de controle autônoma
tampouco passam pela atuação do Poder Judiciário. O que
discutimos no grupo foi apenas a atuação do Poder Judiciário.
É preciso ter um mínimo de rigor técnico quando se elabora
algum tipo de proposta, algum tipo de discussão. Quer dizer,
não cabe inserir num relatório que discute Poder Judiciário
questões que dizem respeito ao sistema penitenciário ou ao
sistema penal, que são outras discussões mais amplas. Não
podemos misturar.
Da mesma forma para proposta de outro companheiro do grupo
ratificando aquele estágio em assentamentos, hospitais e tal em
relação às Faculdades de Direito, porque, também, não
estamos tratando de Faculdades de Direito, mas única e
exclusivamente de Poder Judiciário.
Quanto à reclamação sobre a proposta de redação de um guia
esclarecendo experiências e variedades de penas alternativas,
questionou-se aqui a redação, que era no sentido de empreender
ações sensibilizadoras dos juízes no sentido de maior
aplicação de penas alternativas. A expressão "ações
sensibilizadoras" foi retirada de uma das intervenções.
Essas ações sensibilizadoras evidentemente se relacionam com a
proposta constante do item mais geral, o item 1, que é o de
aproximação imediata das entidades ligadas à defesa dos
direitos humanos com os órgãos do Poder Judiciário, com as
entidades representativas dos magistrados, seja através de
reuniões, debates e propostas, seja através de divulgação de
documentos produzidos, e que abrange guias e cartilhas, como foi
sugerido.
Enfim, são coisas muito específicas que não podem ser
discutidas em propostas de linhas gerais. A conclusão do grupo
foi pela necessidade da aproximação dessas entidades de
direitos humanos com os juízes. Como fazer essa aproximação,
cada entidade deve pensar e propor. Não se pode incluir aqui
coisas específicas, como a distribuição de cartilhas para
juízes, que, talvez, não seja a forma mais recomendável de
aproximação com os juízes.
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - A Mesa entende que, pela
metodologia dos trabalhos e argumentações apresentadas, essa
questão será remetida para um item que a Conferência
considera como orientação de discussão. Parece-me que não
há consenso e, com o plenário esvaziado, neste dia, temos a
responsabilidade de procurar encaminhar dessa maneira para não
negar a discussão, mas também não sugerir uma questão que
não admite consenso. Pelo menos, é o entendimento da Mesa
neste instante.
Então, esse ponto fica para o item de orientação para
discussões, ou posteriores discussões.
Queremos chamar, não para falação, mas para entrega de
documento à Mesa, os companheiros Espíndula e Márcia. Os
companheiros levantam uma questão de esclarecimento.
(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Consta do relatório como
sugestão para posterior discussão, ou como desdobramento de
discussão. Não consta como resolução, pelos motivos já
apresentados pela Mesa.
Há outra pessoa pedindo esclarecimento?
(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - A Mesa entende de maneira
diferente. Constatamos que esse assunto é polêmico, que não
tem como ser equacionado no terceiro dia de uma conferência de
direitos humanos de abrangência nacional, num plenário vazio.
As resoluções e as críticas ao Judiciário feitas nesta
Conferência estão documentadas em várias resoluções de
outros grupos e em várias moções. Entendemos que não se
pode, democraticamente, negar essa discussão, até porque ela
tem relevo e pertinência, no modo de compreender da Mesa, mas
não se pode admiti-la como resolução. A Mesa, de maneira
responsável, conseqüente e democrática, procurando atender e
entender a questão apresentada neste momento, vai orientar a
Comissão de Sistematização no sentido de que esse assunto
fique como indicativo pertinente para discussões conseqüentes
e desdobramento desta Conferência.
Fica como indicativo de discussão. É considerada pertinente a
idéia e a proposta, mas não é resolução da Conferência, é
um encaminhamento de sugestão para discussão em fórum de
direitos humanos.
(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - Nós ouvimos as duas partes
aqui. Está demonstrado que não aconteceu, nem existe consenso.
A SRA MARIA LUCIA KARAM - Não é isso, não. Há um consenso
que está expresso no relatório, e há um dissenso de algumas
pessoas participantes do grupo que se manifestaram hoje aqui e
gostariam de ter as suas propostas incluídas. Mas o relatório
expressa o consenso do grupo no sentido de não se afastar da
discussão sobre o Poder Judiciário, mas ter um mínimo de
responsabilidade para não fazer propostas que dependeriam de
uma discussão com toda a sociedade, e não de uma comissão, em
uma tarde. Há propostas concretas de aprofundamento da
discussão sobre determinados pontos.
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) Obrigado. A Mesa está
exatamente querendo contornar essa questão da maneira mais
correta, conforme entendeu. Não há outra. (Palmas.)
A Mesa reafirma a sua convicção e a sua decisão de que esse
assunto será enviado para a Comissão de Sistematização, com
decisão da Mesa que dirige os trabalhos. Esse assunto será
apresentado como orientação da discussão, pela pertinência
da proposta, em busca de desdobramento e aprofundamento das
questões aqui levantadas quanto a esse aspecto. (Palmas.)
Pedimos ao companheiro Alberi que se manifeste, como solicitou,
de maneira bem abreviada. Se desejar, pode se aproximar.
O SR. ALBERI ESPÍNDULA - Vamos chamar para fazer a entrega do
documento o Dr. Cássio Thione Almeida, Primeiro Secretário da
Associação Brasileira de Criminalística; a Dra. Márcia,
Presidente do Sindicato dos Peritos Criminais de São Paulo, e o
Dr. Luiz Henrique, Presidente da Associação Brasiliense dos
Peritos em Criminalística.
Queremos agradecer a todos pela assinatura e apoio a essa nota
de repúdio ao Governo do Estado do Ceará. Especialmente,
pedimos à Dra. Márcia que faça a entrega do documento, num
ato simbólico, ao Governador do Estado do Ceará, que é do
mesmo partido do Governador de São Paulo, que recentemente
tomou uma iniciativa muito alvissareira e importante quanto à
autonomia dos órgãos periciais do Estado.
Esperamos que o Governador do Estado do Ceará se sensibilize
com essas medidas.
Pedimos que se faça a entrega. (Pausa para a entrega.)
O SR. COORDENADOR (Mário Mamede) - O documento está entregue.
Podemos estabelecer o compromisso de que segunda-feira pela
manhã o documento chegará às mãos do Presidente da
Assembléia, onde a matéria tramita na Comissão de
Constituição e Justiça, para a discussão, e, se aprovada,
irá a Plenário na terça ou quarta-feira. Há urgência, e
prometo cumprir a tarefa que no momento me é confiada.
Pediria que companheiros de outros Estados se manifestassem
diretamente ao Governador, independentemente de terem assinado a
nota, pois achamos que o retrocesso é insuportável,
subordinando a atividade pericial ao Delegado Geral de Polícia.
Temos ainda alguns encaminhamentos breves.
Há compreensão da Mesa de que, pelos motivos já expostos,
ficaria muito difícil e possivelmente - sem negar a
importância e a estima que temos por todos os companheiros e
pelas instituições que se fizeram e se fazem presentes a esta
Conferência - insatisfatória, neste momento, pois não haveria
uma representatividade plena da participação nesta
Conferência, a tentativa de escolher, com um plenário já
bastante esvaziado, a comissão sugerida e aprovada, ou seja, a
Comissão de Monitoramento do Plano Nacional de Direitos
Humanos.
Para contornar esse obstáculo, a Mesa tem uma proposta, que
gostaria de submeter à apreciação dos presentes, informando,
de antemão, que acha essa saída interessante, pois não
negará a decisão do plenário e viabilizará a nossa vontade,
as nossas intenções. A proposta é que a Comissão que
organizou esta Conferência - o nome da Comissão está no
folder, e o nome das pessoas - possa merecer a consciência do
Plenário e da Mesa para dar condição a essa tarefa ou, pelo
menos, que possa configurar o início dessa tarefa. (Palmas.)
Podemos concordar que a Comissão que organizou este evento fica
com a missão de iniciar a tarefa de monitoramento e a
promoção dos passos necessários para buscar uma
representação que atenda à nossa vontade, a de um
monitoramento mais próximo, mais aguerrido do Plano Nacional de
Direitos Humanos.
Por fim, são 13h30, e, tendo em vista que ainda resta uma
série de moções que, a nosso modo de ver, não estabelecem
polêmicas - são moções importantes -, poderíamos, se o
Plenário concordar, remetê-las à Comissão de
Sistematização, para que sejam incluídas como resoluções
deste Plenário. (Palmas.)
Queremos agradecer a todas as entidades e pessoas que
participaram pela presença de cada instituição e de cada um
que aqui veio com a sua inteligência, com a sua generosidade,
com a sua boa vontade, com a sua energia, com o seu ânimo,
abrilhantar este encontro.
Queremos fazer uma agradecimento particular àqueles que
viabilizaram este encontro, àqueles que no dia-a-dia compõem a
Assessoria, os funcionários, nossos companheiros da Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Sem a zelosa e
dedicada participação deles a realização deste encontro
seria impossível e, seguramente, não alcançaríamos tamanho
êxito.
Sabemos de antemão que vamos sair daqui com um pouco
frustrados. Talvez na cabeça de alguns permeie um certo
desânimo; no coração de outros, uma certa desesperança. Mas
creio que temos condições de avançar, a nossa utopia é muito
bonita, o nosso sonho é de construção permanente. A utopia
dos direitos humanos, que se confunde com a utopia da
democracia, é infinita na sua busca, na sua construção, no
seu esforço cotidiano de pessoas que aqui estão, de outros que
não puderam vir, de pessoas que anonimamente se dedicam, com
dignidade e esforço, respeitando o próximo. Achamos que todas
essas pontinhas de desesperança, de desânimo, de indignação,
de inquietação, pela implementação muito lenta do plano,
muito aquém da nossa vontade e do nosso desejo, serão para
nós motivo de feedback positivo. Elas nos animarão para, cada
vez mais, sermos ousados, usarmos todos os mecanismos de
pressão democrática, respeitando as instituições, mas
cobrando delas, questionando de maneira muito severa, quando
necessário, para que o povo deste País efetivamente possa ter
o direito de sentir-se portador de direitos. Muito obrigado.
(Palmas.)
Está encerrada a III
Conferência Nacional de Direitos Humanos.
RELATÓRIOS DOS GRUPOS DE
TRABALHO
GRUPO TEMÁTICO Nº 1 :
PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS - APERFEIÇOAMENTO E IMPLEMENTAÇÃO
Coordenadoras: Valéria Getúlio
e Jussara de Goiás
I. AMPLIAÇÃO DO PROGRAMA
NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
1.1. O Programa Nacional de
Direitos Humanos deverá contemplar os direitos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais de forma a garantir
a universalidade, indivisibilidade e interdependência dos
direitos humanos.
1.2. Formulação da Política
Nacional de Direitos Humanos contemplando articuladamente os
.três níveis: federal, estadual e municipal.
1.3. Inclusão em todos os
níveis de execução orçamentária de recursos destinados a
implementação da Política Nacional de Direitos Humanos.
1.4. Realização de Conferência
Nacional de Direitos Humanos, com caráter deliberativo, para a
definição das diretrizes, metas e ações para a Política
Nacional de Direitos Humanos, com a participação de
representantes da sociedade civil organizada, poder executivo
(federal, estadual, municipal), poder judiciário e ministério
público (federal, estadual e municipal) e poder legislativo
(federal, estadual e municipal).
II. INCLUSÕES NO TEXTO DO ATUAL
PROGRAMA NACIONAL DOS SEGUINTES ITENS
2.1. As conclusões aprovadas por
ocasião da II Conferência Nacional de Direitos Humanos,
relativas aos DIREITOS DOS HOMOSSEXUAIS, GAYS, LESBICAS E
TRAVESTIS, constantes nas páginas 123, 124 e 125.
2.2. As conclusões aprovadas por
ocasião da II Conferência Nacional de Direitos Humanos,
relativas aos DIREITOS DAS MULHERES, constantes nas páginas 115
e 116.
III. AÇÕES IMEDIATAS
3.1. Cumprimento imediato da
implementação da autonomia dos órgãos Periciais, em nível
Federal, por intermédio de Emenda à Constituição,
inserindo-a nas funções essenciais à justiça.
3.1.1. Fortalecer os Institutos
de Criminalistica e o Instituto Medico Legal adotando medidas
que assegurem a sua excelência técnica e progressiva
autonomia, por meio da instalação da Superintendência de
Polícia Técnico-Científica, com orçamento próprio.
3.2. Criação de um plano de
reequipamento dos Institutos de Criminalistica e de Medicina
Legal, a ser elaborado e efetivado pelo Governo Federal.
3.3. Implementação de programas de lazer e cultura para
crianças e adolescentes nos assentamentos rurais e urbanos.
3.4. Revogação imediata da Lei
de Segurança Nacional.
3.5. A Educação pública,
gratuíta e de qualidade deve ser prioridade absoluta como forma
de garantir a construção de uma cultura em direitos humanos, a
democratização da universidade, valorização das
instituições de ensino e de seus profissionais .
3.6. Implementação imediata do
disposto às páginas 35 e 36 acerca da EDUCAÇÃO E CIDADANIA -
BASE PARA UMA CULTURA EM DIREITOS HUMANOS.
3.7. Definição de críterios
objetivos e transparêntes para a escolha do Prêmio Nacional de
Direitos Humanos, oferecido pelo Governo Federal, com
monitoramento da sociedade civil.
3.8. Criação de mecanismos que
assegurem o acesso as informações relativas ao Direito do
Consumidor, em especial, para a apuração dos produtos e
serviços oferecidos a população.
3.9. Implementação das ações
previstas nas páginas 29, 30 e 31 do Programa Nacional de
Direitos Humanos referentes a POPULAÇÃO NEGRA.
3.10. Implementação de um
processo amplo de consulta ao conjunto da população negra, em
especial as mulheres negras, sobre cotas para participação no
serviço público e universidades.
3.11. Constituição de Conselhos
Estaduais de Direitos Humanos, com a participação majoritária
nesses Conselhos de representantes da sociedade civil
organizada.
3.12. Criação de Ouvidorias no
serviço público municipal, estadual e federal dotados de
autonomia em relação ao órgão fiscalizado.
3.13. Cumprimento imediato da Lei
Federal que proibe o Fumo em Recintos Fechados e Proibição da
propaganda enganosa sobre o Fumo.
3.14. Humanização e
monitoramento dos programas de treinamento de cabos e soldados
das Forças Armadas.
3.14.1. Criação de Programa de
Idenização, Apoio e Tratamento as Vítimas de abusos efetuados
no decorrer dos treinamentos militares.
3.15. Assegurar o atendimento
digno aos homossexuais, gays e travestis nas delegaciais de
polícia.
3.16. Definição imediata de
referencial para a identificação do significado temporal de
curto, médio e longo prazo.
3.17. Que o Governo Federal
assuma integralmente os custos provenientes dos saques em razão
das secas, tendo em vista que os mesmos são frutos de sua
omissão.
IV. APROVAÇÃO IMEDIATA DOS
SEGUINTES PROJETOS DE LEI
4.1. PL que regulamenta a
profissão de Agente de Saúde Comunitário.
4.2. PL que trata do Trabalho
Escravo, em tramitação no Senado Federal, já aprovado pela
Câmara.
4.3. PL que trata da
Democratização dos Meios de Comunicação Social.
4.4. PL que trata da Autonomia
dos Órgãos de Identificação Criminalistica.
4.5. PL que trata do Programa de
Proteção a Vítimas e Testemunhas.
3.6. PL que trata do Estatuto das
Sociedades Indigenas.
V. DISCUSSÃO OU FORMULAÇÃO DE
PROJETOS DE LEI
5.1. Discussão do PL 1.610, em
conjunto com a sociedades indigenas organizadas.
5.2. Apresentação de PL que
caracterize os chamados "Crimes de Ódio",
estabelecendo a obrigatoriedade pelos órgãos oficiais de
pesquisa, da produção de dados estatísticos sobre os crimes
praticados.
5.3. Discussão ou formalação
de PLs que tratem da biopirataria dos recursos naturais das
comunidades indígenas.
VI. MONITORAMENTO DO PNDH
6.1 Criação de uma Comissão de
5 membros, indicados no final desta conferência por seus
participantes.
VII. IV CONFERÊNCIA NACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS.
7.1. Iniciar a Conferência com a
apresentação de um relatório crítico sobre a execução do
Programa Nacional de Direitos Humanos
7.1.1. Produção de relatório
paralelo, pela sociedade civil, sobre o PNDH, como forma de
garantir o monitoramento do mesmo.
7.2. Assegurar amplo espaço para
participação nos debates que se seguem as palestras.
7.3. Manutenção da realização
de Conferências Nacionais anuais
7.3.1. Realização de
Conferências Nacionais a cada dois anos.
7.4. Rodizio dos lugares de
realização da Conferência Nacional
.
GRUPO TEMÁTICO Nº 2:
FORMAS DE ARTICULAÇÃO VISANDO A
CRIAÇÃO DE PROGRAMAS ESTADUAIS DE DIREITOS HUMANOS
Coordenadores: Romeu Olmar Klich
(Secr. Exec. Do Mov. Nac. de Direitos Humanos)
Belisário dos Santos Jr (Secr. De Justiça e Cidadania do Est.
De São Paulo)
Relatores: Socorro Prado (CDDH da
CNBB de Manaus e Cons. Do MNDH - Norte I)
Narciso Pires ( Gr. Tortura Nunca Mais do Paraná e Cons. Do
MNDH - Sul II)
A Comissão temática chegou a
conclusão pelos relatos das experiências dos Estados que
existem quatro realidades distintas quanto ao potencial de
articulação visando a criação de Programas Estaduais de
Direitos humanos:
1º CENÁRIO:
A iniciativa é de entidades
governamentais do executivo (O caso do Estado de S. Paulo)
a- A Secretaria da Justiça e da
Defesa da Cidadania tomou a iniciativa:
1º passo: Organização no
primeiro semestre de 1996 do 1º Fórum Estadual de Minorias com
a participação de 350 ONGs e entidades governamentais nas
áreas de educação, saúde, moradia, criança e adolescente,
trabalho, além de segmentos como negros, mulheres, índios,
homossexuais, líderes religiosos, moradores de rua (sem teto),
trabalhadores rurais e outros segmentos.
Neste Fórum foi proposto pela primeira vez o Programa Estadual
de Direitos Humanos à partir de uma ampla discussão. As
reuniões do Fórum incluíam sempre um diagnóstico da
situação dos direitos humanos à partir da realidade de cada
segmento e propostas de superação dos problemas a curto, a
médio e a longo prazo.
2º passo: Com base nas propostas
do Fórum foi realizada uma Segunda rodada de consultas à
sociedade civil já com vistas ao Programa Estadual. Esta fase
incluiu a realização de oito audiências públicas nas
regiões administrativas do Estado nas Câmaras Municipais,
algumas delas com caráter intermunicipal.
3º passo: À partir dos
subsídios recolhidos nos dois passos anteriores foram adotadas
duas providências:
a- Formação de um grupo de
acompanhamento do Programa Estadual de Direitos Humanos
(integrado pela própria Secretaria da Justiça, pelo Conselho
Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e pelo Núcleo
de Estudos da Violência da USP e pela Comissão de DH da Ass.
Legislativa) com o objetivo de preparar a 1ª Conferência
Estadual de DH.
b- Contratação pela Secr. Da
Just. Do Núcleo de Estudos da Violência para prestar
assessoria técnica ao Programa.
4º passo: Realização da 1ª
Conferência Estadual de Direitos Humanos na Ass. Legislativa
com a participação de 350 representantes de entidades
governamentais e não governamentais, durante a qual as
propostas passaram por uma terceira discussão.
5º passo: Sistematização final
das propostas. O texto final do Programa inclui 303 propostas
temáticas.
6º passo: Lançamento do
Programa Estadual, pelo Governador do Estado em 14 de setembro
de 1997. Na mesma data ele foi publicado no Diário Oficial do
Estado como Decreto Governamental, que também instituiu a
Comissão Especial de Acompanhamento da implantação do PEDH.
7º passo: Início das atividades
de monitoramento do PEDH através da Comissão Especial
integrada por representantes do Governo do Estado, dos Conselhos
Estaduais, ONGs, além de observadores do Poder Judiciário, do
Ministério Público e do Poder Legislativo.
8º passo: Criação de Comissões do PEDH nas Secretarias do
Estado e início da elaboração do seu primeiro relatório a
ser lançado em junho de 1998.
9º passo: Aprofundamento do
processo de conhecimento e integração do PEDH com outros
planos e programas municipais e estaduais e com o Programa
Nacional de DH; início do processo de preparação da Segunda
Conferência Estadual de Direitos Humanos.
10º passo: No segundo semestre
de 1998 serão realizados eventos ligados ao primeiro
aniversário do PEDH e aos Cinqüenta anos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
2º CENÁRIO:
A iniciativa é de uma entidade
governamental do legislativo (Comissão de Direitos Humanos e da
Cidadania da Câmara Municipal de Vereadores de S. Paulo) que se
associa com outras entidades governamentais, Fórum Municipal de
Direitos da Pessoa Humana, sem contar, no entanto, com o apoio
do poder executivo.
O Fórum reúne entidades tais
como, de mulheres, sindicalistas, negros, indígenas,
homossexuais (gays e lésbicas), pastorais (saúde, carcerária,
migrantes, criança e adolescente), portadores de deficiência,
comitê de combate ao trabalho infantil, trabalhadoras(es) do
sexo, portadores do HIV/AIDS, idosos, anistiados políticos e
familiares de mortos e desaparecidos políticos.
Esta articulação organizou a
1ª Conferência Municipal de Direitos Humanos da cidade de S.
Paulo que reuniu 150 entidades para discutir e aprovar o Plano
Municipal de Direitos Humanos.
Luta agora para transformar o
Plano Municipal de Direitos Humanos em Programa Municipal de
Direitos Humanos, o que pressuporia a sua encampação pela
Prefeitura Municipal de S. Paulo, que mantém-se, no entanto,
refratária à proposta.
3º CENÁRIO:
A iniciativa é de ONGs de
Direitos Humanos que articula com entidades governamentais,
(percebendo um espaço de ocupação e implementação das
políticas públicas de DH) e outras entidades do Movimento
Social e Sindical.
4º CENÁRIO:
A iniciativa é de ONGs que
articula com outras entidades do movimento social e sindical,
mas que encontra resistência de entidades governamentais,
principalmente, do executivo.
p>PROPOSTAS À III CONFERÊNCIA
NACIONAL DE DH:
1- Que esta Conferência oriente
as Entidades de DH para a criação de Grupos de Trabalho nos
Estados com a presença de membros do Executivo, Ministério
Público, Legislativo, Magistratura e entidades do movimento
social e sindical e outras entidades governamentais.
2- Cria instrumentos legais de
pressão e coerção às pessoas que desrespeitam os DH e
introduzir elementos na Constituição que possibilitem a
intervenção nos Estados para a apuração de crimes de DH.
3- Propõe ao Ministério da
Justiça a destinação de recursos para a realização de
eventos de DH nos Estados e municípios do país, conforme
consta no PNDH.
4- Que na construção dos
Conselhos Estaduais e municipais de DH, articule-se toda a
sociedade civil organizada e as entidades governamentais do
executivo, legislativo, judiciário, do município, do Estado e
da República.
Que se dê prioridade a uma ação organizativa de DH, nas
cidades do interior, nos colégios, nas fábricas, nos Conselhos
Profissionais, nos sindicatos, visando estimular a organização
do tecido social voltada para uma nova cultura de DH, centrada
na construção de uma sociedade mais solidária, mais fraterna
e mais igualitária.
5- Que seja realizado, em
setembro deste ano, em São Paulo, por iniciativa da Secretaria
de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, em parceria com
entidades não governamentais e governamentais interessadas
(como, por exemplo, o Movimento Nacional de Direitos Humanos, a
Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, a Secretaria
Nacional de Direitos Humanos, a Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa de São Paulo, a Comissão de Direitos
Humanos da Câmara Municipal paulistana e o Núcleo de Estudos
da Violência, da USP), um seminário sobre o tema
"Consolidação dos Planos e Programas Municipais e
Estaduais de Direitos Humanos. Instrumentos, táticas e
estratégias". O evento terá como marcos o 50o
aniversário da Declaração Universal de Direitos Humanos e o
primeiro aniversário do Programa Estadual de Direitos Humanos
(SP). Deverá discutir um plano de ação para o período
1999/2003 e
se propõe que seja realizado no Memorial da América Latina.
MOÇÕES:
1- recomendar a criação e
devida instalação em todos os Estados da Federação de
Conselhos Estaduais de Direitos Humanos para a efetivação de
Programas Estaduais de DH.
2- Que os governos estaduais não
continuem desrespeitando os mais elementares direitos
constitucionais e trabalhistas dos servidores públicos
(policiais militares e civis) vitimados em serviço por morte ou
invalidez, retirando de suas famílias gratificações salariais
a que tinham direito no momento da ocorrência quando em escala
oficial de serviço.
3- Moção de protesto ao Governo
do Ceará que através da mensagem 6360 de 8 de abril de 1998,
em tramitação na Ass. Legisl., adota uma postura contrária
às entidades de direitos humanos, às associações e
sindicatos de profissionais de perícia forense e a orientação
de PNDH, ao subordinar IML, Inst. De Perícia Criminal e o
Instituto de Identificação ao Superintendente de Polícia
Civil.
4- Abertura dos Arquivos das
Forças Armadas e demais arquivos secretos do Regime Militar e a
ampliação da Lei 9.140/95 até o final do Regime Militar e o
reconhecimento das pessoas assassinadas na rua em
manifestações contra a Ditadura. Que o governo Federal assuma
a responsabilidade de investigar e identificar todas as ossadas
já encontradas pelos esforços das entidades de DH e familiares
de mortos e desaparecidos. E pela criação de uma lei federal
que propicie a reparação de danos morais e materiais a todos
aqueles que foram presos e perseguidos pela Ditadura Militar à
semelhança das leis já promulgadas em alguns estados como o
Paraná, Sta. Catarina e Rio Grande do Sul.
5- Moção de apoio à campanha
internacional "UMA FLOR PARA AS MULHERES DE KABOUL",
campanha liderada pelo Parlamento Europeu e que tem por objetivo
preservar os D.Hs. das mulheres afegãs.
6- Moção de repúdio contra o
governo do Estado do Piauí pela sua omissão em relação a
não implantação do P.E.de D.H. naquele Estado.
7- Moção de repúdio às
declarações do Ministro da Justiça, Renan Calheiros, por
pedir a prisão preventiva das principais lideranças do MST por
incentivar os saques por parte dos flagelados da seca.
8- Para a inclusão em todos os
PEDH de mutirões, com a participação da OAB e Defensoria
Pública, onde houver, para o exame e tomada de medidas
necessárias para a defesa dos direitos humanos das pessoas
presas nas Delegacias de Polícia e Distritos Policiais.
9- Moção de protesto junto ao
Reitor da UNICAMP por dois fatos: 1) A atuação do perito Badan
Palhares no caso das ossadas retiradas da vala comum de Perus
que vem sendo marcada pela falta de transparência e pelo
desrespeito à memória dos mortos e desaparecidos comuns e
políticos. 2) A simples devolução dos restos mortais não
significa a resolução daquilo que a sociedade solicitou à
UNICAMP,, qual seja, a apuração científica da identidade
daquelas vítimas da violência.
Diante disto: reivindicamos que a UNICAMP notifique formalmente
o Sr. Badan Palhares sobre o que pensamos a respeito do seu
desempenho. Exigimos que o Reitor daquela Universidade explique
a sociedade brasileira os motivos de sua decisão de devolver as
ossadas. Homenageamos os mortos e desaparecidos políticos,
alguns dos quais executados sumariamente e jogados na vala de
Perus. Solidarizamo-nos com a luta dos familiares e companheiros
dos mortos e desaparecidos políticos pela sua coragem e
tenacidade na luta pela verdade.
10- Moção de apoio à proposta
de emendas aditivas aos artigos 392, 393 e 394 do anteprojeto do
Código penal brasileiro, tipificando como crime contra a
cidadania a discriminação por orientação sexual, pois a
mesma proposta representa um passo fundamental na consolidação
dos direitos humanos dos cidadãos homossexuais no Brasil.
11- Moção de repúdio ao
atentado sofrido presidente do Sindicato dos Policiais Civis
Penitenciários e Servidores da Secretaria da Justiça e da
Cidadania do Estado do Piauí, no dia 14 de abril de 1998, às
23:30 horas, quando foram disparados cerca de 20 tiros contra a
sede da entidade.
12- Moção de apoio ao
reconhecimento do valor democrático desta Conferência Anual
como um espaço de avaliação e articulação em defesa das
políticas públicas tão necessárias para a conquista de um
sociedade digna e do Estado de Direito. O incentivo para a
criação e manifestação das comissões legislativas,
municipais e estaduais de direitos humanos de modo a favorecer o
crescimento de uma cultura de DH, passo fundamental para o
resgate da dignidade e da justiça em nosso país. O
reconhecimento do Plano Municipal de DH de S. S. Paulo como
passo fundamental para a viabilização de políticas de DHs,
garantindo a participação da sociedade civil organizada.
GRUPO TEMÁTICO Nº 3:
O PODER JUDICIÁRIO E OS DIREITOS
HUMANOS
Coordenação: Ela Wiecko Volkmer
de Castilho
Relatoria: Maria Lúcia Karam
Apoio: Sueli Bellato
Introdução
Diante das limitações da
discussão desenvolvida, em uma única tarde, sem uma pauta
previamente preparada e amadurecida, o Grupo de Trabalho
entendeu que as conclusões e propostas deveriam conter, apenas,
sinalizações das linhas gerais a serem seguidas em um
posterior aprofundamento do tema, em discussões a se
desenvolverem pelo conjunto da sociedade, com a conseqüente
viabilização de propostas concretas.
Tendo em conta a preocupação
central no sentido de se caminhar para uma maior
democratização do Poder Judiciário, de modo a obter de seus
órgãos uma atuação comprometida com a garantia e a
efetivação dos direitos humanos, recomendam-se três grandes
eixos de discussão:
1 - As relações do Poder
Judiciário com a sociedade e as questões do consentimento, do
controle e da participação populares em relação aos órgãos
do Estado;
2 - A estruturação e a
atuação do Poder Judiciário: a aplicação da lei e a
efetivação dos direitos humanos; e
3 - A atuação do Poder
Judiciário na execução penal: a pena privativa de liberdade
surgindo como ponto central das preocupações em torno da
efetivação dos direitos humanos.
font face="Arial" size="2">
1. Poder Judiciário e sociedade
- diante da necessidade
primordial de romper com o isolamento e a postura conservadora
do Poder Judiciário, tornando-o mais conhecedor da realidade e
mais próximo das reivindicações e lutas desenvolvidas na
sociedade, bem como de submeter sua atuação aos necessários
consentimento, controle e participação populares, sugere-se:
- o desenvolvimento de
discussões em torno das formas de ingresso no Poder
Judiciário, nos diversos graus de jurisdição (concurso
público, participação dos Poderes Executivo e Legislativo,
eleição, etc.);
- a exigência de conhecimentos
sobre a disciplina direitos humanos para o ingresso no Poder
Judiciário, bem como sua introdução nos currículos das
Escolas da Magistratura, enfatizando não só o estudo teórico
como o contato com a realidade;
- o desenvolvimento de
discussões em torno da criação e ampliação de órgãos
colegiados, integrados por juízes togados e leigos,
asseguradores de uma participação popular direta no exercício
da função jurisdicional (júri, juizados especiais, etc.);
- o desenvolvimento de
discussões em torno da descentralização do Poder Judiciário,
a partir da experiência dos juizados especiais e dos juizados
itinerantes;
- o desenvolvimento de
discussões em torno dos mecanismos possíveis de controle
popular sobre o Poder Judiciário (conselhos, ombudsman, etc.);
- o desenvolvimento de
discussões em torno dos mecanismos internos de democratização
do Poder Judiciário (publicidade dos processos administrativos,
escolha dos órgãos de direção dos Tribunais, etc.);
- aproximação imediata das
entidades ligadas à defesa dos direitos humanos com os órgãos
do Poder Judiciário e com as entidades representativas dos
magistrados, seja através de reuniões, debates e propostas,
seja através da divulgação de documentos produzidos, a
começar pelas conclusões desta 3ª Conferência Nacional de
Direitos Humanos.
2. Aplicação da lei e
efetivação dos direitos humanos
Neste ponto, o Grupo de Trabalho
priorizou, em sua discussão, questionando-as, por expressiva
maioria, as propostas da chamada federalização dos direitos
humanos, em que se apresenta a transferência para a Justiça
Federal da competência para o conhecimento de causas relativas
a direitos humanos - transferência objeto de mais de um projeto
de emenda constitucional -, como forma de tornar aqueles
direitos mais efetivos, entendendo os que assim se expressaram
que tais propostas, além de conduzirem a uma indefinida
distribuição de competência, partem de uma suposição, não
comprovada, de atuação mais independente dos órgãos da
órbita federal, rompendo, ainda, com a desejável aproximação
ao conflito e à realidade, que se faz, em qualquer âmbito da
atuação estatal, por órgãos descentralizados. A
independência do Poder Judiciário local pode ser atingida por
sua democratização, como sugerida no item anterior.
Entendeu também o Grupo de Trabalho que a simplificação dos
procedimentos e a criação de outros mecanismos asseguradores
de um amplo e efetivo acesso à justiça fazem-se necessárias
à aplicação da lei de forma comprometida com a efetivação
dos direitos humanos, questão intimamente relacionada com os
pontos abordados no item anterior, assim exigindo o
desenvolvimento das discussões antes sugeridas.
3. Poder Judiciário e execução
penal
Destacando, como preocupação maior e mais urgente nas
discussões em torno do comprometimento do Poder Judiciário com
a garantia e a efetivação dos direitos humanos, sua atuação
na execução da pena privativa de liberdade, o Grupo de
Trabalho sugere:
- implementar os Conselhos da Comunidade, previstos na Lei de
Execução Penal (Lei 7.210/84), órgãos viabilizadores da
participação popular junto ao Poder Judiciário;
- maior presença dos órgãos da
execução penal (juízes, Ministério Público, Conselhos,
etc.) na fiscalização dos estabelecimentos prisionais,
inclusive com inspeções sem prévia comunicação;
- repensar o âmbito de
competência das Varas de Execução Penal, considerando,
inclusive, a possibilidade de transferi-la para o juízo da
condenação, especialmente no que se refere às medidas
alternativas à prisão; e
- empreender ações
sensibilizadoras dos juízes no sentido de uma maior aplicação
de penas alternativas à prisão e de cumprimento, em prisão
domiciliar, das penas privativas de liberdade impostas a presos
doentes, a preocupação maior, neste ponto, voltando-se
especialmente para aqueles atingidos pela aids.
-
GRUPO TEMÁTICO Nº4:
O PODER LEGISLATIVO E OS DIREITOS
HUMANOS
Coordenadores: Cecília Coimbra e
Augustino Veit
Relatores: Cláudio Cluiz Beirão e Débora B. de Azevedo
O Grupo Temático Nº 4 da III
Conferência Nacional de Direitos Humanos, foi composta por 17
conferencistas. A mesa dos trabalhos teve como coordenadores
Cecília Coimbra e Agostinho, relator Cláudio Luiz e
assessorada por Débora B. de Azevedo, assessora legistativa da
Câmara dos Deputados. Início as 14 horas e 45 minutos.
Primeiro foram apresentados, pela assessoria, os projetos de lei
(06) e projetos de emenda constitucional (03) que tramitam no
legislativo e que são necessárias para implementação do
Programa Nacional de Direitos Humanos. Estes seriam os projetos
prioritários e o grupo discutiria quais as formas de uma
tramitação mais acelerada:
- PL 2.057/91. Dispõe sobre o
estatuto das sociedades indígenas.
- PL 4.715/94. Transforma o
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em Conselho
Nacional dos Direitos Humanos e dá outras providências.
- PL 585/95. Dispõe sobre os
direitos básicos dos portadores do vírus da AIDS e dá outras
providências.
- PL 627/95. Regulamenta o
procedimento de titulação de propriedade imobiliária aos
remanescentes de quilombos, na forma do artigo 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, estabelece normas
de proteção ao patrimônio cultural brasileiro e dá outras
providências.
- PL 2.684/96. (nº na
Câmara)/PLC 32/97 (nº no Senado Federal). Altera dispositivos
do Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal)
- (Inclui entre as penas restritivas de direitos: a prestação
pecuniária, a perda de bens e valores e o recolhimento
domiciliar, caracterizando como penas alternativas)
- PL 3.599/97. Estabelece normas
para a organização e a manutenção de programas especiais de
proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas e institui o
Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas
Ameaçadas.
- PEC 46/91. Introduz
modificações na estrutura policial (Desmilitarizando a
polícia, submetendo-a à fiscalização do judiciário, e
quanto à polícia judiciária, à supervisão do Ministério
Público, alterando o art. 125, que se refere à Justiça
Militar estadual, da nova Constituição Federal).
-
- PEC 232/95. Dá nova redação ao artigo 243 e seu parágrafo
único da Constituição Federal (Estabelecendo a pena de
perdimento da gleba onde for constatada conduta que favoreça ou
configure trabalho forçado e escravo, com a reversão dessas
áreas aos programas de assentamento de colonos e destinando os
bens apreendidos para programas de fiscalização e repressão a
essas condutas).
- PEC 368/96. Atribui
competência à Justiça Federal para julgar crimes praticados
contra os direitos humanos.
Em seguida foi franqueada a
palavra ao grupo para que apresentassem projetos para serem
incluídos nesta prioridade.
Foram proposto a inclusão de 03 projetos de lei.
- PL 1289/91. Amplia para o
estrangeiro em situação ilegal no território nacional o prazo
para requerer o registro provisório.
- PL 1.813/91. Define a
situação jurídica do estrangeiro no Brasil e dá outras
providências.
- PLP 142/97. Dispõe sobre o
procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o
processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse
social, para fins de reforma agrária.
O Grupo 4 aprovou por unanimidade
apresentação ao plenário da Conferência de uma moção a ser
encaminhada ao Congresso Nacional para aprovação destas
proposições, em regime de urgência. Em relação a cada um
destes projetos, o Grupo 4, coloca a necessidade de ser
encaminhada Cartas as competentes autoridades (presidentes de
comissões, relatores, presidente do Senado ou da Câmara), onde
tramita a respectiva proposição, pedindo urgência na
apreciação e aprovação destes projetos prioritários.
Deverá ser encaminhado cartas, também, aos lideres dos
partidos no sentido de conseguir o apoio destes.
O grupo, considerando que existem
cerca de 198 projetos de lei que tratam sobre direitos das
mulheres, propõe que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara
discuta o tema, "violência doméstica", em audiência
pública consideram os projetos de lei que tratem do assunto e
tramitam no Congresso Nacional.
Discutiu-se sobre a
participação de militares brasileiros na chamada "Escola
das Américas" e qual a forma de impedir esta pratica. Foi
aprovado uma moção a ser encaminhada aos ministros militares
recomendando o não envio de seus membros, como aluno ou
intrutores, para esta "escola". Sobre o assunto outra
moção será encaminhada ao deputado Nilmário Miranda para ser
apresentado ao Parlatino colocando a preocupação com esta
instituição e os males produzidos nos países latino
americano.
Em relação as
vítimas/opositores do regime militar propõem-se a formação
de um grupo de revisão das legislações que tratam deste
assunto visando corrigir as injustiças, como: a não
ampliação do prazo de abrangência da Lei 9.140/95 e que seja
contemplado aqueles que froam mortos en manifestações de rua;
reparar os danos morais e materiais a todos os perseguidos; e
outros assuntos que não fora abrangidos pela lei. Este grupo
deverá ter assessoria especial das entidades que discutem o
tema.
O Grupo propõe uma moção pedindo a expulsão e a anistia dos
presos do caso Abílio Diniz .
Foi aprovado moção a ser
apreciada por esta Conferência solicitando a Presidência da
República o envio dos Tratados de Transferência de presos
entre o Brasil e o Chile e o Brasil e a Argentina para ser
apreciado pelo Congresso. Outra moção será encaminhada ao
Congresso Nacional para aprovação destes tratados.
Aprovado, no grupo, moção
sentido de solicitar a criação em todas as Câmara dos
Vereadores das Comissões de Defesa dos Direitos Humanos.
O grupo aprovou moção para que
as Câmaras e Assembléias Legislativas discutam a criação dos
programas estaduais e municipais. Estes programas devem ser
incentivados e
reconhecidos pelos Municípios e Estados.
GRUPO TEMÁTICO Nº 5:
AS NORMAS INTERNACIONAIS DE
DIREITOS HUMANOS E O RECONHECIMENTO DA JURISDIÇÃO DAS CORTES
INTERNACIONAIS NO BRASIL
Coordenação: Tarcísio Dal Mazo
e Renato Zerbini Ribeiro Leão
De acordo com os debates
realizados no Grupo 5, que trata sobre normas internacionais e
reconhecimento da jurisdição das cortes internacionais pelo
Brasil, chegou-se às conclusões a seguir mencionadas.
DOCUMENTO I: MOÇÃO PELO
RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA OBRIGATÓRIA DA CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Recomendamos uma indicação
legislativa, nos termos do Art. 113, inc. I, do Regimento
Interno da Câmara dos Deputados, a fim de o Presidente da
República declarar ao Secretário-Geral da OEA, segundo o Art.
62 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (já aprovada
pelo Congresso Nacional e ratificada pelo Executivo Federal),
que reconhece como obrigatória a competência da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
DOCUMENTO II: MOÇÃO SOBRE A
CONFERÊNCIA DE ROMA QUE ESTABELECERÁ A CORTE PENAL
INTERNACIONAL
Recomendamos que:
a. o Ministério das Relações
Exteriores do Brasil pronuncie de forma clara, perante à
opinião pública, sobre a aprovação do tratado que
instituirá a Corte Penal Internacional, esclarecendo os
seguintes pontos: papel do Conselho de Segurança e da
Promotoria, concepção da complementariedade de jurisdições,
tipificação dos crimes, medidas de proteção às testemunhas
e vítimas;
b. o Ministério das Relações
Exteriores do Brasil inclua na delegação, que representará o
país na Conferência de Roma, o Ministro do referido
Ministério, o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, um
representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados, um representante da Secretaria Nacional dos Direitos
Humanos do Ministério da Justiça e um representante da
sociedade civil ligado à luta pelos direitos humanos;
Também solicitamos uma reunião,
em nome da III Conferência Nacional de Direitos Humanos, com os
responsáveis no Ministério das Relações Exteriores
brasileiro pelo tema.
Acreditamos, sobre a questão,
que:
a. o Conselho de Segurança não
pode ter a prerrogativa de evitar a investigação e julgamento
de casos sob sua análise pela Corte Penal Internacional;
b. a promotoria deve ter o poder de iniciar o processo (chamado
de poder de gatilho - "trigger") em todos os tipos
criminais, tendo por base as informações das vítimas, das
ONGs ou de outras fontes;
c. o poder de decidir sobre questões ligadas a
complementariedade da jurisdição da Corte Penal Internacional,
em relação ao direito interno, deve ser dos juizes da Corte
internacional;
d. a competência da Corte Penal Internacional não deve ser
limitada aos cidadãos dos Estados que tenham ratificado o
tratado;
e. no tratado instituidor da Corte, não pode haver a hipótese
de o Estado reconhecer, de forma facultativa, a competência da
jurisdição internacional caso a caso;
f. deve-se ressaltar a inclusão, como crime de guerra, do
estupro sistemático em épocas de conflito e a utilização de
crianças como soldados;
g. deve ser incluído algum mecanismo efetivo de proteção às
testemunhas e vítimas;
h. não devem ser incluídos os crimes de terrorismo e de
tráfico de entorpecentes, pois esses servirão de escusas para
a responsabilidade dos agentes estatais.
DOCUMENTO III: MOÇÃO PELA
APROVAÇÃO DA CONVENÇÃO INTERAMERICANA DE DESAPARECIMENTO
FORÇADO DE PESSOAS E DA CONVENÇÃO Nº138 DA OIT
Exigimos que o Congresso Nacional
aprove a Convenção Interamericana de Desaparecimento Forçado
de Pessoas e a Convenção nº138 da OIT, que versa sobre
direitos da criança e do adolescente.
DOCUMENTO IV: MOÇÃO PELO
COMPROMETIMENTO DO BRASIL AOS MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A TORTURA E DO PACTO DE
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS
Recomendamos que o Executivo
brasileiro vincule-se ao Protocolo Facultativo do Pacto dos
Direitos Civis e Políticos e ao Art. 22 da Convenção das
Nações Unidas Contra a Tortura, que são instrumentos
instituidores do direito de petição individual junto aos
órgãos de implementação internacional do Pacto e da
Convenção referidos.
DOCUMENTO V: MOÇÃO PELA
FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES FUNDADOS EM TRATADOS DE PROTEÇÃO DE
PESSOA HUMANA
Com o objetivo de cumprir
fielmente as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil e
facilitar a fiscalização da sociedade civil e dos órgãos de
fiscalização, que o Congresso Nacional aprove legislação
para federalizar os crimes fundados em tratados de proteção da
pessoa humana.
DOCUMENTO VI: MOÇÃO EM PROL DA
IMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES EMERGENCIAIS PARA O NORDESTE
Considerando a situação atual
de emergência e de risco de vida dos flagelados nordestinos em
verdadeiro estado de necessidade e de calamidade pública,
atingidas pela adversidade da catástrofe de estiagem prolongada
com duração prevista para cinco anos ininterruptos, a qual é
agravada ainda pelos fatores de exclusão e de desigualdades
sociais vigentes na região;
Considerando a profunda
discrepância entre a situação desastrosa existente e os
objetivos publicamente assumidos pelo governo brasileiro de
realização plena dos direitos civis, políticos, econômicos,
sociais e culturais de todos os brasileiros e brasileiras;
Requeremos que:
O governo intensifique ao máximo
as ações articuladas no sentido de aliviar esta situação de
emergência, abrangendo iniciativas e esforços de âmbito
nacional, bem como o de considerar a possibilidade do
recebimento imediato de ajuda alimentar humanitária
internacional, destinada às populações do nordeste afligidas
pela fome, pela falta de água, pela estiagem prolongada.
DOCUMENTO VII: MOÇÃO PELA
ELABORAÇÃO E APRESENTAÇÃO PELO GOVERNO BRASILEIRO DO INFORME
SOBRE A SITUAÇÃO DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS
NO BRASIL
Considerando a situação de fome
e miséria que milhões de brasileiros vivem na atualidade;
Considerando que no Brasil o
acesso ao trabalho, à terra, à educação, à saúde de
milhões de brasileiros está cada vez mais restrita;
Considerando o aumento da
violência contra as populações carentes e marginalizadas no
Brasil;
Considerando as obrigações
assumidas pelo estado brasileiro junto aos instrumentos
internacionais de direitos humanos;
Considerando o compromisso que os
estados signatários do Pacto Internacional Sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais em apresentar periodicamente o
informe sobre a situação e as ações implementadas para
realização destes direitos;
Requeremos:
Que o governo brasileiro elabore,
com o envolvimento da sociedade civil, e apresente no âmbito
internacional o respectivo informe.
MOÇÕES APRESENTADAS E APROVADAS
EM PLENÁRIO
Além das moções a seguir
enumeradas, outras foram apresentadas no âmbito dos Grupos
Temáticos, em cujos relatórios elas estão relacionadas.
MOÇÃO Nº 1
ASSUNTO: Que o governo brasileiro
não mais envie militares para treinamento e/ou instrução na
Escola das Américas
Considerando:
1. Que a Escola das Américas,
situada hoje no Forte Berring, Georgia, USA, desde os anos 50
vem treinando militares latino-americanos que, ao longo dos
últimos 30 anos, vêm sendo utilizados para reprimir diferentes
movimentos sociais democráticos;
2. Que, do Brasil foram enviados para treinamento e/ou dar
instrução nos cursos da Escola das Américas 455 militares
brasileiros;
3. 3. Que ficou comprovada a participação de, pelo menos, 22
desses militares em torturas, assassinatos, seqüestros e
desaparecimentos de opositores políticos durante a ditadura
militar;
Diante do exposto, nós
participantes da 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos,
indicamos ao governo brasileiro que não mais envie militares à
Escola das Américas.
Propuseram esta Moção: Grupos
Tortura Nunca Mais do RJ/PE/MG
Missionários de Maryknoll de SP/PB
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
MOÇÃO Nº 2
O Estado é responsável pelas
lesões, mortes e desaparecimentos de jovens brasileiros na
prestação do Serviço Militar Obrigatório, devendo, portanto,
indenizar e pagar pensão às famílias dos soldados mortos em
treinamento, bem como àqueles que sofreram lesões ou
mutilações em seus corpos nos referidos treinamentos, devendo
ter direito à devida reparação pelo Estado, a exemplo do que
foi feito com relação aos desaparecidos ou mortos em razão da
ditadura militar.
Essa reparação deve se estender
aos estados, abrangendo os recrutas e oficiais em treinamento,
qualquer que seja a força ou arma.
MOÇÃO Nº 3
Considerando que o direito de
respirar ar puro é um direito humano fundamental, sendo o ar
puro tão necessário à vida humana quanto a água limpa, e que
a fumaça do cigarro contém cerca de 5 mil substâncias
tóxicas que causam doenças cardíacas, cânceres, derrame
cerebral e degeneração das funções humanas, pede-se
a) Proibições da veiculação
da propaganda do cigarro nos meios televisivos.
b) Implantação, na rede pública hospitalar, de tratamento
para os dependentes químicos do cigarro.
c) Severa observação do que prevê a lei 9.294 e decreto
2.018, ambos de 1996, que proíbem o uso do cigarro e outros
produtos fumígenos onde haja permanência ou circulação de
pessoas.
Moção proposta por Raimunda S.
Guedes
MOÇÃO Nº 4
Moção pelo comprometimento do
Brasil com a aprovação do protocolo facultativo à convenção
para eliminação de todas as formas de discriminação contra a
mulher, CEDAN.
1. Recomendamos que o Ministério das Relações Exteriores do
Brasil se pronuncie de forma clara e decidida pela aprovação
do protocolo facultativo à CEDAN, que dão cumprimento às
resoluções de Viena 93 e Beijing 95.
2. Recomendamos ainda que o Ministério das Relações
Exteriores inclua na delegação que representará o Brasil na
reunião da Comissão da Condição Social e Política da Mulher
(CSW) e da reunião do grupo de trabalho do protocolo
facultativo, em março de 1999, de:
- Representante do Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher;
- Representantes da Bancada Feminina no Congresso Nacional;
- Representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados;
- Representantes da sociedade civil, mais especificamento do
Movimento de Mulheres.
Marlene Libardoni - CEFEMEA
Consultora do IIDH às delegações Latinoamericanas no Grupo de
Trabalho do Protocolo Facultativo
MOÇÃO Nº 5
DE PROTESTO À UNICAMP
Nós, participantes da 3ª
Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em
Brasília - DF, de 13 a 15 de maio de 1998, queremos protestar
junto ao magnífico Reitor da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), por dois fatos:
1. A atuação do perito Badan
Palhares no caso das ossadas retiradas da vala comum de Perus,
em São Paulo, envergonha a caminhada histórica da ciência no
Brasil. Essa atuação tem sido marcada pela falta de
transparência e pelo desrespeito à memória dos mortos e
desaparecidos, comuns e políticos;
2. A simples devolução dos restos mortais não significa a
resolução daquilo que a sociedade solicitou à UNICAMP, qual
seja, a apuração científica da identidade daquelas vítimas
da violência.
Diante Disto:
Reivindicamos que a UNICAMP
notifique formalmente o Sr. Badan Palhares sobre o que pensamos
a respeito do seu desempenho;
Exigimos que o reitor da UNICAMP explique à sociedade
brasileira os motivos de sua decisão de devolver as ossadas;
Homenageamos os mortos e desaparecidos políticos, alguns dos
quais executados sumariamente e jogados na vala de Perus;
Solidarizamo-nos com a luta dos familiares e companheiros dos
mortos e desaparecidos políticos pela sua coragem e tenacidade
na luta pela verdade.
Brasília, 15 de maio de 1998.
MOÇÃO Nº 6
De recomendação a todos os
Estados da Federação de criação nos mesmos de Conselhos
Estaduais de Direitos Humanos para a efetivação de Planos
Estaduais de Direitos Humanos.
MOÇÃO Nº 7
Ao Governo do Estado do Paraná,
apelando para que o mesmo efetive a lei nº 11.070, promulgada
pela Assembléia Legislativa, que cria o Conselho Permanente de
Direitos Humanos. Até o momento, não houve essa efetivação
por falta de vontade política, uma vez que o Governo do Estado
se recusa a nomear seus membros indicados pelas ONGs.
MOÇÃO Nº 8
DE DESAGRAVO, PROTESTO E REPÚDIO AO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ
Que, através da mensagem nº
6.380, de 8 de abril de 1998, em tramitação na Assembléia
Legislativa, adota uma postura contrária às entidades de
Direitos Humanos, às Associações e Sindicatos de
Profissionais de Perícia Forense e a orientação do Programa
Nacional de Direitos Humanos, ao subordinar o Instituto de
Medicina Legal, o Instituto de Perícia Criminal e o Instituto
de Identificação ao Superintendente de Polícia Civil.
MOÇÃO Nº 9
DE REPÚDIO
Às revistas íntimas nas
funcionárias de fábricas, lojas, supermercados etc., assim
como às revistas aos consumidores nas lojas, levando-os à
vexames públicos e submetendo-os a situações constrangedoras,
proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor - Lei nª 8.078,
de setembro de 1990.
Moção proposta pela Vereadora
Lúcia Pacífico Homem
Presidente da Confederação Nacional das Donas de Casa e
Consumidores.
MOÇÃO Nº 10
1. Considerando a omissão de
informações aos familiares dos cadetes PM Sérgio e Eraldo,
mortos em 5 de abril, em Cáceres, MT;
2. Considerando os métodos e programas de formação dos
policiais;
3. Considerando a lentidão na investigação dos fatos;
4. Considerando que o Comando da PM quer transformar os cadetes
em heróis na defesa da segurança pública.
Repudiamos o Comando da Polícia
Militar do Estado de Mato Grosso.
MOÇÃO Nº 11
Que se inclua em todos os
Programas Estaduais de Direitos Humanos de mutirões, com a
participação da OAB e Defensoria Pública, onde houver
organizada, para o exame e tomada de medidas necessárias, para
a defesa dos Direitos Humanos das pessoas presas nas delegacias
de polícias e distritos policiais.
JUSTIFICATIVA
No Paraná existem cerca de 3.500
presos recolhidos nos estabelecimentos penitenciários que
contam com assistência judiciária e aproximadamente 4.500
presos, provisórios e em definitivo, recolhidos em cadeias
públicas e em Distritos Policiais, sem qualquer assistência
judiciária e sem a possibilidade da contratação de advogados
por serem pobres.
MOÇÃO Nº 12
DE REPÚDIO
O Grupo "Articulação
Visando a Criação de Programas Estaduais de Direitos
Humanos", vem apresentar Moção de Repúdio à Plenária
da 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, contra o
governo do Estado do Piauí, pela sua omissão em relação à
não implantação do Programa Estadual de Direitos Humanos.
MOÇÃO Nº 13
Moção de repúdio às
declarações do Ministro da Justiça Dr. Renan Calheiros,
quando manda proceder inquéritos, através da Polícia Federal,
e ameaça pedir prisão preventiva das principais lideranças do
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, sob a acusação de
incentivar os "saques" por parte dos flagelados da
seca.
Lembramos ao Sr. Ministro da Justiça, que vivemos em um Estado
Democrático de Direito, em que é livre o direito de livre
expressão, e os Juízes Federais não se prestarão ao papel de
feitores do autoritarismo de um governo incompetente.
MOÇÃO Nº 14
DE PROTESTO
Que os governos estaduais não
continuem a desrespeitar princípios constitucionais e a agredir
a legislação trabalhista ao retirar gratificações do
policial vitimado em serviço, cumprindo escala oficial,
resultando em incapacidade (temporária ou definitiva) ou morte
com injustos e inaceitáveis prejuízos vencimentais para si
e/ou sua família.
MOÇÃO Nº 15
Moção de apoio às famílias
das 28 crianças mortas por desnutrição em creches mantidas
pelo Estado do Ceará.
Com base no relatório da Ordem dos Advogados do Brasil,
consideramos absurdo o não reconhecimento por parte do Governo
do Estado do Ceará de sua responsabilidade pela morte dessas 28
crianças nas creches de sua administração, e apelamos para
que o Senhor Governador reveja essa decisão.
MOÇÃO Nº 16
Manifestando preocupação com as
notícias veiculadas pela imprensa, dando conta que o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES não
liberará as verbas destinadas à construção de 52
estabelecimentos prisionais.
Solicita providências para a
imediata liberação das verbas mencionadas.
CONVIDADOS PRESENTES E ENTIDADES REPRESENTADAS
NOME ENTIDADE
CLODOMIR ASSIS ARAÚJO -
SECRETÁRIO DE JUSTIÇA REPRESENTANDO GOVERNO DO PARÁ
CLAUDISMAR ZUPIROLI -
REPRESENTANTE DO GOVERNO DO DF
JOSÉ LUIZ VIEIRA - REPRESENTANTE
DO GOVERNO DE GOIÁS
JOÃO JOSÉ DE SOUZA LEITE -
SECRETÁRIO DE CIDADANIA, JUSTIÇA E TRABALHO DE MATO GROSSO DO
SUL
JOSÉ CARLOS LEITE FILHO -
SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA DO RN
EPAMINONDAS DE ANDRADE LIMA -
PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SERGIPE
SEBASTIÃO ROSENBURG -
DESEMBARGADOR 2º VICE-PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE
MINAS GERAIS
HÉLIO BARROS SIQUEIRA -
DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO
ANTÔNIO DO AMARAL E SILVA -
DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA
ÍTALO JOSÉ DE MEDEIROS PINHEIRO
- DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE
MANUEL NASCIMENTO JÚNIOR -
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO PARÁ
JOSÉ RIBAMAR MONTEIRO FILHO -
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE EST. DE SOLIDARIEDADE, CIDADANIA
E TRABALHO DO MARANHÃO
ROSA MARIA ROTHE - OUVIDORA DA
SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO PARÁ
DEPUTADO MÁRIO MAMEDE -
PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO CEARÁ
DEPUTADO RENATO SIMÕES -
PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA DE SÃO PAULO
DEPUTADO SÉRGIO SILVA -
PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLÉIA DE
SANTA CATARINA
VEREADOR GERALDO CORREIA -
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE LINS
VER. DANIEL ANTÔNIO DE OLIVEIRA
- PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA
MUNICIPAL DE GOIÂNIA
VEREADOR CLODOMIR G. GUIMARÃES -
REPRESENTANTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PRESIDENTE DUTRA - MA
VEREADOR ÍTALO CARDOSO DE
ARAÚJO - PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA
MUNICIPAL DE SÃO PAULO
VEREADOR CARLOS FRANCISCO SIGNORELLI - PRESIDENTE DA COMISSÃO
DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA MUNICIPAL DE CAMPINAS
VEREADORA ANA GUERRA - PRESIDENTE
DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA MUNICIPAL DE POÇOS
DE CALDAS
FRANCISCO CLAUBERTO BEZERRA -
REPRESENTANTE DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA
JOÃO RICARDO DOS SANTOS CORTE -
REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO DE JUÍZES DO RIO GRANDE DO SUL
ELA WIECKO V. DE CASTILHO -
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DA
REPÚBLICA
PAULO SÉRGIO FROTA SILVA - JUIZ
DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE BELÉM
EDSON AUGUSTO CARDOSO DE SOUZA -
PROMOTOR DE JUSTIÇA DO PARÁ
LÚCIA BASTOS FARIAS ROCHA -
PROCURADORA DE JUSTIÇA DA BAHIA
ROBERTO DE OLIVIERA ANDRADE -
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MAGISTRADOS E
PROMOTORES DE JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
JOSÉ MARIO TAFURI -
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE ESTADO DE JUSTIÇA E DA CIDADANIA
DO PARANÁ
GENALDO LEMOS DO COUTO -
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS DA
BAHIA
MARIA FERNANDA SALES M. PEREIRA -
ASSESSORA DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA DO CEARÁ
ROSELI CLÉCIA PEREIRA SOARES
COUTO - REPRESENTANTE DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARÁ
LUIZ FERNANDO FERANDES PACHECO -
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA E CIDADANIA DE
SANTA CATARINA
WAGNER ROCHA D'ANGELIS -
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE JUSTIÇA DA CIDADANIA DO PARANÁ
E ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO PARANÁ
PAULO AFONSO SAMPAIO DE LIMA -
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO AMAZONAS
ALEXANDRE ANDRÉ DOS SANTOS -
REPRESENTANTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA
ROBERTO MITIO HARADA -
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DA CIDADANIA, JUSTIÇA E TRABALHO DO
RIO GRANDE DO SUL
VERÔNICA MARIA DE AZEVEDO -
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DE PERNAMBUCO
GILDO SILVEIRA MENDONÇA -
ASSESSOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO
CECÍLIA MARIA BOUÇAS COIMBRA -
COORDENADORA DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DO CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA E PRESIDENTE DO GRUPO TORTURA NUNCA MAIS -
RJ
SÔNIA APARECIDA DE MESQUITA -
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DA CRIANÇA E ASSISTÊNCIA SOCIAL
DEPUTADO GILNEY VIANA - DEPUTADO
FEDERAL PT
GILDO SILVEIRA MENDONÇA -
REPRESENTANTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SERGIPE
LAURA BEZERRA DE MEDEIROS -
REPRESENTANTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE
HELENA C. S. CAMPOS -
REPRESENTANTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO
REINALDO PEREIRA E SILVA -
PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB DE SANTA
CATARINA
MARIA LÚCIA KARAM -
REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA
ANELYSE FREITAS DE AZEVEDO -
REPRESENTANTE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARÁ
ADALBERTO ABREU DE OLIVEIRA -
REPRESENTANTE DA POLÍCIA CIVIL DO RIO GRANDE DO SUL
LUÍZ HENRIQUE MACCHI GASPARETTO
- REPRESENTANTE DA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DO RIO GRANDE DO
SUL
QUÉIA DOURADO GOUVÊA -
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO PARÁ
MARIA DA CONCEIÇÃO C. MIRANDA -
ASSESSORA DA REPRESENTAÇÃO DO GOVERNO DO PARÁ EM BRASÍLIA
ARANALDO NOGUEIRA DE MORAES -
REPRESENTANTE DO GOVERNO ESPECIAL DA SOLIDARIEDADE HUMANA DE
GOIÁS
ADAMOR DE SOUSA OLIVEIRA -
SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAPÁ
JOÃO MENDES DA SILVA -
SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DE ALAGOAS
DEPUTADO CARLITO MERSS -
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA
DEP. MARIA DEL CARMEN FIDALGO -
MEMBRO DA COMISSÃO DE DIR. HUM. DA ASSEMBLÉIA LEG. DO EST. DA
BAHIA
JOSÉ DE OLIVEIRA BARBOSA -
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DE ALAGOAS
LOURIVAL FREITAS - REPRESENTANTE
DO GOVERNO DO AMAPÁ EM BRASÍLIA
FERNANDO DE MELLO VIDAL -
REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES E CONANDA
SÔNIA APARECIDA DE MESQUITA -
ASSESSORA DA SECRETARIA DA CRIANÇA E ASSISTÊNCIA SOCIAL DE
BRASÍLIA
DR. JOÃO BOSCO SÁ VALENTE -
PROCURADOR DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS
MARTA SIMONE SILVA DO CARMO -
REPRESENTANTE DO CONS. NAC. DOS DIR. DA MULHER DO MINIST. DA
JUSTIÇA
GENNADI N. BALBA - CONSELHEIRO DA
EMBAIXADA DA RÚSSIA
MEGHLAOUI HOCINE - EMBAIXADOR DA
ARGÉLIA
LECOURTIER - EMBAIXADOR DA
FRANÇA
AUDE DA COSTA - PRIMEIRA
SECRETÁRIA DA EMBAIXADA DA FRANÇA
MILOS ALCALAY - EMBAIXADOR DA
VENEZUELA
MARIO GALAFRE - EMBAIXADOR DA
COLÔMBIA
JORGE JALLO - 2º SECRETÁRIO DA
EMBAIXADA DO PERU
IRINA SCHOULGIN - 2ª SECRETÁRIA
DA EMBAIXADA DA SUÉCIA
AURIMAR NUNES - ASSESSOR DA
EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS
STEPHAN WINKLER - 1º SECRETÁRIO
DA EMBAIXADA DA SUÍÇA
LOURDES GIRON - 1ª SECRETÁRIA
DA EMBAIXADA DA VENEZUELA
MYRIAM BRÉA DE SOUZA -
REPRESENTANTE DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA
TÂNIA MARIA MONTEIRO -
REPRESENTANTE DA SECRET. NACIONAL DE DIR.HUMANOS DE BRASÍLIA
CARLOS COÊLHO - PROCURADOR DE
JUSTIÇA DO AMAZONAS
GUANAÍRA RODRIGUES - DIRETORA EXECUTIVA DA SECRETARIA DE
JUSTIÇA DE PERNAMBUCO
ROSE MARIA - ASSESSORA DE
IMPRENSA DA SECRETARIA DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO
GERMANO CRISÓSTOMO FRAZÃO -
ASSESSOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
THATIANA SOARES BANDEIRA -
SUPERINTENDENTE DA SECRETARIA DE ESTADO DE SOLIDARIEDADE,
CIDADANIA E TRABALHO DE SÃO LUIS - MA
JOSÉ LUIZ QUADROS -
REPRESENTANTE DO SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E GOVERNO DE MINAS
GERAIS
MAIRA REJANE GUIMARÃES PINHEIRO
- PRESIDENTE DA COMISSÃO DE LICITAÇÃO DA ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA DO AMAZONAS
OSWALDO DELUZE RAYMUNDO -
DEFENSOR PÚBLICO GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PAULO HENRIQUE PACHECO FERREIRA -
PRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE DO AMAPÁ
LEILÁ LEONARDOS - COORDENADORA
DA SECRETARIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DO MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA
DEUSDETE LIMA - ASSESSORIA
PARLAMENTAR DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO DF
CARLOS ALBERTO ALBERIONI -
ASSESSOR PARLAMENTAR DO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES
NESTOR JOSÉ FORESTI -
CONSELHEIRO DO CONSELHO MUNICIPAL DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE DE SÃO LUIS-MA
EMUNDO FILHO ARAÚJO - 1º
TENENTE DA POLÍCIA MILITAR DE ALAGOAS
VALDÉCIO NEVES NASCIMENTO -
TENENTE DA POLÍCIA MILITAR DE ALAGOAS
EDGAR R. DIAS - 1º TENENTE DA
POLÍCIA MILITAR DE BRASÍLIA
CHEYENNE ANUTE DE LIMA - 2º
TENENTE DA POLÍCIA MILITAR DO AMAZONAS
SUAMY SANTANA DA SILVA - ASSESSOR
DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO DF
ADELAIDE ACÁCIA LEITE -
SUPERINTENDENTE DA SECRETARIA DE CIDADANIA, JUSTIÇA E TRABALHO
DO MATO GROSSO DO SUL
SANDRO TORRES AVELAR - ASSESSOR
DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL
PAULO EDUARDO CASTELLO - ASSESSOR
DO MINISTÉRIO DO TRABALHO
APARÍCIO LUIS XAVIER -
COORDENADOR DE DIREITOS HUMANOS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPO
GRANDE
SÉRGIO ROBERTO DE ABRE -
CAPITÃO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
ABIAIL FLORENTINA - JUIZA DE PAZ
DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL
ANA JOSÉ ALVES - SECRETÁRIA DO
CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DOS NEGROS DE CAMPO GRANDE - MS
MARCIA RABELO PORTUGAL - DIRETORA
DA SUPERINTENDÊNCIA DO SISTEMA PENAL DE BELÉM - PA
ZONITA LIMA BRASIL - CONSELHEIRA
MEMBRO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - BA
LUIS FRANCISCO CAETANO -
COORDENADOR DA SUBCOMISSÃO DO DIREITO À VIDA, INTEGRIDADE
FÍSICA E IGUALDADE DA OAB - GO
LAINDKS LOPES - MEMBRO DA
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - AM
OLYMPIO MARAES JÚNIOR -
PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - AM
HERILDA BALDUÍNO DE SOUSA -
MEMBRO DO CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS OAB - DF
JOILCE GOMES SANTANA - MEMBRO DA
COMISSÃO DIREITOS HUMANOS DA OAB - RN
GEOVANI DE OLIVEIRA TAVARES -
VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB- CE
DALIO ZIPPIN FILHO - CONSELHEIRO
DA OAB - PARANÁ
PAULO SÉRGIO COSTA - CONSELHEIRO
DA OAB - PARÁ
ANA MARY CARNEIRO - DELEGADA DA
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - RJ
ALCI MARCUS BORGES - ASSESSOR DA
OAB - PI
ANTONIETA MAGALHÃES -
CONSELHEIRA FEDERAL DA OAB - RORAIMA
SÉRGIO VICTOR TAMER - PRESIDENTE
DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - MA
SANDRA FERREIRA MOREIRA -
CONSELHEIRA DA OAB - DF
RICARDO ANTONIO DIAS -
COORDENADOR DA SUBCOMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB - GO
VERA SACRAMENTO - SECRETÁRIA DO
CONSELHO ESTADUAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - BAHIA
VANILDA BRUNO - MEMBRO DO
CONSELHO ESTADUAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - BA
MARLENE LIBARDONI - INTEGRANTE DO CFEMEA
LUZIA RODRIGUES DE SOUSA -
PRESIDENTE DA FENAÇÕES INTEGRAÇÃO SOCIAL
VERA LOPES DOS SANTOS - ASSESSORA
DO DEPUTADO DISTRITAL ANTONIO CAFU
PAULO CÉSAR CARBONARI - MILITANTE DO MOVIMENTO NACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS DE PASSO FUNDO - RS
PAULO PIRES DE CAMPOS - DIRETOR
DA ABONG
LUCIANO ESTEVAM SANTOS - MEMBRO
DO COMITÊ DE APOIO AOS PATAXÓS
WALDOMIRO BATISTA - PRESIDENTE DO
GRUPO TORTURA NUNCA MAIS DE GOIÁS
MARCOS FUCKS - MEMBRO DO CONSELHO
ESTADUAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE MINAS
GERAIS
VANESSA CORRÊA VASCONCELOS -
ASSESSORA DE IMPRENSA DA POLÍCIA MILITAR DO PARÁ
CARLA GUIMARÃES RIBEIRO -
COORDENADORA DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL
MARIA DE NAZARÉ TAVARES -
PRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DOS DIREITOS DO HOMEM
E DO CIDADÃO DA PARAÍBA
JAMES CAVALLARO - DIRETOR NO
BRASIL DA HUMAN RIGHTS WATCH
LAUSETTE VAN MANDACH - ASSESSORA
DE PESQUISA DA HUMAN RIGHTS WATCH
RAIMUNDA DOS SANTOS GUEDES -
ASSESSORA DO MINISTÉRIO DA CULTURA
ROMANY ROLAND MOTA - PRESIDENTE
DA COMISSÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DA OAB NACIONAL
MARIA CAIAFA - COORDENADORA DE
DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA PREFEITURA DE BELO HORIZONTE
GIVANETE LIMA BEZERRA -
PRESIDENTE DA CADOTER/MNDH
JESUS LUIS BRANDÃO - DIRETOR DA
UNAFISCO SINDICAL
NELIA RESENDE - DIRETORA DA
UNAFISCO SINDICAL
MARIA DE LISIEX AMADO - ASSESSORA
DA LIDERANÇA DO PSD NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
LUIS VALÉRIO - ASSESSOR DO
CONSELHO FEDERAL DA OAB
DEPUTADO CAFU - CÂMARA
LEGISLATIVA DO DF
CARLA GUIMARÃES R. CARDOSO -
COORDENADORA DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL
IDAN CARDOSO DA SILVA -
COORDENADOR DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL
MARIA GORETE ALEIXO - ASSESSORA
PARLAMENTAR DO CFEMEA
DYANA YZABEL AZEVEDO DIAS -
ASSESSORIA PARLAMENTAR CFEMEA
CÍCERO GONÇAVES DE OLIVEIRA -
MEMBRO DA APUFPR
ELEIDA CARDOSO VON-GRAPY -
REPRESENTAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO AMAZONAS
OSMARINA MELO DOS SANTOS -
REPRESENTANTE DA FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO AMAZONAS
DINORÁ COUTO CANÇADO - PEDAGOGA
MARIA CECÍLIA FILIPINI -
ASSESSORA JURÍDICA DO CIMI
LIVIA PENHA RODRIGUES -
PRESIDENTE DO CONSELHO DIRETOR DO INSTITUTO QUÍRON
SW. DEVA PRAMAN - PRESIDENTE DO
CONSELHO DELIBERATIVO DO INSTITUTO QUÍRON
JOSÉ SEVERINO DA SILVA - CAPOIB
- COMISSÃO EXUCUTIVA
MARIA EDIVÂNIA V. DOS SANTOS -
FÓRUM PERMANENTE CONTRA A VIOLÊNCIA - AL
LETÍCIA SOBREIRA - ASSISTENTE DE
INFORMAÇÃO DA UNICEF
MARCELO NASCIMENTO - PRESIDENTE
DO GRUPO GAY DE ALAGOAS
EDNA MARIA PORTELA SIQUEIRA -
CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DO NEGRO
LUCY DA S. CRUZ - CONSELHEIRA DO
CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DO NEGRO DE CAMPO GRANDE - MS
GENALDO LEMOS DO COUTO -
DEFENSOR-PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DA BAHIA
JOSÉ ROBERTO CAMARGO -
PRESIDENTE-CONSELHEIRO DO CONSELHO ESTADUAL DE DESENVOLVIMENTO E
DEFESA DOS DIREITOS DO NEGROS - MS
JOSÉ HAROLDO TEIXEIRA -
PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO PARÁ
CID PINTO BARBOSA - PROCURADOR DA
DEFENSORIA PÚBLICA DO MATO GROSSO DO SUL
MÁRCIA DIAS DE NORONHA -
ASSESSORA DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO DISTRITO
FEDERAL
OSWALDO DELEUZE RAYMUNDO -
REPRESENTANTE DO CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DOS DIREITOS DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RAIMUNDA LUZIA DE BRITO -
PRESIDENTE DO COLETIVO DE MULHERES NEGRAS DE MATO GROSSO DO SUL
MARIA APARECIDA DE SOUZA -
CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DO NEGRO DO MATO GROSSO DO SUL
JOÃO BATISTA BAUMGARTNER -
ASSOCIAÇÃO DE DOCENTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
- SP
OTÁVIO MARCELINO MACIEZ - GRUPO
ESPECIAL DE TRABALHO SOBRE ASSASSINATO NO CAMPO
MARLAN ROCHA - PRESIDENTE DA
FUNDAÇÃO GERALDO ROCHA
MARIA AMÉLIA DE ALMEIDA TELES -
UNIÃO DE MULHERES DE SÃO PAULO/COMISSÃO DE FAMILIARES DO
MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS
MARIA MÁRCIA DA SILVA KESSELMIG
- SINDICATO DOS PERITOS CRIMINAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO
ANTENOR VAZ - FUNDAÇÃO ATHOS
BULCÃO
PAOLA ANTONY - FUNDAÇÃO ATHOS
BULCÃO
MARCOS MEDEIROS - FUNDAÇÃO
ATHOS BULCÃO
VERA LEONELLI - PROJETO AXÉ
GIUSEPPE PISANO - MLAL/MNDH
JUSSARA DE GOIÁS - ASSESSORA DO
INESC
ALICE LIBARDONI - ASSESSORA
PARLAMENTAR DO CFEMEA
BAILON TAVEIRA VILA NOVA -
PROFESSOR DA FUND. EDUC. DO DF
VALDÊNIA BRITO - GAJOP -
PERNAMBUCO
EDILSON PEREIRA DA SILVA - CEDINE
- MATO GROSSO DO SUL
JUSTINA IVA DE A. SILVA -
FONACRIAD
NAIR NASCIMENTO PIRES DE CASTRO -
PASTORAL DA CRIANÇA DE CARINHANHA - BA
MARCELO SILVA DE FREITAS -
PRESIDENTE DA SOCIEDADE PARAENSE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS
FRANCISCO ALVES RIBEIRO -
MOVIMENTO DE MULHERES DE CARINHANHA
MARIA DOMITILA Q.COELHO -
ORIENTADORA EDUCACIONAL DA FEDF
ANA RIBAS - ANISTIA INTERNACIONAL
SEÇÃO BRASILEIRA
ODAIR LUIS DOS REIS -
ASSOCIAÇÃO BRASILIENSE DE PERITOS EM CRIMINALISTICA
LUIZ HENRIQUE ALVES DE LIMA -
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PERITOS CRIMINAIS
RENATO ZERBINI LEÃO - ASSESSOR
DO INESC
ALBERI ESPINDULA - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIMINALISTICA
ALAN PASCAL - V.I.D.A BRASIL
REGINALDO COUTINHO CARVALHO -
SINPOLJUSPI
CONSTANTINO DE SOUSA BARROS
JÚNIOR - SINPOLJUSPI
WILLIAN MOREIRA FILGUEIRAS -
CENTRO ACADÊMICO XI DE AGOSTO
JACINTO TELES COUTINHO -
SINPOLJUSPI/FEBRASPEN
SEBASTIÃO BEZERRA DA SILVA -
CENTRO DE DIREITOS HUMANOS DE CRISTALÂNDIA - TOCANTINS
LINDALVA ALVES DOS SANTOS -
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DF
CLAÚDIO DOMINGOS IOVANOVITCH -
ASSOCIAÇÃO DE PRESERVAÇÃO DA CULTURA CIGANA
KARINA FERNANDES GOMES - REVISTA
NÓS
DAMIEN HAZARD - HANDICAP
INTERNACIONAL/VIDA BRASIL/FÓRUM DE ENTIDADES DE DIREITOS
HUMANOS DA BAHIA.
RAIMUNDO NONATO LIMA - GRUPO
ESTRUTURAÇÃO
CÁSSIO THIONE ALMEIDA DE ROSA -
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIMINALÍSTICA
DAVID KANE - MISSIONÁRIO DE
MASYKNOLL
ALEXANDRINA DE SOUZA - DIRETORA
DA ABAP
CARLOS FERNANDES - PRESIDENTE DA
ABAP
LEONÍZIA IZABEL DA SILVA -
CENTRO DE DIREITOS HUMANOS DE PALMAS
MARIA GORETI DE LIMA -
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM
RUBENS PINTO LYRA - COMISSÃO DE
DIREITOS HUMANOS DA UFPB
NILO PEÇANHA DE MEDEIROS NETO -
CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DE JUIZ DE FORA - MG
TAKATO NAKAYOSHI - BSGI
TEODORO FREIRE - PRESIDENTE DO
BUMBA MEU BOI
ERIK AF HALLSTREM - REPRESENTANTE
DA EMBAIXADA DA FINLÂNDIA
BENONI BELLI - MINISTÉRIO DAS
RELAÇÕES EXTERIORES
LÚCIA BASTOS FARIAS ROCHA - PROCURADORA DE JUSTIÇA DA BAHIA
CÉLIO SCHOLEMBERG - VEREADOR DE
BLUMENAU
OSCAR BAUTENBERG - VEREADOR DE
BLUMENAU
IVO SCHEIK HADLICH - VEREADOR DE
BLUMENAU
LADISLAU PAULINO CAMPOS -
SUBSECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESPÍRITO SANTO
MÁRCIO GONTIJO - VICE-PRESIDENTE
DA SEÇÃO BRASILEIRA DA ANISTIA INTERNACIONAL
MARIA LUIZA FLORES DA CUNHA
BIERRENBACH - COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ DE SÃO PAULO
ANTÔNIO LUIS ESPÍNOLA SALGADO -
CHEFE DA DIVISÃO DE DIREITOS HUMANOS DO MINISTÉRIO DAS
RELAÇÕES EXTERIORES
QUEFREN TRINDADE DE MESQUITA
CRILLANOVICK - PRESIDENTE DO GRUPO ESTRUTURAÇÃO DE BRASÍLIA
KEIKO NAKAYOSHI - BSGI -
BRASÍLIA
LUCINÉIA DE FÁTICA NEPOMUCENO
SILVA - PROFESSORA DA FEDF
MÁRCIA ANITA SP´RANDEL -
ASSESSORA DA LIDERANÇA DO PT NO SENADO
ADRIANA MOURÃO ROMERO -
ASSESSORA DA LIDERANÇA DO PT NO SENADO
MARIA DO PATROCÍNIO R. PEREIRA -
APABB - BANCO DO BRASIL
LUCINETE JARDILINA DE OLIVEIRA -
FORUM DE ENTIDADES NEGRAS DE GOIÂNIA
SILMA MARLICE MADALENA -
COORDENADORA DO GRUPO DE PESQUISA DE SÃO PAULO
IAN RODRIGUES DIAS - ABAP
PLÍNIO POSSOBOM - CONSELHO
ESTADUAL DCA - SÃO PAULO
PAULO JOSÉ LEITE FARIAS -
PROMOTOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DF
MOHAMED ABDARRAHMANE O. MOHAMED -
CONSULTOR DA EMBAIXADA DO ESTADO DO KUWAIT
PADRE FRANCISCO REARDON -
COORDENADOR NACIONAL DA PASTORAL CARCERÁRIA - CNBB
DEPUTADO JOÃO CÔSER - CÂMARA
DOS DEPUTADOS
MARCUS VINÍCIUS ROMANO LEMOS -
COORDENADOR DA SECRETARIA NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
VERA MARISA CONCEIÇÃO CARVALHO
DA SILVA - DIRETORA DE DEPARTAMENTO DA SECRETARIA DE ESTADO DA
JUSTIÇA E DA SEGURANÇA DE RS
DÉBORA BITHIAH DE AZEVEDO - ASSESSORA LEGISLATIVA DA CÂMARA
DOS DEPUTADOS
MARIA DO LIVRAMENTO - SECRETÁRIA
DA CNTE
GEOVANI DELGAÇO BAIA DE OLIVIERA
- MEMBRO DO CENTRO DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS
LAURA SAGALL CORRÊA - MEMBRO DO
CENTRO DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
LUDMILLA O. PALAZZO - MILITANTE
DO MOVIMENTO NACIONAL DE MENINOS E MENINAS DE RUA
ZENAIDE ATAIDE RAMOS - ORIENTADOR
EDUCACIONAL DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL
LÚCIA BARROS F. DE ALVARENGA -
MEMBRO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS OAB/MT
MARIA ABADIA SILVA - ASSESSORA DA
LIDERANÇA DO PSDB
CLÁUDIA MARIA DE PAULA -
CONSULTORA DA COORDENAÇÃO NACIONAL DST/AIDS - MINISTÉRIO DA
SAÚDE
JOANISVAL BRITO GONÇALVES -
PESQUISADOR DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
MARRIELLE MAIA ALVES FERREIRA -
MEMBRO DO CDDPH/MJ
DANIEL AYRES KALUNE REIS -
ESTAGIÁRIO DO DDH - MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
MARGARIDA GENEVORS - CONSELHEIRA
DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER
PLÍNIO POSSOBOM - PRESIDENTE DO
CONSELHO ESTADUAL DCA - SP
NILSON PINTO CORRÊA - MEMBRO DO
CONIC - CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS NO BRASIL
REVERENDO ROMEU OLMAR KLICH -
SECRETÁRIO NACIONAL DO MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS -
MNDH
ATAÍDE JORGE DE OLIVEIRA -
MEMBRO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB-DF
ANDRÉ MAGALHÃES BARROS -
SECRETÁRIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB/DF
FRANCISCO HERKENHOFF - COMISSÃO
DE DIREITOS HUMANOS DA OAB-ES
ÁLVARO SAMPAIO - ASSESSOR DO
CONSELHO DE ARTICULAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO
BRASIL
JOSÉ ACÁCIO SANTOS DA ROCHA -
ASSESSOR DO MINISTÉRIO DO EXÉRCITO
JOSÉ ANTONIO MORONI -
COORDENADOR DO MOVIMENTO NACIONAL DE MENINOS E MENINAS DE RUA
CARMEN HEIN DE CAMPOS - MEMBRO DO
THENIS - ASSESSORIA JURÍDICA DE ESTUDOS DE GÊNERO
LUIZ MELLO DE ALMEIDA -
SECRETÁRIO DE IMPRENSA DO GRUPO HOMOSSEXUAL DE BRASÍLIA
]CLÁUDIO LUIZ DOS SANTOS -
ASSESSOR JURÍDICO DO CIMI
RUTH CAETANO CARDOSO - PARCEIRA
NACIONAL DO HABITAT PARA A HUMANIDADE
PAMELA BURRELL - PARCEIRA
INTERNACIONAL DO HABITAT PARA A HUMANIDADE
ANDREA ABELSON - COORDENADORA DO
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
MARCUS VINÍCIUS PEREIRA -
PRESIDENTE DO GRUPO VIDDA
SAULO SAOLTARICK DE ALMEIDA - 1º
SECRETÁRIO DO GRUPO VIDDA
CECÍLIA MARIA BOUÇAS -
PRESIDENTE DO GRUPO TORTURA NUNCA MAIS - RJ
ANA CRISTINA MELLO - COORDENADORA
LEGISLATIVA DA COMUNIDADE BAHA'Í DO BRASIL
GERALDA PEREIRA DA SILVA - MEMBRO
DA APNS
JADIR BRITO - DIREÇÃO NACIONAL
DO MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO
JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES
- REPRESENTANTE DO SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS
TEODORICO FERREIRA DA SILVA -
REPRESENTANTE DO CENTRO OESTE DOS AGENTES DE PASTORAL NEGROS
SUELEN SANTOS DE OLIVEIRA
RINALDO RIBEIRO DE ALMEIDA -
SECRETÁRIO DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS
HENRIQUE TRINDADE
JOAQUIM VENTURA LOPES - MEMBRO DO
CENTRO DE DIREITOS HUMANOS "HENRIQUE TRINDADE"
PASTOR IVO SCHOENHERR -
REPRESENTANTE DA IGREJA EVANGÉLICA DE CONFISSÃO LUTERANA NO
BRASIL
TEREZINHA PIMENTA LIMA -
ORIENTADORA EDUCACIONAL DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DF.
ADEYDE VIANA - CONSELHEIRA DO
MNDH - REGIONAL NORTE II
ELZIRA MARIA DO ESPÍRITO SANTO -
PRESIDENTE DO CONSELHO DOS DIREITOS DA MULHER - DF
MARIA DAS GRAÇAS CAMPOS -
ASSESSORA DO CONSELHO DOS DIREITOS DA MULHER - DF
ANA MARIA DE FREITAS -
SECRETÁRIA DO CENTRO DE DEFESA E PROMOÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS DA ARQUIDIOCESE DE FORTALEZA
GIL NUNES MAIA JÚNIOR -
CONSELHEIRO NACIONAL DO MNDH - NE
ELIANE MARIA FLEURY SEIDL -
MEMBRO DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
ROSIANA QUEIROZ - SECRETÁRIA DO
MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS - REGIONAL NORDESTE
JUAN OSCAR GATICA - CONSELHEIRO
NACIONAL DO MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS - REGIONAL
NORDESTE
GERALDO DE CASTRO - CAPITÃO DA
POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE GOIÁS
JOSÉ HIPÓLITO CORREIA FILHO -
CAPITÃO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE GOIÁS
IRENE MARIA DOS SANTOS -
SECRETÁRIA DA REGIÃO CENTRO-OESTE - MNDH
MARLY MASCARENHASD DE OLIVEIRA -
MEMBRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO
PADRE PAULO EUSTÁQUIO VENUTO -
PÁROCO DA PARÓQUIA SÃO JOSÉ
LUZIA DA SILVA CAMPOLINA - MEMBRO
DO MOVIMENTO DE MULHERES
MARIA LUIZA MARCILIO - PRESIDENTE
DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
MARA JANE CANDIDO - COORDENADORA
INTERMEDIÁRIA DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL
ARNO REIS - DIRETOR DA FACULDADE
DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
HELENISA MARIA GOMES DE OLIVEIRA
NETO - PROFESSORA/COORDENADORA DO PROGRAMA DE DIREITOS HUMANOS
DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
REGINA CÉLIA PEDROSO -
PESQUISADORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
EMÍLIA MARIA COSTA E ARRUDA -
ORIENTADORA EDUCACIONAL DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO
FEDERAL
ALBÉRICO GOMES GUERRA -
PROFESSOR DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
JUANA ANDRADE DE LUCINI -
ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
JULIEN MACHADO DA SILVA DUTRA -
ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
ANGELA JUNCK DA SILVA - ESTUDANTE
DA AEUDF
CRISTIANA ARAÚJO BORGES -
ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
HELEN WERNICK DE CARVALHO -
ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
MARÍLIA SILVA DE OLIVEIRA -
ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
JULIANA GARCIA DOS SANTOS - ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE
BRASÍLIA
MAURÍCIO DA COSTA BARROS -
ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
ERIC DO VAL LACERDA - ESTUDANTE
DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
RAFAEL ARRUDA FURTADO - ESTUDANTE
DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
MARIANA WIECKO VOLKMER -
ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
DANIELLA CASTANHEIRA - ESTUDANTE
DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
HENRIQUETA BARBOSA SPÍNOLA -
ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE CAMPINAS
FLÁVIA SOUSA RAMALHO - ESTUDANTE
DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
HELEN WERNICK DE CARVALHO -
ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
RICARDO ZARATTINI FILHO -
ASSESSORIA TÉCNICA DA LIDERANÇA DO PDT - CÂMARA DOS DEPUTADOS
ESTEVÃO DE REZENDE MARTINS -
CONSULTOR-GERAL LEGISLATIVO DO SENADO FEDERAL
RAIMUNDO PRIMO - ASSESSOR DO
DEPUTADO ALCIDES MODESTO
NILCE GOMES DE SOUZA - ASSESSORA
PARLAMENTAR DO FÓRUM DE MULHERES - DF
LUIZ PAULO PIGRI - REPÓRTER DA
ADIRP - CÂMARA DOS DEPUTADOS
GERALDO PEREIRA TEIXEIRA -
TÉCNICO LEGISLATIVO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
DULCI TUPACYGUARA MASCARENHAS -
ESCRITORA
GILSON FELIX BATISTA
NÉSTOR PEDRO
EDSON GERALDO CANÇADO
ROBERTO ROSA LOPES - SECRETARIA
ESPECIAL SOLIDARIEDADE HUMANA
JORGE ANTONIO SIQUEIRA - ASSESSOR
DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
MILENA ALENCAR - TÉCNICA DA
RECEITA FEDERAL
CLARISSA WOLF
JORSITA DAS DORES SILVA -
SECRETÁRIA PARLAMENTAR DO GRUPO DE ESTUDOS PARA CARREIRA
DIPLOMÁTICA
THAIS FRANÇA BUDÓ - ANALISTA
LEGISLATIVO - CÂMARA DOS DEPUTADOS
EUDES GOMES DE OLIVEIRA -
SECRETÁRIO PARLAMENTAR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
LUCINÉIA DE FÁTIMA NEPOMUCENO -
PROFESSORA DO CENTRO DE ENSINA ASA NORTE - CEAN
SIMONE BRAZ FERREIRA - PROFESSORA
DA ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
PAULO MANELLA CORDEIRO
CERES MENIN FLORES
CLÁUDIA C. TOMAZI PEIXOTO
FELIPE COSTA
SONIA HYPOLITO - SECRETÁRIA
NACIONAL DOS MOVIMENTOS POPULARES - PT NACIONAL
WILLIAM AGUIAR - DIRETOR DO SOS
RACISMO - PORTUGAL
FARLEY STEELE S. CARDOSO - MEMBRO
DA SECRETARIA DA JUSTIÇA E DA CIDADANIA
ALAÚDE SOARES JÚNIOR - MEMBRO
DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-SOCIAIS E
CIDADANIA
CARLOS ALBERTO DE MÉLO LÔBO -
SECRETÁRIO DE ESTADO DA JUSTIÇA E DA CIDADANIA DO ESTADO DO
PIAUÍ
TELMA CAVALCANTE LINO - ASSESSORA
PARLAMENTAR DA POLÍCIA FEDERAL
MARCOS COLARES -
SECRETÁRIO-GERAL DA COMISSÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DA
OAB - CF
MARIA CRISTINA JAKIMIAK -
ASSESSORA DO DEPUTADO LUIZ EDUARDO GREENHALGH
HELOÍSA GRECO - MEMBRO DO
MOVIMENTO TORTURA NUNCA MAIS DE MINAS GERAIS
SILVIA NOGUEIRA DE CARVALHO -
COORDENADORA DO DRE - FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL
ANSELMO BARBOSA - RELAÇÕES
PÚBLICAS DA ASSOCIAÇÃO BRASIL - BSGI
MARIA OLGA D. R. DE SANTANA -
COORDENADORA DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL
JOSÉ ALEXANDRE MIRINDA MOREIRA -
VEREADOR DE OLINDA
MARCELO DE SANTA CRUZ OLIVEIRA -
VEREADOR DE OLINDA E COORDENADOR ADJUNTO DA CENDHEC.
YVES RIBEIRO DE ALBUQUERQUE -
PREFEITO DE IGARASSU - PERNAMBUCO
ARLINDO CHINAGLIA - DEPUTADO FEDERAL / PT
PAULO SENA - ASSOCIAÇÃO DOS
ASSESSORES DO LEGISLATIVO
IZABEL VIANNA - COMITÊ
INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA
IVANE MARIA SILVA FURTADO - CORDE
/ MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
JOSÉ LÚCIO FERNANDES -
MOVIMENTO NEGRO
MARIA DE LOURDES BRITO DA SILVA -
SECRETARIA DA CRIANÇA E ASSISTÊNCIA SOCIAL
WALTER PINHEIRO - DEPUTADO
FEDERAL
PIERRE TOUSSAINT ROY - MOVIMENTO
NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS - NOVA IGUAÇU / RJ
ADAIR SOUZA DA MATA - CONSELHO
ESTADUAL DE DESENVOLVIMENTO E DEFESAS DOS DIREITOS DO NEGRO / MS
AVELINO JORGE O. BARBOSA -
POLÍCIA MILITAR DO DF
JÚLIO CÉSAR DE OLIVEIRA VALLÚ
- POLÍCIA MILITAR DO DF
JOELSON DIAS - ADVOGADO
MARINDA HELENA SANTOS -
REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
WAMBA FIDELE - PRIMEIRO
SECRETÁRIO DA EMBAIXADA DOS CAMARÕES
MARIA GIOVANNI FRANCO DE CARVALHO
- COMUNIDADE BAHÁ'I
RODRIGO STUMPF GONZÁLEZ -
MOVIMENTO NACIONAL DE MENINOS E MENINAS DE RUA
PAULO AFONSO SAMPAIO DE LIMA -
CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO
AMAZONAS
ALESSANDRA SOARES BARCELLOS -
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB DE CAMPO GRANDE
JOATAN LOUREIRO - CENTRO DE
DEFESA DE DIREITOS HUMANOS MARÇAL DE SOUSA
CLÁUDIA ABRHÃO BARBOSA -
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB / MS
DALVA SOARES BARCELLOS -
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB / MS
ROBERTO FIGUEIREDO CALDAS -
CUT/DF
VALÉRIA GETÚLIO DE BRITO E
SILVA - MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS - BRASÍLIA/DF
DEPUTADO PADRE ROQUE - DEPUTADO
DO PT - PR
DEPUTADO ESTADUAL ISANE MONTEIRO - DEPUTADO ESTADUAL DO PARÁ
DEPUTADO LUIZ EDUARDO GREENHALGH
- VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA
DOS DEPUTADOS
VEREADOR FRANCISCO LEITE DA SILVA
- CÂMARA MUNICPAL DE CUBATÃO
VEREADOR MESSIAS GOMES SILVEIRA -
CÂMARA MUNICIPAL DE CUBATÃO
VEREADOR MANOEL DEODORO DE
ALMEIDA - CÂMARA MUNICIPAL DE CUBATÃO
FRANCISCO DE ASSIS MARINHO FILHO
- PROCURADOR DA REPÚBLICA
ADÉLIO MENDES DOS SANTOS - GETAC
- GRUPO ESPECIAL DE TRABALHO SOBRE ASSASSINATO NO CAMPO
MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO -
CONSELHEIRA DO MNDH NORTE
ELSON BEZERRA DA SILVA COSTA -
PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA DO ACRE
ONÉIA DOURADO - PRESIDENTE DO
GETAC - GRUPO ESPECIAL DE TRABALHO SOBRE ASSASSINATO NO CAMPO -
PARÁ
ADÉLIO MENDES - MEMBRO DO GETAC
OTÁVIO MACIEL - MEMBRO DO GETAC
ROSELI COUTO MEMBRO - DO GETAC
ANELYSE AZEVEDO - MEMBRO DO GETAC
VANESSA VASCONCELOS - MEMBRO DO
GETAC
EDSON AUGUSTO - MEMBRO DO GETAC
GUSTAVO UNGARO - SECRETARIA DA
JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA
DERMI AZEVEDO - ASSESSOR DA
SECRETARIA DA JUSTIÇA/ GOVERNO DE SÃO PAULO
BELISÁRIO DOS SANTOS JÚNIOR -
SECRETARIA DA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA DO ESTADO DE
SÃO PAULO
PROFESSOR LUÍS THOMÉ -
REPRESENTANTE DA UNIVERSIDADE SÃO MARCOS
DENISE TIMO DE VELLASCO -
ASSESSORA DO CONSELHO BRITÂNICO
RENATO AUGUSTO KÜHNE - PASTOR
SINODAL DA IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA NO BRASIL
FRANCISCO WHITAKER - SECRETÁRIO
EXECUTIVO DA COMISSÃO BRASILEIRA JUSTIÇA E PAZ
NÁDIA CAVALCANTE BEIRÃO -
SECRETÁRIA DO MST-DF E ENTORNO
ROGÉRIO TOLOX SOLDAN -
COORDENADOR DE MOVIMENTOS SOCIAIS DA FEDERAÇÃO DOS ESTUDANTES
DE AGRONOMIA DO BRASIL
REGISE JORDÃO
ROSITA MILESE - DO CENTRO
SCALABRIMÁNO DE ESTUDOS MIGRATÓRIOS
DIETER METZNER - COOPERANTE DO
FIAN
LUCIANO ANDRÉ WOLFF - ASSESSOR
DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA
JACINTO TELES COUTINHO -
PRESIDENTE DO SINDICATO DOS POLICIAIS CIVIS PENITENCIÁRIOS DO
PIAUÍ
CONSTANTINO BARROS JÚNIOR -
VICE-PRESIDENTE DO SINDICATO DOS POLICIAIS CIVIS PENITENCIÁRIOS
DO PIAUÍ
REGINALDO COUTINHO - DIRETOR DO
DEPARTAMENTO DE DIREITOS HUMANOS DO SINDICATO DOS POLICIAIS
CIVIS PENITENCIÁRIOS DO PIAUÍ
JOÃO RICARDO DOS SANTOS COSTA -
DIRETOR DO DEPTº DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA
ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES DO RIO GRANDE DO SUL (AJÚRIS)
JOSÉ MAGALHÃES DE SOUSA -
ASSESSOR DA CÁRITAS BRASILEIRA
LUIZ MOTT - PRESIDENTE DO GRUPO
GAY DA BAHIA
CARLOS VALERA PAULINO - 2º
SECRETÁRIO DA EMBAIXADA DO MÉXICO
RICARDO NAKAHIRA - PROCURADOR DA
REPÚBLICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
IRAGEU FONSECA - SECRETARIA DE
JUSTIÇA DE PERNAMBUCO
AGNELO QUEIROZ - DEPUTADO FEDERAL
ROBERTO FRANCA FILHO - SECRETARIA
DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO
LUCIANA VALÉRIA GONÇALVES -
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES
ELIZABETH BASTOS DA SILVA -
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES
REJEAN TESSIER - PRIMEIRO
SECRETÁRIO DA EMBAIXADA DO CANADÁ
MILITZA JEMÉNEZ - COORDENADORA
DO FUNDO CANADÁ DA EMBAIXADA DO CANADÁ
ANTONIO NARCISO PIRES DE OLIVEIRA
- GRUPO TORTURA NUNCA MAIS DO PARANÁ E MOVIMENTO NACIONAL DE
DIRIETOS HUMANOS
ALUÍZO MATIAS DOS SANTOS -
CENTRO DE DIREITOS HUMANOS E MEMÓRIA POPULAR DO RIO GRANDE DO
NORTE
AMAURI PESSOA VERAS -NÚCLEO
TEMÁTICO DE DIREITOS HUMANO DO PPS
VILMA VEIRA DEVIDÉ NOGUEIRA -
COORDENADORA DA FUND. EDUCACIONAL DO DF
MÁRCIA CRISTINA TOMAZ SILVA
-COORDENADORA DA FUND. EDUC. DO DF.
AMANDA OLIVEIRA BATISTA - GERENTE
DE EDUCAÇÃO BÁSICA DA FEDF
MARIA GLÓRIA VIEIRA DE SOUZA -
COORDENADORA DA FEDF
EDINIRA MARTINS RODRIGUES -
COORDENADORA DAS ORIENTADORAS EDUCACIONAIS DA FEDF
ELOISA HELENA DIAS DA SILVA -
TÉCNICO DA FEDF
MARIA VIEIRA DE MORAIS -
COORDENADORA DA FEDF
NAIRA DE ARAÚJO PEREIRA -
DIRETORA/TESOUREIRA DA AÇÃO LIBERAL FEMININA
ANA LÚCIA RIBEIRO PINTO -
DIRETORA MÉDICA DO CENTRO NACIONAL BERTHA LUTZ
FLÓRIDA MARIANA ACIOLI RODRIGUES
- PRESIDENTE DO CENTRO NACIONAL BERTHA LUTZ
EDÉLCIO VIGNA DE OLIVEIRA -
ASSESSOR DO INESC
CILDA DO VALE OLIVEIRA -
ORIENTADORA EDUCACIONAL DA FEDF
AMAQUÉSIA MADEIRA FERNANDES -
ORIENTADOR EDUCACIONAL DA FEDF
VEREADORA LÚCIA PACÍFICO HOMEM
- VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA
MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE - MG
JOSÉ CARLOS ZANETTI - ASSESSOR
DE PROJETOS DA COORDENADORIA ECUMÊNICA DE SERVIÇO
ANEXO
ANAIS DO ENCONTRO PREPARATÓRIO
DO CINQÜENTENÁRIO DA DECLARAÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS E
DEVERES DO HOMEM E DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS
HUMANOS
Realizado no Auditório Nereu
Ramos, da Câmara dos Deputados,
em 3 e 4 de dezembro de 1997
CERIMÔNIA DE ABERTURA
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro
Wilson) - Recebam nossa calorosa saudação e nosso
agradecimento pela presença neste Encontro Preparatório do
Cinqüentenário da Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem e da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da OEA e da ONU, respectivamente, e do IV Fórum
Nacional de Direitos Humanos.
Sabemos das dificuldades de um encontro como este num final de
ano, mas houve aprovação para realizá-lo e o estamos fazendo
justamente porque precisamos de nos preparar para o ano que vem.
Temos dois bons motivos para discutir a questão dos direitos
humanos: a Declaração Americana, de abril de 1948, aprovada em
Bogotá, e a Declaração Universal, aprovada no dia 10 de
dezembro de 1948. Significa que queremos trabalhar bem no
próximo ano. Portanto, saudamos V.Sas. agradecendo a todos pela
presença. Que avancemos cada vez mais na teoria e
principalmente na prática dos direitos humanos no Brasil e na
América Latina.
Saudamos também todos os brasileiros, todos os representantes
de países amigos latino-americanos, esperando realizar com
êxito este encontro para a preparação da agenda de trabalho
para 1998.
Convido o Dr. Cristian Koch-Castro, representante da
Organização das Nações Unidas, encarregado da missão do
Alto Comissariado das Nações Unidos para Refugiados no Brasil,
para tomar assento à mesa. (Palmas.)
Convidamos também a fazer parte da Mesa representantes de
entidades atuantes na defesa dos portadores de deficiências.
Inicialmente, a Sra. Liane Martins Collares, da área de
deficiência mental; o Dr. Luiz Cláudio Fernandes de Carvalho,
da área de auditiva; o Dr. Rui Bicalho Sobrinho, da área de
deficiência visual; e o Deputado Flávio Arns, da área de
paralisia cerebral, um expoente na organização das APAEs do
Brasil e membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados. (Palmas.)
Ainda convidamos para fazer parte da Mesa o Professor Dr.
Antônio Augusto Cançado Trindade, Vice-Presidente e Juiz da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, que será o nosso
expositor na parte da manhã; o Dr. Ariel Dulitzky, argentino,
Diretor Executivo do Centro de Justiça Internacional; o
Deputado Renato Simões, Presidente da Comissão de Direitos
Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo e representante
do Fórum de Comissões de Direitos Humanos do Brasil.
Dr. Ariel e Dr. Renato são debatedores da exposição do Dr.
Augusto Cançado Trindade.
É com muita honra que, na qualidade de Presidente da Comissão
de Direitos Humanos, abrimos este encontro preparatório das
comemorações do cinqüentenário da Declaração Universal dos
Direitos Humanos e da Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem. Para nós este encontro é um momento de
resgate dos valores atuais dessas duas declarações, que tanta
importância histórica tiveram no estabelecimento de normas
internacionais e nacionais, definidoras de princípios que têm
sido adotados para proteção dos direitos humanos em todo o
mundo.
Ao longo do próximo ano, queremos que as comemorações do
cinqüentenário das duas declarações se revistam de
reflexões e atitudes concretas, no sentido da atualização e
valorização desses documentos. Para que isso aconteça, é
preciso que a conjugação de esforços, indispensável na luta
em favor dos direitos humanos, seja especialmente intensificada
neste momento por todos nós, instituições públicas e
organizações não-governamentais, pois constitui-se em desafio
grandioso a tarefa do resgate das declarações dos direitos
humanos, que deve começar com uma agenda de comemorações
capaz não só de delinear caminhos para atualização das
declarações, como também para difundi-las entre as novas
gerações de modo a reiterar o compromisso histórico de sua
realização prática para toda a humanidade.
Não é por outro motivo que a realização deste encontro se
deve ao interesse e aos esforços de diversas entidades, que de
uma forma ou de outra colaboraram de forma decisiva: a Comissão
de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil, o Fórum das Comissões Legislativas de Direitos
Humanos, o Movimento Nacional de Direitos Humanos, a
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a Secretaria
Nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, a
Coordenação Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência - CORDE, o Instituto de Estudos Socioeconômicos -
INESC, o Ministério das Relações Exteriores, a Fundação
Athos Bulcão, o Conselho Indigenista Missionário - CIMI, o
Fórum Nacional contra a Violência no Campo, a Coordenadoria
Ecumênica de Serviços - CES. A todos esses parceiros o nosso
reconhecimento e o nosso profundo agradecimento.
O principal objetivo deste encontro é preparar uma agenda do
cinqüentenário das duas declarações, agenda essa que será
oferecida como recomendação à sociedade e ao Governo
brasileiro, além da Organização dos Estados Americanos - OEA.
Nesta cerimônia de abertura, ouviremos o representante das
Nações Unidas, Dr. Cristian Koch-Castro, que é o encarregado
no Brasil da missão do Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados. Em seguida, ainda no dia de hoje - em que se
comemora o Dia Internacional da Pessoa Portadora de
Deficiência, instituído pela ONU - ouviremos quatro
representantes de diferentes áreas de portadores de
deficiências.
Vamos discutir, no primeiro painel deste encontro, o significado
e o valor da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que
terá como expositor o Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade.
No segundo painel, a ser realizado hoje à tarde, examinaremos a
implementação das recomendações de Viena e os novos
paradigmas dos direitos humanos, tendo como expositor o Ministro
Marco Antônio Diniz Brandão, Diretor-Geral do Departamento de
Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações
Exteriores.
Amanhã abriremos a reunião com um painel sobre a situação e
perspectivas para os direitos humanos na América Latina, com a
participação de nossos convidados dos países irmãos do
continente americano. Em seguida, veremos a situação no
Brasil, com representantes do Governo Federal, do Ministério
Público Federal, do Estado de São Paulo, da Comissão de
Direitos Humanos da OAB e do Movimento Nacional de Direitos
Humanos.
Encerraremos nosso encontro com a definição da agenda de
eventos comemorativos amanhã à tarde.
O primeiro passo para o resgate da Declaração de Direitos
Humanos é examinar a importância histórica que ela teve. E
para situar o valor da Declaração Universal dos Direitos
Humanos basta lembrar que, embora tenha sido fundamentada nos
fatos históricos e na doutrina precedente, foi durante sua
vigência, nesta segunda metade do século XX, que o tema ganhou
força, generalizando-se e materializando-se em acordos e
instituições internacionais. Duas condições históricas
permitiram este desenvolvimento: de um lado, a resposta da
comunidade internacional ao fenômeno totalitário do
nazi-fascismo; do outro, a existência de um caldo de cultura
que concebe o homem como uma unidade e, portanto, um ser cuja
essência ultrapassa as distinções aparentes de raça, sexo,
religião e nacionalidade ou qualquer outra e que tem uma
dignidade que lhe é intrínseca. Em um universo de pensamento
profundamente impactado pela experiência da II Guerra, emergiu
na opinião pública internacional a convicção de que as
atrocidades cometidas pelo nazi-fascismo não poderiam mais se
repetir, sendo necessária, portanto, a adoção de regras
comuns a serem respeitadas pelos Estados. Essa percepção
aparece no preâmbulo da Declaração Internacional dos Direitos
Humanos, que no primeiro considerando reconhece a dignidade
inerente a todos os membros da família humana e, no segundo,
afirma que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa
resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da
humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem
de liberdade de palavra e de crença, de liberdade de viverem a
salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta
aspiração do homem comum.
Foi a partir desse contexto que surgiu a qualificação
técnico-jurídica do genocídio como crime contra a humanidade,
o que representou um avanço notável para a afirmação da
universalidade dos direitos humanos.
Cabe lembrar também que o desenvolvimento do tema
caracterizou-se por movimentos descontínuos que expressam os
conflitos e lutas políticas, presentes na definição e
consolidação dos direitos humanos. A idéia original de se
fazer uma carta de direitos humanos que criasse obrigações
jurídicas para os Estados signatários acabou sendo abandonado
em prol de uma declaração com efeito mais simbólico do que
prático.
No pós-guerra, a criação de instrumentos de direitos humanos
está nitidamente ligada à história da Declaração Universal.
Temos, antes mesmo da proclamação da declaração, a criação
do Tribunal de Nuremberg, em 1945; depois a convenção contra o
genocídio de 1948, entre outros instrumentos. Podemos observar
que há um primeiro momento de gestação desses instrumentos e
um hiato de dezoito anos na produção de textos de maior peso,
quebrado apenas pela Convenção sobre o Estatuto do Refugiado,
de 1951, até que fosse adotado O Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômico-Sociais,
ambos de 1966.
No período da bipolaridade, da Guerra Fria, os direitos de
primeira geração foram defendidos pelos Estados Unidos,
enquanto os direitos de segunda geração foram argumentados
pela União Soviética. O chamado Terceiro Mundo passou a
reivindicar os direitos de terceira geração. Apesar das
divergências às limitações colocadas pelo quadro da Guerra
Fria, a Declaração Universal dos Direitos Humanos teve um peso
político importante, principalmente para grupos envolvidos em
lutas concretas, a exemplo da oposição aos regimes ditatoriais
em Países da América Latina, inclusive do Brasil.
Já o sistema interamericano nasceu sob o signo da defesa da
democracia representativa, posição que transparece nos textos
regionais adotados no período. O notável desenvolvimento que a
criação desse representou obedeceu em grande medida à
necessidade de fazer frente às graves e maciças violações de
direitos humanos, que tiveram lugar na maioria dos países do
continente. Mas, em que pese o progresso normativo, orgânico e
institucional alcançado, a eficácia dos órgãos de proteção
foi limitada. Foi sobretudo a oposição aos regimes ditatoriais
na América Latina que atualizou e tornou premente a questão da
observância dos direitos humanos na região. Tornaram-se as
principais bandeiras dos direitos humanos os direitos básicos e
essenciais à vida: a integridade física, a liberdade
individual, a livre manifestação de opinião e de expressão,
e até hoje os movimentos de direitos humanos na América Latina
se vêm compelidos a atuar num espaço relacionado a esses
primeiros direitos, originários da doutrina jusnaturalista,
isso porque a violência de agentes do Estado contra o
indivíduo continua a ocorrer em escala preocupante em muitos
países do continente.
Assim, é inegável a importância histórica da adoção das
duas declarações, especialmente a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, que se tornou referência básica para
adoção de instrumentos de proteção aos direitos humanos em
todo o mundo e, mesmo não tendo inicialmente conotação de
norma obrigatória, acabou se transformando em norma
consuetudinária de Direito Internacional Público. A adoção
pelos Estados de princípios como os presentes nos textos
internacionais criou um parâmetro comum para as
reivindicações concretas de diversos setores sociais em
diferentes países.
Esses atos internacionais cumprem também a função de medida
para verificar o cumprimento pelos Governos dos compromissos
assumidos. Mesmo onde houve desrespeito aos valores e
princípios das cartas, elas restaram sempre como um referencial
de legitimidade para a opinião pública internacional e mesmo
para a ordem interna dos Estados.
Assim, quando o atual Governo brasileiro do Presidente Fernando
Henrique Cardoso procura avançar com a criação do Programa
Nacional de Direitos Humanos, busca evidentemente a legitimidade
para o seu Governo, referenciando-se no conteúdo das
declarações e nas reivindicações concretas da sociedade
brasileira e nas pressões da opinião pública internacional.
A história das declarações universal e americana mostra-nos
que o caminho não é necessariamente retilíneo e contínuo e
nada garante que a desejada expansão no campo dos direitos
humanos continuará, principalmente por sabermos que, sendo
construção histórica e tendo enorme caráter político, seu
futuro implica necessariamente luta, conflito e movimento.
As liberdades individuais, os direitos civis e políticos vêm
sendo equacionados no cinqüentenário de vigência da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em muitos países
se vivenciou esses direitos de primeira geração, o que é uma
conquista histórica representativa. Que no novo
cinqüentenário que começa possamos avançar na
generalização da aplicabilidade dos direitos de primeira
geração, avançar na concretização dos direitos sociais,
econômicos e culturais - os direitos de segunda geração - e
de dar maior sentido aos direitos de terceira geração.
Bater só na tecla dos direitos civis é insuficiente. A
conformação globalizada do mundo atual demanda uma
intervenção mais estrutural, mais global. É fundamental a
importância atual do salário e do emprego, das políticas de
saúde, educação, moradia e da Previdência Social como
condição e garantia para a vivência dos direitos humanos.
Portanto, a perspectiva de desenvolvimento dos direitos humanos
está nitidamente associada ao progresso social e político de
forma mais ampla, particularmente na América Latina, marcada
por profundas discrepâncias sociais, pela enorme concentração
de renda e de poder.
Desta forma, entendemos que seria de todo desejável que as
recomendações aqui formuladas registrem de forma marcante o
cinqüentenário das declarações. Reitero o compromisso com os
valores escritos nelas, que busquemos sobretudo dar sentido mais
prático do que retórico desses princípios e valores.
Aproveitamos a oportunidade para apresentar algumas propostas de
recomendações para a agenda do cinqüentenário, sem prejuízo
de outras que venham a ser apresentadas. Sugerimos inicialmente
à Organização dos Estados Americanos que realize o encontro
latino-americano para comemoração do cinqüentenário da
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem em abril,
para que coincida com o aniversário de sua proclamação - o
que, aliás, já foi confirmado pelo Dr. Augusto Trindade no
mês de abril do ano que vem em Bogotá.
Como se trata de um ano de Copa da Mundo e sendo o futebol tão
universal e importante para o Brasil, sugerimos à Seleção
brasileira que homenageie a Declaração Universal dos Direitos
Humanos na cerimônia de abertura da Copa Mundial na França.
Também consideramos importante que a ONU encaminhe uma
recomendação a todos os países-membros da adoção de
programas nacionais de direitos humanos para que realizem
pleitos junto aos meios de comunicação para que insiram
mensagens sobre o cinqüentenário em suas respectivas
programações durante o ano. No caso do Brasil, sugerimos que A
Voz do Brasil dê destaque a essas inserções durante todo o
ano. Recomendamos à ONU que realize um encontro das Nações no
dia 10 de dezembro de 1998, com programações festivas em
diferentes países. Sugerimos que seja elaborado um manual sobre
o cinqüentenário a ser oferecido aos partidos políticos, às
organizações populares e a todos que puderem difundir a
Declaração Universal e seu significado.
Recomendamos a todas as organizações não-governamentais e às
instituições públicas, empresas e sindicatos que façam
publicar em seus instrumentos de divulgação interna material
sobre o cinqüentenário. Recomendamos também à OEA que passe
a disponibilizar um site na INTERNET especialmente dedicado à
Declaração Americana, uma vez que o da ONU já existe.
Recomendamos a todas as Casas legislativas do Brasil a
realização de sessões especiais em maio e em dezembro para
homenagear as declarações, instituições e personalidades que
se destacaram na defesa dos direitos humanos. Recomendamos
também às universidades a realização de um encontro nacional
sobre educação e direitos humanos.
Finalizando, sugerimos à Federação Nacional dos Jornalistas a
realização de uma premiação das melhores reportagens sobre o
tema dos direitos humanos. Essas são, portanto, nossas
sugestões de recomendações.
Agradecemos a todos pela presença e por toda a luta pelos
direitos humanos no Brasil na América Latina e no mundo.
Vivam os direitos humanos e todos aqueles que acreditam que eles
sejam um símbolo de toda a luta de homens e mulheres por uma
vida digna de ser vivida neste planeta azul.
Muito obrigado. (Palmas.)
Passamos a palavra ao Sr. Cristian Koch-Castro, representante da
Organização das Nações Unidas.
O SR. CRISTIAN KOCH-CASTRO - Sr. Deputado Pedro Wilson,
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados, Srs. Deputados, Srs. representantes do Corpo
Diplomático, Srs. membros da Comissão de Direitos Humanos do
Conselho Federal da OAB, autoridades governamentais, Srs.
representantes dos portadores de deficiência, senhoras e
senhores, em primeiro lugar, gostaria de agradecer publicamente
a Eleonor, em nome do Sr. Walter Franco, coordenador residente
do sistema de Nações Unidas no Brasil, por solicitar-me
representá-lo na abertura deste encontro. O Sr. Walter Franco
nos solicitou transmitir a todos os participantes seus votos de
êxito nas deliberações que tomarão lugar nos próximos dois
dias. Também trago o firme compromisso do Sr. Franco para
continuar apoiando as iniciativas tendentes a consolidar o
desenvolvimento humano no Brasil.
Gostaria, ao mesmo tempo, de expressar minha grande satisfação
por estar presente nesta importante Comissão da Câmara dos
Deputados. Durante esses últimos três anos, minha capacidade
oficial de funcionário do Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados permitiu-me trabalhar estreitamente com membros
desta Comissão que com esforços conjuntos lograram resultados
altamente positivos para a ação humanitária.
Daqui a um ano, especificamente no dia 10 de dezembro de 1998,
estaremos todos comemorando os cinqüenta anos da adoção pela
Assembléia Geral das Nações Unidas da Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Foi também em 10 dezembro de 1948 que a
Organização dos Estados Americanos adotou a Declaração
Americana sobre Direitos e Deveres do Homem. Desde então os
assuntos relacionados com os direitos humanos tem estado nas
agendas das principais atividades de todas as cúpulas mundiais
das Nações Unidas. Não faz muito tempo, na declaração
conjunta do Programa de Ação da Conferência Mundial de
Direitos Humanos, realizada em Viena, o Governo brasileiro teve
uma destacada participação. Isso incentivou todos os Governos
a estabelecer e fortalecer as instituições nacionais para a
promoção e a proteção dos direitos humanos. É importante
destacar que esta conferência em realizada em Viena legitimou
de maneira definitiva a noção de indivisibilidade dos direitos
humanos como preceitos que se aplicam tanto aos direitos civis e
políticos quanto aos direitos econômicos sociais e culturais.
É preciso lembrar também que a Declaração de Viena enfatizou
os direitos de solidariedade, o direito à paz, o direito ao
desenvolvimento e os direitos ambientais.
O Governo brasileiro, atento ao chamamento anterior, fez e
continua fazendo esforços concretos para a implementação da
Declaração de Viena. No dia 13 de maio do ano passado, o
Presidente da República lançou o Programa Nacional dos
Direitos Humanos, documento histórico que identifica os
principais obstáculos para a promoção e proteção dos
direitos humanos no Brasil. Ao mesmo tempo, o programa indica
prioridades e propostas concretas de caráter administrativo,
legislativo e político-culturais que buscam equacionar os
problemas mais graves que hoje impossibilitam ou dificultam o
respeitos por esses direitos no país.
Paralelamente, o sistema das Nações Unidas no Brasil não tem
poupado esforços para apoiar o Governo brasileiro neste enorme
desafio. (Ininteligível) opções estratégicas para um
desenvolvimento humano sustentável decretou a liderança do
programa Nações Unidas para o desenvolvimento, dando
continuidade aos esforços setoriais das agências
especializadas do sistema e nas áreas de saúde, trabalho,
educação, desenvolvimento agrícola, população, direito das
crianças e dos adolescentes, direitos da mulher e dos
refugiados, ações todas que visam a contribuir com a
construção e consolidação da democracia para o
desenvolvimento econômico-social, da justiça e da paz.
Este encontro preparatório do cinqüentenário da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana sobre
Direitos e Deveres do Homem não pode ser mais oportuno e, por
que não dizer, urgente. É a oportunidade de discutir uma
agenda de eventos para comemorar, mas também uma oportunidade
para avaliar os logros e refletir sobre ações concretas e
sobre o futuro da área de direitos humanos no Brasil.
Aplaudimos e elogiamos a nobre iniciativa da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Sr. Presidente, em
nome do coordenador do Sistema das Nações Unidas no Brasil,
Sr. Walter Franco, agradeço sinceramente a oportunidade de
participar da abertura deste encontro e reiteramos a posição
de continuar apoiando o Governo brasileiro em suas ações para
um desenvolvimento sustentável, fundamentado na democracia, na
justiça, na paz e nos direitos humanos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Antes de passar a
palavra ao Deputado Flávio Arns, representante dos portadores
de deficiência, homenageados nesta abertura, gostaria de
registrar a presença do Prefeito de Campo Grande, do
representante da embaixada da Suécia, do representante do
Reitor da Universidade Gama Filho, do Deputado Nilmário
Miranda, autor do projeto que constituiu esta Comissão de
Direitos Humanos e seu primeiro Presidente.
Gostaria de registrar também a presença do Sr. Marcos
Antônio, representante do Secretário de Segurança Pública do
Rio de Janeiro; do Vereador Carlos, da Comissão de Direitos
Humanos de Campinas, São Paulo; do Dr. Sales Freitas,
representante da Procuradoria-Geral de Justiça de Roraima; do
Dr. Jorge, representante da Embaixada do Peru, do Dr. Alejandro
Falina, da Embaixada do Chile; do Dr. Hector Bueno, da Embaixada
da Bolívia; da Dra. Adriana, da Embaixada dos Estados Unidos da
América do Norte; do Dr. Helmann, e do Dr. Alberto Calmon,
ambos da Embaixada da Argentina; das Deputadas Rita Camata e
Dalila Figueiredo; dos Deputados De Velasco e Luiz Alberto; do
Dr. Ricardo Camone, do México; da Dra. Meire, da Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão; do representante da Embaixada
da Noruega; do Deputado José Augusto e do Governador do Estado
do Amapá, o qual saudamos e convidamos para tomar assento à
mesa. Convidamos também o representante da Fundação Cultural
Palmares; o representante do Ministério Público do Amazonas; o
representante da CEJIL; o Dr. Márcio Gontijo, da Anistia
Internacional; o representante da CORDE; o representante da
Universidade de São Paulo; o representante da Associação
Cultural Desportiva dos Surdos de Brasília; o representante do
Departamento de Direitos Humanos do Itamaraty, Dr. Marco
Antônio, nosso expositor da parte da tarde; o representante do
Instituto e Casa de Cultura Afro-Brasil; o representante do
Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo; o
representante do Conselho Nacional de Comandantes Gerais da PM;
o representante do Instituto Quirol; o representante da CONDECA,
São Paulo; o representante da Comissão de Direitos Humanos da
OAB do Distrito Federal; o representante da Universidade de
Brasília; o representante da Comissão da Comissão de Direitos
Humanos da OAB Federal; o representante da Pontifície
Universidade Católica do Rio de Janeiro; o representante da
Fundação Educacional do Distrito Federal; o representante do
Ministério Público do Pará; o representante do Ministério
Público do Espírito Santo; o representante do Movimento
Nacional de Direitos Humanos; o representante do GEIPOT; o
representante da OAB; o Deputado Sebastião Madeira; o Deputado
Gervásio Oliveira; o representante da Embaixada da Polônia; o
Dr. Nilton Souza Barros, da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa de Minas Gerais; o representante da
Embaixada da Venezuela; a Dra. Marta, representante de Santa
Catarina; o Deputado Carlito Reis, de Santa Catarina; a Dra.
Maredite Oliveira da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
Municipal de Diadema; o representante da Associação Nacional
dos Procuradores da República - ANAPR; o representante do PSB;
presente o Governador João Alberto Rodrigues Capiberibe do
Estado do Amapá e o representante da Universidade Luterana
Brasileira-ULBRA, do Rio Grande do Sul.
Passamos a palavra ao Deputado Flávio Arns.
O SR. DEPUTADO FLÁVIO ARNS - Caro Deputado Pedro Wilson,
Presidente da Comissão de Direitos Humanos, cumprimento-o e aos
demais componentes da Mesa, caros participantes deste
seminário, é um momento muito importante este Encontro
Preparatório do Cinqüentenário da Declaração Americana
sobre Direitos e Deveres do Homem e da Declaração Universal
dos Direitos Humanos. E, na preparação deste encontro, até
pelo fato de hoje, dia 3 de dezembro, ser o Dia Mundial da
Pessoa Portadora de Deficiência, dia também instituído pela
Organização das Nações Unidas, discutiu-se a possibilidade,
imediatamente aceita pela Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados, para, neste momento de abertura,
importante e solene, nos lembrarmos do direito à cidadania e
dos direitos fundamentais da pessoa portadora de deficiência,
assim como dos direitos de todo ser humano. Dez por cento da
população são portadores de algum tipo de deficiência - são
16 milhões de pessoas, no Brasil, nas áreas - visual,
auditiva, física, mental, os autistas, os que têm algum
distúrbio de comportamento, distúrbios de aprendizagem e
deficiências múltiplas.. Se pensarmos que cada uma dessas
pessoas está inserida em um grupo familiar de pelo menos quatro
pessoas, observaremos que sessenta a setenta milhões de
pessoas, no Brasil, têm interesse direto na realização dos
direitos fundamentais do cidadão portador de deficiência.
Direitos que ainda, no Brasil e em outras partes do mundo, vêm
sendo negados - o acesso à educação, ao trabalho, aos
medicamentos, à saúde, à assistência, à previdência, o
amparo na velhice e, inclusive, o direito fundamental de não
ficar deficiente, já que muitas pessoas se tornam portadores de
deficiência em situações que poderiam perfeitamente ser
evitadas, com cuidados básicos de saúde antes da gestação,
durante a gestação, durante e após o nascimento. No Brasil, o
parto é conhecido como fábrica de excepcionais.
Este é o nosso desafio, um desafio conjunto que deve mobilizar
os órgãos públicos, sem dúvida alguma, nos contextos
municipais, estaduais e federal, deve mobilizar a sociedade e
todos os setores para que possamos juntos levar a cidadania à
pessoa portadora de deficiência.
Este é um momento importante. A Comissão de Direitos Humanos
já realizou, no mês de setembro do corrente ano, um grande
seminário de dois dias, intitulado "Portador de
Deficiência, Portador de Cidadania". Os desdobramentos
deste seminário já vêm acontecendo nas diversas leis em
tramitação, nas medidas provisórias e nas discussões,
devendo continuar também no próximo ano. Todo ano, no Brasil,
realiza-se a Semana Nacional do Excepcional, de 21 à 28 de
agosto. E. hoje, dia 3 de dezembro, realiza-se também o Dia
Mundial da Pessoa Portadora de Deficiência. Nada melhor do que
as próprias pessoas que vivem esta realidade para poderem
deixar alguma mensagem neste Encontro Preparatório. Que a
preocupação dessas pessoas e de todas as demais constitua
objeto da preocupação e da ação de todos nós. Muito
obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Com a palavra Liane
Martins Collares.
A SRA. LIANE MARTINS COLLARES - Bom-dia a todos. Vou falar da
minha vida como cidadã. Eu me chamo Liane Martins Collares,
nasci em Bajé, no Rio Grande do Sul, sou gaúcha, tenho 34 anos
e sou portadora da Síndrome de Down. Meus pais são Edson e
Marilei e tenho dois irmãos: Marcus Vinícius e Lisiane.
Aprendi a falar com a minha querida boneca Prosinha, que falava
catorze frases. Então comecei a falar com ela. Ela foi a minha
primeira fonoaudióloga.
Em 1969, ingressei no pré-escolar, Jardim de Infância Menino
Jesus, de minha cidade. Conclui o pré em 1970. Fui alfabetizada
aos oito anos na Escola Particular Tiradentes, da Prof ª Eni
Avancini. Hoje, sou formada na 8ª série do 1º grau. Fui
oradora da minha turma, houve baile e dancei com meu pai e com
meu Prof. Garcia, de natação.
Sou atleta de natação e, em 1991, conquistei duas medalhas de
ouro nas Olimpíadas Especiais dos Jogos de Verão, realizadas
em Minneápolis, nos Estados Unidos. Participaram 102 países e
seis mil atletas. Faço aula de informática e natação, no
período da tarde, de segunda a sexta-feira. E, por algum tempo,
participei de teatro, montado pela Associação Pró-Down, e do
Coral Muito Especial, com o Prof. Eduardo Sena.
Quando eu tinha seis anos, estudava no Jardim Menino Jesus, e
havia um menino de quatro anos, que se chama Carlos Alberto, e
que hoje tem 32 anos.
Comecei a crescer muito e quando tinha quinze anos de idade fiz
meu aniversário e debutei na minha cidade, Bagé, nos dois
clubes e na Praia do Cassino, no Rio Grande do Sul. Depois, fui
morar na cidade de Porto Alegre, também no Rio Grande do Sul,
ficando lá por dez anos. Já faz muito tempo. Minha mãe me
colocou em um colégio em que a minha irmã Lisiane estudava.
Ela procurou a secretaria e perguntou se eu poderia estudar no
mesmo colégio. A diretora perguntou-lhe se eu era normal e qual
a minha idade. Minha mãe respondeu que eu era portadora da
Síndrome de Down e disse a minha idade. A diretora informou que
eu não poderia estudar naquele colégio. Minha mãe ficou muito
nervosa e discutiu com a diretora do colégio.
Em 1988, vim para Brasília e tinha apenas 25 anos. Antes minha
mãe arranjou aulas de natação com o Prof. Jorge, no SESC.
Também fui matriculada no Colégio Minas Gerais, onde estudei e
trabalhei por algum tempo. Tenho título eleitoral e voto nos
candidatos que escolho. Tenho conta bancária em conjunto com a
minha mãe.
Quero que V.Exas. saibam do que sinto no meu coração. Gosto
muito de estar ao ar livre, de lazer, mas não tenho coragem de
andar sozinha. Tenho medo de andar em alguns lugares de
Brasília. Sempre gostei de televisão. Meu maior sonho é fazer
um comercial e também novelas.
Atualmente, estou trabalhando na CORDE-DF e estou gostando muito
do meu trabalho. Fui convidada pelo Paulo Beck, indicada pela
Rosemarie, Presidente da Pró-Down do Distrito Federal. O mais
importante que eu faço hoje é participar do Programa de
Conscientização da Sociedade, realizado pela CORDE, que
objetiva remover os preconceitos que enfrentamos. Hoje, estou
muito feliz e gosto muito do meu trabalho. Faço tudo e amo o
que faço.
Vou falar sobre os meus colegas do trabalho. Vou falar sobre os
meus colegas de trabalho. A Sônia, da CORDE, é a Secretária
do Paulo Beck. Ela é uma pessoa muito querida, me trata como
amiga e como colega de trabalho. Ela conhece tudo que está em
volta. Quando a Sônia sai, ela me pede para eu fazer os
trabalhos dela. Ela me disse que todas as sextas-feiras vai ter
que se ausentar e eu vou ter que assumir as suas
responsabilidades. O Alberto também me ensina muitas coisas.
Gosto muito dele. O Sidney é brincalhão, mas é sério no
trabalho que faz. Ele é um funcionário que chega mais cedo no
CORDE. O Clealdo é uma pessoa admirável. Ele me ensina muito
coisa, como entregar documentos, arrumar as pastas, passar fax e
xerocar. Eu entrego tudo nas mãos dele e ele fica muito feliz
comigo. Eu tenho confiança nele. O Rodrigo é meu amigo, gosto
muito dele, ele é responsável no seu trabalho, e respeita
todos.
Também não posso me esquecer de duas pessoas que não estão
escritas. Sobre o Rui, ele é meu amigo, gosto muito dele, ele
trabalha muito, é muito esforçado, é também brincalhão,
como o Sidney. Ele é demais. Eu me divirto muito com ele. Tem
também a Cristina, que é a Secretária do CORDE. Ela é uma
pessoa muito querida, muito amiga. Ela é demais, trabalha
bastante. Tenho confiança em todos, principalmente nas pessoas
de que gosto muito, do CORDE. E tem o meu amigo Rui, que está
aqui conosco e vai falar daqui a pouco. Sou uma jovem, não pela
idade que tenho, mas pelo espírito de jovem que tenho dentro de
mim. Eu escrevo versos e poesias. Sou romântica, gosto muito
das noites com estrelas cadentes, que brilham muito, e também
quando a lua está cheia. Quero pedir licença para fazer uma
referência muito especial. Em minha caminhada até aqui, vivi
muitas emoções e grandes alegrias, porém o caminho não foi
fácil, as dificuldades foram inúmeras. Todos nós somos
iguais. Mesmo que alguns sejam diferentes, todos merecem as
mesmas oportunidades. E essa oportunidade me foi dada pelo
Colégio Minas Gerais, onde estudei numa classe de ensino
regular. Espero que outros colégios ofereçam essa mesma
oportunidade para pessoas diferentes como eu. Estou terminando
de escrever um livro sobre a minha vida. Quero fazer teatro, ser
diretora e fazer muitas coisas. Gostaria muito que as pessoas me
compreendessem como sou, muito sensível. Eu sou maravilhosa e
estou sã também. Eu tenho a Síndrome de Down. Sou muito
feliz, sou baixinha, carinhosa e meiga. Sou especial.
Para finalizar, quero ler uma poesia de minha autoria. Antes de
tudo, mesmo sofrendo da Síndrome de Down, não tenho
preconceitos. Nem com a Síndrome de Down nem com o racismo.
Não tenho nenhum preconceito. Vou ler a minha poesia. O tema
é: "A mágica do Amor". Vou ler rápido para vocês
entenderem.
Você é algo especial que preenche o meu coração.
Com você, aprendi a trilhar os caminhos sem medo.
Aprendi a ser forte, a enfrentar com garra os obstáculos e a
ser alegre,
a encontrar tudo aquilo que me fale de você.
Você é o sol que brilha nos meus dias nublados,
a estrela que guia meus passos nas noites escuras.
Você é tudo que preenche o meu vazio.
Com você sinto-me motivada a caminhar tranqüila na minha
fragilidade.
Você é o mágico que transforma o mundo incolor em um mundo
colorido, que me traz a tranqüilidade e a ternura. Suas
palavras, a voz inconfundível, as cartas do amor.
Também quero agradecer a vocês o convite que estão fazendo a
todos. Gostei muito, estou participando.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Antes de ouvirmos a
exposição do Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade, ouviremos
os depoimentos do Luiz Cláudio e do Rui Bicalho.
Antes, anuncio a presença do Deputado Nelson Pelegrinni,
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa do Estado da Bahia; do Dr. Evair Santos, do
Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça; de
representantes da Universidade Mackenzie, de São Paulo; da Drª
Maria Luíza Marcílio, representante do Reitor da Universidade
de São Paulo; da Drª Maria Caiafa, Coordenadora dos Direitos
Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte; da Irmã
Rosita, do Centro de Imigrações.
Pediríamos, então, aos nossos companheiros brevidade em suas
exposições.
Agradecemos muito a Liane Martins Collares a sua emocionada
exposição, o seu depoimento. Deixo nossa solidariedade nesta
manhã e sempre, na luta pelos Direitos Humanos, a todos os
portadores de deficiência.
Com a palavra o Sr. Luiz Cláudio Fernandes de Carvalho.
O SR. LUIZ CLÁUDIO FERNANDES DE CARVALHO - Bom-dia! Tenho
dificuldades de dizer bom dia. Estou acostumado com os sinais
dos surdos, mas vou falar aqui. Quero agradecer ao Deputado
Pedro Wilson o trabalho pelos direitos humanos. Gostaria também
de falar sobre a situação dos surdos e dos direitos dos
portadores de deficiência. Com a ajuda do Governo e dos
empresários, o deficiente poderia ter uma vida melhor. Com
Deputados e Senadores vamos trabalhar juntos para melhorar a
vida do deficiente. Muito obrigado e um abraço para todos.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Depois do esforço do
Luiz Cláudio, com a palavra agora o Rui Bicalho Sobrinho.
O SR. RUI BICALHO SOBRINHO - Srs. Deputados, Srs. representantes
estrangeiros, Srs. diplomatas, Srs. representantes de entidades
governamentais, assistenciais, bom-dia. De um lado, com muita
satisfação, vejo aqui tanta gente reunida para apreciarmos
juntos o trabalho sobre os direitos humanos e também sobre o
Dia Internacional do Portador de Deficiência. Por outro, é
também muito triste. Tenho até uma certa vergonha de ser um
ser humano que ainda precisa estar preparando comemorações
sobre direitos humanos, por ser necessário, no Dia
Internacional do Portador de Deficiência, que tenhamos uma
consciência e uma visão para essa parte muito significativa da
sociedade. Espero que um dia não seja mais necessário haver
comemorações dessa natureza, que os direitos humanos sejam
todos respeitados, os direitos e a cidadania de um portador de
deficiência e que a deficiência não seja percebida como
anomalia, e sim com uma coisa normal.
Ouvimos aqui duas declarações, da Liane, essa coisa linda que
trabalhou conosco no CORDE, e também do Luiz Cláudio, um
trabalhador que fez um enorme esforço e conseguiu reunir numa
só, o que poucos conseguem, as três organizações sobre
deficiência auditiva que havia em Brasília. Liderando essas
três, conseguiu fazer com que fossem transformadas em uma só.
Hoje ele trava uma batalha dura para que os direitos dos surdos
sejam respeitados. Talvez V.Exas. não tenham entendido tudo que
ele falou, porque estava faltando aqui justamente uma pessoa
para interpretar os sinais. Ele utilizaria sinais e o
intérprete falaria. E nós ouvimos muito mais que vocês,
pessoas normais, que podem ajudar no sentido de que se façam
esses cursos de tradutores para esse grupo de deficientes
auditivas. Eu acho que não se trata apenas, quando se fala em
cidadania, como a Liane bem frisou, de uma oportunidade de
estudar, como ela teve no Colégio Minas Gerais, que
proporcionou a ela esse oportunidade. O estudo é uma base, é o
início, mas, além disso, é muito mais importante o conceito
de cidadania plena. É preciso haver uma mudança na
consciência de todos nós, uma mudança na cultura da nossa
sociedade, não só na brasileira, mas na mundial, na
internacional. É necessário entender que as pessoas portadoras
de deficiência física, mental, auditiva, visual não são
deficientes, pois elas podem ser tão ou mais eficientes que uma
pessoa dita normal. Para isso basta que haja uma tentativa, uma
procura, uma busca em entender que as necessidades dessas
pessoas são maiores do que as das pessoas normais. Entendidas
essas necessidades, deve-se dar a essas pessoas uma oportunidade
para demonstrarem que podem ser tão normais, tão competentes e
tão capazes como qualquer um dos outros que estão sentados
neste auditório ou qualquer uma das pessoas normais que estão
nesta Mesa.
Então, isso é que é necessário. Há um direito à dignidade,
à cidadania, uma cidadania plena e que permita a um deficiente
visual, por exemplo, atravessar uma rua sem o perigo de ser
atropelado por um carro, sem o perigo de cair em um buraco;
permita a um deficiente em cadeira de rodas chegar ao trabalho,
a uma repartição pública, e não tenha de subir uma série de
degraus, mas que haja rampas para que ele possa chegar aonde
precisa; permita a um deficiente visual andar na rua sem o
perigo de esbarrar em galhos, árvores ou em cartazes colocados
de maneira que ele não localize com sua bengala no chão,
porém ela vem direto no seu rosto; permita a um deficiente
auditivo chegar em uma loja ou supermercado e ter alguém que
lhe traduza suas necessidades aos vendedores. Precisamos disso
tudo. É muita coisa, mas se houver uma conscientização, uma
mudança da atitude de comportamento de cultura da nossa
sociedade, acho que isso pode ser realmente atingido. Não é
impossível. Basta apenas uma tentativa de considerar o grupo de
pessoas - somos quase 10% no Brasil - como pessoas que têm o
direito à cidadania e dignidade de viver.
Muito obrigado. (Palmas.)
1º Painel: O significado e o
valor da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro
Wilson) - Renovamos nossa saudação e homenagem à luta pelos
direitos humanos de todos os portadores de deficiência.
Antes de passar a palavra ao nosso expositor, Prof. Antônio
Augusto Cançado Trindade, nossos debatedores, Dr. Ariel
Dulitzky e Deputado Renato Simões, gostaria de comunicar que
haverá o lançamento de dois livros hoje, um às 18h, neste
mesmo recinto, do Monge Marcelo Barros, um romance baseado no
sincretismo religioso brasileiro, e um outro, de diversas
autores, sobre o sentimento de lutarmos pelos direitos humanos,
"Tiradentes, um Presente da Ditadura", inclusive com
texto dos Deputados José Machado, Nilmário Miranda,
organização de Alípio Freire, Isaías Almada e Greenville
Ponce. Trata-se da história recente do Brasil na questão dos
direitos humanos, na questão dos presos políticos.
Com muita honra, passo a palavra ao Prof. Antônio Augusto
Cançado Trindade.
PROFESSOR ANTÔNIO AUGUSTO
CANÇADO TRINDADE
(Texto revisado pelo autor)
O LEGADO DA DECLARAÇÃO
UNIVERSAL DE 1948 E O FUTURO DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS
- Ph.D. (Cambridge);
- Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos;
- Professor Titular da Universidade de Brasília e do Instituto
Rio-Branco;
- Membro dos Conselhos Diretores do Instituto Internacional de
Direitos Humanos (Estrasburgo) e do Instituto Interamericano de
Direitos Humanos (Costa Rica);
- Associado do Institut de Droit International
SUMÁRIO:
I. Introdução.
II. Processo Preparatório,
Adoção e Significação da Declaração Universal de 1948.
III. Projeção da Declaração
Universal de 1948 no Direito Internacional e no Direito Interno.
IV. A Declaração Universal de
1948 e as Duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos.
V. O Amplo Alcance das
Obrigações Convencionais Internacionais em Matéria de
Proteção dos Direitos Humanos.
VI. O Futuro da Proteção
Internacional dos Direitos Humanos
I. Introdução.
Decorridas cinco décadas desde a
adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é
inegável que a proteção dos direitos humanos ocupa hoje uma
posição central na agenda internacional da passagem do
século. Ao longo das cinco últimas décadas, apesar das
divisões ideológicas do mundo, a universalidade e a
indivisibilidade dos direitos humanos encontraram expressão na
Declaração Universal de 1948, daí projetando-se a numerosos e
sucessivos tratados e instrumentos de proteção, nos planos
global e regional, e a Constituições e legislações
nacionais, e se reafirmaram em duas Conferências Mundiais de
Direitos Humanos (Teerã, 1968, e Viena, 1993). Para todos os
que atuamos no campo da proteção internacional dos direitos
humanos, 1998 é, pois, um ano particularmente significativo:
marca o cinqüentenário das Declarações Universal e Americana
dos Direitos Humanos, assim como da Convenção para a
Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Marca o
cinqüentenário de um movimento universal irreversível de
resgate do ser humano como sujeito do Direito Internacional dos
Direitos Humanos, dotado de plena capacidade jurídica
internacional.
No momento em que a comunidade
internacional começa a mobilizar-se para as justas
comemorações deste cinqüentenário , é alentador verificar
que nosso país se alia prontamente a estas iniciativas. Há
cerca de trinta anos publicávamos nossa primeira monografia
sobre o tema , que desde então se incorporou inelutavelmente ao
cotidiano de nossa vida. É, pois, com grande satisfação que
comparecemos ao Congresso Nacional de nosso país, para, na
abertura deste Encontro Preparatório do Cinqüentenário da
Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração
Americana sobre Direitos e Deveres do Homem (Brasília, 03 de
dezembro de 1997), prestarmos nosso testemunho do que entendemos
constituir o legado da Declaração Universal dos Direitos
Humanos e de como vislumbramos o futuro da proteção
internacional dos direitos humanos neste final de século.
Em nosso estudo, examinaremos, de
início, o processo preparatório, a adoção e a significação
da Declaração Universal de 1948, sua projeção no Direito
Internacional e no direito interno dos Estados, assim como nas
duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos. A seguir,
concentrar-nos-emos no amplo alcance das obrigações
convencionais internacionais em matéria de proteção dos
direitos humanos. Não há como negar que, a par dos avanços
logrados neste domínio ao longo das cinco últimas décadas,
surgem, não obstante, novos obstáculos e desafios,
materializados sobretudo na marginalização e exclusão sociais
de segmentos crescentes da população, na diversificação de
fontes de violações de direitos humanos e na impunidade de
seus perpetradores. Impõe-se, assim, um entendimento mais claro
do amplo alcance das obrigações convencionais de proteção,
que vinculam não só os governos mas os próprios Estados
(todos seus poderes, órgãos e agentes), e se aplicam em todas
as circunstâncias (inclusive nos estados de emergência).
Buscaremos, enfim, identificar,
à luz do legado da Declaração Universal de 1948, os rumos da
proteção internacional dos direitos humanos neste limiar do
novo século. Impõem-se, como veremos, tanto a adoção e o
aperfeiçoamento de medidas nacionais de implementação dos
instrumentos internacionais de proteção, como a adoção de
mecanismos internacionais de prevenção e seguimento
(monitoramento contínuo). É nosso entendimento, subjacente a
todo este estudo, que, no longo caminho que resta a percorrer,
somente à luz de uma visão necessariamente integral de todos
os direitos humanos lograremos continuar a avançar com
eficácia na obra de construção de uma cultura universal de
observância dos direitos inerentes ao ser humano. Passemos,
pois, ao exame dos primeiros cinqüenta anos desta grande obra.
II. Processo Preparatório,
Adoção e Significação da Declaração Universal de 1948.
O processo de generalização da
proteção do direitos humanos desencadeouse no plano
internacional a partir da adoção em 1948 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Era preocupação corrente, na
época, a restauração do direito internacional em que viesse a
ser reconhecida a capacidade processual dos indivíduos e grupos
sociais no plano internacional . Para isto contribuíram de modo
decisivo as duras lições legadas pelo holocausto da segunda
guerra mundial. Já não se tratava de proteger indivíduos sob
certas condições ou em situações circunscritas como no
passado (e.g., proteção de minorias, de habitantes de
territórios sob mandato, de trabalhadores sob as primeiras
convenções da Organização Internacional do Trabalho - OIT),
mas doravante de proteger o ser humano como tal.
Subjacentes aos esforços e
iniciativas desencadeados a partir da elaboração e adoção da
Declaração Universal dos Direitos Humanos estavam as premissas
básicas de que os direitos proclamados eram claramente
concebidos como inerentes à pessoa humana, a todos os seres
humanos (e portanto anteriores a toda e qualquer forma de
organização política ou social), e de que a ação de
proteção de tais direitos não se esgotava - não poderia se
esgotar - na ação do Estado. Precisamente quando as vias
internas ou nacionais se mostrassem incapazes de assegurar a
salvaguarda desses direitos é que se haveria de acionar os
instrumentos internacionais de proteção.
O ponto de partida para o exame
da evolução da matéria nas cinco últimas décadas reside nos
trabalhos preparatórios e adoção da Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Resultou esta última de uma série de
decisões tomadas no biênio 1947-1948, a partir da primeira
sessão regular da Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas em fevereiro de 1947. Naquele momento já se dispunha de
propostas a respeito, enviadas à Assembléia Geral das Nações
Unidas no trimestre de outubro a dezembro de 1946.
Para um instrumento internacional
que passaria a assumir importância transcendental, como
universalmente reconhecido em nossos dias, os travaux
préparatoires da Declaração Universal de 1948
desenvolveram-se em um período de tempo relativamente curto, em
um dos poucos lampejos de lucidez no decorrer deste século. Ao
labor da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e de
seu Grupo de Trabalho (maio de 1947 a junho de 1948), - com as
consultas paralelas realizadas pela UNESCO em 1947 2., -
seguiram-se os debates da III Comissão da Assembléia Geral das
Nações Unidas (setembro de 1948) 4.. O texto daí resultante e
aprovado foi enfim adotado na forma da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembléia Geral das
Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948: dos então 58 Estados
membros da ONU, 48 votaram a favor, nenhum contra, 8 se
abstiveram e 2 encontravam-se ausentes na ocasião.
O projeto original de uma
Declaração internacional sobre a matéria evoluíra rumo a um
projeto de Declaração Universal; a busca da universalidade -
com base na própria diversidade cultural - depreendia-se com
clareza, e.g., das referidas consultas realizadas pela UNESCO
(1947) como contribuição ao processo preparatório. O plano
geral era de uma Carta Internacional de Direitos Humanos, do
qual a Declaração seria apenas a primeira parte, a ser
complementada por uma Convenção ou Convenções -
posteriormente denominadas Pactos - e medidas de
implementação. Estas últimas não constavam, pois, da
Declaração Universal 2., que, no entanto, significativamente
incluiu tanto os direitos civis e políticos (artigos 2-21)
quanto os direitos econômicos, sociais e culturais (artigos
22-28).
p>Cabe recordar que a Declaração
Universal, de dezembro de 1948, foi precedida em meses pela
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (de abril
de 1948). Uma e outra proclamaram, a par dos direitos
consagrados, os deveres correspondentes. Embora não tão
ordenada como a Declaração Universal, a Declaração Americana
permite um paralelo com aquela . Uma significativa
contribuição da Declaração Americana à Universal consistiu
na formulação original -de origem latino-americana - do
direito a um recurso eficaz ante os tribunais nacionais,
transplantada da primeira (artigo XVIII) à segunda (artigo 8) .
Com efeito, a inserção daquela garantia na Declaração
Americana ocorreu quando, paralelamente, a Comissão de Direitos
Humanos das Nações Unidas e seu Grupo de Trabalho ainda
preparavam o Projeto de Declaração Universal; sua inserção
foi confirmada nos debates subseqüentes (de 1948) da III
Comissão da Assembléia Geral das Nações Unidas . Tal
disposição _epresenta, como amplamente reconhecido na
atualidade, um dos pilares básicos do próprio Estado de
Direito em uma sociedade democrática.
Em perspectiva histórica, é
altamente significativo que a Declaração Universal de 1948
tenha propugnado uma concepção necessariamente integral ou
holística de todos os direitos humanos. Transcendendo as
divisões ideológicas do mundo de seu próprio tempo, situou
assim no mesmo plano todas as "categorias" de direitos
- civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Este
enfoque seria retomado duas décadas depois, na I Conferência
Mundial de Direitos Humanos (1968), e nele se insistiria mais
recentemente na II Conferência Mundial de Direitos Humanos
(1993). Os direitos proclamados compreenderam os de caráter
pessoal, os atinentes às relações do indivíduo com grupos e
o mundo exterior, as liberdades públicas e os direitos
políticos, assim como os direitos econômicos, sociais e
culturais 2..
III. Projeção da Declaração
Universal de 1948 no Direito Internacional e no Direito Interno.
A experiência internacional em
matéria de proteção dos direitos humanos tem revelado, em
diferentes momentos históricos, o consenso quanto à
universalidade dos direitos humanos, mais além das diferenças
quando a concepções doutrinárias e ideológicas e
particularidades culturais. Foi, assim, possível, alcançar uma
Declaração Universal no mundo profundamente dividido do
pós-guerra; foi igualmente possível, em plena guerra-fria,
adotar os dois Pactos de Direitos Humanos em votação à qual
concorreram países tanto ocidentais quanto socialistas, com
regimes sócio-econômicos antagônicos , sem falar no chamado
terceiro mundo. Em meio a tantos antagonismos da época, foi
possível afirmar a indivisibilidade de todos os direitos
humanos.
A universalidade dos direitos
humanos, proclamada pela Declaração de 1948, veio a ecoar nas
duas Conferências Mundiais sobre a matéria (Teerã, 1968, e
Viena 1993). Os países emancipados no processo da
descolonização prontamente estenderam sua contribuição à
evolução da proteção dos direitos humanos, premidos pelos
problemas comuns da pobreza extrema, das enfermidades, das
condições desumanas de vida, do apartheid, racismo e
discriminação racial. O enfrentamento de tais problemas
propiciou uma maior aproximação entre as diferentes
concepções dos direitos humanos à luz de uma visão
universal, refletida no aumento do número de ratificações dos
instrumentos globais e na busca de maior eficácia dos
mecanismos e procedimentos de proteção, assim como na adoção
de novos tratados de proteção nos planos global e regional,
tidos como essencialmente complementares , e atendendo a novas
necessidades de proteção do ser humano.
O tempo relativamente curto com
que se elaborou e adotou a Declaração Universal (supra) veio a
contrastar com os prolongados trabalhos preparatórios dos dois
Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas, que, juntamente
com a Declaração Universal, conformariam a chamada Carta
International dos Direitos Humanos. Nos prolongados travaux
préparatoires dos dois Pactos (e Protocolo Facultativo) fêz-se
constantemente presente a consideração cuidadosa das medidas
de implementação. Podem-se, com efeito, destacar quatro fases
naqueles trabalhos, que se estenderam de 1947 a 1966: na
primeira, de 1947 a 1950, a Comissão de Direitos Humanos das
Nações Unidas trabalhou praticamente só, sem assistência
direta do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) ou da
Assembléia Geral das Nações Unidas. De 1950 a 1954 os três
órgãos atuaram conjuntamente, dividindo-se o período em 1951
com a importante decisão de ter dois Pactos ao invés de um . O
quarto e último período estendeu-se de 1954, data da
conclusão pela Comissão de Direitos Humanos do projeto dos
dois Pactos, até 1966, data de sua adoção (em que os
trabalhos foram desenvolvidos pela própria Assembléia Geral e
sua III Comissão).
A idéia inicial (debates de 1950
da Comissão de Direitos Humanos) era incluir em um único Pacto
os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais,
dotados - para sua implementação - dos sistemas de relatórios
e petições (este último em Protocolo separado). Diferenças
quanto aos métodos de implementação de "distintas
categorias" de direitos levaram à opção do projeto de
dois Pactos distintos, como uma solução de conciliação
(apregoada por René Cassin) entre a tese de um Pacto único e a
de Pactos sucessivos , reservado o sistema de petições ou
reclamações apenas aos direitos civis e políticos (e
incorporado em um Protocolo Facultativo) .
A contribuição da Comissão de
Direitos Humanos não deve passar despercebida: apesar das
diferenças (tanto em seu seio como no do ECOSOC e da
Assembléia Geral) decorrentes dos conflitos ideológicos
próprios do período da guerra fria e também marcados pelo
processo incipiente de descolonização, conseguiu estabelecer
as bases dos dois Pactos de Direitos Humanos , a serem retomadas
e elaboradas -de 1954 a 1966 - pela Assembléia Geral e sua III
Comissão. Em 16 de dezembro de 1966 a Assembléia Geral adotou
e abriu à assinatura, ratificação e adesão o Pacto de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (por 105 votos a
zero), o Pacto de Direitos Civis e Políticos (por 106 votos a
zero) e o Protocolo Facultativo desse último (por 66 votos a 2,
com 38 abstenções) . Com a adoção desses tratados gerais,
somados à Declaração Universal de 1948, estava enfim
completada a Carta Internacional dos Direitos Humanos.
Ao longo dos anos passariam a coexistir inúmeros instrumentos
internacionais de proteção, de origens, natureza e efeitos
jurídicos distintos ou variáveis (baseados em tratados e
resoluções), de diferentes âmbitos de aplicação (nos planos
global e regional), distintos também quanto aos seus
destinatários ou beneficiários (tratados ou instrumentos
gerais, e setoriais), e quanto a seu exercício de funções e a
seus mecanismos de controle e supervisão (essencialmente, os
métodos de petições ou denúncias, de relatórios, e de
investigações). Formou-se, assim, gradualmente, um complexo
corpus juris, em que, no entanto, a unidade conceitual dos
direitos humanos veio a transcender tais diferenças, inclusive
quanto às distintas formulações de direitos nos diversos
instrumentos.
A multiplicidade desses
instrumentos, adotados ao longo dos anos como respostas às
necessidades de proteção, e dotados de base convencional ou
extra-convencional, afigurou-se antes como um reflexo do modo
com que se desenvolveu o processo histórico da generalização
da proteção internacional dos direitos da pessoa humana, no
cenário de uma sociedade internacional descentralizada em que
deviam operar. Ante a fragmentação histórica do jus gentium
no jus inter gentes contemporâneo , as consequências de uma
centralização ou hierarquização dos instrumentos de
proteção não puderam, como ocorre ainda hoje, ser previstas,
antecipadas ou propriamente avaliadas. Não obstante, a
multiplicidade de instrumentos internacionais de proteção
forma um todo harmônico, e a unidade conceitual dos direitos
humanos, todos inerentes à pessoa humana, veio a transcender as
formulações distintas dos direitos consagrados em diversos
instrumentos.
A Declaração Universal de 1948
abriu efetivamente caminho à adoção de sucessivos tratados e
instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos,
a operarem hoje em base regular e permanente, nos planos global
e regional . Em nada surpreende que a Declaração Universal
viesse logo a ser tida como uma interpretação autêntica e
elaboração da própria Carta das Nações Unidas (no tocante
em particular a suas disposições sobre direitos humanos),
dando assim conteúdo a algumas de suas normas. A autoridade da
Declaração de 1948, nesse sentido, fortaleceu-se, ao ser
reconhecida como refletindo normas do direito internacional
consuetudinário; seus princípios passaram a ser vistos como
correspondendo a princípios gerais do direito .
A este fenômeno da diversidade
de meios e identidade de propósito há que agregar a gradual
superação de objeções clássicas como a da pretensa
competência nacional exclusiva ou domínio reservado dos
Estados , e a concomitante asserção da capacidade de agir dos
órgãos de supervisão internacionais. De importância capital
foi o papel exercido pelo processo dinâmico de interpretação
na evolução da proteção internacional dos direitos humanos.
A construção jurisprudencial de distintos órgãos de
supervisão veio a mostrar-se, com efeito, convergente, ao
enfatizar o caráter objetivo das obrigações e a necessidade
de realização do objeto e propósito dos tratados ou
convenções em questão. A interação dos instrumentos de
proteção estendeu-se também ao plano hermenêutico, dada sua
identidade básica de propósito .
Este fenômeno veio a revelar a
complementaridade dos instrumentos globais e regionais de
proteção, reforçando-se mutuamente, e acarretando a extensão
ou ampliação da proteção devida às supostas vítimas.
Descartou-se, desse modo, qualquer pretenso antagonismo entre
soluções nos planos global e regional , fazendo-se uso do
Direito Internacional, no presente domínio, para ampliar,
aprimorar e fortalecer a proteção dos direitos reconhecidos .
A complementaridade dos instrumentos de direitos humanos nos
planos global e regional veio a refletir em última análise a
especificidade e a autonomia do Direito Internacional dos
Direitos Humanos.
As indicações nesse sentido
são inequívocas. Os instrumentos de direitos humanos nos
planos global e regional têm encontrado uma fonte comum de
inspiração na Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, à qual se referem expressamente em seus preâmbulos. Em
nada surpreende encontrar a liberdade de escolha (pelo
indivíduo reclamante) do procedimento internacional -
consagrada nos próprios instrumentos internacionais, - a ser
acionado seja no plano global ou regional , - o que pode reduzir
ou minimizar a possibilidade de conflito em nível
internacional. Os instrumentos internacionais de proteção dos
direitos humanos passaram a mostrar-se, assim, essencialmente
complementares uns aos outros, nos planos global e regional. O
foco de atenção voltou-se, da ênfase tradicional na
delimitação clássica de competências, à garantia de uma
proteção cada vez mais eficaz dos direitos humanos. E não
poderia ser de outra forma, em um domínio de proteção em que
primam interesses comuns superiores, considerações de ordre
public e a noção de garantia coletiva.
A operação, nesse sentido, de
múltiplos instrumentos de proteção, fêz com que se
cristalizasse em definitivo o ideal comum de todos os povos (a
"meta a alcançar", o "standard of
achievement"), consubstanciado na Carta Internacional dos
Direitos Humanos (a Declaração Universal de 1948 e os dois
Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1966)
complementada ao longo dos anos por dezenas de outros tratados
"setoriais" de proteção e de convenções regionais,
e consagrado ademais nas Constituições nacionais de numerosos
países. Reconhecido como um ideal comum este conjunto de
valores e preceitos básicos, consubstanciado em um conjunto de
normas jurídicas, o próximo passo consistiu na consagração
de um núcleo básico de direitos inderrogáveis, presentes nos
distintos tratados de direitos humanos, de reconhecimento
universal .
Passou a manifestar-se um
consenso da virtual totalidade dos Estados do mundo no sentido
de fazer figurar, dentre as violações mais graves dos direitos
humanos, o genocídio, o apartheid e a discriminação racial, a
prática de tortura e a de desaparições forçadas de pessoas,
- o que implicava um acordo de princípio quanto a certos
direitos básicos e inderrogáveis, a serem gradualmente
ampliados . Passou-se a associar a proibição absoluta de tais
violações graves dos direitos humanos com a emergência e
consolidação do jus cogens no Direito Internacional
contemporâneo . Tratava-se de claras indicações de um novo
ethos, da fixação de parâmetros de conduta em torno de
valores básicos universais, a ser observados e seguidos por
todos os Estados e povos, tendo presente a nova dimensão dos
direitos humanos, a permear todas as áreas da atividade humana.
Referências à Declaração
Universal de 1948 passaram a figurar na jurisprudência dos
tribunais internacionais, inclusive da Corte Internacional de
Justiça . Juntamente com as disposições sobre direitos
humanos da Carta das Nações Unidas e de sucessivos tratados e
instrumentos internacionais de proteção, a Declaração de
1948 veio a servir de base à ação internacional na
salvaguarda dos direitos humanos. Os tratados e instrumentos
internacionais de direitos humanos vieram a mostrar-se dotados,
no plano substantivo, de fundamentos e princípios básicos
próprios, assim como de um conjunto de normas a requererem uma
interpretação e aplicação de modo a lograr a realização do
objeto e propósito dos instrumentos de proteção. E, no plano
operacional, passaram a contar com uma série de mecanismos
próprios de supervisão. Este corpus juris em expansão veio
enfim a configurar-se, ao final de cinco décadas, como uma nova
disciplina da ciência jurídica contemporânea, dotada de
autonomia, o Direito Internacional dos Direitos Humanos .
Ademais, a Declaração Universal
também se projetou no direito interno dos Estados. Suas normas
encontraram expressão nas Constituições nacionais de
numerosos Estados, e serviram de modelo a disposições das
legislações nacionais visando a proteção dos direitos
humanos. A Declaração Universal passou a ser invocada ante os
tribunais nacionais de numerosos países de modo a interpretar o
direito convencional ou interno atinente aos direitos humanos e
a obter decisões 2.. A Declaração Universal, em suma, tem
assim contribuído decisivamente para a incidência da dimensão
dos direitos humanos no direito tanto internacional como
interno. Os direitos humanos fazem abstração da
compartimentalização tradicional entre os ordenamentos
jurídicos internacional e interno; no presente domínio de
proteção, o direito internacional e o direito interno
encontram-se em constante interação, em benefício de todos os
seres humanos.
Longe de operarem de modo
estanque ou compartimentalizado, o Direito Internacional e o
direito interno passaram efetivamente a interagir, por força
das disposições de tratados de direitos humanos atribuindo
expressamente funções de proteção aos órgãos do Estado,
assim como da abertura do Direito Constitucional contemporâneo
aos direitos humanos internacionalmente consagrados.
Descartou-se, assim, no plano vertical, o velho debate acerca da
primazia das normas do Direito Internacional ou do direito
interno, por se mostrarem estes em constante interação no
presente domínio de proteção. Desvencilhando-se das amarras
da doutrina clássica, o primado passou a ser da norma - de
origem internacional ou interna - que melhor protegesse os
direitos humanos, da norma mais favorável às supostas vítimas
.
É reconhecido o impacto da
Declaração Universal nas Constituições, legislações e
jurisprudências nacionais, assim como em tratados ou
convenções e outras resoluções subseqüentes das Nações
Unidas. Tal impacto se tornou ainda mais considerável e
notório em razão do lapso de tempo prolongado - dezoito anos -
entre a adoção da Declaração e a dos dois Pactos (e
Protocolo Facultativo) em 1966, - o que levou à formação do
entendimento de que alguns dos princípios da Declaração
Universal se impõem como parte do direito internacional
consuetudinário . Hoje, decorridos cinqüenta anos desde sua
adoção, a Declaração Universal retém sua importância aos
esforços correntes para tornar os direitos humanos a linguagem
comum da humanidade.
No decorrer de cinco décadas de
extraordinária projeção histórica, a Declaração Universal
adquiriu uma autoridade que seus redatores jamais teriam
imaginado ou antecipado. Isto ocorreu não em razão das pessoas
que participaram de sua elaboração, ou da forma que lhe foi
dada, ou das circunstâncias de sua adoção: isto ocorreu
porque gerações sucessivas de seres humanos, de culturas
distintas e em todo o mundo, nela reconheceram a "meta
comum a alcançar" ("common standard of
achievement", tal como originalmente proclamada) que
correspondia a suas mais profundas e legítimas aspirações. A
comunidade internacional como um todo deu-lhe a dimensão que
hoje tem 2.. Já uma década depois de sua adoção, esta
evolução levou um de seus redatores a exclamar, um tanto
surpreso, que "algo mudou no mundo depois de proclamada a
Declaração Universal" 4..
IV. A Declaração Universal de
1948 e as Duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos.
No transcurso do ano do vigésimo
aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, realizou-se a I Conferência Mundial de Direitos Humanos
das Nações Unidas (Teerã, 22 de abril a 13 de maio de 1968),
que adotou a célebre Proclamação de Teerã, -uma avaliação
das duas primeiras décadas de experiência da proteção
internacional dos direitos humanos na era das Nações Unidas, -
além de 29 resoluções sobre questões diversas . Reconhece-se
hoje que a grande contribuição daquela Conferência Mundial
tenha consistido no tratamento e reavaliação globais da
matéria 3., o que propiciou o reconhecimento e asserção,
endossados por resoluções subseqüentes da Assembléia Geral
das Nações Unidas, da interrelação ou indivisibilidade de
todos os direitos humanos 5.. Tal tratamento resgatou um dos
fundamentos da própria Declaração Universal de 1948.
A par das resoluções adotadas
pela Conferência de Teerã, foi, no entanto, a Proclamação de
Teerã sobre Direitos Humanos, adotada pelo plenário da I
Conferência Mundial de Direitos Humanos em 13 de maio de 1968,
a que melhor expressão deu a esta nova visão da matéria,
constituindo-se em um relevante marco na evolução doutrinária
da proteção internacional dos direitos humanos. A referida
Proclamação de Teerã, ao voltar-se a todos os pontos
debatidos na Conferência e consignados nas resoluções
adotadas, advertiu, por exemplo, para as "denegações
maciças dos direitos humanos", que colocavam em risco os
"fundamentos da liberdade, justiça e paz no mundo",
assim como para a "brecha crescente" entre os países
economicamente desenvolvidos e os países em desenvolvimento,
que impedia a realização dos direitos humanos na
"comunidade internacional" 2..
Ponderou a Proclamação de
Teerã que, muito embora as descobertas científicas e os
avanços tecnológicos recentes tivessem aberto amplas
perspectivas de progresso econômico, social e cultural, tais
desenvolvimentos podiam no entanto por em risco os direitos e
liberdades dos seres humanos, requerendo assim atenção
contínua (parágafo 18). Mais do que qualquer outra passagem da
Proclamação de Teerã, foi o seu parágrafo 13 o que melhor
resumiu a nova visão da temática dos direitos humanos, ao
dispor: - "Uma vez que os direitos humanos e as liberdades
fundamentais são indivisíveis, a realização plena dos
direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos,
sociais e culturais, é impossível" .
Esta asserção de uma nova
visão, global e integrada, de todos os direitos humanos, -
propugnada pela Declaração Universal de 1948 mas minimizada no
transcorrer dos trabalhos preparatórios dos dois Pactos de
Direitos Humanos, - constitui a nosso ver a grande
contribuição da I Conferência Mundial de Direitos Humanos
para os desenvolvimentos subseqüentes da matéria. A partir de
então, estava o campo efetivamente aberto para a consagração
da tese da interrelação ou indivisibilidade dos direitos
humanos, retomada pela célebre resolução 32/l30 de 1977 da
Assembléia Geral das Nações Unidas e endossada pelas
subsequentes resoluções 39/145, de 1984, e 41/117, de 1986, da
mesma Assembléia Geral, - tese esta que desfruta hoje de
aceitação virtualmente universal.
Assim como a Proclamação de Teerã contribuiu sobretudo com a
visão global da indivisibilidade e interrelação de todos os
direitos humanos, a Declaração e Programa de Ação de Viena
adotada pela II Conferência Mundial de Direitos Humanos das
Nações Unidas em 25 de junho de 1993 poderá também
contribuir ao mesmo propósito se sua aplicação se concentrar
em nossos dias nos meios de assegurar tal indivisibilidade na
prática, com atenção especial às pessoas discriminadas ou
desfavorecidas, aos grupos vulneráveis, aos pobres e aos
socialmente excluídos, em suma, aos mais necessitados de
proteção. O "espírito de nossa época", a que se
referiu o preâmbulo da Declaração e Programa de Ação de
Viena, se caracteriza sobretudo pela busca de soluções globais
a problemas que afetam a todos os seres humanos, pela
aspiração comum a valores superiores .
Assim como a I Conferência
Mundial, de Teerã, contribuiu para clarificar as bases para
desenvolvimentos subseqüentes de operação dos mecanismos de
proteção, a II Conferência Mundial, de Viena, buscou dar um
passo adiante ao concentrar os esforços, por um lado, no
fomento da criação da necessária infraestrutura nacional, no
fortalecimento das instituições nacionais para a vigência dos
direitos humanos; e, por outro, na mobilização de todos os
setores das Nações Unidas em prol da promoção dos direitos
humanos assim como no incremento de maior complementaridade
entre os mecanismos globais e regionais de proteção. As
implicações para as Nações Unidas eram claras, a começar
pela incorporação da dimensão dos direitos humanos em todas
as suas atividades e programas , em decorrência da
constatação de que os direitos humanos permeiam todas as
áreas da atividade humana.
Já não mais se podia, tampouco,
professar o universalismo no plano tão somente conceitual ou
normativo e continuar aplicando ou praticando a seletividade no
plano operacional. Já não mais podia haver dúvida de que os
direitos humanos se impõem e obrigam os Estados, e, em igual
medida, os organismos internacionais e as entidades ou grupos
detentores do poder econômico, particularmente aqueles cujas
decisões repercutem no quotidiano da vida de milhões de seres
humanos. Os direitos humanos, em razão de sua universalidade
nos planos tanto normativo quanto operacional, acarretam
obrigações erga omnes. Foi esta uma das grandes lições que
se pôde extrair da Conferência Mundial de Viena .
No tocante aos Estados, o
principal documento resultante da Conferência de Viena de 1993
cuidou de a eles determinar o provimento de recursos internos
capazes de reparar violações de direitos humanos, assim como o
fortalecimento de sua estrutura de administração da justiça
à luz dos padrões consagrados nos instrumentos internacionais
de direitos humanos. É significativo que a Declaração e
Programa de Ação de Viena tivesse ademais reclamado um maior
fortalecimento na interrelação entre democracia,
desenvolvimento e direitos humanos em todo o mundo.
Ademais, endossou com firmeza os
termos da Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao
Desenvolvimento de 1986, contribuindo, assim, decisivamente,
para dissipar dúvidas porventura persistentes a respeito, e
inserir o direito ao desenvolvimento definitivamente no universo
conceitual do Direito Internacional dos Direitos Humanos .
Passando do geral ao particular, a Declaração e Programa de
Ação de Viena dirigiu-se aos direitos humanos de pessoas em
determinada condição ou situação . É também significativo
que suas seções sobre os direitos humanos da mulher e da
criança tivessem sido adotadas sem dificuldades.
A parte operativa II, a mais
pormenorizada do principal documento da Conferência de Viena,
correspondente ao Programa de Ação, dedicou-se à necessidade
de maior coordenação e racionalização no trabalho dos
órgãos de supervisão internacionais dos instrumentos de
direitos humanos das Nações Unidas; ao aperfeiçoamento do
sistema de relatórios; ao maior uso do sistema de petições ou
denúncias sob tratados de direitos humanos; ao fortalecimento
do sistema de seus relatores especiais e grupos de trabalho; ao
uso de indicadores adequados para medir o grau de realização
dos direitos econômicos, sociais e culturais; e ao
desenvolvimento de mecanismos de prevenção e de seguimento (em
relação aos sistemas de petições e de relatórios). Por meio
de tais mecanismos se haveria de fortalecer os instrumentos
existentes de proteção, de modo a assegurar um monitoramento
contínuo dos direitos humanos em todo o mundo (cf. infra).
Previu o Programa de Ação,
enfim, o estabelecimento de um Alto-Comissariado das Nações
Unidas para os Direitos Humanos (o que se concretizou poucos
meses depois), e insistiu no objetivo da "ratificação
universal" - e sem reservas - dos tratados de direitos
humanos das Nações Unidas. A Declaração e Programa de Ação
de Viena não descuidou de recomendar a adoção e ampliação
da educação - formal e não-formal - em direitos humanos lato
sensu em todos os níveis, de modo a despertar a consciência e
fortalecer o compromisso universal com a causa dos direitos
humanos.
A Conferência Mundial de Viena
afirmou, com efeito, de modo inequívoco, a legitimidade da
preocupação de toda a comunidade internacional com a
promoção e proteção dos direitos humanos por todos e em toda
parte . Na rota de Teerã a Viena, tendo presente o legado da
Declaração Universal de 1948, foi este sem dúvida um passo
adiante, que haverá de contribuir em muito para a
conscientização das amplas dimensões temporal (inclusive
preventiva) e espacial (global) da proteção dos direitos
humanos.
Muito significativamente, a universalidade dos direitos humanos
resultou fortalecida da I Conferência Mundial de 1968 sobre a
matéria, sendo, 25 anos depois, reafirmada na II Conferência
Mundial. Há, ademais, que ter presente que, já em 1948, a
Declaração Universal, além de proclamar direitos, conclamou
à transformação da ordem social e internacional de modo a
assegurar o gozo dos direitos proclamados na prática . Na
projeção histórica do legado da Declaração Universal, as
duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos, - a de Teerã
(1968) e a de Viena (1993), - na verdade, fazem parte de um
processo prolongado de construção de uma cultura universal de
observância dos direitos humanos.
V. O Amplo Alcance das
Obrigações Convencionais Internacionais em Matéria de
Proteção dos Direitos Humanos.
A despeito dos sensíveis
avanços logrados no presente domínio de proteção nos
últimos anos, ainda resta um longo caminho a percorrer. Na
maioria dos países que têm ratificado os tratados de direitos
humanos, até o presente lamentavelmente ainda não parece haver
se formado uma consciência da natureza e amplo alcance das
obrigações convencionais contraídas em matéria de proteção
dos direitos humanos. Urge que um claro entendimento destas
últimas se difunda, a começar pelas autoridades públicas.
Assim, ao ratificarem os tratados
de direitos humanos os Estados Partes contraem, a par das
obrigações convencionais atinentes a cada um dos direitos
protegidos, também obrigações gerais da maior importância,
consignadas naqueles tratados. Uma delas é a de respeitar e
assegurar o respeito dos direitos protegidos - o que requer
medidas positivas por parte dos Estados, - e outra é a de
adequar o ordenamento jurídico interno à normativa
internacional de proteção. Esta última requer que se adote a
legislação necessária para dar efetividade às normas
convencionais de proteção, suprindo eventuais lacunas no
direito interno, ou então que se alterem disposições legais
nacionais com o propósito de harmonizá-las com as normas
convencionais de proteção, - tal como requerido pelos tratados
de direitos humanos. Estas obrigações gerais, a serem
devidamente cumpridas, implicam naturalmente o concurso de todos
os poderes do Estado, de todos os seus órgãos e agentes .
Como ressaltamos em obra recente, "as obrigações
convencionais de proteção vinculam os Estados Partes, e não
só seus Governos. Ao Poder Executivo incumbe tomar todas as
medidas - administrativas e outras - a seu alcance para dar fiel
cumprimento àquelas obrigações. A responsabilidade
internacional pelas violações dos direitos humanos sobrevive
aos Governos, e se transfere a Governos sucessivos, precisamente
por se tratar de responsabilidade do Estado. Ao Poder
Legislativo incumbe tomar todas as medidas dentro de seu âmbito
de competência, seja para regulamentar os tratados de direitos
humanos de modo a dar-lhes eficácia no plano do direito
interno, seja para harmonizar este último com o disposto
naqueles tratados. E ao Poder Judiciário incumbe aplicar
efetivamente as normas de tais tratados no plano do direito
interno, e assegurar que sejam respeitadas. Isto significa que o
Judiciário nacional tem o dever de prover recursos internos
eficazes contra violações tanto dos direitos consignados na
Constituição como dos direitos consagrados nos tratados de
direitos humanos que vinculam o país em questão, ainda mais
quando a própria Constituição nacional assim expressamente o
determina. O descumprimento das normas convencionais engaja de
imediato a responsabilidade internacional do Estado, por ato ou
omissão, seja do Poder Executivo, seja do Legislativo, seja do
Judiciário" .
Diversas Constituições
nacionais contemporâneas, referindo-se expressamente aos
tratados de direitos humanos, concedem um tratamento especial ou
diferenciado também no plano do direito interno aos direitos
humanos internacionalmente consagrados. A Constituição
Brasileira vigente não faz exceção a esta nova e alentadora
tendência do constitucionalismo hodierno. Com efeito, o artigo
5(2) da Constituição Federal de 1988 determina que "os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja Parte" .
Por meio deste dispositivo
constitucional, os direitos humanos consagrados em tratados de
direitos humanos em que o Brasil seja Parte incorporam-se ipso
facto ao direito interno brasileiro, no âmbito do qual passam a
ter "aplicação imediata" (artigo 5(1)), da mesma
forma e no mesmo nível que os direitos constitucionalmente
consagrados. A intangibilidade dos direitos e garantias
individuais é determinada pela própria Constituição Federal,
que inclusive proíbe expressamente até mesmo qualquer emenda
tendente a aboli-los (artigo 60(4)(IV)). A especificidade e o
caráter especial dos tratados de direitos humanos encontram-se,
assim, devidamente reconhecidos pela Constituição Brasileira
vigente.
Se, para os tratados
internacionais em geral, tem-se exigido a intermediação pelo
Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a
suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do
ordenamento jurídico interno, distintamente, no tocante aos
tratados de direitos humanos em que o Brasil é Parte, os
direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante os
artigos 5(2) e 5(1) da Constituição Brasileira de 1988, a
integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e
direta e imediatamente exigíveis no plano de nosso ordenamento
jurídico interno. Por conseguinte, mostra-se inteiramente
infundada, no tocante em particular aos tratados de direitos
humanos, a tese clássica - ainda seguida em nossa prática
constitucional - da paridade entre os tratados internacionais e
a legislação infraconstitucional.
Se houvesse uma clara
compreensão em nosso país, assim como em tantos outros, do
amplo alcance das obrigações convencionais internacionais em
matéria de proteção dos direitos humanos, muitas dúvidas e
incertezas que parecem circundar o atual debate nacional sobre a
matéria já teriam sido esclarecidas e superadas. O artigo 5(2)
da Constituição Brasileira vigente, que abre um campo amplo e
fértil para avanços nesta área, parece ainda esquecido dos
agentes do poder público, mormente do Poder Judiciário. Se
maiores avanços não se têm logrado até o presente neste
domínio de proteção, não tem sido em razão de obstáculos
jurídicos, - que na verdade não existem, - mas antes da falta
de vontade do poder público de promover e assegurar a
proteção dos mais fracos e vulneráveis. Tal vontade, a seu
turno, só se manifesta com vigor no seio de sociedades
nacionais imbuídas de um forte sentimento de solidariedade
humana, sem o que pouco logra avançar o Direito.
Os tratados de proteção dos
direitos humanos, distintamente dos demais tratados que se
mostram eivados de concessões mútuas pela reciprocidade,
inspiram-se em considerações de ordem superior, de ordre
public. Ao criarem obrigações para os Estados vis-à-vis os
seres humanos sob sua jurisdição, suas normas aplicam-se não
só na ação conjunta (exercício de garantia coletiva) dos
Estados Partes na realização do propósito comum de
proteção, mas também e sobretudo no âmbito do ordenamento
interno de cada um deles, nas relações entre o poder público
e os indivíduos.
Os próprios tratados de direitos
humanos indicam vias de compatibilização dos dispositivos
convencionais e dos de direito interno, de modo a prevenir
conflitos entre as jurisdições internacional e nacional no
presente domínio de proteção; impõem aos Estados Partes o
dever de provimento de recursos de direito interno eficazes, e
por vezes o compromisso de desenvolvimento das
"possibilidades de recurso judicial"; prevêem a
adoção pelos Estados Partes de medidas legislativas,
judiciais, administrativas ou outras, para a realização de seu
objeto e propósito. Em suma, contam com o concurso dos órgãos
e procedimentos do direito público interno. Há, assim, uma
interpenetração entre as jurisdições internacional e
nacional no âmbito de proteção do ser humano. Em nada
surpreende, por exemplo, nos últimos anos, a crescente
jurisprudência internacional dos órgãos de supervisão
internacionais voltada à intangibilidade das garantias
judiciais e ao princípio da legalidade em um Estado
democrático.
À luz do que precede, resulta
claro que a tese da paridade entre os tratados internacionais e
a legislação infraconstitucional padece de incongruências
irremediáveis e mostra-se inaplicável no tocante aos tratados
de direitos humanos. A máxima lex posteriori derogat priori em
nada afeta ou prejudica os tratados de direitos humanos
vigentes; as leis nacionais hão de ser interpretadas de modo a
que não entrem em conflito com a normativa internacional de
proteção, sob pena da configuração da responsabilidade
internacional do país em questão. Pode-se presumir o
cumprimento das obrigações convencionais de proteção por
parte do Poder Legislativo, da mesma forma que dos Poderes
Executivo e Judiciário. Este o sentido da obrigação geral de
adequar o direito interno à normativa internacional de
proteção vigente.
Tal adequação é requerida pela
própria natureza especial dos tratados de direitos humanos. De
sua própria natureza jurídica resulta o primado dos direitos
que consagram, ao que se agregam a necessidade e o imperativo
ético de que os três poderes do Estado assegurem a
aplicabilidade direta das normas internacionais de proteção e
a compatibilidade com estas últimas das leis nacionais. Urge
que se desenvolva em nosso país este novo enfoque da matéria,
e que se promova uma maior aproximação entre os pensamentos
internacionalista e constitucionalista, de modo a assegurar uma
aplicação mais eficaz dos tratados de direitos humanos no
âmbito de nosso direito interno. Com estas ponderações em
mente, passemos às reflexões derradeiras do presente estudo,
dedicadas ao futuro da proteção internacional dos direitos
humanos, tal como o visualizamos neste limiar do novo século.
VI. O Futuro da Proteção
Internacional dos Direitos Humanos.
Ao longo das cinco últimas
décadas testemunhamos o processo histórico de gradual
formação, consolidação, expansão e aperfeiçoamento da
proteção internacional dos direitos humanos, conformando um
direito de proteção dotado de especificidade própria: o
Direito Internacional dos Direitos Humanos. A partir da
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e ao longo
deste meio século, como respostas às necessidades de
proteção têm-se multiplicado os tratados e instrumentos de
direitos humanos. A I Conferência Mundial de Direitos Humanos
(Teerã, 1968) representou, de certo modo, a gradual passagem da
fase legislativa, de elaboração dos primeiros instrumentos
internacionais de direitos humanos (a exemplo dos dois Pactos de
Direitos Humanos das Nações Unidas de 1966), à fase de
implementação de tais instrumentos.
A II Conferência Mundial de
Direitos Humanos (Viena, 1993) procedeu a uma reavaliação
global da aplicação de tais instrumentos e das perspectivas
para o novo século, abrindo campo ao exame do processo de
consolidação e aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção
internacional dos direitos humanos. Decorridos quatro anos desde
a realização desta última Conferência, encontram-se os
órgãos internacionais de proteção dos direitos humanos,
neste final de século, diante de novos dilemas e desafios,
próprios de nossos dias, que relacionaremos a seguir.
Cabe, de início, ter sempre
presente que, nas últimas décadas, graças à atuação
daqueles órgãos, inúmeras vítimas têm sido socorridas. Até
o início dos anos noventa, no plano global (Nações Unidas),
por exemplo, mais de 350 mil denúncias revelando um
"quadro persistente de violações" de direitos
humanos foram enviadas às Nações Unidas (sob o chamado
sistema extraconvencional da resolução 1503 do ECOSOC). Sob o
Pacto de Direitos Civis e Políticos e seu [primeiro] Protocolo
Facultativo, o Comitê de Direitos Humanos, tinha recebido, até
abril de 1995, mais de 630 comunicações, e em 73% dos casos
examinados concluiu que haviam ocorrido violações de direitos
humanos. O Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial tinha examinado (sob a Convenção do
mesmo nome), a seu turno, em suas duas primeiras décadas de
operação, 810 relatórios (periódicos e complementares) dos
Estados Partes. E o Alto-Comissariado das Nações Unidas para
os Refugiados (ACNUR), decorridas quatro décadas de operação
do sistema, cuida hoje de mais de 17 milhões de refugiados em
todo o mundo , a par do número considerável de deslocados
internos nas mais distintas regiões.
No plano regional, por exemplo,
até o início desta década, no continente europeu, a Comissão
Européia de Direitos Humanos tinha decidido cerca de 15 mil
reclamações individuais sob a Convenção Européia de
Direitos Humanos, ao passo que a Corte Européia de Direitos
Humanos totalizava 191 casos submetidos a seu exame, com 91
casos pendentes. No continente americano, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos ultrapassava o total de 10
mil comunicações examinadas, enquanto a Corte Interamericana
de Direitos Humanos, atualmente com 15 pareceres emitidos,
passava a exercer regularmente sua competência contenciosa,
contando hoje com 22 casos contenciosos examinados, alguns dos
quais ainda pendentes.
No continente africano, a
Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos examinava
quase 40 reclamações ou comunicações sob a Carta Africana de
Direitos Humanos e dos Povos , algumas das quais já decididas.
E, em fins de 1997, a Comissão Africana debruçava-se sobre um
Projeto de Protocolo à Carta Africana que prevê o
estabelecimento de uma Corte Africana de Direitos Humanos e dos
Povos . O Conselho da Liga dos Estados Árabes, a seu turno,
adotava, em 15.09.1994, a quarta Convenção regional de
direitos humanos, a Carta Árabe de Direitos Humanos . Assim,
neste final de século, somente os países asiáticos
encontram-se desprovidos de uma Convenção regional de direitos
humanos . Cada sistema regional de direitos humanos vive um
momento histórico distinto, e, em todo caso, os instrumentos
regionais e globais (Nações Unidas) de proteção afiguram-se
como essencialmente complementares.
Graças aos esforços dos
órgãos internacionais de supervisão nos planos global e
regional, logrou-se salvar muitas vidas, reparar muitos dos
danos denunciados e comprovados, por fim a práticas
administrativas violatórias dos direitos garantidos, alterar
medidas legislativas impugnadas, adotar programas educativos e
outras medidas positivas por parte dos governos. Não obstante
todos estes resultados, estes órgãos de supervisão
internacionais defrontam-se hoje com grandes problemas, gerados
em parte pelas modificações do cenário internacional, pela
própria expansão e sofisticação de seu âmbito de atuação,
pelos continuados atentados aos direitos humanos em numerosos
países, pelas novas e múltiplas formas de violação dos
direitos humanos que deles requerem capacidade de readaptação
e maior agilidade, e pela manifesta falta de recursos humanos e
materiais para desempenhar com eficácia seu labor.
Os tratados de direitos humanos
das Nações Unidas têm, com efeito, constituído a espinha
dorsal do sistema universal de proteção dos direitos humanos,
devendo ser abordados não de forma isolada ou
compartimentalizada, mas relacionados uns aos outros. Decorridos
quatro anos desde a realização da II Conferência Mundial de
Direitos Humanos, estamos longe de lograr a chamada
"ratificação universal" das seis "Convenções
centrais" (core Conventions) das Nações Unidas (os dois
Pactos de Direitos Humanos, as Convenções sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação - Racial e contra a
Mulher, - a Convenção contra a Tortura, e a Convenção sobre
os Direitos da Criança), - "ratificação universal"
esta propugnada pela Conferência de Viena para o final de
século que se aproxima e que de certo modo já vivemos.
Ademais, encontram-se estas Convenções crivadas de reservas,
muitas das quais, em nosso entender, manifestamente
incompatíveis com seu objeto e propósito. Urge, com efeito,
proceder a uma ampla revisão do atual sistema de reservas a
tratados multilaterais consagrado nas duas Convenções de Viena
sobre Direito dos Tratados (de 1969 e 1986), - sistema este, a
nosso modo de ver, e como vimos advertindo já há uma década,
inteiramente inadequado aos tratados de direitos humanos .
A despeito da aceitação
virtualmente universal da tese da indivisibilidade dos direitos
humanos, persiste a disparidade entre os métodos de
implementação internacional dos direitos civis e políticos, e
dos direitos econômicos, sociais e culturais. Apesar da
conclamação da Conferência de Viena, o Pacto de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, e a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher, continuam até o presente (fins de 1997) desprovidos de
um sistema de petições ou denúncias internacionais. Os
respectivos Projetos de Protocolo nesse sentido se encontram
virtualmente concluídos, mas ainda aguardam aprovação. Muitos
dos direitos consagrados nestes dois tratados de direitos
humanos são perfeitamente justiciáveis por meio do sistema de
petições individuais, e urge que se ponha um fim à referida
disparidade de procedimentos.
É inadmissível que continuem a
ser negligenciados em nossa parte do mundo, como o têm sido nas
últimas décadas, os direitos econômicos, sociais e culturais.
O descaso com estes últimos é triste reflexo de sociedades
marcadas por gritantes injustiças e disparidades sociais. Não
pode haver Estado de Direito em meio a políticas públicas que
geram a humilhação do desemprego e o empobrecimento de
segmentos cada vez mais vastos da população, acarretando a
denegação da totalidade dos direitos humanos em tantos
países. Não faz sentido levar às últimas conseqüências o
princípio da não-discriminação em relação aos direitos
civis e políticos, e tolerar ao mesmo tempo a discriminação -
ilustrada pela pobreza crônica - como "inevitável"
em relação aos direitos econômicos e sociais. Os Estados são
responsáveis pela observância da totalidade dos direitos
humanos, inclusive os econômicos e sociais. Não há como
dissociar o econômico do social e do político e do cultural.
Urge despojar este tema de toda
retórica, e passar a tratar os direitos econômicos, sociais e
culturais como verdadeiros direitos que são. Só se pode
conceber a promoção e proteção dos direitos humanos a partir
de uma concepção integral dos mesmos, abrangendo todos em
conjunto (os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais). A visão atomizada ou fragmentada dos direitos
humanos leva inevitavelmente a distorções, tentando postergar
a realização dos direitos econômicos e sociais a um amanhã
indefinido. A prevalecer o atual quadro de deterioração das
condições de vida da população, a afligir hoje tantos
países, poderão ver-se ameaçadas inclusive as conquistas dos
últimos anos no campo dos direitos civis e políticos.
Impõe-se, pois, uma concepção necessariamente integral de
todos os direitos humanos.
À afirmação da responsabilidade permanente do Estado pela
vigência dos direitos econômicos, sociais e culturais (da
mesma forma que dos direitos civis e políticos) há que agregar
uma referência final aos esforços recentes da doutrina mais
lúcida, no sentido do reconhecimento de que muitos daqueles
direitos (e.g., certos direitos sindicais, a igualdade de
remuneração por trabalho igual, o direito à educação
primária obrigatória gratuita) são de aplicabilidade
imediata. Tem-se distinguido não só obrigações mínimas
referentes aos direitos econômicos, sociais e culturais, mas
também obrigações distintas - de respeitar, proteger,
assegurar e promover - tais direitos. Tem-se assinalado a
importância da aplicação do princípio da
não-discriminação também no presente contexto.
A iniciativa recente de
elaboração de um Projeto de Protocolo ao Pacto de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais atende precisamente à idéia
da justiciabilidade destes direitos. Nesta linha, tem-se buscado
identificar pelo menos os componentes justiciáveis dos direitos
econômicos, sociais e culturais (e.g., dos direitos à
educação, à saúde, a uma moradia adequada, sobretudo em seus
aspectos referentes à não-discriminação), - elementos estes
que têm sido objeto da jurisprudência internacional mais
recente sob os tratados e convenções de direitos humanos e que
têm ademais sido aplicados no ordenamento jurídico interno de
muitos países .
Uma das grandes conquistas da
proteção internacional dos direitos humanos, em perspectiva
histórica, é sem dúvida o acesso dos indivíduos às
instâncias internacionais de proteção e o reconhecimento de
sua capacidade processual internacional em casos de violações
dos direitos humanos. Urge que se reconheça o acesso direto dos
indivíduos àquelas instâncias (sobretudo as judiciais), a
exemplo do estipulado no Protocolo n. 9 à Convenção Européia
de Direitos Humanos (1990). Concede este último um determinado
tipo de locus standi aos indivíduos ante a Corte Européia de
Direitos Humanos (em casos admissíveis que já foram objeto da
elaboração de um relatório por parte da Comissão Européia
de Direitos Humanos).
No continente americano, o novo (e terceiro) Regulamento da
Corte Interamericana de Direitos Humanos (adotado em 16 de
setembro de 1996 e em vigor desde 01 de janeiro de 1997) - de
cujo projeto tivemos a honra de ser relator por honrosa
designação da Corte, - permite que na etapa de reparações os
representantes legais das vítimas ou de seus familiares
apresentem seus próprios argumentos e provas perante a Corte
"em forma autônoma" (artigo 23), sem a
intermediação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Este passo significativo abre caminho para novos
desenvolvimentos rumo ao reconhecimento futuro do locus standi
dos indivíduos em todas as etapas do procedimento ante a Corte
Interamericana (um antigo propósito nosso).
A contraposição entre as
vítimas de violações e os Estados demandados é da própria
essência do contencioso internacional dos direitos humanos. Tal
locus standi é a conseqüência lógica, no plano processual,
de um sistema de proteção que consagra direitos individuais no
plano internacional, porquanto não é razoável conceber
direitos sem a capacidade processual de vindicá-los. Sustentar
esta posição, como vimos fazendo há tantos anos, significa em
última análise ser fiel às origens históricas do próprio
Direito Internacional.
No futuro imediato, quando entrar
em vigor, precisamente em 01 de novembro de 1998, o Protocolo n.
11 à Convenção Européia de Direitos Humanos , acarretando a
extinção da Comissão Européia e o estabelecimento de uma
nova Corte Européia de Direitos Humanos (como órgão
jurisdicional único de supervisão da Convenção Européia),
terão os indivíduos sob a jurisdição dos Estados Partes
acesso direto - sem intermediação de outro órgão, - em
quaisquer circunstâncias, àquele tribunal internacional
regional de direitos humanos. Será este dia, que tanto
aguardamos, muito significativo para todos os que atuamos no
campo da proteção internacional dos direitos humanos. Mesmo os
nostálgicos de dogmas do passado terão que se ajustar
definitivamente à nova realidade da consolidação da posição
do ser humano como sujeito incontestável do Direito
Internacional dos Direitos Humanos, dotado de plena capacidade
jurídica processual no plano internacional.
O passo seguinte, a ser dado no século XXI, e que não
hesitamos em desde hoje sustentar, consistiria na garantia da
igualdade processual (equality of arms/égalité des armes)
entre os indivíduos demandantes e os Estados demandados, na
vindicação dos direitos humanos protegidos . Ao insistirmos
não só na personalidade jurídica, mas igualmente na plena
capacidade jurídica dos seres humanos no plano internacional,
estamos - como já assinalado - sendo fiéis às origens
históricas de nossa disciplina, o direito internacional - o
direito das gentes (droit des gens), - o que não raro passa
despercebido dos adeptos de um positivismo jurídico cego e
degenerado.
Dada a multiplicidade dos
mecanismos internacionais contemporâneos de proteção dos
direitos humanos, a necessidade de uma coordenação mais
adequada entre os mesmos tem-se erigido como uma das prioridades
dos órgãos de proteção internacional neste final de século.
O termo "coordenação" parece vir sendo normalmente
empregado de modo um tanto indiferenciado, sem uma definição
clara do que precisamente significa; não obstante, pode assumir
um sentido diferente em relação a cada um dos métodos de
proteção dos direitos humanos em particular.
Assim, em relação ao sistema de
petições, a "coordenação" pode significar as
providências para evitar o conflito de jurisdição, a
duplicação de procedimentos e a interpretação conflitiva de
dispositivos correspondentes de instrumentos internacionais
coexistentes pelos órgãos de supervisão. No tocante ao
sistema de relatórios, a "coordenação" pode
significar a consolidação de diretrizes uniformes
(concernentes à forma e ao conteúdo) e a racionalização e
padronização dos relatórios dos Estados Partes sob os
tratados de direitos humanos. E com respeito ao sistema de
investigações (determinação dos fatos), pode ela significar
o intercâmbio regular de informações e as consultas
recíprocas entre os órgãos internacionais em questão . A
multiplicidade de instrumentos internacionais no presente
domínio faz-se acompanhar de sua unidade básica e determinante
de propósito, - a proteção do ser humano.
É inegável que, no presente
domínio de proteção, muito se tem avançado nos últimos
anos, sobretudo na "jurisdicionalização" dos
direitos humanos, para a qual têm contribuído de modo especial
os sistemas regionais europeu e interamericano de proteção,
dotados que são de tribunais internacionais de direitos
humanos, - as Cortes Européia e Interamericana de Direitos
Humanos, respectivamente. No entanto, como já advertimos, ainda
resta um longo caminho a percorrer. Há que promover a chamada
"ratificação universal" dos tratados de direitos
humanos - propugnada pelas duas Conferências Mundiais de
Direitos Humanos (Teerã, 1968, e Viena, 1993), - contribuindo
assim a que se assegure que a universalidade dos direitos
humanos venha a prevalecer nos planos não só conceitual mas
também operacional (a não-seletividade).
Para isto, é necessário que tal
ratificação universal seja também integral, ou seja, sem
reservas e com a aceitação das cláusulas facultativas, tais
como, nos tratados que as contêm, as que consagram o direito de
petição individual, e as que dispõem sobre a jurisdição
obrigatória dos órgãos de supervisão internacional.
Atualmente, dos 40 Estados membros do Conselho da Europa, todos
os 36 Estados Partes na Convenção Européia de Direitos
Humanos, além de aceitarem o direito de petição individual,
reconhecem a jurisdição obrigatória da Corte Européia de
Direitos Humanos , o que é alentador. Em contrapartida, no
tocante à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (em que
o direito de petição individual é de aceitação automática
pelos Estados Partes), lamentavelmente não mais que 17 dos 25
Estados Partes reconhecem hoje a jurisdição obrigatória da
Corte Interamericana de Direitos Humanos em matéria
contenciosa.
Em nosso âmbito regional, urge
que os Estados que ainda não o fizeram - como o Brasil -
aceitem a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de
Direitos Humanos em matéria contenciosa, e que ademais aceitem,
no âmbito global (Nações Unidas), as cláusulas facultativas
sobre o direito de petição individual, de tratados de direitos
humanos como o Pacto de Direitos Civis e Políticos, a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, e a Convenção das Nações Unidas
contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, - como manifestação inequívoca de
seu compromisso com a proteção dos direitos humanos nos planos
nacional e internacional.
Dadas a confluência e identidade
de objetivos tanto do direito internacional como do direito
público interno quanto à proteção da pessoa humana, urge que
tais Estados, que aceitam as obrigações convencionais
substantivas contraídas em relação aos direitos protegidos
sob aqueles tratados, igualmente se submetam, de forma integral,
aos mecanismos de supervisão ou controle internacional do
cumprimento de tais obrigações, estabelecidos por aqueles
tratados. Carece de sentido o divórcio, a que se apegam tais
Estados, entre as normas substantivas e os mecanismos
processuais, porquanto à formulação de direitos no plano
internacional deve corresponder o acesso às vias processuais
internacionais de vindicá-los. Da aceitação integral por
todos os Estados dos tratados de direitos humanos depende em
muito o próprio futuro da proteção internacional dos direitos
consagrados .
O século XX, que marcha célere para seu ocaso, deixará uma
trágica marca: nunca, como neste século, se verificou tanto
progresso na ciência e tecnologia, acompanhado paradoxalmente
de tanta destruição e crueldade. Mesmo em nossos dias, os
avanços tecnológicos, e a revolução das comunicações e da
informática, se por um lado tornam o mundo mais transparente,
por outro lado geram novos problemas e desafios aos direitos
humanos. Mais que uma época de profundas transformações,
vivemos, neste final de século, uma verdadeira transformação
de época.
Apesar de todos os avanços
registrados nas cinco últimas décadas na proteção
internacional dos direitos humanos, têm persistido violações
graves e maciças destes últimos nas mais distintas regiões do
mundo. Às violações "tradicionais", em particular
de alguns direitos civis e políticos (como as liberdades de
pensamento, expressão e informação, e o devido processo
legal), que continuam a ocorrer, infelizmente têm se somado
graves discriminações (contra membros de minorias e outros
grupos vulneráveis, de base étnica, nacional, religiosa e
lingüística), além de violações de direitos fundamentais e
do direito internacional humanitário.
As próprias formas de
violações dos direitos humanos têm se diversificado. O que
não dizer, por exemplo, das violações perpetradas por
organismos financeiros e detentores do poder econômico, que,
mediante decisões tomadas na frieza dos escritórios, condenam
milhares de seres humanos ao empobrecimento, se não à pobreza
extrema e à fome? O que não dizer das violações perpetradas
por grupos clandestinos de extermínio, sem indícios aparentes
da presença do Estado? O que não dizer das violações
perpetradas pelos detentores do poder das comunicações? O que
não dizer das violações perpetradas pelo recrudescimento dos
fundamentalismos e ideologias religiosas? O que não dizer das
violações decorrentes da corrupção e impunidade?
Cumpre conceber novas formas de
proteção do ser humano ante a atual diversificação das
fontes de violações de seus direitos. O atual paradigma de
proteção (do indivíduo vis-à-vis o poder público) corre o
risco de tornar-se insuficiente e anacrônico, por não se
mostrar equipado para fazer frente a tais violações, -
entendendo-se que, mesmo nestes casos, permanece o Estado
responsável por omissão, por não tomar medidas positivas de
proteção. Tem, assim, sua razão de ser, a preocupação
corrente dos órgãos internacionais de proteção, já
assinalada, no tocante às violações continuadas de direitos
humanos, em desenvolver mecanismos tanto de prevenção como de
seguimento, tendentes a cristalizar um sistema de monitoramento
contínuo dos direitos humanos em todos os países, consoante os
mesmos critérios.
A par da visão integral dos
direitos humanos no plano conceitual, os esforços correntes em
prol do estabelecimento e consolidação do monitoramento
contínuo da situação dos direitos humanos em todo o mundo
constituem, em última análise, a resposta, no plano
processual, ao reconhecimento obtido na Conferência Mundial de
Direitos Humanos de Viena em 1993 da legitimidade da
preocupação de toda a comunidade internacional com as
violações de direitos humanos em toda parte e a qualquer
momento, - sendo este um grande desafio a defrontar o movimento
internacional dos direitos humanos no limiar do século XXI 7..
Para enfrentá-lo, os órgãos internacionais de proteção
necessitarão contar com consideráveis recursos - humanos e
materiais - adicionais: os atuais recursos - no plano global,
menos de 1% do orçamento regular das Nações Unidas, -
refletem um quase descaso em relação ao trabalho no campo da
proteção internacional dos direitos humanos.
Os órgãos internacionais de
proteção devem buscar bases e métodos adicionais de ação
para fazer frente às novas formas de violações dos direitos
humanos 2.. A impunidade, por exemplo, verdadeira chaga que
corrói a crença nas instituições públicas, é um obstáculo
que ainda não conseguiram transpor. É certo que as Comissões
da Verdade, instituídas nos últimos anos em diversos países,
com mandatos e resultados de investigações os mais variáveis,
constituem uma iniciativa positiva no combate a este mal, - mas
ainda persiste uma falta de compreensão do alcance das
obrigações internacionais de proteção. Estas últimas
vinculam não só os governos (como equivocada e comumente se
supõe), mas os Estados (todos os seus poderes, órgãos e
agentes); como já advertimos, é chegado o tempo de precisar o
alcance das obrigações legislativas e judiciais dos Estados
Partes em tratados de direitos humanos, - a par das do Poder
Executivo, - de modo a combater com mais eficácia a impunidade.
Há, ademais, que impulsionar os
atuais esforços, no seio das Nações Unidas, tendentes ao
estabelecimento de uma jurisdição penal internacional de
caráter permanente . Da mesma forma, há que desenvolver a
jurisprudência internacional - ainda em seus primórdios -
sobre as reparações devidas às vítimas de violações
comprovadas de direitos humanos. O termo
"reparações" não é juridicamente sinônimo de
"indenizações": o primeiro é o gênero, o segundo a
espécie. No presente domínio de proteção, as reparações
abarcam, a par das indenizações devidas às vítimas - à luz
do princípio geral do neminem laedere, - a restitutio in
integrum (restabelecimento da situação anterior da vítima,
sempre que possível), a reabilitação, a satisfação e,
significativamente, a garantia da não-repetição dos atos ou
omissões violatórios (o dever de prevenção).
Para contribuir a assegurar a
proteção do ser humano em todas e quaisquer circunstâncias,
muito se vem impulsionando, em nossos dias, as convergências
entre o direito internacional dos direitos humanos, o direito
internacional humanitário e o direito internacional dos
refugiados. Tais convergências, motivadas em grande parte pelas
próprias necessidades de proteção, têm se manifestado nos
planos normativo, hermenêutico e operacional, tendendo a
fortalecer o grau da proteção devida à pessoa humana. Face à
proliferação dos atuais e violentos conflitos internos em
tantas partes do mundo, já não se pode invocar a vacatio legis
levando à total falta de proteção de tantas vítimas
inocentes. A visão compartimentalizada das três grandes
vertentes da proteção internacional da pessoa humana
encontra-se hoje definitivamente superada; a doutrina e a
prática contemporâneas admitem a aplicação simultânea ou
concomitante das normas de proteção das referidas três
vertentes, em benefício do ser humano, destinatário das
mesmas. Passamos da compartimentalização às convergências.
Cabe seguir avançando decididamente nesta direção .
Os órgãos de supervisão internacional têm, ao longo dos
anos, aprendido a atuar também em distúrbios internos, estados
de sítio e situações de emergência em geral. Graças à
evolução da melhor doutrina contemporânea, hoje se reconhece
que as derrogações e limitações permissíveis ao exercício
dos direitos protegidos, isto é, as previstas nos próprios
tratados de direitos humanos, devem cumprir certos requisitos
básicos. Podem estes resumir-se nos seguintes: tais
derrogações e limitações devem ser previstas em lei
(aprovada por um congresso democraticamente eleito), ser
restritivamente interpretadas, limitar-se a situações em que
sejam absolutamente necessárias (princípio da
proporcionalidade às exigências das situações), ser
aplicadas no interesse geral da coletividade (ordre public, fim
legítimo), ser compatíveis com o objeto e propósito dos
tratados de direitos humanos, ser notificadas aos demais Estados
Partes nestes tratados, ser consistentes com outras obrigações
internacionais do Estado em questão, ser aplicadas de modo
não-discriminatório e não-arbitrário, ser limitadas no
tempo.
Em qualquer hipótese, ficam
excetuados os direitos inderrogáveis (como o direito à vida, o
direito a não ser submetido a tortura ou escravidão, o direito
a não ser incriminado mediante aplicação retroativa das
penas), que não admitem qualquer restrição. Do mesmo modo,
impõe-se a intangibilidade das garantias judiciais em matéria
de direitos humanos (exercitadas consoante os princípios do
devido processo legal), mesmo em estados de emergência. O ônus
da prova do cumprimento de todos estes requisitos recai
naturalmente no Estado que invoca a situação de emergência
pública em questão. Em casos não previstos ou regulamentados
pelos tratados de direitos humanos e de direito humanitário,
impõem-se os princípios do direito internacional humanitário,
os princípios de humanidade e os imperativos da consciência
pública. Aos órgãos de supervisão internacional está
reservada a tarefa de verificar e assegurar o fiel cumprimento
desses requisitos pelos Estados que invocam estados de sítio ou
emergência, mediante, e.g., a obtenção de informações mais
detalhadas a respeito e sua mais ampla divulgação (inclusive
das providências tomadas), e a designação de relatores
especiais ou órgãos subsidiários de investigação dos
estados ou medidas de emergência pública prolongados .
As iniciativas no plano
internacional não podem se dissociar da adoção e do
aperfeiçoamento das medidas nacionais de implementação,
porquanto destas últimas - estamos convencidos - depende em
grande parte a evolução da própria proteção internacional
dos direitos humanos. Como vimos sustentando há vários anos
(cerca de duas décadas) , no contexto da proteção dos
direitos humanos a polêmica clássica entre monistas e
dualistas revela-se baseada em falsas premissas e superada:
verifica-se aqui uma interação dinâmica entre o direito
internacional e o direito interno, e os próprios tratados de
direitos humanos significativamente consagram o critério da
primazia da norma mais favorável aos seres humanos protegidos,
seja ela norma de direito internacional ou de direito interno
(cf. supra).
A responsabilidade primária pela
observância dos direitos humanos recai nos Estados, e os
próprios tratados de direitos humanos atribuem importantes
funções de proteção aos órgãos dos Estados. Ao ratificarem
tais tratados, os Estados Partes contraem a obrigação geral de
adequar seu ordenamento jurídico interno à normativa
internacional de proteção , a par das obrigações
específicas relativas a cada um dos direitos protegidos. Urge,
assim, que as leis nacionais sejam compatibilizadas com a
normativa internacional de proteção, e que os direitos
congrados nos tratados de proteção possam ser invocados
diretamente ante os próprios tribunais nacionais.
No presente domínio de
proteção, o direito internacional e o direito interno se
mostram, assim, em constante interação. É a própria
proteção internacional que requer medidas nacionais de
implementação dos tratados de direitos humanos , assim como o
fortalecimento das instituições nacionais vinculadas à
vigência plena dos direitos humanos e do Estado de Direito. Só
se logrará tal fortalecimento com o concurso e a mobilização
da sociedade civil, à qual se devem em grande parte os avanços
na proteção dos direitos humanos em perspectiva histórica. Do
que precede se pode depreender a premência da consolidação de
obrigações erga omnes de proteção, consoante uma concepção
necessariamente integral dos direitos humanos.
Enfim, ao voltar os olhos tanto
para trás como para frente, apercebemo-nos de que efetivamente
houve, nestas cinco décadas de experiência acumulada nesta
área desde a adoção da Declaração Universal de 1948, um
claro progresso, sobretudo na jurisdicionalização da
proteção internacional dos direitos humanos . Não obstante,
também nos damos conta de que este progresso não tem sido
linear, como indica a trajetória das posições de muitos
países nesta área. Tem havido momentos históricos de avanços
significativos, mas lamentavelmente também de alguns
retrocessos, quando não deveria haver aqui espaço para estes
últimos. É este, em última análise, um domínio de
proteção que não comporta retrocessos. Neste final de
século, resta, certamente, um longo caminho a percorrer, tarefa
para toda a vida. Trata-se, em última análise, de perseverar
no ideal da construção de uma cultura universal de
observância dos direitos humanos, do qual esperamos nos
aproximar ainda mais, no decorrer do século XXI, graças ao
labor das gerações vindouras que não hesitarão em abraçar a
nossa causa.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro
Wilson) - Agradeço ao Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade
a exposição.
Antes de passar a palavra aos
dois debatedores, que terão cada um dez minutos, comunico que
haverá debate, na parte da tarde, logo depois da exposição do
Dr. Marco Antônio, do Itamaraty.
Gostaria de registrar as presenças de Ludmila Oliveira, do
INESC; Ana Cristina, da Comunidade Bahá"i; Tânia Maria,
da Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da
Justiça; Patrícia, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos
do Ministério da Justiça; Luiz Valério, do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil; Geovino, da União dos
Vereadores do Brasil; Alaude Soares Júnior, do Agente
Comunitário de Defesa de Direitos Humanos e Cidadania; Ângela
da Silva, do Conselho Nacional de Comandantes Gerais de PM;
Liane, da CORDE do Distrito Federal e do Deputado Aldir Cabral,
do PFL do Rio de Janeiro.
Tem a palavra o primeiro
debatedor, Sr. Ariel Dulitzky, argentino, Diretor da CEJIL. Com
todo o prazer, ouviremos a participação de S.Sa. e do Deputado
Renato Simões. Depois, se o Prof. Trindade quiser fazer alguma
consideração final, vamos remeter o debate para a parte da
tarde, às 15h. Convidamos todos os senhores. Na oportunidade,
veremos a questão da implementação das recomendações de
biênios, novos paradigmas de direitos humanos, com a
exposição do Ministro Marco Antônio Dias Brandão, do
Itamaraty, e com o debate dos Deputados Nelson Peregrino e
Nilmário Miranda. E aí abriremos o debate, tanto na primeira
exposição quanto na segunda.
Tem a palavra o Sr. Ariel Dulitzky.
(Exposição em língua estrangeira)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro
Wilson) - Dr. Ariel, gostaria de pedir permissão a V.Sa. e aos
nossos conferencistas para convidar o Deputado De Velasco a
assumir a Presidência. Terei de me ausentar, pois, neste
momento, vamos formar uma comissão para irmos ao Presidente da
Câmara pedir proteção à jornalista Marisa Romão, que
testemunhou os episódios ocorridos em Eldorado do Carajás.
Queremos, inclusive, saudar o Ministério Público do Pará por
sua atuação na oferta da denúncia. Essa jornalista está
sendo ameaçada de morte, está se retirando da região porque
não se pôde dar a ela a devida proteção.
Peço desculpas a V.Sa. e ao Dr. Trindade e peço vênia também
ao Deputado e a todos os presentes da representação
diplomática, convidando todos a retomarmos às 15h para
ouvirmos o Dr. Marco Antônio Cançado Trindade.
Muito obrigado pela atenção. Esperamos que esses ensinamentos
do Dr. Trindade, do Dr. Ariel, do Deputado Renato Simões possam
nos ajudar para a tarde. Amanhã, teremos uma agenda bastante
vigorosa na luta dos direitos humanos no Brasil e na América
Latina.
Convido todos a estarem conosco aqui à tarde.
Muito obrigado.
O SR. ARIEL DULITZKY -
(Exposição em língua estrangeira.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De
Velasco) - Nosso agradecimento ao Sr. Ariel Dulitzky, Diretor
Executivo do Center for Justice and International Law, o CEIJIL.
Passamos a palavra agora, por dez minutos, ao Deputado Renato
Simões, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e representante
do Fórum de Comissões Legislativas de Direitos Humanos.
O SR. RENATO SIMÕES - Bom-dia,
quase tarde, para todos. Vou ser muito breve. Quero abordar
apenas um assunto, já que nós temos nos acostumado, nesses
encontros, conferências e debates em que o Prof. Trindade
expõe os seus temas, a reconhecê-los pela profundidade, pela
abrangência, como aulas, e não como exposições, que demandam
contestação grave ou complementações importantes. Mas existe
um tema que me parece ser importante neste momento, e a esse
respeito vou fazer uma abordagem não pelo aspecto jurídico,
mas pelo aspecto político. Trata-se da mudança de contexto do
papel dos Estados nacionais e dos organismos internacionais
nesses cinqüenta anos, da diminuição das funções e do papel
do Estado nacional em relação a uma série de atribuições
clássicas que neste final de século mudam e,
conseqüentemente, constituem uma conjuntura muito diferenciada
daquela que deu origem à Declaração Universal dos Direitos
Humanos há cinqüenta anos.
Digo isso porque todos nós reconhecemos a importância e o
papel desempenhado pela Declaração Universal dos Direitos
Humanos nessa contaminação que ao longo dos anos foi-se
verificando nas Constituições nacionais, nas legislações
nacionais, no estabelecimento de tratados e convenções que
têm como base a adesão dos Estados nacionais. A contraparte
fundamental da Declaração Universal dos Direitos Humanos era
com os Estados nacionais, e estes, contraditoriamente,
significavam a principal fonte de violação desses mesmos
direitos consubstanciados na Declaração Universal.
O Prof. Trindade mencionou, num dos seus pontos finais,
prejudicados já pelo tempo, a questão do antagonismo da
sociedade civil com o Poder Público no que se refere aos
direitos humanos como um dos elementos impulsionadores do
aperfeiçoamento institucional, tanto no âmbito dos seus
aspectos jurídicos e institucionais quanto do ponto de vista
das práticas governamentais no mundo, particularmente na
América Latina.
Nós temos essa realidade muito claramente expressa na
experiência brasileira, porque foi justamente na negação dos
direitos humanos pelo Estado nacional que se fortaleceu na
sociedade civil um sentimento de apropriação do que
internacionalmente já estava consubstanciado como direitos
humanos para que essa aliança fosse capaz de modificar as
estruturas do Estado brasileiro em relação à garantia, num
primeiro momento, dos direitos civis políticos e, num segundo
momento e muito próximo, a luta pelos direitos sociais,
econômicos e culturais. O momento que estamos vivendo é um
momento de desconstituição das funções características
típicas do Estado nacional no período em que a Declaração
Universal dos Direitos Humanos foi vigente. Estamos mudando uma
série de visões.
Quero chamar a atenção para o fato de que isso perpassa
vários itens do Programa Nacional de Direitos Humanos do
Presidente da República. Por exemplo, temos aqui, na
introdução do Programa Nacional de Direitos Humanos e na
fundamentação das medidas que vêm em seguida, uma referência
explícita e positiva à criação de mecanismos judiciais
internacionais de proteção dos direitos humanos, como a Corte
Interamericana e a Corte Européia de Direitos Humanos, ou quase
judiciais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e
o Comitê de Direitos Humanos da ONU. Há um reconhecimento por
parte do Governo brasileiro do caráter emergente e positivo
desse surgimento.
Mais para trás, o Governo reconheceu a importância de ter
avançado o compromisso do Estado nacional brasileiro com os
direitos humanos através da adesão do Brasil, no início dos
anos 90, aos pactos internacionais de direitos civis e
políticos, direitos econômicos, sociais e culturais,
convenções americanas de direitos humanos, contra a tortura e
outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes,
também mencionados como um avanço e um compromisso importante.
Aí, quando esperamos que os compromissos consubstanciem o que
está previsto na introdução, vamos perceber lá no final,
quando se discute a implementação e a divulgação de atos
internacionais, o apoio a organizações e operações de defesa
dos direitos humanos, que o compromisso do Governo brasileiro,
assumido no Programa Nacional de Direitos Humanos, é fortalecer
a cooperação com organismos internacionais de proteção aos
direitos humanos, em particular com a Comissão de Direitos
Humanos da ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Instituto
Interamericano de Direitos Humanos. Ou seja, o tom já é
diferente, porque, evidentemente, um Estado que aceita a
fundamentação anterior tem como conseqüência lógica a
adoção de compromissos que vão além do fortalecimento da
cooperação, ou como é que se coopera com a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, qual seria a forma mais
adequada de cooperação, de fortalecimento de relações e o
reconhecimento da jurisdição dessa mesma Corte, que é um
passo que o Governo brasileiro não dá.
Quero chamar a atenção para o fato de que essa contaminação,
que, como vemos, não acabou - se formos analisar o que consta
do Programa Nacional de Direitos Humanos, vamos verificar que
existem muitas coisas ainda a serem realizadas para que os
termos da declaração americana e da Declaração Universal dos
Direitos Humanos sejam concretizados no País -, tem um limite
num determinado momento em que o Estado nacional, que vai
assumindo compromissos, que tem um governo que assume um
programa governamental na área dos direitos humanos, se vê
particularmente impotente diante de um elemento novo da
conjuntura, que é a perda de muitas das suas funções para
implementar os direitos da sua própria população.
Menciono isso na dimensão apresentada na exposição do Dr.
Antônio Augusto Trindade com relação às formas de violação
dos direitos humanos não-estatais e supranacionais, quando ele
mencionou especificamente a questão do terrorismo. Gostaria de
mencionar especificamente a nova forma de circulação de
capitais no mundo, que produzem nos Estados nacionais
violações a direitos fundamentais da pessoa humana que estão
fundamentalmente fora da capacidade de intervenção do Estado
nacional, a não ser se aliando à resistência a essa onda
transnacional do grande capital. O exemplo é do momento: meia
dúzia de grandes especuladores promovem um ataque especulativo
nas bolsas de valores do leste asiático, e isso significa
medidas obrigatoriamente tomadas pelo Estado nacional
brasileiro, que foi o país mais atingido no mundo por esse
ataque especulativo, que compromete para o ano que vem milhões
e milhões de empregos, que compromete políticas sociais, que
estão sendo retiradas do Orçamento, que compromete políticas
de inclusão social que poderiam se dar em outros momentos.
Hoje, a transnacionalização da economia, o processo de
globalização neoliberal em que vivemos, significa uma poderosa
forma de violação dos direitos humanos com repercussões nos
Estados nacionais, mas, muitas vezes, com uma força que
independe ou que pode prescindir ou que limita as ações do
Estado nacional no seu confronto.
Isso, evidentemente, não diz respeito só aos mecanismos de
proteção internacional dos direitos humanos, mas também a
todos os mecanismos de relação entre as nações e os
organismos multilaterais que nasceram da Conferência de Bretton
Woods, que hoje são incapazes de responder claramente a essa
movimentação de bilhões e bilhões de dólares que voam pelo
mundo, de uma bolsa para outra, praticamente 24 horas por dia,
mas que têm repercussões fundamentais para a cidadania e para
a construção de políticas nos Estados nacionais.
A quem vai se queixar o trabalhador desempregado, a quem vai se
queixar a criança da rua, a quem vai se queixar o cidadão que
não tem terra, até porque essa dimensão dos direitos
econômicos e sociais foi praticamente alijada do Programa
Nacional dos Direitos Humanos do Governo Federal, que trata tão
bem e de forma importante dos direitos civis e políticos de
minorias e alguns direitos sociais, mas é um governo que não
reconhece a jurisdição da corte, da sua organização
regional, que é a OEA, e também das próprias Nações Unidas?
Vamos nos queixar a quem, ao bispo? Aliás, aqui no Brasil
vivemos muito tempo nos queixando ao bispo porque não tínhamos
mais a quem recorrer.
Então, a contribuição que eu poderia trazer a este debate diz
respeito à fragilidade das medidas que hoje temos de proteção
aos direitos humanos no âmbito dos Estados nacionais e dos
organismos internacionais para enfrentar violações dos
direitos humanos oriundas de uma esfera não-estatal e
supranacional, que transfere da órbita da política para a
órbita da economia a fonte dessas violações, que atingem
milhões de pessoas nos seus direitos econômicos sociais e que,
portanto, questionam profundamente a nossa capacidade de
responder a essas questões.
Resumidamente, acho que temos três questões a discutir entre
nós no que se refere ao que vamos fazer no próximo ano. Essa
globalização neoliberal, aliás, constitui-se fundamentalmente
como um elemento de revogação de direitos. Não estamos num
momento político e econômico internacional de afirmação ou
de criação de novos direitos. Estamos num momento que
organiza, de forma dominante, a economia e a política do mundo
para revogar direitos, seja no Primeiro Mundo, aqui, nas
reformas constitucionais que vêm por aqui ou por ali, o
fundamental é retroagir. Essas menções que foram feitas aqui
de uma onda revisionista na política dos direitos humanos tem a
ver também com essa idéia de que talvez valores que eram
considerados universais cinqüenta anos atrás como, por
exemplo, o emprego, salário justo, acesso à capacidade de
produzir, a educação e a saúde, talvez não sejam mais tão
universais para essa nova ordem dominante no mundo. Portanto, os
ataques a esses direitos são ataques que constituem uma onda
conservadora e retrógrada em relação aos avanços obtidos há
cinqüenta anos. Acho que esse é um elemento importante para
nós discutirmos.
Um segundo elemento importante
para discutirmos diz respeito ao aprimoramento dos compromissos
do Estado nacional com os direitos humanos, que considero
insuficientes na forma como adotamos no Brasil, na forma de um
programa governamental. Quando a Conferência de Viena define a
obrigatoriedade de programas e de compromissos de Estados com os
direitos humanos, não se fala de compromissos de governo;
fala-se de compromissos de Estado. Nesse sentido, acho que
precisamos discutir. A experiência que temos, por exemplo, no
plano estadual, em São Paulo, que vai ser exposta amanhã pelo
próprio Secretário de Justiça, mostra a necessidade de que
comecemos a discutir programas plurianuais de direitos humanos
que não sejam da alçada exclusiva do Poder Executivo. Nesse
sentido considero, e concluo, que o Poder Legislativo deve ser o
fórum, ainda que provocado por iniciativa do Executivo na
apresentação desses programas plurianuais, para que o
compromisso com os direitos humanos seja consubstanciado em algo
reconhecido pelos três Poderes na forma de lei. Acho que
precisamos começar a discutir o caráter do Programa Nacional
de Direitos Humanos como um programa meramente governamental
para que possamos encontrar formas de evoluir no sentido de
compromissos de Estado e não de governo.
O terceiro ponto vamos deixar para discutir no debate.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De
Velasco) - Nosso agradecimento ao Deputado Estadual Renato
Simões, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e representante
do Fórum de Comissões Legislativas de Direitos Humanos.
Antes de retornar a palavra ao Prof. Cançado Trindade, queremos
registrar a presença do nosso nobre companheiro e colega,
Deputado Federal Benedito Domingos, do PPB do Distrito Federal;
Retornamos a palavra ao Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade.
O SR. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO
TRINDADE - Muito obrigado, Sr. Coordenador.
Gostaria, inicialmente, de
dispensar meus agradecimentos tanto ao Dr. Ariel Dulitzky quanto
ao Deputado Estadual Renato Simões pelos comentários tão
judiciosos e oportunos, os quais agregam alguns pontos e me dão
a oportunidade de, muito brevemente, mencionar algo adicional
sobre o já exposto.
Em primeiro lugar, um denominador comum tanto na intervenção
do Dr. Ariel Dulitzky quanto na do Deputado Renato Simões é a
importância da mobilização da sociedade civil. Creio que
poderíamos dizer com um certo grau de exatidão histórica que,
senão tudo, quase tudo o que se logrou de avanço no campo da
proteção internacional dos direitos humanos até o presente se
deve à contraposição da sociedade civil não ao Poder
Público como tal, porque é muito importante haver um diálogo
com as instituições públicas, mas a toda manifestação de
poder arbitrário. Todos os avanços logrados, desde as
declarações famosas do século XVIII até as declarações
universais e americanas do nosso século, se devem a essa
reação da sociedade civil ao poder arbitrário. Daí todos os
avanços logrados.
Em relação a esse ponto, eu gostaria de chamar a atenção
para um aspecto que também é preocupante em nossos dias, além
das tendências revisionistas mencionadas por Ariel e pelo
Deputado Renato Simões, que é um certo ataque que vem sofrendo
o direito de petição também na bibliografia especializada
européia. Vejo, por exemplo, em alguns livros recém-publicados
na Europa algumas manifestações, inclusive de colegas nossos
que atuam na área, tentando minimizar a importância do direito
de petição individual. Creio que tal direito é da essência
da proteção internacional dos direitos humanos. Sem ele não
há proteção internacional dos direitos humanos, porque toda a
base da proteção internacional dos direitos humanos se erige
sobre, primeiro, o reconhecimento da capacidade processual
internacional dos indívíduos ou grupos e, segundo, a noção
da garantia coletiva, por parte de todos os Estados que integram
o sistema. Contudo, alguns autores recentemente publicaram um
livro mencionando que talvez o direito de petição individual
não seja adequado para situações graves ou generalizadas de
violação dos direitos humanos.
Eu me permito defender o direito de petição individual, mesmo
nessas situações generalizadas ou graves de direitos humanos,
inclusive com base na própria experiência histórica do
sistema interamericano. Antes da adoção da Convenção
americana, os grandes casos de violação dos direitos humanos
pela ditaduras na América Latina, particularmente na América
do Sul, no Cone Sul, foram examinados essencialmente através do
direito de petição individual, mais do que no sistema de
relatórios governamentais. E o que fazia a Comissão
Interamericana, nos anos 60 e 70, era juntar várias petições
relativas a uma situação generalizada de violação dos
direitos humanos e considerá-la como um caso geral, vendo qual
era o denominador comum desse caso geral.
Quer dizer, sem o direito de petição, não há proteção
internacional dos direitos humanos. É da própria essência da
proteção internacional dos direitos humanos o acesso do
indivíduo às instâncias internacionais, quando não há
instâncias nacionais a que recorrer, como mencionou o Deputado
há pouco - "recorrer ao bispo", não é? Então, para
isso é que existem as instâncias internacionais, para ajudar -
insisto sobre isso -, não para se contrapor, mas para ajudar as
instâncias nacionais quando estas são incapazes de fazer
justiça.
Apenas para dar um exemplo, considero, à luz dos
desenvolvimentos até o presente, que um caso como o do
Carandiru só será resolvido com o concurso das instâncias
internacionais dadas as manifestas insuficiências do
ordenamento jurídico interno brasileiro de resolver esse caso.
Temos casos relativos a países da América Central, por
exemplo, que dizem respeito a violações maciças generalizadas
de direitos humanos. Temos um caso relativo à Guatemala, que
diz respeito a uma prática de matança, através de uma kombi
branca, que recolhia as pessoas, e os policiais militares as
matavam. Então, sem o direito de petição individual, seria
impossível resolver esses casos.
Reitero aquilo que disse alguns minutos atrás. O que acho mais
comovedor até hoje, como experiência na corte, são essas
audiências em que as vítimas dizem que é a primeira vez que
têm a oportunidade de chegar a uma instância judicial
internacional, que nunca tiveram sequer a oportunidade de ter
acesso às instâncias judiciais nacionais.
Não podemos tomar por assegurado que esses meios de recurso,
ainda que não sejam eficazes, existam. Em alguns casos, sequer
meios ineficazes existem. É da própria essência o direito de
petição individual.
E o corolário desse direito de petição, no meu modo de ver -
e essa é uma posição ainda minoritária nessa área -, é o
direito do acesso direto dos indivíduos às instâncias
internacionais. Ainda é mitigado esse acesso, que é feito
através das comissões, como da Comissão Interamericana. A
Comissão Européia vai ser extinta. Em 1º de novembro do
próximo ano, já não mais existirá a Comissão Européia,
porque o Protocolo 11 entrará em vigor, havendo apenas um
órgão jurisdicional internacional, no sistema europeu, que é
a Corte Européia dos Direitos Humanos. Então, a partir de 1º
de novembro de 1998, os cidadãos residentes nos países e nos
Estados que fazem parte da Convenção Européia terão acesso
direto a um tribunal internacional, que é a Corte Européia dos
Direitos Humanos. Quando é que teremos isso em nosso
continente? Certamente que não neste século. Talvez, dentro de
algumas décadas, no próximo século. Espero que o mais cedo
possível.
De qualquer maneira, premidos por essa necessidade de reconhecer
não só a personalidade jurídica internacional do indivíduo,
mas a capacidade jurídica plena internacional do indivíduo,
nós promovemos uma reforma do regulamento da Corte
Interamericana, em setembro do ano passado, onde tive a honra de
ser o relator do anteprojeto do novo regulamento da corte, e
introduzimos uma modificação que a meu ver é muito benéfica
para o futuro da proteção internacional em nosso Continente
americano: que, na etapa de reparações de danos, os
indivíduos passam a ter jus standi, ou seja, eles passam a ter
representação direta ante a corte sem depender da Comissão
Interamericana. É muito melhor para eles, é melhor para os
governos demandado. O assunto fica muito mais claro, porque quem
melhor para defender os seus interesses do que as próprias
vítimas, uma vez comprovada uma violação dos direitos
humanos?
Então, esse é um corolário importante do direito de petição
no plano internacional, uma grande revolução jurídica no
nosso Continente, que passa quase despercebida no Brasil porque,
quando estou aqui, tenho a impressão de que estou em outro
planeta. Nada do que ocorre no plano internacional tem
repercussão direta no Brasil, a não ser que seja domesticado
pela mídia brasileira, que é totalmente introvertida.
Portanto, esse desenvolvimento é muito importante no sentido de
assegurar a jurisdicionalização do procedimento internacional,
isto é, que seja um processo internacional regulado por normas
jurídicas claras, normas do Direito, onde de um lado estão os
indivíduos demandantes, que são a verdadeira parte demandante,
de outro lado está o governo demandado, que é a verdadeira
parte demandada, e a comissão ajuda a corte na aplicação. A
comissão não é parte demandante. Isso é uma deturpação,
uma distorção anacrônica que não tem qualquer fundamento,
mas que ainda existe no sistema interamericano. A comissão é
uma espécie de ministério público internacional que ajuda o
envio dos casos à Corte Interamericana, mas a verdadeira parte
demandante é a vítima de relações dos direitos humanos, e a
parte demandada é o governo.
Isso interessa também aos governos, que sempre se queixam da
intermediação das ONGs. Creio que as ONGs exercem uma função
muito importante dentro do sistema internacional de proteção
dos direitos humanos, e sempre comento isso com todos, não é
por estar aqui o Ariel Dulitzky, que tem participado, em muitos
casos, ante a corte, mas os melhores argumentos levados perante
a corte internacional são preparados pelas ONGs, como a Anistia
Internacional, Human Rights Watch America e outras, que
apresentam a defesa das vítimas. A comissão exerce uma
função muito importante no sentido de velar pela boa
aplicação da Convenção americana, mas ela não é parte
demandante. É uma distorção que tem de ser remediada e
superada no nosso sistema interamericano.
Por último, uma questão muito importante também mencionada
por Ariel Dulitzky e pelo Deputado Renato Simões,
respectivamente, sobre a relação entre o Direito interno e o
Direito Internacional nessa área, e dos direitos econômicos,
sociais e culturais.
Quanto à relação do Direito interno e do Direito
Internacional, em uma recente conferência no STJ, mencionei
que, nesse campo da proteção dos direitos humanos, considero
que não há mais sentido ficarmos nos debruçando sobre
fantasias do passado, como comunismo, dualismo, nada disso. O
que há, no meu modo de ver, é uma interação entre os
instrumentos de Direito interno e de Direito Internacional, que
é permitida pelas Constituições nacionais que fazem uma
referência, um envio direto às normas internacionais e os
tratados de direitos humanos, que fazem também um envio direto
aos órgãos nacionais de proteção ao confiar a esses órgãos
a primeira resposta, a responsabilidade primária pela
proteção dos direitos humanos. Então, é um todo orgânico, o
Direito Internacional e o Direito interno, nesse particular.
Todas essas doutrinas que continuam sendo seguidas pelos
Tribunais Superiores no Brasil são inteiramente superadas, dos
anos 20 e 30, que não têm mais o menor fundamento na
atualidade. São doutrinas que correspondem à realidade do
mundo no início do século. Nada mais do que isso. E é
necessário, então, simplesmente entender do que se trata,
porque os tratados dos direitos humanos vêm coadjuvar, auxiliar
os mecanismos internos de proteção para assegurar um grau
maior de proteção de vida às vítimas.
Quanto à questão dos direitos econômicos, sociais e
culturais, tenho opinião coincidente com as preocupações
muito justas do Deputado Renato Simões, no sentido de que é
trágico, em nosso dias, o fato de que em todo esse processo da
chamada globalização, que nada mais é do que uma
concentração de renda nas mãos dos poderosos, comprovada
estatisticamente por todos os dados disponíveis, de órgãos
como o PNUD, aqui representado na sessão de abertura desse
evento, como a CEPAL; todos os dados disponíveis demonstram o
crescimento da pobreza em diversas partes do mundo, não só na
América Latina, como também em países chamados do Primeiro
Mundo - os Estados se vêm ante a contingência de confessar,
até com uma certa falta de pudor, a sua irresponsabilidade no
domínio econômico-social, outra razão para se afirmar a
capacidade processual dos indivíduos também no campo
econômico-social; a possibilidade de acesso aos órgãos de
proteção internacional também no campo econômico-social.
Não é outra a idéia que tem seguido o Comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, que já
terminou o seu projeto de primeiro protocolo ao pacto dos
direitos econômicos, sociais e culturais, visando estabelecer
um sistema de denúncias semelhante ao pacto de direitos civis,
para a matéria econômica, social e cultural.
Eu gostaria de relembrar o que costumava dizer René Cassin, um
dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em
1948, que dizia a respeito do que representa essa declaração
universal: "Un élan continu de l'individuel vers le
sociale", um contínuo do individual ao social; quer dizer,
estão todos ligados, é um processo contínuo, não se pode
separar os direitos individuais dos sociais, é uma coisa só, e
todas as tentativas de fragmentação do universo conceitual dos
direitos humanos fracassaram.
No meu modo de ver, não há maior argumento em favor da
universalidade dos direitos humanos tomados em todo o seu
conjunto do que as distorções que verificamos desses direitos
nas diversas regiões do mundo. No nosso Continente, são as
distorções já conhecidas e assinaladas pelos dois
debatedores: tomar como verdadeiros direitos apenas os direitos
individuais e postergar para um amanhã indefinido os direitos
econômicos e sociais. Como se falava nos anos 60, fazer crescer
o bolo e depois dividi-lo, como se continua falando na
atualidade. O mesmo discurso, apesar de os protagonistas serem
outros. E, no que diz respeito a outras regiões do mundo, os
direitos civis e políticos é que são problemáticos; só
existem direitos econômicos, sociais e culturais, como no
Continente Asiático. Com base nesse argumento falacioso, então
posterga-se também para o próximo século, para um amanhã
indefinido, os direitos civis e políticos, e continuam
praticando execuções sumárias de milhares de pessoas a cada
ano. Não há argumento mais forte em favor da universalidade do
que essas distorções. Não há nenhum argumento de cunho
verdadeiramente jurídico que possa justificar privilegiar-se
uma categoria de direito em detrimento de outra. Todas as
tentativas de atuar nesse sentido fracassaram.
A única maneira de seguir
adiante é tomar em conta aquilo que fizeram os redatores das
duas Declarações, a Universal e a Americana, que é o conjunto
de todos os direitos humanos para todas as pessoas. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De
Velasco) - Antes de suspender esta sessão para reiniciá-la
logo mais, às 15h, a Comissão de Direitos Humanos quer
agradecer a participação do Dr. Cristian Kock-Castro, da Sra.
Liane Martins Collares, do Sr. Luiz Cláudio Fernandes de
Carvalho, do Sr. Rui Bicalho Sobrinho e do Deputado Flávio
Arns. Quero agradecer também ao Prof. Antônio Augusto Cançado
Trindade, responsável pela exposição desta manhã, e aos
debatedores Ariel Dulitzky e Deputado Renato Simões.
Gostaríamos de, ao encerrar esta parte e suspender esta
sessão, lembrar que, na nossa opinião, o Direito só se torna
Direito quando deixa o papel para manifestar-se no cotidiano das
pessoas. Embora pareça prosaico e até mesmo mesozóico,
gostaríamos de dizer que, se por acaso, cada um de nós
cumprisse aquele segundo Mandamento, semelhante ao primeiro, que
foi dito pelo Senhor Jesus - "Ama o teu próximo como a ti
mesmo" -, não precisaríamos estar aqui discutindo
direitos humanos. Quanto ao direito de petição, Prof. Cançado
Trindade, gostaríamos de lembrar que existe também nesta
palavra, que na realidade é universal, porque é para todos, em
todo o tempo e em todos os lugares, se diz o seguinte:
Não andeis ansiosos de coisa alguma. Em tudo, porém, sejam
conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração
e pela súplica, com ações de graça. E a paz de Deus, que
excede a todo entendimento, guardará os vossos corações e as
vossas mentes em Cristo Jesus.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
Está suspensa esta sessão até
as 15h.
2º Painel: A implementação das recomendações de Viena e os
novos paradigmas dos Direitos Humanos
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro
Wilson) - Antes de reiniciarmos o nosso encontro, quero informar
que apoiamos a resolução tomada pelo III Comitê da
Assembléia Nacional Geral das Nações Unidas relativa às
questões de direitos humanos, situações e relatórios sobre
direitos humanos em vários países, especialmente na questão
do Irã, da Comunidade Bahá'í , que tem sido parceira nossa na
luta em favor dos Bahá'í perseguidos no Irã.
O Irã tem afirmado que essa é uma questão política, de
grupos políticos, mas temos considerado os Bahá'í um grupo
religioso, cujas idéias merecem respeito num país onde
começou a filosofia de vida Bahá'í . O texto está aí, foi
distribuído, e reafirmamos nosso apoio, como também nossa
posição contrária aos processos que acontecem com militantes
Bahá'í no Irã.
Gostaríamos também de comunicar que amanhã, dia 4, às
9h30min, os trabalhos serão retomados no Plenário 9 do Anexo
II, tendo em vista o tamanho do nosso auditório. Como o
Congresso Nacional estava em intensa atividade, não havíamos
tido acesso a esse auditório. Então, amanhã, às 9h30min,
vamos retomar os trabalhos no Plenário 9 do Anexo II, repito,
onde se reúnem as Comissões Permanentes da Câmara dos
Deputados.
Com muita honra, queremos anunciar o painel sobre a
Implementação das Recomendações de Viena e os Novos
Paradigmas dos Direitos Humanos. Convidamos para tomar assento
à mesa o primeiro expositor, Ministro Marco Antônio Diniz
Brandão, Diretor-Geral do Departamento de Direitos Humanos e
Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores.
(Palmas.)
Convidamos o Deputado Nelson
Pelegrini, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa do Estado da Bahia e Representante do
Fórum de Comissões Legislativas de Direitos Humanos, e o
Deputado Nilmário Miranda, 1º Presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Ao final desta sessão, à tarde,
estaremos aqui lançando o livro "A secreta magia do
Caminho", cujo autor é o Padre Marcelo Barros. Também
convidamos a todos para, às 20h, no restaurante Feitiço
Mineiro, na Asa Norte, assistir ao lançamento do livro de
vários autores que relatam as experiências de prisões
políticas no Presídio Tiradentes, em São Paulo. Inclusive um
dos autores está aqui presente, o Deputado Nilmário Miranda.
Registramos a presença do Deputado Fernando Gabeira e da
Deputada Dalila Figueiredo. Pedimos à Secretaria que verifique
se há outras autoridades presentes. Também está presente o
Deputado Luiz Alberto, o que muito nos honra.
Se os presentes tiverem alguma sugestão a dar, solicito que as
repassem à Secretaria até amanhã pela manhã, a fim de que à
tarde já possamos apresentar uma agenda de sugestões para o
cinqüentenário da Carta da OEA e da ONU. Também pedimos o
mesmo aos Srs. expositores, como aconteceu com o Prof. Cansado
Trindade, e com os que apresentaram sugestões - o pessoal
portador de deficiência - para que elaboraremos uma agenda
aberta para a Comissão de Direitos Humanos e para os organismos
que estão participando, com os quais teremos diversos eventos e
parcerias no ano de 1998, fazendo dessa comemoração uma luta
pelos direitos humanos.
Com a palavra o Ministro Marco Antônio Diniz Brandão.
O SR. MARCO ANTÔNIO DINIZ
BRANDÃO - Sr. Presidente, antes de mais nada, quero saudar
V.Exa., os demais Parlamentares aqui presentes e em especial os
debatedores da tarde, o Deputado Nelson Pelegrini, Presidente da
Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do
Estado da Bahia, e o Deputado Nilmário Miranda, 1º Presidente
da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Antes de iniciar propriamente o meu texto, gostaria também de
congratular pessoalmente V.Exa. e esta Comissão pela iniciativa
deste encontro. Na verdade, a Comissão saiu na frente do Brasil
inteiro. Dentre todos os Poderes, o Legislativo foi o primeiro a
fazer um encontro desta natureza, o que é muito significativo e
muito auspicioso. Essa atitude é bastante representativa do
interesse que o Poder Legislativo tem pelos direitos humanos - e
espero que cresça cada vez mais -, e também do interesse que a
Comissão de Direitos Humanos, em particular, tem pelo tema do
cinqüentenário não só da Declaração Universal dos Direitos
Humanos mas também da Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem, cujo cinqüentenário também comemoramos em
1998.
O Poder Executivo, por seu lado, também tem feito alguns
esforços no sentido da comemoração desse duplo
cinqüentenário. E, se V.Exa. me permitir, gostaria de fazer
aqui um pequeno relato sobre o que temos feito. Inaugurou-se, na
semana passada, já uma primeira sessão de uma comissão
interministerial, integrando praticamente todos os Ministérios
e outros órgãos, visando estabelecer um programa muito amplo
de comemoração, sobretudo do cinqüentenário da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Para isso, temos algumas
diretivas - a própria ONU está distribuindo a sua orientação
a todos os países que a compõem - e temos o interesse de que
seja conhecido o instrumento fundamental, diria o instrumento
radical, em termos de raiz, e muitos outros documentos que se
seguiram quanto ao respeito e à promoção dos direitos
humanos. É interesse do Governo, desejo profundo do Executivo,
tratar esse tema com o respeito e com a profundidade que merece.
Por parte do Itamaraty, propriamente, já temos programados dois
grandes eventos. O primeiro deles será um grande seminário
internacional que se realizará provavelmente em agosto e terá
como debatedores grandes especialistas em direitos humanos de
diversas regiões do mundo. E o que se espera desses debatedores
é a exposição de suas visões do que serão os direitos
humanos no Século XXI nas suas regiões e em seus países. O
resultado desse grande seminário será, digamos assim, uma
importante contribuição brasileira para a reflexão
internacional sobre os direitos humanos no próximo século e no
próximo milênio. Esperamos que seja um grande seminário com
bastante amplitude e divulgação.
O segundo evento que está sendo programado é de caráter
institucional - há pouco conversava sobre isso com meu colega
argentino que está aqui também - e será um encontro de
presidentes latino-americanos, o ápice das comemorações do
cinqüentenário dessas Declarações. Esse encontro está
programado para se realizar em dezembro próximo. Os Presidentes
do MERCOSUL e dos Estados associados já responderam
favoravelmente. Na verdade, será um encontro de presidentes do
MERCOSUL e Estados associados, repito. Esperamos que seja
também uma ocasião de reiteração do compromisso cada vez
maior dos países da região com os propósitos e anseios
enunciados nas Declarações Americana e Universal dos Direitos
Humanos.
Há outros eventos programados e preparados como a cunhagem de
moedas e a emissão de selos. No âmbito do Ministério da
Educação estão preparando um programa, que acho mágico para
o conhecimento da Declaração, que seriam aulas especiais ou um
dia dedicado ao ensino do conteúdo da Declaração. Há a
idéia de tornar obrigatória a impressão da Declaração ou
pelo menos de parte dela no verso das certidões de nascimento.
Seria uma forma de dar à pessoa que está nascendo a sua carta
universal de direitos.
Enfim, há vários outros programas e propósitos que estão
sendo examinados e manterei V.Exas. informados para que façamos
algo mais, talvez em conjunto, como tem sido o nosso hábito. A
Comissão de Direitos Humanos e o Itamaraty sempre têm
trabalhado em conjunto.
Preparei uma intervenção na qual falo sobre a minha visão do
que são os novos direitos e liberdades, os novos paradigmas de
direitos humanos, e me refiro ao tema que me cabe em especial,
que é a implementação mundial internacional das
conseqüências da Conferência de Viena, de 1993. Antes de
discorrer propriamente sobre o tema da implementação, gostaria
de fazer uma breve introdução para situar alguns conceitos,
valendo-me, sobretudo, das lições do grande pensador italiano
Norberto Bobbio.
A definição dos direitos humanos e a criação de garantias
refletem conquistas historicamente situadas e estão em
permanente evolução. É notável a aceleração, desde a
adoção da Carta de São Francisco, que marcou o início da
Organização das Nações Unidas, do debate e da conceituação
no campo dos direitos humanos. A Declaração e o Programa de
Ação de Viena, na grande conferência de 1993, reconhecem que
a codificação dos direitos humanos é um processo dinâmico e
sempre em evolução.
A afirmação dos direitos de liberdade, cujo sujeito é um
homem abstrato, e que se definiram por oposição ao despotismo
soberano ou do Estado, requerendo uma prestação negativa, isto
é, a limitação do arbítrio do Estado, seguiu-se à
afirmação dos direitos do homem considerados em
circunstâncias concretas: a mulher, a criança, o refugiado, o
portador de deficiência, o detento e, como integrantes de
grupos, o indígena e outras minorias.
O reduzido elenco de direitos considerados essenciais foi aos
poucos sendo ampliado e passou a incluir direitos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais, que exigem
prestações positivas do Estado, sobretudo em termos de
serviços públicos: segurança, administração da Justiça,
educação, saúde, fiscalização do trabalho e seguridade
social. Quanto mais evoluída e complexa a sociedade humana,
maior o elenco de direitos necessários à sobrevivência com
dignidade nessa sociedade.
No entanto, os recursos e os meios para assegurar o gozo desses
direitos, sobretudo nos países em desenvolvimento, não têm
evoluído no mesmo ritmo. O próprio Norberto Bobbio adverte-nos
sobre a enorme defasagem que se vem acumulando entre os direitos
que entendemos serem legítimos e necessários e a capacidade
efetiva dos Estados e do sistema internacional de protegerem
esses direitos. Como jurista e político, Bobbio acredita que se
deve distinguir, para não alimentar expectativas que não podem
ser satisfeitas, os direitos das aspirações e exigências.
Os direitos são bens cuja proteção se pode exigir do Poder
Público, inclusive pelo recurso na corte de justiça, capaz de
punir as relações e de ordenar a reparação e a
indenização. Para os que não querem renunciar ao uso da
palavra direito, Bobbio sugere que distingam, conforme a
tecnologia anglo-saxônica, entre o direito forte, que os
anglo-saxões chamam de hard law, e o direito fraco, que eles
chamam de soft law.
Bobbio observa que a tendência hodierna nos códigos
internacionais é a proliferação de recomendações,
declarações e cartas de direito, ou seja, do soft law, do
direito fraco. Os direitos assim proclamados são sustentados
quase exclusivamente pela pressão social, moral e política,
porque no sistema internacional, tal como o concebemos hoje,
não há condições efetivas para a passagem dos direitos em
sentido fraco para os direitos em sentido forte.
O cumprimento das obrigações, mesmo contratadas por
convenções, é dificilmente monitorável. E, como todo sistema
internacional de proteção aos direitos baseia-se na
cooperação, não há como estabelecer juridicamente
conseqüências para o que diz respeito aos compromissos.
Tome-se como exemplo a proibição da tortura. Embora a
convenção contra a tortura esteja em vigor desde 1987 e tenha
mais de uma centena de Estados-partes, os empecilhos para seu
efetivo cumprimento motivaram a tentativa de elaboração, ora
em curso, de um protocolo facultativo para facilitar o
monitoramento internacional.
O Programa de Ação de Viena recomendou a adoção o quanto
antes do protocolo facultativo, mas a tarefa de elaboração do
texto ainda está longe de ser concluída e a adesão ao
instrumento é opcional.
Outra distinção devemos ter em mente: normas em sentido
estrito e normas programáticas, que costumam ser aquelas
aplicáveis aos direitos sociais.
Ao aderir ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, o Estado se compromete a não implementar
imediata e integralmente os direitos nele contidos, o que seria
impossível, mas sim a tomar os passos necessários, na medida
dos recursos disponíveis e com a assistência e a cooperação
internacional, sobretudo econômica e técnica, para a
realização progressiva desse direito. Bobbio manifesta mesmo
dúvida de que os direitos programáticos mereçam a definição
de direitos, ainda que sejam garantidos por instrumentos
jurídicos.
A Conferência Mundial de Viena reconheceu o estreito vínculo
entre o desenvolvimento e a capacidade dos Estados de
assegurarem o pleno gozo dos direitos humanos.
O eixo temático da Conferência é o trinômio democracia,
desenvolvimento e respeito aos direitos humanos, elementos
indissoluvelmente ligados, que se reforçam mutuamente. Se está
claro que a falta de desenvolvimento não justifica a violação
de direitos, tampouco podemos negar que limita a capacidade dos
Estados de oferecerem as prestações essenciais aos direitos
econômicos, sociais e culturais. No entanto, embora o Programa
de Ação de Viena inclua uma seção com recomendações sobre
a cooperação internacional, o desenvolvimento e fortalecimento
dos direitos humanos, e outra sobre a necessidade de alocação
de recursos adequados às atividades do Centro de Direitos
Humanos da Nações Unidas, especialmente para a cooperação
técnica, a resposta da comunidade internacional tem sido muito
tímida.
Tendo em vista essas considerações primeiras, passo a abordar
a questão da implementação das Recomendações de Viena e dos
chamados Novos Direitos. O que são os Novos Direitos? Na
verdade, o conceito é ainda altamente impreciso e não me
arriscarei a defini-lo. O preâmbulo da Declaração e o
Programa de Ação de Viena tomam como ponto de partida as
mudanças que estão ocorrendo no cenário mundial e as
aspirações dos povos por uma ordem internacional, baseadas nos
princípios da Carta, incluindo o respeito pelos direitos
humanos, as liberdades fundamentais, a não discriminação, a
autodeterminação dos povos, a paz, a democracia, a justiça, a
dignidade, e a prevalência do estado de direito, o que é uma
preocupação muito presente do Governo brasileiro, que todos os
anos tem patrocinado uma recomendação, um documento, uma
resolução da Assembléia Geral da ONU sobre o fortalecimento
do estado de direito. E também o pluralismo, o desenvolvimento,
a melhor qualidade de vida para todos. Ou seja, a Conferência
afirmou ou reafirmou os direitos e as aspirações individuais e
coletivas, civis e políticas, econômicas, sociais e culturais.
Direitos fortes, hard law, e direitos fracos, soft law, direitos
consagrados e instrumentos jurídicos, já quase universais, e
direitos cuja definição e implementação, conteúdo, sujeito,
meios e modos de garantia ainda estão em processo. São
direitos que eu não diria novos, mas alguns são realmente
criativos, que estão sendo examinados nos seus foros de
discussão. Dentre esses, temos direitos mais antigos e menos
antigos, como os direitos das populações indígenas, das
minorias, dos portadores de deficiência, dos trabalhadores
migrantes, o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente sadio
e o direito a gozar dos benefícios dos progressos científicos.
Além de alguns outros tipos de direito que estão sendo
discutidos na UNESCO, como por exemplo o direito à paz para as
gerações futuras. Seria uma forma de direito importante.
Talvez não um direito, mas uma aspiração. São questões a
serem ainda decididas.
Vejamos como a Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas, que é o foro encarregado para o acompanhamento da
implementação da Declaração de Viena, tem impulsionado a
criação dos novos paradigmas de direitos humanos ou buscado
condições de implementação de direitos que ainda são soft
law.
Esta Comissão de Direitos Humanos, da qual participamos há 27
anos, com atuação bastante ativa, tem dado seguimento anual à
recomendação da Conferência Mundial de Viena aos Estados para
que retifiquem a Convenção Internacional sobre os Direitos dos
Trabalhadores Migrantes e suas Famílias, que ainda não entrou
em vigor. Esse instrumento jurídico, em tempo de
globalização, é da mais alta importância para os Estados e
para as pessoas, evidentemente. A Comissão criou neste ano um
grupo de trabalho com mandato para reunir informações sobre os
obstáculos à proteção plena e eficaz dos direitos humanos
desses trabalhadores e elaborar recomendações para fortalecer
a promoção e proteção dos seus direitos.
Em relação às minorias, a Comissão aprovou o estudo
encomendado a um perito sueco, da Subcomissão de Proteção às
Minorias, e autorizou, em 1995, a criação de um grupo de
trabalho para promover os direitos de pessoas pertencentes às
minorias, outro conceito também ainda muito difícil de ser
determinado com precisão e que consta da pauta de assuntos não
resolvidos no temário internacional.
A Conferência de Viena havia recomendado que o grupo de
trabalho da Subcomissão sobre populações indígenas
terminasse a elaboração do projeto de declaração. O projeto
foi concluído, adotado pela Subcomissão, e agora serve de base
para um grupo de trabalho encarregado de elaborar um novo texto
a ser encaminhado ao Conselho Econômico e Social das Nações
Unidas. Houve avanço significativo na negociação. Alguns
pontos mais polêmicos, dentre os quais o emprego do termo
autodeterminação para as comunidades indígenas, ainda estão
sendo discutidos. Foi cumprida a Recomendação de Viena de que
o grupo de trabalho da Subcomissão sobre populações
indígenas tivesse o seu mandado prorrogado e atualizado de modo
a continuar sendo um foro dedicado ao tratamento dos direitos
dessas populações.
O direito humano ao meio ambiente sadio foi objeto de estudo
elaborado pela perita Fátima Quizentini. Mas é prematuro fazer
prognósticos sobre sua codificação. A Declaração de Viena
limitou-se a reconhecer que os dejetos e substâncias tóxicas e
perigosas constituem uma séria ameaça aos direitos humanos, à
vida e à saúde, e conclamou os Estados a retificarem e a
implementarem as convenções relativas ao assunto.
A Declaração de Viena apontou ainda para a necessidade de
harmonia, de preservação do meio ambiente sadio, as
necessidades ambientais das gerações presentes e futuras e a
realização do direito ao desenvolvimento, conceitos que estão
na origem das tentativas de criação de novos direitos, como
já havia aludido.
A afirmação do direito ao desenvolvimento como um direito
humano, universal e inalienável foi um dos avanços conceituais
mais importantes de Viena e atendeu a uma das principais
reivindicações dos países em desenvolvimento. A Declaração
das Nações Unidas sobre direito ao desenvolvimento levou uma
década inteira para ser elaborada e foi adotada por voto, em
1986. Somente em Viena conseguiu aceitação consensual.
Considero que é, sem dúvida, o novo direito consagrado na
Conferência de Viena de maior significação atual para o
Brasil, porque é abrangente e abarca, na verdade, vários
outros direitos, ou pelo menos permite o gozo de vários outros
direitos.
O texto adotado em Viena tem algumas ambigüidades devido à
necessidade de compromisso ante a concepção desse direito como
direito coletivo, que implica acentuar a responsabilidade dos
Estados e o dever de cooperação para a criação de
condições internas e externas favoráveis a sua realização
e, ao mesmo tempo, a concepção centrada num indivíduo como
sujeito do direito ao desenvolvimento. Na parte declaratória, o
documento final de Viena enfatiza os elementos coletivos para a
realização do direito ao desenvolvimento: políticas públicas
de desenvolvimento, relações econômicas internacionais
eqüitativas e ambiente econômico internacional favorável. Mas
na parte do programa de ação referente à cooperação, ao
desenvolvimento e ao fortalecimento dos direitos humanos, as
referências específicas são aos direitos civis e políticos,
eleições periódicas e genuínas, administração da justiça,
sistema penal, liberdade de expressão, liberdade sindical e
fortalecimento de instituições da sociedade civil. Não há
menção a medidas concretas ligadas à realização dos
direitos econômicos e sociais ou ao desenvolvimento
propriamente dito.
A recomendação da Conferência de Viena para dar significado
concreto ao direito ao desenvolvimento foi de que um grupo de
trabalho da Comissão de Direitos Humanos sobre o tema sugerisse
medidas para a eliminação dos obstáculos e para a
realização da declaração sobre direito ao desenvolvimento. O
grupo de trabalho concluiu essa incumbência e recebeu novo
mandado da CDH: elaborar uma estratégia para a implementação
e a proteção do direito ao desenvolvimento.
Dentre as conclusões do relatório final do grupo de trabalho,
destaco três delas que revelam a dificuldade e a complexidade
da questão: primeiro, que é necessário caracterizar as
obrigações dos Estados tanto no âmbito nacional quanto no
internacional para a realização desse direito; segundo, é
preciso conceder aos direitos econômicos, sociais e culturais o
mesmo grau de proteção dado aos direitos civis públicos;
terceiro, as instituições financeiras multilaterais devem
incorporar os princípios do direito ao desenvolvimento em suas
políticas, programas e projetos. É uma estratégia
evidentemente muito ampla. Por isso mesmo deve ser vista como
uma orientação valiosa para que se coloque em prática pelo
menos alguma parte, ou que se adotem programas de governo ou de
política pública baseados em conceitos de direito ao
desenvolvimento.
A afirmação do direito ao desenvolvimento é coerente com a
tese da indivisibilidade dos direitos e com o eixo temático da
Conferência de Viena. A meu ver, uma das suas decorrências
lógicas é a importância da cooperação internacional para a
implementação das medidas de promoção e de proteção de
todos os direitos humanos. Cabe recordar que deve ser iniciativa
da delegação brasileira a inclusão no Programa de Ação de
Viena da recomendação de criação do Programa das Nações
Unidas para conceder assistência técnica-financeira aos
países em desenvolvimento empenhados em criar ou fortalecer as
instituições do estado de direito.
Embora venha crescendo anualmente o número de países
co-patrocinadores da iniciativa brasileira, o Programa de
Cooperação Internacional dos Direitos Humanos, tal como o
concebemos, ainda não encontrou expressão concreta. O Brasil
tem apontado, freqüentemente, sempre para outros compassos: as
exigências elevadas, os recursos limitados dos países em
desenvolvimento e o desequilíbrio entre as atividades de
monitoramento e as de cooperação e assistência no sistema
internacional de proteção aos direitos humanos.
A Declaração e o Programa de
Ação de Viena prevêem uma estratégia para o seguimento da
recomendação de conferência, e essa estratégia está em
andamento. Os foros competentes, que são a Comissão de
Direitos Humanos, o Conselho Econômico e Social da
Organização e a Assembléia Geral das Nações Unidas,
deverão empreender, em 1998, a revisão do qüinqüênio,
decorrido desde a Conferência de Viena. Primeiramente, o
Secretário-Geral das Nações Unidas foi incumbido, por
ocasião do cinqüentenário da Declaração dos Direitos
Humanos, de convidar todos os Estados, os órgãos e agências
da Organização relacionados com direitos humanos para
apresentarem um relatório sobre a implementação das
recomendações da Conferência. Os sistemas regionais de
proteção dos direitos humanos, as instituições nacionais e
as ONGs também foram convidadas a submeter comentários. Esse
relatório será submetido pelo Secretário-Geral à 53ª
Assembléia Geral das Nações Unidas, por meio do Conselho
Econômico e Social da Organização.
Já na sua sessão substantiva de 1998, o Conselho Econômico e
Social dedicará segmentos de coordenação em sua sessão
substantiva ao acompanhamento da implementação das
recomendações da Conferência de Viena, e o alto comissário
das Nações Unidas para Direitos Humanos, por sua vez, a
recém-nomeada ex-Presidente da Irlanda, Mary Robinson, tem
mandato para coordenar os cumprimentos das Recomendações de
Viena e ter submetidos os relatórios anuais sobre o assunto.
Nobre Deputado Pedro Wilson, é nesse quadro que seguimos
ativamente a implementação das Recomendações de Viena. É
importante lembrar - e nunca deixo de ressaltar isso -,que o
Itamaraty criou no ano passado, em 1996, o departamento que hoje
tenho a honra de dirigir, exclusivamente voltado para os
direitos humanos e temas sociais. O primeiro Diretor-Geral deste
departamento, que o consolidou, foi o meu colega José Augusto
Alves, conhecido por alguns militantes de direitos humanos.
Tenho a honra de sucedê-lo já há algum tempo. Creio que já
fizemos algo em comum com a própria Comissão dos Direitos
Humanos e com outros órgãos. Sempre cito a criação desse
departamento de direitos humanos para indicar que na política
externa brasileira o tema é prioritário, é relevante e merece
a atenção da nossa chancelaria.
Agradeço a todos a atenção. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro
Wilson) - Agradecemos ao Dr. Marco Antônio Diniz Brandão a
exposição. Reafirmamos nosso testemunho do trabalho de
parceria com o Departamento de Direitos Humanos do Ministério
das Relações Exteriores, que muito tem colaborado conosco.
Recentemente, em viagem a Portugal e à Espanha, recebemos todo
o apoio do Itamaraty na questão do tráfico de mulheres
brasileiras para a Europa e também na questão de contato, em
Portugal, com a resistência do povo do Timor Leste.
Convido a Deputada Dalila Figueiredo para assumir a Presidência
antes de passar a palavra ao nobre Deputado Nelson Pelegrini.
Informo ao nobre Deputado Nilmário Miranda que continuamos com
a nossa audiência; tendo em vista a solicitação de proteção
à jornalista Marisa Romão, iremos ao Ministério da Justiça,
onde teremos audiência com o Sr. Ministro.
Convido a todos, após os debates e as sugestões para nossa
agenda, para o lançamento do livro do Monge Marcelo Barros, no
hall de entrada deste auditório. Amanhã, retornaremos aos
trabalhos no plenário nº 9 do Anexo II da Câmara dos
Deputados, sala em que tradicionalmente acontecem as audiências
públicas da Comissão de Direitos Humanos. A Deputada Dalila
Figueiredo também apresentará sugestões para a agenda de 1998
sobre os 50 anos da Carta da OEA e da ONU, e os 10 anos da
Constituição brasileira, que está sendo muito mudada, mas
ainda continua sendo a Constituição brasileira, e os três
anos da Comissão de Direitos Humanos.
Agradeço a todos, pedindo desculpas, mas ainda voltarei a
tempo.
A SRA. COORDENADORA (Deputada
Dalila Figueiredo) - Agradeço a possibilidade de poder
encaminhar os trabalhos desta Mesa, saudando a todos os
presentes, os ilustres palestrantes desta tarde.
O debatedor desta tarde é o Deputado Nilmário Miranda, membro
da Comissão de Direitos Humanos e particular amigo, com quem
tive oportunidade de trabalhar na Comissão Externa responsável
por investigar a situação das meninas brasileiras prostitutas
no Paraguai.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nilmário Miranda.
O SR. DEPUTADO NILMÁRIO MIRANDA
- Deputada Dalila Figueiredo, demais membros da Mesa e todos que
aqui compareceram, pedi para falar em primeiro lugar porque
estou participando de uma Subcomissão sobre o INCRA, sobre
corrupção, simultânea a esta. O Presidente do INCRA,
convidado por mim, está presente. Como fui eu que o convidei,
terei de estar presente.
Em 1993, quando terminou a Conferência de Viena, foi instalado
no Ministério da Justiça, pelo então Ministro Maurício
Corrêa, um grupo de trabalho das pessoas que foram a Viena.
Houve desdobramentos para o Brasil. O Ministro José Augusto
Alves fazia parte pelo Ministério das Relações Exteriores.
S.Exa. tinha participado da Conferência, junto com Saraiva
Guerreiro. O Brasil redigiu a Resolução de Viena. Isso é
importante.
Faço referência ainda à agenda do grupo de trabalho de Viena
de 1993 para o Brasil. Antes de falar do Brasil, a discussão
que fizemos na época, recordo-me até hoje, era sobre os dois
grandes temas de Viena; em primeiro lugar, a universalização
dos direitos humanos. Isso parece óbvio, mas no contexto foi
importante. Discutiu-se a limitação da soberania quando
houvesse relações gravíssimas de direitos humanos, ou seja,
ninguém poderia alegar soberania nacional para se colocar à
margem do controle internacional violando direitos humanos - os
países que tivessem assinado os tratados, os pactos, e mesmo os
que não os tivessem assinado. Essa foi uma das discussões de
Viena, um dos grandes temas. Diretos humanos perfazem uma
questão universal e de vez em quando essa questão começa a
perder força e espaço, tornando-se um direito fraco. Isso é
fato, tem acontecido ao longo desses 50 anos. O Brasil mesmo tem
freqüentemente participado de iniciativas fora das fronteiras
do País, vinculadas a essa perspectiva. Não se tem furtado a
participar de forças de paz, no caso de alguns conflitos,
sobretudo na África. Tem cooperado no desmonte das minas
antipessoais. São 100 milhões de minas espalhadas pelo mundo,
uma tragédia cujas maiores vítimas são em geral civis, na
maior parte crianças, camponesas e camponeses.
Talvez a grande lacuna seja a questão dos tribunais
internacionais, necessários para tornarem efetivos os
compromissos assumidos. Esse é um tema que deixo para o
Ministro comentar.
O segundo grande eixo foi a indivisibilidade, a posição da
esmagadora maioria em Viena. Naturalmente isso bateu em ouvidos
moucos dos grandes países do Hemisfério Norte, os países mais
ricos do mundo. A questão de que não se pode mais separar
direitos civis e políticos de direitos econômicos, sociais e
culturais foi praticamente um consenso. A imensa, esmagadora
concentração de riquezas no Hemisfério Norte, onde se
concentra um quinto da população mundial e três quartos da
riqueza de todo o mundo, e a concentração de quatro quintos da
população e um quarto da riqueza no Hemisfério Sul
provocaram, além da desagregação de países, como nos casos
africanos, migrações feitas aos milhões. Inclusive o conceito
de refugiado foi mudado; hoje não se refere apenas àqueles que
têm seus direitos políticos impedidos, mas que se encontram em
situação de migrantes, aos 100, 200, 300 mil, em função
desses processos de guerras regionais da África, por exemplo. O
conceito de refugiado foi ampliado. Esse é um outro desafio.
Discutiu-se muito também a questão da indivisibilidade. O que
adianta discutir a divisibilidade? E daí? O que dará direito
de desenvolvimento aos países do Hemisfério Sul? Levantaram-se
duas idéias que não encontraram a mínima acolhida até
então: a da cláusula social - sabemos que 400 empresas
concentram quase 40% da riqueza produzida no mundo, o
equivalente à renda de 2 bilhões e 500 mil pessoas. Deveria
haver um tipo de cláusula social que impedisse, por exemplo,
que, na Indonésia, crianças fabriquem tênis, recebendo um
dólar ou meio por dia, como fazem a Nike e a Reebok, ou seja,
devem-se colocar cláusulas sociais, para que essas empresas
assumam compromissos com relação à exploração de trabalho
infantil, trabalho escravo, degradante, além de algum tipo de
taxação desse um trilhão de dólares que todos os dias
circulam pelo mundo, quebrando países, desorganizando
economias, quando deixam esses países. Trata-se de uma
discussão sobre alguma forma de taxar esses capitais, sobretudo
especulativos.
Evidentemente, os produtivos têm regras em cada país. O
problema está sendo esses capitais, sobretudo na era
pós-Thatcher e pós-Reagan. Há 17 anos houve um laissez-faire
para os capitais especulativos. Neste momento, estamos vivendo
uma crise típica. Acho que isso seria necessário: direito ao
desenvolvimento, para dar concretude ao espírito de Viena.
Com esse espírito, surge também o desdobramento do conceito de
desenvolvimento humano. A ONU está transmitindo para o mundo
inteiro esse espírito de medir os índices de desenvolvimento
pelo desenvolvimento humano, recusando a falácia da renda per
capita, que oculta a concentração de renda, que dá uma idéia
falsa de prosperidade. Para se avançar, é necessário que haja
esses desdobramentos. Essas conferências internacionais chegam
a algumas conclusões, mas, às vezes, os desdobramentos levam
décadas para se efetivarem. Enquanto isso milhões vão
morrendo, mas esse é um outro problema.
O grupo de trabalho que veio de Viena e estabeleceu uma agenda
para o País foi muito importante para o Brasil. Não existia
uma agenda de direitos humanos no Brasil em 1993. Foi esse grupo
que organizou essa agenda. O Movimento Nacional de Direitos
Humanos sempre procurou fazer isso. Naquele grupo de trabalho
encontrava-se o Ministério das Relações Exteriores, da
Justiça, do Trabalho, o Ministério Público Federal, a Câmara
dos Deputados, a CONTAG, o Foro Contra a Violência no Campo, o
Movimento Nacional de Direitos Humanos, a Anistia Internacional,
a OAB federal, as principais organizações de direitos humanos
do País, os que foram a Viena e outros que não foram, mas que
incorporam essa agenda.
Dali saíram idéias para o Plano Nacional de Direitos Humanos,
uma recomendação de Viena, ainda que tenhamos mil queixas e
ainda que a maior parte tenha ficado no papel até hoje, mas a
idéia de ter um plano, e o nosso País é o terceiro a tê-lo,
saiu de Viena. Há outros desdobramentos que saíram de Viena
que não tiveram o mínimo avanço no Brasil. Citando alguns,
para não ficar naquele rol de defeitos, naquela choradeira: a
reformulação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana, que seria o principal órgão da esfera pública para
criar um instrumento de proteção e garantia de direitos no
âmbito nacional. Não aconteceu nada nesse sentido. O projeto
está aqui e o originário daquele grupo de trabalho dorme nas
gavetas. Não há apoio governamental. Não se define se se quer
ou não aquele projeto.
O CDDPH segue sendo um organismo inócuo, absolutamente
ineficaz. As melhores cabeças do País estão ali, mas, quando
há um massacre, produz-se um relatório que não tem
conseqüência nenhuma, porque não tem poder, não se toma
iniciativa. O órgão está perdendo o sentido. Tivemos essa
crise de polícias, este ano, no País inteiro, e o CDDPH passou
oito meses sem se reunir. Passou-se tudo aquilo, era o principal
acontecimento do País naquele momento e ele não se reuniu.
Quando se reúne também não há desdobramento. Esse segue
sendo um problema seríissimo.
A criação da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, do
jeito que foi feita, não resolveu o problema. Queríamos que
ela fosse ligada à Presidência da República, mas foi ligada
ao Ministro; poucos dias depois de criada, mudou o Ministro, e o
novo não tem muito interesse na questão dos direitos humanos.
Não é a área dele. Então, não deu continuidade ao trabalho
do Ministro anterior, Nelson Jobim, que tinha um projeto. O
atual não tem nenhum, nem vocação para essa área.
Lembro que um dos pontos centrais levantados era a questão de
proteção de testemunhas. Nesse aspecto, estamos na estaca
zero; a iniciativa que houve foi dos Estados, timidamente
apoiada pelo Governo Federal. Dependia de uma Lei Federal
retirada pelo Governo para aperfeiçoar, que nunca mais voltou
para esta Casa. Trata-se de uma falácia, porque a lei poderia
ser negociada ao longo do processo. Ela voltou em 7 de setembro,
passou 7 meses nesse processo. Não dá para tirar. O esqueleto
é o mesmo, os problemas que tem de abordar são os mesmos:
possibilitar testemunhos em público, possibilitar mudança de
endereço, possibilitar a negociação de pena. Os temas são os
mesmos. Não poderia ter ficado. Até hoje não ficou claro.
Um outro problema também - acho que saiu dali e não avançou -
é a questão da jurisdição da Corte Interamericana de
Direitos Humanos. Hoje de manhã tivemos aqui a presença do Sr.
Antônio Augusto Trindade, Vice-Presidente da Corte. Tive de
sair para as Comissões e não vi o desdobramento do debate. O
Deputado Hélio Bicudo foi para a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos tomar posse. Há dois brasileiros no sistema.
No Tribunal de Haia está o Ministro Francisco Rezek.
O Presidente da República tem de assinar um ato, depende apenas
dele. Não depende de nenhuma outra esfera, a não ser da caneta
dele, reconhecendo a jurisdição da Corte. Creio que 23 países
do Continente já o fizeram. Isso também é importante, para
que possamos cobrar, para que haja algum tipo de punição se
forem rompidos os compromissos assumidos, algum tipo de
cobrança efetiva. O Brasil assinou solenemente o acordo, que
foi colocado em prática, e não há mais nada a fazer a não
ser cumpri-lo.
Há também a questão dos estrangeiros, e talvez a Deputada
Dalila Figueiredo, no momento oportuno, possa comentá-la.
Está passando da hora também de alguma iniciativa no âmbito
do MERCOSUL, e quanto aos direitos humanos também. Estamos
vendo que os Ministros se reúnem para discutir lavagem de
dinheiro, polícia, cooperação. E os direitos humanos? Sou de
uma Comissão de Direitos Humanos do PARLATINO. Fomos ao Uruguai
e ao Brasil. Na semana que vem iremos à Argentina e ao
Paraguai. É uma Comissão de vários países. Nas prisões
estamos vendo centenas de mocinhas, as "mulas", como
eles chamam, que fazem tráfico. Mocinhas, muitas grávidas,
jovens de diversos países. O Brasil está cheio delas. São
Paulo está cheio de pessoas abandonadas, a maioria apátridas,
que são os africanos. Aqueles países não têm condições de
dar assistência consular. Eles estão abandonados nas prisões,
dezenas e dezenas. Encontramos brasileiros lá também,
abandonados. No Uruguai, há muitos brasileiros abandonados.
Dirigi-me ao Departamento Consular do Itamaraty relatando isso,
pedindo providências.
No caso das meninas prostitutas no Paraguai - depois a Deputada
Dalila Figueiredo falará sobre isso -, a posição do nosso
consulado foi muito ruim. Ainda não há uma política. Estou
citando o MERCOSUL porque, no caso, está havendo uma
integração de mercados; por que não de direitos humanos
também? Já não há iniciativas. Os sindicatos estão-se
reunindo; só faltam os direitos humanos.
Houve até uma reunião, outro dia. em Porto Alegre. No dia 26
de novembro, se não me engano, houve uma primeira reunião, por
iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa do Rio Grande do Sul, Deputado Marcos Rolim. Não
foi ainda incorporada, não tem um apoio oficial. É bom também
que não seja algo muito oficial, mas é importante ter o aval,
o apoio do Governo, que deveria incluir os direitos humanos no
rol da integração. Aí vem o caso dos famosos
"estrangeiros indocumentados", como os chamam nossos
irmãos latinos. Em São Paulo há meio milhão de pessoas
nessas condições, fazendo trabalhos degradantes. Reuni-me com
a Pastoral do Imigrante, e hoje de manhã esteve aqui o Irmão
Rosito. Esse é um problema em que o Brasil está em débito
também, esse desdobramento de Viena.
Só citei questões centrais ou que envolvem relações
internacionais. Nos demais casos, acho que houve avanços.
Acho que está sendo ambígua a posição do Timor Leste, muito
ambígua. Vimos o Presidente da República receber Ramos Horta,
que fez algumas declarações. O Brasil tirou o veto para o
Timor Leste participar da Comunidade dos Povos de Língua
Portuguesa como observador-participante. Mas o nosso Embaixador
na Indonésia disse que não existe o Projeto Timor Leste, que
não existe projeto de direitos humanos do Timor Leste.
Parece-me que é uma das poucas pessoas que têm coragem de
dizer isso, e de público. É o Embaixador brasileiro,
representa o nosso País. É uma diplomacia ambígua também.
Houve avanços na questão. Direitos humanos constituem uma
questão importante no mundo hoje. Definindo-os perante o
Tibete, Timor Leste, define-se também a posição dos países.
A omissão, a ambigüidade ou tibieza de posições também
mostram que, além do discurso, há um caminho livre.
Deixo essas questões aqui. (Palmas)
A SRA. COORDENADORA (Deputada
Dalila Figueiredo) - Antes de mais nada, informo aos Deputados
presentes que às 15h50 teve início a Ordem do Dia e deveremos
estar votando as medidas provisórias. Nesta tarde, estamos
tendo a honra de contar com a presença do Ministro Marco
Antônio Diniz Brandão, que já fez uma brilhante exposição
sobre a implementação das recomendações de Viena. O Deputado
Nilmário Miranda já mostrou sua experiência a respeito das
questões relativas a essas recomendações. O Deputado
Nilmário Miranda já citou a questão e, nesta oportunidade,
até por termos a honra de contar com a presença do Ministro
Marco Antônio Diniz Brandão, devemos lembrar que no
encaminhamento da Comissão externa que investigou a situação
das meninas brasileiras envolvidas com a prostituição infantil
no Paraguai tivemos os nossos trabalhos totalmente comprometidos
por conta do Consulado brasileiro no Paraguai. Lamentamos
muitíssimo isso. É público, podemos dizê-lo, e vamos
apresentar um protesto ao Ministério das Relações Exteriores
e à Comissão de Relações Exteriores desta Casa.
No Paraguai, com tantas questões complicadas de imigração, de
prostituição, de adolescentes presos, tráfico de drogas e
tantas outras coisas, precisaríamos ter um consulado forte, um
corpo diplomático forte. Esta Comissão precisaria ter toda a
guarida do Itamaraty, e lamentavelmente ficou comprometida.
Dando continuidade aos debates...
O SR. DEPUTADO NILMÁRIO MIRANDA
- Sra. Presidente, V.Exa. me permite?
A SRA. COORDENADORA (Deputada Dalila Figueiredo) - Pois não.
O SR. DEPUTADO NILMÁRIO MIRANDA - Como começou a Ordem do Dia,
vou tomar a liberdade, mesmo não tendo sido assim programado
pela Mesa, de propor que a Sra. Maria Caiafa, Coordenadora de
Direitos Humanos da Prefeitura de Belo Horizonte, me substitua.
Ela anota tudo. Ela anotou as questões que levantei para o
Ministro e tenho certeza de que vai cuidar de obter as
respostas. Assim que pudermos sair do plenário, retornaremos
para cá. Se a Sra. Presidente permitir, a Sra. Maria Caiafa
ficará no meu lugar.
A SRA. COORDENADORA (Deputada Dalila Figueiredo) - Com certeza.
Agradeço a sugestão.
O próximo debatedor é o Deputado Nelson Pelegrino, Presidente
da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do
Estado da Bahia, representante do Fórum de Comissões
Legislativas de Direitos Humanos.
O SR. DEPUTADO NELSON PELEGRINO - Cumprimento o Ministro Marco
Antônio Diniz Brandão, que, de forma brilhante, fez aqui uma
exposição sobre as recomendações da Conferência de Viena; a
Deputada Dalila Figueiredo, que preside neste momento a sessão;
o Deputado Nilmário Miranda, que, devido a outras atividades,
teve neste momento de se afastar, e os diversos representantes
de comissões de direitos humanos, de entidades e de órgãos.
Não vou aprofundar-me muito nas questões internacionais com
relação a essa Conferência de Viena, porque, como membro de
uma Comissão de Direitos Humanos de uma Assembléia Legislativa
e como membro do fórum dessas comissões, gostaria de debater -
o convite foi nesse sentido - as resoluções da Conferência de
Viena à luz do dia-a-dia dos trabalhos daqueles que estão à
frente das comissões de direitos humanos nos Estados.
Sem dúvida nenhuma, como foi citado aqui pelo Deputado
Nilmário Miranda, dentre os frutos dessa Conferência estava a
recomendação de que os Estados-membros instituíssem programas
nacionais de direitos humanos. A Conferência foi realizada em
1993, e já em 1996 o Brasil era o terceiro País a instituir o
seu Programa Nacional de Direitos Humanos. Estive presente, em
Brasília, ao lançamento do Programa. É a primeira questão
que gostaria de levantar à luz da exposição do Ministro Marco
Antônio Diniz Brandão, e espero que S.Exa. comente isso.
Gerou uma grande discussão por parte de todos os que
participaram do lançamento do programa e tiveram a oportunidade
de posteriormente analisá-lo o fato de que o Programa de
Direitos Humanos parece, como indica a exposição do Ministro,
não estar em consonância com as recomendações da
Conferência de Genebra. É um Programa que enfatiza a questão
dos direitos individuais, dos direitos coletivos, mas se omite
em relação aos direitos sociais. Esta é, sem dúvida alguma,
uma grande lacuna do Programa Nacional de Direitos Humanos: não
enfoca a questão dos direitos sociais.
Presido há cinco anos a Comissão de Direitos Humanos no Estado
da Bahia e tenho procurado fazer o debate em torno dessa
questão e até resgatar um pouco a dimensão do que é para
nós a luta pelos direitos humanos, não só no Brasil como no
mundo. Os adversários da luta pelos direitos humanos gostam
muito de rotular aqueles que participam dessas atividades,
porque essa rotulação tem um caráter, na minha opinião,
claro, definido. Rotulando, podemos limitar a atuação,
confiná-la. Evidentemente, confinando, isolando, enfraquece-se
a luta pelos direitos humanos.
Não é incomum - o que vou dizer aqui talvez alguns dos que
participam das entidades dessa área já devem ter ouvido -
ouvir a declaração de que quem participa da luta pelos
direitos humanos são todos defensores de bandidos. Eu, por
exemplo, já ouvi por diversas vezes essa afirmação. Acho que
não é uma afirmação despretensiosa, desinformada, mas
direcionada. A partir do momento em que se reduz a dimensão dos
direitos humanos à de defensores de bandidos, resta-nos em um
campo muito limitado, porque sabemos como a sociedade trata os
problemas oriundos de um sistema desigual, que gera a
marginalidade. A marginalidade gera criminalidade, e sabemos
qual é o tratamento que a nossa sociedade dá à criminalidade.
Ficamos um pouco isolados, sem o respaldo da sociedade. Hoje, o
resgate tem a ver com o que foi dito aqui na parte da manhã,
quando da discussão sobre a Declaração Universal dos Direitos
Humanos e sobre a Declaração Interamericana. Ambas dão aos
direitos humanos a dimensão de um direito muito mais abrangente
do que o direito à liberdade, que é, sem dúvida nenhuma,
aspecto fundamental da vida do homem. Quando se fala em defender
direito de bandidos, talvez se esteja falando do direito à
liberdade, ou do direito ao tratamento humanitário, mesmo para
aqueles que incidem em erro na sociedade.
Hoje, estamos procurando fazer o resgate da real dimensão da
luta dos direitos humanos para que, a partir desse resgate, as
pessoas compreendam que essa luta é de todos e não daqueles
que eventualmente militam em entidades de direitos humanos, ou
que estão em órgãos governamentais, encarregados dessa
promoção. A luta pelos direitos humanos acho que talvez seja o
grande mérito do Programa Nacional de Direitos Humanos,
contrastando com essa omissão; é o reconhecimento, por parte
do Estado brasileiro, de que as questões de direitos humanos
são de Estado e não só da sociedade civil organizada. Ou
seja, a luta pela promoção dos direitos humanos no nosso País
não é só das entidades não-governamentais, dos segmentos
civis organizados ou de instituições ou órgãos públicos que
têm a obrigação legal de promover a causa de direitos
humanos. Então, o Programa Nacional de Direitos Humanos é o
reconhecimento de que o Estado brasileiro tem de assumir uma
agenda programática em relação aos direitos humanos no País.
Embora o Programa seja mais uma agenda de compromissos do que
medidas eficazes - daí o motivo do comentário do Deputado
Nilmário Miranda -, infelizmente pouco do Programa foi
executado, apesar de algumas medidas terem sido topicamente, de
forma debilitada, implementadas, mas acho que esse é o grande
mérito. Digo isso porque, na minha opinião, a real dimensão
da luta pelos direitos humanos vai além do resgate do direito
à vida. Isso é fundamental, não tenham dúvida alguma, porque
sem esse direito nenhum outro existe. A integridade física, que
também tem a ver com o direito à vida, a liberdade, os
direitos individuais, como o da crença religiosa, da opção
sexual, da condição sexual, o respeito aos direitos de
crianças, deficientes, adolescentes, idosos e minorias
populacionais são, sem dúvida alguma, direitos fundamentais. A
luta contra a discriminação racial é direito individual que
tem uma dimensão muito importante. É preciso resgatar neste
momento, e todas as falas, tanto a da parte da manhã, do
debatedor, Deputado Eujácio Simões, como a do Deputado
Nilmário Miranda, tratam da dimensão da questão social dos
direitos humanos, porque o direito à vida é tão importante
quanto o direito à saúde. O ser humano que não tem direito à
saúde está tendo comprometido seu direito à vida. O direito
à educação, à moradia, à renda, ao emprego, ao lazer, à
terra, todas essas dimensões, eu acho, precisam ser resgatadas
com os direitos humanos; são dimensões indissolúveis e
precisam ser levantadas, porque apontamos esses parâmetros: a
luta pelos direitos humanos é de todos, uma luta de toda a
sociedade, porque toda a sociedade está envolvida com esses
direitos relacionados.
Estamos vivendo num mundo de economia globalizada, numa economia
dos grandes oligopólios transnacionais que não respeitam os
Estados nacionais, não respeitam governos nacionais, impõem as
suas normas. Li recentemente um artigo que dizia que o G-8
estava programando, numa das suas conferências, uma iniciativa
no sentido de proibir que qualquer Estado nacional pudesse fazer
qualquer tipo de regulamentação ou restrição ao capital
financeiro ou à circulação do capital financeiro mundial. Foi
uma das resoluções do G-8, ou seja, os Estados nacionais não
poderiam adotar legislações nacionais de restrição à
circulação dos capitais no mundo, e haveria a regulamentação
da atuação desses capitais. Então, sabemos o que significa o
capital especulativo, o que significam esses capitais
transnacionais, que não têm nenhum compromisso com os países,
com os povos, só têm compromisso com a produção.
Faço questão de reafirmar o que foi observado pelos Deputados
Eujácio Simões e Nilmário Miranda, principalmente porque o
capital financeiro, que é hegemônico hoje, não está nem um
pouco preocupado com países, com populações. A História tem
demonstrado que a ação desses capitais, inclusive com ataques
especulativos, tem gerado um agravamento da situação social no
mundo inteiro, principalmente nos países do Terceiro Mundo. A
cada pacote cortam-se verbas da saúde, da educação, o que
gera desemprego e todas as repercussões sociais.
Neste momento estamos fazendo uma profunda reflexão. No ano que
vem, as declarações americanas e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos completam 50 anos. Estamos também debatendo as
recomendações da Conferência de Viena, inclusive um aspecto
observado pelo Sr. Ministro Marco Antônio, e acho fundamental
esse conceito dos direitos humanos relacionado à questão do
desenvolvimento humano, quer dizer, à qualidade de vida das
populações, porque isso precisa ser discutido.
Contraditoriamente, com o avanço tecnológico no mundo inteiro,
o que vemos é um avanço da degradação da condição humana,
é um contraste inaceitável; quanto mais a economia avança, do
ponto de vista tecnológico, criando as condições para a
superação das desigualdades e para um padrão de vida melhor,
no mundo inteiro vemos não só o aumento das desigualdades, o
agravamento da precariedade dessas mesmas condições, sem falar
do xenofobismo e de outros aspectos. Acho também que há um
retrocesso em relação a essa questão dos direitos humanos.
Então, esse é um resgate que é preciso fazer; não precisamos
fazer um debate sobre isso; essa dimensão dos direitos humanos
tem que ser apontada nos fóruns internacionais, e tem que haver
uma reação.
Recentemente participei de algumas reuniões de direitos humanos
e tenho afirmado algo de que estou absolutamente convencido: os
direitos humanos, no terceiro milênio, vão ganhar um papel
muito mais importante do que ganharam neste final de milênio.
Quando falo em direitos humanos, dou-lhes numa dimensão
sinônima de direitos do cidadão. Há uma sinonímia muito
grande entre direitos humanos e direitos do cidadão,
principalmente numa economia privatizada, onde os grupos
internacionais comandam, estão acima dos grupos dos Estados
nacionais. Cada vez mais a população, o cidadão está sujeito
à ação dos grandes oligopólios, dos grandes grupos
econômicos. Então, ou o cidadão se organiza e fortalece a
sociedade civil para ter seus direitos respeitados, para ter
seus direitos efetivamente implementados, ou então vamos viver
um período de selvageria, talvez até semelhante aos
primórdios do desenvolvimento do capitalismo no final do
século passado e início deste século, quando a classe
operária chegava a trabalhar até 16, 18 horas por dia, e o
cidadão não tinha qualquer direito perante o Estado. Então,
acho que há algumas dimensões que precisam ser resgatadas.
Estou absolutamente convencido de uma outra dimensão do
controle sobre o Estado, e peço até que o Sr. Ministro Marco
Antônio discorra um pouco sobre isso. Cada vez menos o cidadão
controla o Estado, e esse Estado autoritário acaba sendo um
instrumento de reprodução dessa injustiça.
Alguns mecanismos postos no Programa de Direitos Humanos são
ainda muito tímidos para uma realidade que é preciso seja
avançada, que é a realidade do controle do Estado. O Estado
precisa ser controlado não só no Brasil, mas no mundo inteiro.
A sociedade civil precisa organizar-se para controlar o Estado;
a sociedade civil precisa organizar-se para se defender de uma
economia oligopolizada. São elementos, na minha opinião,
fundamentais. Quanto a essa questão, não sou um profundo
conhecedor; talvez o Sr. Ministro possa discorrer também um
pouco sobre os fóruns internacionais, as cortes internacionais.
Aprendi nos bancos da faculdade de Direito que uma norma que
não prevê sanção é quase inócua. Diversas normas que hoje
existem no Plano Internacional de Proteção, se não houver
mecanismos de sanção para aqueles que não as cumprem, se não
houver mecanismos para podermos fazer com que essa sanção seja
efetivamente respeitada, para que haja um temor dessa sanção,
acabam sendo inócuas.
Gostaria que o Sr. Ministro comentasse como é realmente esse
processo nos tribunais internacionais, nas cortes
internacionais, quais os mecanismos de sanção e a própria
eficácia, o poder de sancionar.
Há um aspecto muito interessante no Programa Nacional de
Direitos Humanos. Logo no início, fala do cadastro nacional de
inadimplentes sociais, ou seja, Estados e Municípios que não
respeitem os direitos mínimos relacionados à questão dos
direitos sociais, dos direitos humanos, entrariam num cadastro,
teriam restrições de crédito, de recursos. Uma medida muito
importante é dar eficácia, talvez até, digamos assim,
sanção para muitas normas previstas nesse Programa Nacional de
Direitos Humanos. Infelizmente esses cadastros ainda não foram
implementados. Acho que chegou a hora de começarmos a discutir
como vamos, infelizmente, adotar os necessários mecanismos de
sanção para que as normas que estão previstas, não só nesse
instrumento, mas também nos outros, sejam respeitadas.
Agradeço a atenção. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Deputada Dalila Figueiredo) - Agradeço ao
Deputado Nelson Pelegrino a participação, a brilhante
contribuição a este evento.
Passo a palavra ao Sr. Ministro Marco Antônio Diniz Brandão.
O SR. MARCO ANTÔNIO DINIZ BRANDÃO - Agradeço profundamente
aos Deputados Nilmário Miranda e Nelson Pelegrino as
observações substantivas, que incidem naturalmente sobre a
minha exposição ou sobre outros aspectos da posição
brasileira no campo internacional. São muito bem-vindas e
certamente enriquecerão nosso patrimônio de idéias, de
observações que orientam a nossa política externa, a nossa
atuação nos foros internacionais. Agradeço à nossa
Presidente, Deputada Dalila Figueiredo, as observações. Tenho
certeza de que é política do Itamaraty receber as críticas
com um espírito muito agradecido, porque sabemos que elas
conduzem a um melhoramento dos nossos serviços, e é para isso
que estamos aí, estamos abertos sempre aos diálogos e aos
melhoramentos propostos.
As observações dos Deputados Nilmário Miranda e Nelson
Pelegrino na verdade são bastante coincidentes em muitos
pontos. Talvez pudesse responder aos dois ao mesmo tempo. O
Deputado, por favor, que quiser interromper-me para algum
esclarecimento adicional, que o faça.
Talvez comece pelo nosso Plano Nacional de Direitos Humanos.
Ambos os debatedores, e creio que em algumas outras
oportunidades nesta manhã também, observaram que o Plano
Nacional de Direitos Humanos concentra-se numa parte de direitos
individuais e políticos e não se dedica em grande parte aos
direitos ao desenvolvimento, aos direitos sociais e econômicos.
A crítica talvez seja pertinente, mas devo enfatizar que o
Plano Nacional de Direitos Humanos, como também já mencionou o
Deputado Nilmário Miranda, é o terceiro plano adotado no mundo
depois da Conferência de Viena. Esse plano foi feito em
consulta, na verdade, com toda a sociedade civil; o primeiro
esboço dele foi produzido pela USP, pelo Centro de Estudos
Contra a Violência, dirigido pelo Prof. Paulo Sérgio Pinheiro,
e foi depois debatido amplamente com toda a sociedade.
Evidentemente não é um plano perfeito. Nenhum plano é
perfeito. E, mais do que isso, está sendo constantemente
avaliado e reavaliado; há um grupo no Ministério da Justiça
que se dedica exclusivamente a uma avaliação e uma
reavaliação dele, e não tenho dúvidas de que é um plano
que, mais cedo ou mais tarde, como é, aliás, devido, natural e
desejável, como todo documento programático, vai ser revisto e
poderá ser aperfeiçoado. Creio que há grande campo para
aperfeiçoamento e poderá ser ainda muito melhorado. Mas o que
quero enfatizar é que na verdade ele se debruça sobre os
direitos individuais, sobre os direitos que chamaria de primeira
geração, por uma questão muito simples: o direito ao
desenvolvimento e os direitos sociais são ainda dificilmente
quantificáveis, dificilmente programáveis. Como disse um pouco
antes da minha exposição, é difícil, a partir da própria
Conferência de Viena, saber muito bem - há uma certa
ambigüidade nisso - o que são direitos coletivos e o que são
direitos individuais. Na verdade, uns interpenetram os outros e
fica muito difícil para algum legislador ou mesmo para um
programa de Governo, no momento (e enfatizo: no momento),
definir tudo o que se refere a direito e desenvolvimento de uma
forma coerente com o que já está codificado, com o que já
está entendido, com o direito individual, que é claro e que é
perfeitamente aceito e entendível por toda a sociedade.
Aí de novo creio que se trata de uma questão de evolução, de
uma questão de estudo, de percepção da sociedade, do que são
esses direitos, quais são esses direitos. Na verdade, eles
precisam ser delimitados. De que forma podem ser divididos,
explicitados, apresentados em palavras? De que forma o Estado
pode comprometer-se, de uma forma coerente, passível de
cobrança, com sua implementação? São questões que estão
ainda sem solução, e acho que o debate que estamos fazendo
aqui é útil no sentido de que aponta para essa necessidade de
que seja examinada com mais vagar e com mais profundidade essa
questão dos direitos econômicos e sociais. Como isso é
colocado? O próprio direito ao desenvolvimento, como ele é
colocado, em termos de compromisso? É um debate que toda a
sociedade, a academia, enfim, as universidades, o Legislativo,
as ONGs e o próprio Governo devem fazer, são questões que
têm de ser levantadas e têm de ser, enfim, de alguma forma
solucionadas no futuro. E concordo que são questões da maior
importância, mas, se me permitem, não invalidam a importância
fundamental e pioneira do Plano Nacional dos Direitos Humanos;
mesmo no âmbito internacional é um Plano que foi recebido com
enorme calor, inclusive pelo aspecto de ter sido feito em
conjunto com a sociedade civil. Ele tem essa característica que
V.Exa. também apontou. E o Governo, pela primeira vez, a partir
do plano, começa a criar toda uma série de entidades e
órgãos para cuidar dos direitos humanos, porque pela primeira
vez admite de forma clara que direitos humanos perfazem uma
questão de Estado, uma questão de Governo. Ao mesmo tempo
procura, como não poderia deixar de ser, e acho que cada vez
mais, a opinião da sociedade, procura fórmulas em que os
anseios da sociedade sejam mais bem expressos e contemplados em
um documento.
A partir do plano, foi criada a Secretaria Nacional de Direitos
Humanos, que foi realmente uma grande conquista. Talvez não
tenha sido a melhor fórmula, o que não posso julgar, porque
não tenho elementos para julgar a fórmula que levou à
criação da Secretaria nos moldes em que ela está, mas
certamente foi um avanço significativo na questão do
tratamento dos direitos humanos pelo Estado brasileiro.
Volto a ressaltar que no Itamaraty também foi criado um
Departamento de Direitos Humanos. É evidente que há um clima
diferente hoje no Brasil. Os governos estaduais também são
importantes; cada governo tem desempenhado e criado
instituições e órgãos que cuidam de direitos humanos. O
Governo do Estado de São Paulo aprovou um plano estadual de
direitos humanos que é da maior importância no conjunto da
Federação. Espero que esse exemplo seja seguido por outros.
Tudo isso teve início com a Declaração de Viena e com a
adoção do Plano Nacional de Direitos Humanos.
A questão das cortes internacionais também foi levantada,
tanto pelo Deputado Nelson Pelegrino como pelo Deputado
Nilmário Miranda. O tratamento internacional de direitos
humanos nas cortes é um tratamento, eu diria, sui generis; na
verdade, não existe em qualquer sistema internacional de cortes
sanções contra o Estado que não sejam sanções de caráter
exclusivamente moral. A força das sanções de um tribunal
internacional depende da força que esse próprio tribunal possa
ter junto à opinião pública, da força que esse tribunal
possa ter junto aos Estados que o compõem e junto à comunidade
internacional. Um Estado não pode ser condenado a ir para a
prisão ou a pagar uma multa. Pagar uma multa até pode, e é o
que tem feito a Corte Interamericana de Justiça, que condena os
Estados a pagarem indenizações a vítimas de atos criminosos
por omissão, ou cuja responsabilidade o Estado reconheça, ou
deva reconhecer. Mas se o Estado, por acaso, recusar-se a pagar
essa multa, ninguém pode penalizá-lo por isso, por não pagar
a indenização. São processos, eu diria, semelhantes a
ações, talvez de caráter moral e juridicamente vinculante, é
verdade, mas cuja sanção é ainda eminentemente
político-moral.
Não sei se foi o Deputado Nilmário Miranda que se referiu, há
pouco, à criação de um tribunal penal internacional. Aí sim,
pela primeira vez haverá no sistema internacional um tribunal
com definição de crimes e de penas. O Brasil apóia a
criação desse tribunal, que está em fase final de
concretização. Veremos o que levarão alguns, porque são
poucos os crimes a serem identificados como crimes
internacionais, digamos assim, justamente para que seja um
início de experiência de um sistema internacional que penalize
com penas concretas criminosos assim considerados
internacionalmente.
Uma outra questão que tem sido levantada é a da participação
do Brasil na Corte Interamericana de Justiça. É uma questão
que vem sendo levantada há bastante tempo e cada vez com mais
força, e merece ser debatida por toda a sociedade, e também no
Legislativo e no Judiciário, porque, posso dizer, não é uma
questão pacífica. Há muita gente julgando que o Brasil, por
questões de soberania e de sua própria tradição jurídica,
por questões do seu próprio sistema político federativo, não
deve reconhecer a competência da Corte Internacional de
Justiça. Há uma outra parcela ponderável de opinião que
julga que sim, que a soberania não é exclusa para tanto, que o
sistema federativo também não, uma vez que outros Estados
federados também já aderiram à corte. A Argentina é um caso,
com efeitos bastante positivos, e não houve nenhuma ruptura do
sistema federativo por causa disso. Há também, pessoas que
consideram que na própria história jurídica brasileira já
há elementos que justifiquem esse reconhecimento.
Eu diria que a nossa posição no Itamaraty é a de aguardar um
pouco para ver como esse debate se encaminha. O Itamaraty na
verdade executa as linhas políticas determinadas pelo
Presidente da República, e nesse caso creio que ainda há campo
para um debate interno que justifique, que substancie, de uma
forma bastante boa, nossa decisão final. Creio que no correr
deste ano o assunto voltará à baila muitas vezes, será muito
discutido, tanto aqui em Brasília quanto em vários Estados, e
talvez haja uma evolução que eu chamaria de positiva, no meu
ponto de vista pessoal.
O Deputado Nilmário Miranda referiu-se também a uma idéia que
me parece muito boa e acho que tem de ser implementada: que se
introduza nas tratativas, nas negociações sobre o MERCOSUL, o
componente direitos humanos. Penso que a reunião de Presidentes
do MERCOSUL para tratar de assuntos relativos a direitos
humanos, que se realizará em dezembro, será uma ocasião
especial, talvez a mais favorável, para que seja lançada a
temática nas negociações concretas entre países do MERCOSUL.
Não creio que esse encontro deixe de produzir algum tipo de
efeito substantivo. Sei que vá acabar, tenho certeza disso, por
produzir algum tipo de negociação substantiva sobre o tema no
âmbito do MERCOSUL.
Sobre o Timor Leste, creio que muito já foi dito; nossa
posição é, com a devida vênia do Deputado Nilmário Miranda,
que fez a observação, muito equilibrada; não vou estender-me
sobre ela aqui, mas é uma posição que leva em conta cada vez
mais os movimentos de libertação e outros movimentos do Timor
Leste, que têm como base, e sempre tiveram, o reconhecimento de
que o povo do Timor Leste é que deve decidir pela sua
autodeterminação. O próprio povo do Timor Leste é que deve
decidir o que quer, se quer ficar junto da Indonésia, se quer
tornar-se um país independente ou uma região autônoma. As
formas como isso vai ser realizado estão sujeitas ainda à
negociação, mas o básico, o ponto básico que o Brasil
reconhece e que defende em todos os fóruns internacionais, é o
respeito ao direito da autodeterminação do povo timorense.
Isso é ponto pacífico na nossa política externa.
Um último comentário que eu gostaria de fazer - talvez V.Exa.
possa comentar alguma coisa se desejar - é sobre uma
observação de V.Exa. que achei muito interessante e que
realmente é procedente. Muita gente acha que os defensores
militantes dos direitos humanos são os defensores dos bandidos,
do crime. É muito comum, é algo que ouço com muita
freqüência, mas o que ninguém diz é que na verdade o crime
é uma violação dos direitos humanos e é assim considerado
pelos militantes da área. O bandido é um violador dos direitos
humanos; ele, porém, tem direitos humanos também. Essa é a
razão da perplexidade de alguns, que não vêem que todas as
pessoas, mesmo os piores, mesmo os bandidos, os violadores dos
direitos humanos têm, eles também, seus próprios direitos
humanos. (Palmas)
A SRA. COORDENADORA (Deputada Dalila Figueiredo) - Em nome da
Comissão de Direitos Humanos, eu gostaria de agradecer ao
Ministro Marco Antônio Diniz Brandão sua inestimável
contribuição aos trabalhos desta tarde.
Quero dizer que na última semana o Estado de São Paulo teve a
honra de sediar o primeiro Congresso Ibero-Americano de
Segurança Transnacional para os Países do MERCOSUL, e na
oportunidade discutimos à exaustão a necessidade de um
congresso transnacional e, portanto, de alterações que devam
ser feitas na Constituição Brasileira, precisamente em seu
art. 4º. Esse Congresso discutiu não só a necessidade de
procedimentos comuns a serem adotados na questão da segurança,
mas também, e muito, a questão de direitos humanos no
MERCOSUL. Nós, na oportunidade, recomendamos, na Carta de São
Paulo, uma série de procedimentos que serão encaminhados ao
Ministro das Relações Exteriores para apreciação crítica e
para que possamos, posteriormente, encaminhar medidas efetivas
no sentido de respaldar, por exemplo, os 180 mil brasileiros que
se encontram ilegalmente no Paraguai, discutir a questão das
prisões provisórias e das que são feitas ilegalmente e a
questão dos imigrantes, que têm comprometido sobremaneira o
Mercado do Cone Sul.
Antes de passar a Presidência desta Mesa para o Deputado Nelson
Pelegrini, por conta da votação das medidas provisórias agora
à tarde, vou ler duas sugestões que já serão incorporadas a
estes trabalhos que estão sendo realizados pela Comissão de
Direitos Humanos neste encontro preparatório.
A primeira sugestão é de Plínio Possobom, do Conselho
Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de São
Paulo.
"Motivação: as forças retrógradas da antiga sociedade
ultra-direitista de interesses selvagens, sustentadora da
ditadura, tentam de todas as formas anular, dirimir a
legislação relativa à criança e ao adolescente, certamente
porque o Estatuto da Criança e do Adolescente é a mais bela
flor da Constituição Federal de 1988, que preconiza uma nova
sociedade, a sociedade participativa. E os governantes que ainda
têm a cabeça da antiga sociedade consideram isso um grande
agravo à sua autoridade e não querem abrir mão de seus
direitos, isto é, do seu poder. Na realidade, poucos, mesmo
entre os juízes, advogados, Prefeitos, Governadores e
professores, leram o Estatuto, e manifestam-se contra ele com
veemência e atitudes de doutores in casu, e chegam a dizer que
o Estatuto é a maior fábrica de marginais.
Propostas: organizar esquemas para a sustentação do Estatuto
da Criança e do Adolescente; distribuir exemplares do Estatuto,
quer o texto oficial, quer o texto adaptado com a Turma da
Mônica; promover a inclusão dos conteúdos do Estatuto em
todas as cadeiras de humanas das faculdades, centros
universitários, universidades, nas escolas de magistério e
especialmente nas faculdades de Direito; promover seminários
com participação obrigatória dos diretores, professores e
educadores de todas as escolas do Brasil; promover uma boa
organização pedagógica e uma boa metodologia participativa
com cursos, festival de coretos, música, festival de
encenações, teatros, para todos os alunos do ensino
fundamental e ensino médio, no Brasil; propiciar a todos os
educadores, monitores, assistentes e agentes, seminários de
capacitação para melhorarem sua performance no métier;
promover um congresso nacional do CONANDA, dos Conselhos
Estaduais, dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos
Conselhos Municipais e Conselhos Tutelares, com debates sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente; propor como lei nacional
que "só poderão receber verbas, quer federais, estaduais,
quer municipais, aqueles que tiverem em perfeito funcionamento o
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o
Conselho Tutelar e o Fundo da Criança e do Adolescente."
Essa foi a contribuição de Plínio Possobom, Presidente do
CONDECA de São Paulo. Agradecemos e, após a apresentação da
outra proposta, abriremos aos presentes a oportunidade de
debater com o ilustre expositor desta tarde e os debatedores.
A segunda proposta eu poderia
dizer que nasceu a partir de comissões de que a Comissão de
Direitos Humanos teve a oportunidade de participar, para
análise não só da questão da prostituição infantil, na
fronteira do Brasil e do Paraguai, mas também da situação dos
imigrantes naquela região e dos brasileiros presos, dando
ênfase aos adolescentes presos, que são imputáveis no
Paraguai. São situações extremamente preocupantes, como a que
vimos na prisão de Pedro Juan Caballero, de meninos que
receberam alvará de soltura de manhã e até hoje não
conseguimos localizar. São situações difíceis. Há grupos de
extermínio na fronteira. Reconhecemos a omissão do Governo
brasileiro na questão do policiamento, e esse tema foi
discutido no Congresso, na última semana. É preciso que o
Governo priorize a abertura de concursos para agentes da
Polícia Federal, já que o efetivo dessa polícia é muito
pequeno para uma fronteira da dimensão da que tem o Brasil. Só
no Mato Grosso são 450 quilômetros de fronteira seca! Isso é
muito difícil; essas prioridades, porém, serão apresentadas
ao Presidente da República.
Essa sugestão nasceu de todo esse trabalho que tem sido
desenvolvido pela Comissão de Direitos Humanos, pelos Deputados
que a compõem e particularmente estão envolvidos com a
questão do MERCOSUL.
Requerimento:
Exmo. Sr. Presidente, na condição de membro titular desta
Comissão de Direitos Humanos e, como tal, participando deste
encontro preparatório do qüinquagenário da Declaração
Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem e da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, venho apresentar a V.Exa. a
proposta subseqüente a ser incluída entre as recomendações
prioritárias a serem formuladas neste importante evento sobre
direitos humanos.
Proposta:
Celebração, entre os países integrantes do MERCOSUL, de um
acordo geral sobre procedimentos comuns a serem adotados em
questões pertinentes aos direitos da pessoa humana.
E justificamos a proposta:
Coordenamos recentemente duas Comissões Externas que atuaram na
região fronteiriça entre Foz do Iguaçu, no Brasil, e Ciudad
del Leste, no Paraguai, uma delas verificando as condições em
que se encontram os presos brasileiros naquele país, e a outra
averiguando denúncia sobre prostituição infantil e
escravidão de menores naquela região.
Não foi difícil constatar que a divergente legislação dos
países componentes do MERCOSUL, o que resulta em ações
governamentais desconexas e até opostas a esses países, tem
sido um dos fatores que mais dificultam a aplicação e o
desenvolvimento de medidas efetivas de repressão ao tráfico de
drogas, à prostituição infanto-juvenil, ao contrabando e às
demais formas de criminalidade encontradiças nas fronteiras
entre o Brasil e os outros países do MERCOSUL.
Propomos, portanto, a V.Exa. que esse importante fórum de
direitos humanos inclua em suas recomendações essa sugestão
de se provocar um acordo entre os integrantes do MERCOSUL no
sentido de que sejam uniformizados certos procedimentos
tendentes a facilitar ações que objetivam a salvaguarda dos
direitos da pessoa humana, em especial no que diz respeito às
diferentes idades em que se tornam penalmente imputáveis os
menores nesses países: a uniformização do tempo de prisão
provisória, em cumprimento às recomendações da Organização
das Nações Unidas; a transferência de condenados, em especial
de menores, para cumprimento de pena, no país de origem, na
conformidade de suas leis; a possibilidade de repatriação de
mulheres menores que se encontrem em prostíbulos, inclusive em
situação de confinamento, constatado por nós; a possibilidade
de cooperação e de atuação conjunta entre as autoridades
fronteiriças dos países componentes do MERCOSUL, no combate à
criminalidade e na repressão à delinqüência infanto-juvenil.
Sem a pretensão de ter esgotado os temas que deveriam ser
incluídos no tratado dessa natureza, mas realçando ainda uma
vez sua importância e sua imprescindibilidade, encareço a
V.Exa., aos membros dessa Comissão e aos participantes o
deferimento dessa proposta.
Assina esta Deputada, Dalila Figueiredo. (Palmas.)
Então, nesta tarde, encaminharemos à Comissão de Direitos
Humanos essas duas propostas que, se aprovadas pelos presentes,
deverão integrar uma declaração que faremos quando do
aniversário da Declaração dos Direitos Humanos.
Sou um pouco inexperiente na condução destes trabalhos, até
porque sou uma Deputada novata. Entrei nesta Casa no mês de
janeiro e tenho aprendido com os Deputados Nilmário Miranda e
Padre Roque - não se encontra presente porque está adoentado
-, e principalmente com todos aqueles que fazem parte da
Comissão de Direitos Humanos, o que é realmente um trabalho
parlamentar que tem por objetivo respaldar e defender os
direitos das minorias.
Sinto-me muito honrada por fazer parte desta Comissão e por
contar com o apoio dos companheiros da Comissão de Direitos
Humanos. Lamento alguma falha minha por falta de experiência e
desejo que os debates transcorram de uma maneira produtiva.
Agradeço acima de tudo ao Deputado Nelson Pelegrini por assumir
a Presidência desta Mesa e ao Ministro Marco Antônio Diniz
Brandão a presença.
Desculpo-me também pelas
exposições que fiz sobre a questão diplomática no Paraguai,
necessária e transparente, mas não poderia ser de outra forma.
Agradeço à Sra. Maria Caiafa, Coordenadora de Direitos Humanos
e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte, e a todos os
presentes. (Palmas.)
DEBATES
O SR. COORDENADOR (Deputado
Nelson Pelegrino) - Dando prosseguimento aos trabalhos, a Mesa
dá oportunidade ao Plenário para se inscrever, fazer
comentários e indagações ao Sr. Ministro.
Estão abertas as inscrições.
Peço aos debatedores que se identifiquem no microfone, porque
este seminário está sendo gravado, a fim de facilitar a
montagem dos Anais.
O SR. APARÍCIO XAVIER - Meu nome é Aparício Xavier; sou da
Prefeitura Municipal de Campo Grande, onde coordeno a área de
Direitos Humanos.
A Deputada Dalila Figueiredo fez uma narrativa simples do que
está acontecendo em Mato Grosso do Sul. Quem vai até lá
constata que não é só isso o que está ocorrendo. Estão
sendo executadas em média 300 pessoas por ano em Mato Grosso do
Sul. Quer dizer, está morrendo mais gente naquele Estado do que
em qualquer outra guerra que se possa imaginar.
Percebemos que os executores desses atos são pessoas
sustentadas pelo Poder Público; na maioria, são policiais.
Seres humanos estão morrendo a bem do serviço público. É
triste termos que sair do nosso Estado e vir aqui dizer isso,
mas hoje, na região fronteiriça, é extremamente perigoso
caminhar. Vivo na fronteira, conheço bem aquela região e tenho
visto coisas assustadoras. Há muitos anos, na primeira reunião
desta Comissão, quando o Deputado Nilmário Miranda era
Presidente desta Comissão, fiz uma denúncia do Cel. Adib, na
época, e fui orientado a retirar meu nome da relação de
denunciante; talvez, se não o tivesse feito, hoje não estaria
aqui falando novamente, porque lá quem fala cala.
Há poucos dias, um companheiro nosso levou treze tiros ao sair
de uma padaria porque teve a ousadia de falar. Alguns questionam
o porquê disso, mas infelizmente é necessário que esta
Comissão tome uma posição para ajudar o Mato Grosso do Sul a
sair dessa condição triste de ser quase um cemitério. Essa é
uma das minhas preocupações.
No dia 10, em Campo Grande,
estaremos realizando o lançamento da Campanha de Desarmamento e
Conscientização dos Direitos Humanos. Fizemos a distribuição
de 8 mil exemplares, dirigida para o Programa Nacional de
Direitos Humanos. Também participamos da execução desse
programa na época da consulta popular e sugerimos mudanças no
Código Penal que devem estar acontecendo em breve.
Quando se fala em desarmamento, fico preocupado, porque parece
hipocrisia pretendermos desarmar o povo, a sociedade. Por um
lado pregamos o desarmamento bélico e o desarmamento dos
espíritos, mas, por outro lado, continuamos cedendo alvarás
para que empresários abram as suas lojas. Quanto estou na Rua
14 de julho pregando o desarmamento, vejo nas vitrines das lojas
escopetas, carabinas, pistolas e coldres. Ora, fica difícil
pregarmos o desarmamento se ao mesmo tempo permitimos a venda de
armas nas lojas da cidade. Parece brincadeira! Isso é sério ou
não é? Queremos desarmar ou não a população? Então, no dia
10, em Campo Grande, estaremos propondo a suspensão dos
alvarás de empresas comercializadoras da morte. Se não posso
matar um beija-flor porque estarei sujeito à prisão
inafiançável, se não posso caçar, não posso matar um
pássaro, qual é o objetivo de ir a uma loja e comprar uma
arma? Percebe-se que é para matar seres humanos.
Neste País, matar pessoas é muito fácil, e quando se mata
negros é mais fácil ainda. Percebemos que a polícia de São
Paulo mata a todo o instante. Neste exato momento acaba de
morrer um negro neste País a bem do serviço público.
Temos conversado com integrantes da Polícia Militar que
executam pessoas, e eles dizem: "matar negro é fácil
porque não aparece ninguém nem para chorar por eles. Matar
branco - eles alegam - é perigoso porque esse branco pode ser
parente ou amigo de alguma autoridade, e o negro não". O
negro é filho da cozinheira, da lavadeira, do guarda-noturno,
do motorista. Então ele, o policial, não vai sofrer qualquer
ação. Quer dizer, é simples fazer a execução. Não é
sequer confronto, é execução ao vivo. Temos visto isso no
Brasil inteiro.
É preciso tomarmos uma atitude com relação às lojas de armas
e com relação à mudança no currículo, ou seja, invadir as
academias de polícia para que se mude o conceito de formação
do policial. O policial está sendo formado para enfrentar uma
guerra, o inimigo. E o inimigo, quando ele sai às ruas, sou eu.
Ele vai me encontrar e vai me executar, porque quando ele atira,
no treinamento, o alvo é uma silhueta de um ser humano, não é
um alvo redondo. Ele atira na cabeça, no coração, no baço,
na perna, no braço. Até na televisão, nas propagandas de
bolas de vôlei, aparece o ser humano sendo bombardeado por
elas.
Então, temos que pensar se queremos ficar discutindo direitos
humanos. É muito fácil tomar um avião e vir até aqui, sentar
num auditório todo acarpetado, falar muito e, na hora de ir
para a base, dar o alvará para que o indivíduo entre na loja e
compre a arma. Vamos estar pagando o policial para nos executar.
Temos de partir para uma ação mais radical, de mudança
efetiva, porque o discurso é muito efêmero. E às vezes, se
falamos muito, corremos o risco de amanhã não podermos falar
mais. No meu Estado, quem fala muito aparece com um cadeado na
boca. Então, isso é muito complicado.
A outra questão que vou levantar, Sr. Ministro - V.Exa. que faz
parte das Relações Exteriores - é com relação aos países
africanos. Somos o segundo país de negros do Planeta Terra. E
percebo que o Brasil hoje faz com a África o mesmo que fizeram
naquela reunião na Alemanha: dividiram o continente africano,
tiraram tudo o que tinha, inclusive a nossa alma, o nosso
espírito. O Papa Nicolau V dizia que apanhar ébanos na
África, batizá-los e dar-lhes nomes e trazer ao Brasil era
salvar almas. O que o Brasil faz hoje para garantir mudanças
efetivas nas políticas, com relação aos países do continente
africano? Por exemplo, sabemos que na Mauritânia hoje ainda
existe escravidão, e os olhos do Brasil estão voltados muito
para os países anglo-saxônicos. Parece que só a pele e os
olhos claros interessam ao Brasil. Percebemos que a política do
Brasil para os países africanos é muito complicada. Fizemos um
fórum no Mato Grosso do Sul, em 1993, e reunimos 13 países
africanos. Percebemos, na fala dos embaixadores, que há muita
dificuldade para se estabelecer uma reciprocidade. Parece que a
África tem que comprar muito do Brasil, mas o Brasil não quer
comprar da África. Estudante brasileiro não vai para nenhum
país africano para estudar, nem para tomar conhecimento da sua
ancestralidade. Todos nós somos educados para estudar nos
Estados Unidos, na Inglaterra ou na Europa. Mas eu consegui, por
exemplo, levar para o Mato Grosso do Sul 16 estudantes
africanos, que estão lá. O que está fazendo, portanto, o
Ministério das Relações Exteriores para mudar essa relação
desigual entre o Brasil e os países africanos?
Axé.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Gostaríamos de
saber se há alguém que ainda queira fazer alguma indagação.
O SR. MANOEL ROCHA - Sr. Ministro, Sr. Presidente, companheiros
aqui presentes, meu nome é Manoel Rocha e pertenço ao
movimento popular de Goiás, ao Conselho das Associações dos
Moradores em Goiás.
Eu tenho algumas questões para
apresentar à Mesa. Vemos nas bases - eu, que mexo com a
comunidade - o avanço da violência, da prostituição. Nestes
últimos dois anos, em meu Estado, a prostituição infantil e
as drogas parecem fluir da terra, vêm aumentando de minuto em
minuto. Eu gostaria de fazer uma pergunta: há esperança de
combater essas organizações criminosas, já que muitas
instituições, como as da polícia militar e da polícia civil,
a mais contaminada delas, em meu Estado, estão envolvidas
nessas organizações criminosas?
Era o que eu tinha a dizer. Agradeço a atenção.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Convido a Dra.
Herilda Balduíno, representante da Comissão Federal de
Direitos Humanos. A OAB também é co-promotora deste evento.
Queremos convidar a ilustre representante para fazer parte da
mesa.
A SRA. MARIA CAIAFA - Desde a manhã de hoje, ouvimos algumas
indagações, envolvendo toda essa área de direitos humanos.
Algumas coisas não são novidades para nós. Tive a honra de
participar desse fórum nacional aqui em Brasília várias
vezes.
Acho muito bom vir aqui em Brasília. De um modo geral, voltamos
com a alma nova para nossos Estados, ao perceber que existe um
movimento mundial de consolidação dessa área de direitos
humanos. No Brasil vivemos um capítulo muito especial, na
passagem do regime militar para o Governo civil, quando então
tomaram um vulto muito grande os movimentos, as entidades de
direitos humanos. Hoje nós vemos que esse movimento de
resistência cresce de uma maneira muito visível.
Os movimentos crescem muito em relação à sociedade civil. As
políticas governamentais, porém, têm deixado muito a desejar.
Reconhecemos a importância dos instrumentos criados pelos
Governo, mas hoje temos clareza absoluta de que eles não são
suficientes. E muitas vezes eles nos parecem instrumentos de
satisfação à opinião pública. Foi assim com o anúncio do
Plano Nacional de Direitos Humanos. Tivemos este País sacudido
pelas chacinas, que começaram com a chacina da Candelária,
Carandiru, Corumbiara. E, se formos desatar aqui, citaremos
outras quinze, automaticamente. Chegou um determinado momento em
que os próprios aliados do Governo neoliberal que se instalou
neste País, apavorados com a barbárie que se tornava muito
visível aqui, devem ter pensado que algo tinha de ser feito, e
no dia 7 de setembro de 1995 o Presidente foi à televisão para
anunciar o Plano, que no dia 13 de maio de 1996 foi lançado. Um
ano após, em uma conferência nacional, nós, embora
reconhecendo a importância de se ter criado o Programa Nacional
de Direitos Humanos, vimos que muito pouco tinha sido
implementado.
Também foi assim com a criação da Secretaria Nacional de
Direitos Humanos. Os expositores que me antecederam já entraram
em detalhes. E vou poupar a platéia, por causa da questão do
tempo.
Assim, o que podemos verificar é que continua com a mesma
intensidade a violência estrutural que faz parte do Estado
brasileiro. Tenho a grande honra de ter feito um trabalho de
mestrado na área de Direito, em 1978, cujo título é: "Da
responsabilidade objetiva do Estado por ato de policial".
Fiz esse trabalho em homenagem a Vladimir Herzog, estudando todo
o caso dele. E esse trabalho foi premiado pela OAB. Tenho uma
honra muito grande, porque hoje, na coordenadoria de Belo
Horizonte, estamos tendo condição de colocar esse trabalho em
prática. E ele avaliava exatamente isso: uma violência
estrutural do Estado, que é anterior e maior do que aquela
violência que explode na rua. É uma violência advinda da
omissão do Estado brasileiro, que é uma omissão secular.
Desde que o Brasil foi descoberto pelos portugueses, não temos
políticas públicas em qualquer área de desenvolvimento, de
salário, de emprego, de educação, de saúde, de transporte ou
de moradia. É essa a violência advinda da omissão. E há a
violência advinda da ação da violência propriamente dita,
que é, por exemplo, quando o cidadão, vestindo uma farda e
portando uma arma, está representando o Estado.
Vemos, portanto, que essa violência estrutural do Estado
brasileiro não tem sido enfrentada pela maioria dos nossos
Governos. Quero perguntar ao Ministro se S.Exa. acredita que, no
ano que vem, no ano do cinqüentenário da Declaração dos
Direitos Humanos, no âmbito internacional, com a série de
medidas de vulto que S.Exa. já anunciou para nós, essa série
de medidas propostas pelo Governo Federal vão conseguir dar um
passo além do que representa o Programa Nacional de Direitos
Humanos, a criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos;
se acredita que elas vão ter condição de sair do papel e
representar realmente um avanço em nossas conquistas, no que
diz respeito à impunidade, a tirar a segurança pública do
controle das corporações policiais, das quais afirmo que os
nossos Governos perderam o controle; se vão tirar a questão da
segurança pública da mão das corporações policiais e
colocá-la exatamente onde deve estar: de um lado, assumida com
responsabilidade pelo poder público, e de outro tendo a
participação da sociedade, para resolver esses gravíssimos
problemas que enfrentamos.
Então, exponho aqui esses dois exemplos da segurança pública,
ressaltando principalmente o aspecto da impunidade, para ver se
V.Exa. nos dá alguma esperança no ano do cinqüentenário,
para avançarmos um pouco.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Vamos ouvir o
Sr. Fiorelli. Depois vamos encerrar, devido ao adiantado da
hora.
O SR. CARLOS FIORELLI - Meu nome é Carlos Fiorelli, sou
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal
de Campinas. Como dizem os advogados, data venia, vou questionar
o Ministro - com todo o respeito. Gostei demais da explanação
de S.Exa., muito embora tenha dito a nossa colega que ela foi
bastante diplomática, como, aliás, não poderia deixar de ser.
A diplomacia brasileira sempre pautou sua prática,
principalmente, mesmo dentro do período ditatorial, por uma
relação profunda com os países emergentes. A África, por
exemplo, recebeu do Brasil toda a atenção de que necessitava
naquele momento. Volto a pedir desculpas, mas vou dizer o
seguinte: hoje, temos uma diplomacia voltada para firulas
internacionais. Paulo de Tasso Flecha de Lima e esposa são
fantásticos onde estão, mas não são tidos como membros de
uma inteligência brasileira, e sim como aqueles que produzem
festas fantásticas para as autoridades internacionais.
Quanto às relações do Brasil com os países do MERCOSUL,
principalmente Paraguai e Argentina, o que ocorre? Com a
Argentina, há uma queda de braço para ver quem ocupa um lugar
no Conselho de Segurança da ONU. Quanto ao Paraguai, com medo
de perder o apoio, nega-se a ver tudo o que vemos: um país que
massacra brasileiros e paraguaios o tempo todo, uma diplomacia
que acompanha os Estados Unidos continuamente, inclusive naquilo
em que os Estados Unidos se fecham. Os direitos sociais e
econômicos para eles não são interessantes, porque obrigam o
Governo americano a assumir obrigações com os excluídos de
seu país. Então, o Brasil segue a linha americana nos
contratos internacionais.
Na linha do pronunciamento de V.Exa., será que o Brasil hoje
está de fato voltando-se, nas suas relações exteriores, para
algo que traga realmente benefícios internacionais na área de
direitos humanos, ou está com a sua diplomacia voltada apenas
para uma tentativa de manter uma boa relação de amizade com os
Estados Unidos para obter um assento no Conselho de Segurança?
E devo dizer que ele nunca vai conseguir esse assento sozinho,
porque a Argentina vai sair na frente. Agradeço a atenção.
A SRA. ANA CRISTINA MELO - Meu
nome é Ana Cristina Melo; sou da comunidade Bahá'í do Brasil.
Meu pronunciamento aqui é só para marcar o prazer de
compartilhar a alegria advinda da resolução das Nações
Unidas com relação à violação dos direitos humanos dos
Bahá'í no Irã. Portanto, essa é uma vitória que a
comunidade Bahá'í compartilha também com as autoridades
brasileiras, que vêm atendendo de pronto as solicitações, e
com esta Casa de Leis, a OAB e diversas instituições que vêm,
em conjunto com a comunidade Bahá'í, denunciando a violação
dos direitos humanos dos Bahá'ís.
Compartilho com vocês esta alegria. Aqueles que ainda não
receberam essa resolução e outros documentos, que também
apresentem algumas sugestões para essas questões apresentadas.
Fica registrado o profundo agradecimento da comunidade Bahá'í
do Brasil e a nossa alegria de estar testemunhando este momento.
Agradeço a atenção.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Quero registrar
a presença do companheiro Marcelo Barros, pernambucano e monge
beneditino, que deverá estar lançando, logo após os nossos
trabalhos, o livro "A Secreta Magia do Caminho",
inclusive com um prefácio do Frei Leonardo Boff. É um romance
muito interessante. Eu li os comentários do Frei Leonardo Boff.
Estão todos convidados para, após os trabalhos, participar do
lançamento do livro, adquiri-lo e receber a devida
dedicatória.
O SR. PLÍNIO POSSOBOM - Meu nome é Plínio Possobom, sou
salesiano e Presidente do CONDECA em São Paulo.
Dado o grande número de vítimas da violência, quando falamos
em direitos humanos, causamos risos e indignação por parte de
muitas pessoas que foram vítimas de desalmados e marginais.
Como não podemos concordar com tais dizeres, e como sentimos
que, na realidade, muito pouco se tem feito pelas famílias das
vítimas, pergunto o que se pode fazer para que tenhamos
respostas para essas famílias e para que possamos ir em frente
falando de direitos para todos, sem sermos levados na gozação.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Com a palavra o
Sr. Marco Antônio Diniz Brandão.
O SR. MARCO ANTÔNIO DINIZ BRANDÃO - Estou, senão surpreso, um
pouco incomodado, porque vim falar de relações internacionais,
e apenas uma intervenção fez referência à minha
especialidade, que é a área de relações internacionais. Mas,
como também faço parte do Conselho de Defesa da Pessoa Humana
e do Grupo Interministerial de Valorização da População
Negra, e, enfim, do esforço geral feito pelo Governo para
tratar de direitos humanos, acho que posso fazer alguns
comentários bastante específicos.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Com enorme
competência.
O SR. MARCO ANTÔNIO DINIZ BRANDÃO - Não diria competência,
mas sim ousadia.
Primeiramente, gostaria de responder a pergunta de nosso
companheiro de Campinas, que é a que se refere mais
especificamente a relações internacionais.
Em primeiro lugar, peço desculpas por discordar profundamente
das considerações sobre o Embaixador Paulo Tarso Flecha de
Lima, homem que reconhecidamente tem grandes méritos em
matéria de política externa, que durante muitos anos conduziu
substantivamente nossa política externa ou pelo menos
desempenhou - e continua desempenhando - elevadas funções com
grande competência, imensa probidade e com elevado sentido de
brasilidade e de espírito público. Portanto, permito-me
discordar profundamente da referência feita ao Embaixador Paulo
Tarso Flecha de Lima e à sua esposa, D. Lúcia.
Em seguida gostaria de dizer que sua pergunta é tão ampla que
talvez apenas o Ministro das Relações Exteriores tenha
capacidade de respondê-la. Talvez - quem sabe? - só o próprio
Presidente da República tenha a capacidade de abranger todas as
suas implicações.
A melhor resposta que lhe poderia dar está na intervenção da
representante da comunidade Bahá'í no Brasil, que trouxe um
dado concreto do que o Brasil faz em relação a direitos
humanos no mundo. Essa resolução que foi aprovada pela ONU
obteve o apoio do Brasil. O Brasil, através do Itamaraty, tem
apoiado concretamente a comunidade Bahá'í nas suas
aspirações. Eu mesmo já fiz gestões junto ao Governo,
interessado na comunidade Bahá'í . Creio que o que foi citado
aqui é um exemplo do que fazemos em relação a direitos
humanos na cena internacional.
Se houver um estudo sério e aprofundado das posições
brasileiras em todos os fóruns de direitos humanos, das
iniciativas que o Brasil tem tomado em relação a direitos
humanos, eu diria que o cômputo é altamente positivo - não é
pouco positivo, é muito positivo. O Brasil foi um instrumento
essencial na Conferência de Viena. Fomos, na verdade, o País
que presidiu o Comitê de Redação. Nossa delegação, como
disse o Deputado Nilmário Miranda, foi absolutamente essencial
para que chegassem a uma conclusão.
Desde antes, mas a partir de
então com mais profundidade, a diplomacia brasileira, sem
qualquer tipo de apego ou idéias submissas a interesses outros,
tem-se conduzido com muito brilho na defesa dos direitos
humanos, tendo como único objetivo os interesses brasileiros e
os interesses dos direitos humanos no mundo em geral. Quer
dizer, na verdade temos dois parâmetros dos quais não nos
afastamos jamais: em primeiro lugar os interesses do povo e do
Governo brasileiro, do País, e em segundo lugar a promoção da
universalidade dos direitos humanos no mundo em geral.
Identifiquei em todas as perguntas uma preocupação muito
grande com violência. A violência, na verdade, é uma
preocupação de toda a sociedade brasileira. Nosso companheiro
de Campo Grande trouxe um caso específico, minha concidadã de
Belo Horizonte também trouxe suas preocupações, assim como
nosso companheiro do Movimento Popular de Goiás e o padre
salesiano, que se pronunciou ao final - e salesiano também sou,
por formação escolar.
Eu diria que a preocupação com a violência é comum a toda a
sociedade brasileira e não somente de organizações
não-governamentais ou de Prefeituras como as de Belo Horizonte
e Campo Grande. É uma preocupação da sociedade brasileira, e
é uma preocupação séria, seriíssima do Governo brasileiro.
Não sei se notaram que a questão da polícia, quando surgiu em
sua forma mais virulenta no correr desse ano, já encontrou
pronta uma comissão de reforma da polícia instaurada na
Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça. E
aqui chamo a atenção para a diferença de enfoque: começou-se
a tratar de polícia neste País não no Ministério do
Exército ou em qualquer outro órgão militar, mas na
Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Houve uma mudança de
enfoque absolutamente radical, ou seja, polícia não é mais
órgão de controle de população ou de distúrbios; polícia
é um serviço que o Estado tem a obrigação de prestar à
população brasileira, serviço esse que está sendo
considerado insatisfatório e insuficiente por toda a
população, e o Governo tem plena consciência disso.
É evidente que medidas têm de ser tomadas paulatinamente. Não
é possível, em uma sociedade democrática como a nossa, baixar
atos institucionais para organizar esse ou aquele setor da
sociedade. Isso tudo tem que ser discutido. O próprio Congresso
tem discutido a esse respeito. Há um projeto de reforma da
polícia sendo discutido no Congresso. Acho que é um assunto
que interessa a todos, e o Governo tem tomado medidas que podem
levar a uma reforma profunda da polícia e do Estado.
Minha vizinha de Belo Horizonte falou da tradição de
violência do Estado brasileiro. Não sou especialista em
violência, mas creio que é uma constatação importante. Acho
que o próprio Governo está interessado em reformar o Estado.
É uma discussão que está na ordem do dia, todos estão
discutindo o pacote, as reformas, e são reformas que vão levar
- eu espero - à quebra desse círculo de violência e dessa
tradição que temos de violação dos direitos humanos. É uma
tarefa do Governo - não há qualquer dúvida sobre isso -, mas
é também tarefa de toda a sociedade, do Poder Legislativo, do
Poder Judiciário.
As críticas que são feitas diariamente na imprensa e em todos
os foros nacionais ou internacionais sobre violência no Brasil
são extremamente produtivas e construtivas, e quanto mais elas
forem feitas, melhor. Elas têm que ser levadas em conta pelo
Governo e pelos órgãos do Estado, Legislativo e Judiciário.
Eis o que posso dizer a esse respeito. Não creio que haja, no
momento, quem possa dizer que o Governo não se esteja
interessando pela questão. Está. São inúmeras as
manifestações de que o Governo se interessa e quer mudar essa
situação. Para isso, é preciso haver uma consciência
nacional sobre o assunto.
Lembro-me perfeitamente de que, quando ocorreu o episódio do
Carandiru, houve até elogios na imprensa à atuação da força
policial, porque eram bandidos que estavam sendo contidos, que
estavam sendo impedidos de sair da cadeia para ameaçar a
sociedade. Já por ocasião do caso de Diadema, a perspectiva da
sociedade brasileira foi outra. Foi um caso, se se pode assim
dizer, relativamente menos grave, com menor número de vítimas,
mas a reação da sociedade e do Governo brasileiro foi outra, e
isso num espaço de cinco anos.
Deve-se reconhecer que houve uma mudança na percepção da
sociedade e também do Governo brasileiro em relação a esses
problemas. É uma mudança importante, que deve ser vista em
perspectiva. Não se pode simplesmente dizer que não houve
avanços; houve. Insuficientes? Certamente. Os avanços no campo
dos direitos humanos serão sempre insuficientes. Eles têm que
ser levados a cabo, levados adiante, e serão sempre
imperfeitos, sempre insuficientes. Nunca chegaremos a um ponto
em que possamos dizer com tranqüilidade que todos os direitos
do ser humano estão atendidos. Mas esperemos que sejam, pelo
menos, atendidos da melhor forma possível pelo Governo, pela
sociedade e por cada um de nós, pessoalmente engajados nesse
processo.
Para concluir, refiro-me a uma questão levantada tanto pelo
companheiro de Campo Grande como pelo companheiro de Campinas.
Trata-se da política brasileira em relação à África.
O que me pareceu bastante interessante foi a consideração do
companheiro de Campo Grande quanto à concessão de bolsas para
estudantes brasileiros na África. Confesso que não sei bem em
que pé estão os programas de concessão de bolsas ao exterior,
mas essa me parece uma idéia extremamente valiosa e produtiva:
que nós também enviemos estudantes brasileiros à África, e
não só recebamos estudantes africanos no Brasil.
Há todo um programa de estudantes africanos no Brasil. São
muitos, e eu não saberia dizer quantos, ou qual a sua
amplitude. Não sou a pessoa mais indicada para falar de
relações com países africanos. Pelo menos no que tange aos
países mais próximos ao Brasil, senão pela etnia ou pelo
fornecimento de contingente populacional na época da diáspora
africana, mas pelo contato que temos hoje com os países de
expressão oficial em língua portuguesa, temos tido uma
política muito coerente, na medida, evidentemente, das
possibilidades brasileiras, de muita solidariedade e de muito
intercâmbio. E esperamos que ela se intensifique.
Não tenho dúvidas de que há uma consciência no Itamaraty,
reflexo da consciência que há na sociedade brasileira, de que
o componente africano foi essencial em nossa formação
histórica e de que é essencial em nossa sociedade, e portanto
sua fonte, a África, deve ser valorizada como fonte cultural,
como causa da própria existência de nossa sociedade como tal.
São estas as minhas observações. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Agradeço ao
Ministro Marco Antônio Diniz Brandão todas as informações
que trouxe em sua participação neste seminário.
Convido para compor a Mesa o Padre Marcelo Barros, que, conforme
o previsto para a programação de encerramento, fará, na parte
da tarde, uma breve exposição sobre seu trabalho.
Faço agora alguns avisos: amanhã o seminário reinicia-se às
9h30, e, como já foi informado pelo Deputado Pedro Wilson, os
trabalhos serão na sala de audiência pública da Comissão,
localizada no Corredor das Comissões, Plenário nº 9. O tema
será "Situação e perspectiva para os direitos humanos na
América Latina", e serão expositores Ricardo Câmara
Sanchez, Secretário-Executivo da Comissão Nacional de Direitos
Humanos do México; Alejandro Salinas, advogado da Assessoria de
Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores do
Chile, e o Ministro Hernán Duoruti, Subsecretário de Direitos
Humanos da chancelaria argentina.
Às 10h30 os trabalhos prosseguem com o tema "Atuação do
Governo brasileiro na era dos direitos humanos e as perspectivas
nos Estados e Municípios". Sr. Ministro, talvez seja a
oportunidade de sabatinar o Governo. Devemos ter como
expositores deste tema o Dr. Evair Augusto Alves dos Santos,
Diretor do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da
Justiça, e o Dr. Belisário dos Santos Júnior, Secretário de
Justiça e Cidadania, e como debatedores o Dr. Wagner
Gonçalves, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão; a Dra.
Herilda Balduíno, que já faz parte desta Mesa, representante
da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados
do Brasil, e o Dr. Joel Dantas, advogado e representante do
Movimento Nacional de Direitos Humanos.
Portanto, os trabalhos reiniciam-se amanhã às 9h30, no
Plenário nº 09.
Passo a palavra ao Padre Marcelo Barros e logo após
encerraremos os nossos trabalhos.
O SR. MARCELO BARROS - Boa tarde a todos os presentes. Para mim
é uma alegria, uma honra poder apresentar o livro "A
Secreta Magia do Caminho" na continuidade deste importante
fórum sobre direitos humanos, preparando o cinqüentenário da
declaração da ONU.
Sou cristão, e na Bíblia há um princípio, uma lei que se
chama jubileu, que decreta que a cada 50 anos se faça uma
revisão, um aprofundamento da vida naqueles 50 anos que
transcorreram, o tempo para lembrar e o tempo para avançar
mais. Vejo este fórum e este momento de revisão da prática
dos direitos humanos no mundo e especificamente no Brasil como
um jubileu - vamos chamar assim, como está na Bíblia -,
exatamente para avançarmos mais.
Acredito que todas as pessoas são movidas por aquilo que
podemos chamar de espiritualidade, quer dizer, uma vida conforme
o espírito de Deus, em qualquer religião, em qualquer cultura,
ou mesmo fora de uma religião organizada; é exatamente esse
grande sentimento de justiça, essa sensibilidade para com a
pessoa humana, a natureza, o universo, que o Dalai Lama chama de
"com paixão" - não compaixão no sentido de pena, de
piedade, mas "com paixão", ou, em uma outra palavra,
uma palavra mais moderna, digamos assim, solidariedade. A
solidariedade é o nome novo daquilo que os cristãos
antigamente chamavam de caridade.
Nesse sentido, este momento é desafiador, mas também é de
união, um momento ecumênico, isto é, o momento de unidade
entre cristãos, Bahá'í , irmãos e irmãs de todas as
culturas e religiões. Quando eu ouvi o companheiro de Campo
Grande falar sobre o partido negro, começando pela palavra
"axé", minha vontade foi gritar também axé - axé
no sentido de vida, de energia, de comunhão, de aliança, de
amor entre todo o mundo. Acredito que isso é o que resgata as
tradições. Não é um caminho totalmente novo; é algo que
sempre houve, sempre aconteceu, mas que muitas vezes foi
desrespeitado, esquecido e mesmo substituído.
Estamos no fim de um milênio da história do cristianismo, e é
também o tempo de jubileu - como disse, o jubileu da
Declaração dos Direitos Humanos, mas também é um jubileu
quando se pensa nos dois mil anos do nascimento de Cristo. Neste
momento as igrejas cristãs fazem um balanço do que significou
este último milênio. Acredito que para as igrejas cristãs é
importante perceber, primeiro, que houve uma omissão terrível
com relação aos direitos humanos e uma responsabilidade grave,
que o companheiro aqui de certa maneira já apontou, ao citar o
Papa Nicolau V; as igrejas cristãs, no mundo inteiro, de certa
maneira legitimaram o sistema colonialista, opressor, e foram
responsáveis - de algum modo ainda o são - por graves
desrespeitos com relação aos direitos da humanidade.
Se há 50 anos se falava em direitos humanos, hoje ligamos isso
aos direitos dos povos e direitos das comunidades, direitos
sociais básicos, fundamentais, e direitos de
autodeterminação, de diferenciação, em que a unidade abole a
divisão mas respeita as diferenças. É nas diferenças de cada
cultura, de cada comunidade que essa unidade vai poder fazer-se,
até como resposta, como resistência a esse movimento de
globalização, que é mortal. Se ele fica simplesmente dentro
do caminho do neoliberalismo, mata.
Um patriarca de Moscou, Alexis II, na segunda assembléia
européia de igrejas que houve em junho em Graz, na Áustria,
contou que viu no metrô de Londres o seguinte grafite na
parede: "O mundo vive uma situação mais do que delicada;
manejem-na com o coração". Isso é verdade; quer dizer,
até aqui as religiões agiram muito com a cabeça, foram muito
racionalistas. É hora de nos empenharmos no caminho do
coração.
A humanidade tem 5 bilhões de pessoas, das quais 50% vivem na
cidade no final do Século XX, e 1 bilhão e 300 milhões de
pessoas vivem em situação de pobreza extrema, abaixo das
mínimas condições humanas desejáveis. É um desafio para
todo o mundo buscar uma economia que tenha coração, que seja a
serviço do povo e não contra o povo.
O meu livro, "A Secreta
Magia do Caminho", resgata a história de pessoas que
buscam a Deus, buscam a vida e buscam a unidade. A partir da
cidade grande, conta a história de um menino do Nordeste
brasileiro que foi para São Paulo ganhar a vida e, ao chegar à
rodoviária do Tietê, perdeu-se e perdeu tudo: identidade,
dinheiro. Ficou totalmente perdido na cidade grande. O livro
conta a sua tentativa de sobrevivência; por exemplo, uma das
primeiras orientações que ele obteve dos companheiros a quem
contou o fato foi que tivesse cuidado com a polícia, que o
mataria se o pegasse. Se a polícia encontra um nordestino sem
documento mata-o. Se é verdade ou não, foi o que ele ouviu. E
a partir dali ele começou uma busca de si mesmo, da sua
própria identidade, que é símbolo praticamente de toda pessoa
humana. O mundo muda tão violentamente, tão de repente que as
pessoas se sentem perdidas, tendo que buscar a sua própria
identidade.
O nome do livro é "A Secreta Magia do Caminho", do
caminho dessa busca. Por que secreta magia? Porque há um
encanto, há uma magia, que é o coração, e que a pessoa
descobre não apenas numa busca de si mesmo, de um modo isolado,
mas num caminho que é o da solidariedade e o da prática da
justiça e dos direitos humanos.
Acredito em um Deus de justiça. Como diz a Bíblia, o nome do
Senhor é justiça. Então, é à medida que se vive a justiça,
quer dizer, se eu preciso, se eu gosto de ser de uma igreja, de
cultivar uma fé - o nome já indica: um culto, uma liturgia,
uma prática religiosa -, é como método, é como ferramenta,
é simplesmente para ajudar a viver melhor esse caminho da
justiça, da prática dos direitos humanos, do testemunho de que
o mundo tem conserto, a humanidade tem coração. Esse coração
busca o melhor e o novo, a esperança de um milênio.
Tivemos, neste ano, esse sofrimento da morte de Betinho, que é
para todos nós o profeta da justiça e dos direitos humanos.
Estamos vivendo a primeira campanha do Natal Sem Fome depois de
Betinho, uma campanha que foi assumida por muita gente, assumida
exatamente nessa perspectiva ecumênica, nessa perspectiva de
dizer: impressionante! Com todos os sofrimentos que existem, a
humanidade vai em frente! Se existem muitos problemas, se existe
muita crueldade, quando abrimos os olhos nos impressiona vermos
de quanto o ser humano é capaz. A maioria - confiamos nisso e
sabemos que é verdade - busca a justiça.
Há uma citação da qual gostei muito e gostaria de ler aqui,
de um santo da Igreja Ortodoxa Siríaca do Século VII, Santo
Isaac:
Deus revelou-nos que o amor que ele planta no coração humano
pode dar-nos a graça da reconciliação. A nós cristãos a
única autoridade que podemos reclamar é a de sermos ministros
de uma reconciliação que venha da justiça. A reconciliação
vem do próprio dom de Deus, que nos deu seu filho, Jesus
Cristo, para se comunicar conosco. Temos que nos colocar na
escola da compaixão para aprendermos, mais do que qualquer
outra coisa, o perdão e a misericórdia.
O que é um coração compassivo? É o coração que se enche de
amor por toda a criação: pela humanidade, pelos passarinhos,
pelos animais e plantas, por todas as criaturas, até, se
possível fosse, pelo demônio. A compaixão torna o coração
tão sensível que a pessoa que a recebe não pode tolerar
qualquer sofrimento provocado a nenhuma criatura humana, a
nenhum ser vivo. Quem vive esse caminho sabe o que é comunhão
com Deus.
É bonito, não é? Acho que ela nos liga a essa questão de
direitos humanos que hoje não é somente uma luta no plano
político e social, que é muito importante. Uma Comissão como
esta é para nós uma motivação de esperança. Acho que as
religiões, as igrejas têm de se mobilizar para seguir esse
caminho.
Sabem os senhores que o economista americano Francis Fukuyama,
autor de "O Fim da História", tinha um professor de
Economia em Chicago - que ainda vive e ainda escreve - chamado
Samuel Huttington, o qual afirma que os principais conflitos do
futuro serão provocados não mais por diferenças ideológicas
e políticas, porque, segundo ele, o comunismo foi vencido; nós
estamos agora no império da globalização, e o mundo chegou ao
fim desses conflitos sociais, políticos e ideológicos. E
perguntamo-nos se isso é verdade. Mas segundo ele esse tipo de
guerra, de conflito, não existe mais, e os conflitos do futuro
serão provocados por diferenças religiosas e culturais entre
os povos.
Essa entrevista dele saiu na Folha de S. Paulo no dia 27 de
julho de 1997, no Caderno Um, página 26. Eu fiquei
impressionado. Se ele tem ou não razão eu não posso garantir,
porque ele está fazendo um exercício de futurologia, está
falando dos conflitos do futuro, mas eu sei que os conflitos do
presente já trazem algumas indicações nesse sentido. Eu li na
revista Qualité Religieuse Mondiale que no mundo de hoje
existem 64 grandes guerras internacionais - não se está
falando de guerra civil, mas de guerras internacionais, guerras
que existem entre povos. Não sei dizer onde ocorrem sequer dez,
mas sei que existem 64; é o que li na revista. E vi o mapa.
Muitas na África e na Ásia. Dessas 64, 38 são motivadas por
problemas religiosos; a religião, que deveria ser fermento de
paz, é motivo de violência, de guerra entre as pessoas!
É fundamental que esse quadro
seja revertido. Hoje assistimos, no limiar do terceiro milênio,
do Século XXI, esse grande desenvolvimento da humanidade,
quando celebramos os 50 anos da Declaração dos Direitos
Humanos da ONU, um aumento terrível do fundamentalismo
religioso, do fanatismo, da intransigência e da intolerância
confundidas com a fé. Diariamente, quando abrimos um jornal,
vemos, por exemplo, que morreram 20 pessoas na Argélia,
degoladas por um grupo, a Frente Muçulmana, que é política
mas é religiosa, que age em nome de Alá. Celebram-se os dois
anos do assassinato do Ministro Moshe Dayan assassinado por um
jovem de um grupo religioso judeu, que agiu em nome de Jafé
para matar o Ministro!
Ao dizer isso posso parecer antiecumênico, porque de fato no
Brasil, quando se fala em fundamentalismo, alguém pode dizer
que isso lembra islamismo, o que seria uma grave injustiça,
porque o fundamentalismo nasceu no seio do cristianismo, da
minha Igreja Católica Romana e das igrejas evangélicas
norte-americanas. Na História, o cristianismo é especializado
em fundamentalismo. É uma religião que se especializou nisso.
Basta ver a história das inquisições, das fogueiras, das
cruzadas, e daí por diante. Nenhuma religião realmente está
liberta desse câncer; nenhuma religião está livre disso.
Entretanto, é fundamental que nos encontremos, como os líderes
religiosos estão-se encontrando a cada ano, algumas vezes em
Assis e outras vezes em outros lugares, em um Parlamento das
Religiões pela Paz - neste ano houve um encontro em novembro,
na Itália -, e o que eles estão dizendo é que o nome de Deus
é paz.
Não existe guerra santa. Nunca a violência será sagrada.
Nunca a intolerância poderá ser usada em nome da fé. A fé é
essencialmente diálogo, e o que caracteriza todo movimento
espiritual, seja ele budista, hinduísta, como por exemplo essa
espiritualidade maravilhosa que nós temos no Brasil que é o
candomblé, uma das religiões afro-brasileiras, o princípio
fundamental é exatamente o da tolerância, é o de dizer que
Deus pode falar a mim através do outro, do diferente de mim, e
se eu não escuto e não acolho no diálogo essa palavra que
pode vir dele eu não estarei no caminho da vida; não da vida
para mim, mas da vida para todos.
O livro "A Secreta Magia do Caminho" é um romance. Eu
não vou contar aqui a história porque vou cansar os presentes.
Não tem uma tese, um resumo. Não dá para dizer "é sobre
isso", mas ele testemunha a secreta magia do caminho como
um caminho de diálogo, de comunhão, de tolerância entre todas
as religiões e culturas a partir das culturas brasileiras, a
cultura do candomblé.
Foi uma alegria estar aqui, e espero que possamos continuar
juntos nesse caminho. (Palmas).
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pelegrino) - Agradecemos ao
Padre Marcelo Barros a contribuição.
O SR. MARCELO BARROS - Agradeço especialmente os irmãos do
CIFI. O CIFI é o Centro Cultural Missionário; há muita gente
aqui que está fazendo o curso, que vai partir para a África,
para outros países. Essas pessoas deixaram o curso para vir
aqui dar o apoio das suas presenças neste ato.
Eu agradeço ao Padre Orlando Pinheiro e ao grupo do CIFI, aqui
conosco, como agradeço à nossa querida irmã Sueli Bellato,
que me proporcionou este encontro aqui com vocês.
O SR. COORDENADOR (Deputado
Nelson Pelegrino) - Damos por encerrados os trabalhos,
convidando a todos para o lançamento do livro no salão.
Está encerrada esta sessão.
3º Painel: Situação e
perspectivas para os Direitos Humanos na América Latina
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro
Wilson) - Declaro reabertos os trabalhos deste Encontro
Preparatório do Cinqüentenário da Declaração Americana
sobre Direitos e Deveres do Homem e da Declaração Universal
dos Direitos Humanos.
Convido a tomar assento à
primeira Mesa Redonda o Dr. Ricardo Camara Sanchez, Secretário
Executivo da Comissão Nacional de Direitos Humanos do México
(palmas); o Dr. Alejandro Salinas, Advogado da Assessoria de
Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores do
Chile (palmas); e o Ministro Hernán Plorutti, Subsecretário
dos Direitos Humanos da Chancelaria Argentina (Palmas).
A Coordenação da Mesa, com base na reunião de ontem, prevê o
êxito deste Encontro Preparatório, no sentido de despertar o
Brasil para a questão e buscar ajuda nos países vizinhos e
amigos para que, no ano que vem, haja um grande debate sobre os
direitos humanos, seus paradigmas e princípios, enfim, para que
coloquemos em prática a luta pelos direitos humanos. Temos essa
expectativa.
Estamos encaminhando no sentido de termos duas Mesas: esta agora
e uma outra depois. Mesmo que encerremos um pouco mais tarde,
vamos dar o Encontro por encerrado ainda pela manhã, porque na
parte da tarde retornaremos somente para a elaboração da
agenda. Vamos solicitar, inclusive, a cada um dos senhores, que
ainda nesta manhã apresentem itens para a discussão e
reflexão sobre a luta dos direitos humanos, enfim, sugestões
para que a Comissão possa estabelecer a sua agenda que,
certamente, vai ser distribuída. Outras entidades também vão
realizar a sua.
Este Encontro não tem caráter deliberativo, mas apenas
sugestivo, no sentido de explorar ao máximo a nossa
criatividade, para que, no ano que vem, possamos realizar essas
comemorações da luta pela concretude dos direitos humanos.
Vamos debater, agora, o tema: "Situação e Perspectivas
para os Direitos Humanos na América Latina".
Com todo o respeito, pedimos aos nossos convidados atenção
para o limite de tempo, para que possamos ter as duas Mesas e,
ao final da manhã ou no começo da tarde, com as sugestões
para a agenda, encerrar nosso Encontro que, repetimos,
consideramos pleno de êxito, não só pela receptividade de
representantes de diversos países da América Latina e de
diferentes representações do Brasil, como de organismos
oficiais e representantes de organizações não-governamentais.
Concedo a palavra ao Dr. Ricardo Camara Sanchez, Secretário
Executivo da Comissão Nacional de Direitos Humanos do México.
O SR. RICARDO CAMARA SANCHEZ -
(Exposição em Espanhol)
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro
Wilson) - Agradecemos ao Dr. Ricardo Camara Sanchez, Secretário
Executivo da Comissão Nacional de Direitos Humanos do México,
a exposição. Solicitamos também o acesso a esses relatórios
para distribuição aos presentes. Peço a Secretária que
providencie.
Passamos a palavra ao Dr. Alejandro Salinas, Advogado da
Assessoria de Direitos Humanos do Ministério das Relações
Exteriores do Chile.
O SR. ALEJANDRO SALINAS -
(Exposição em Espanhol)
SR. COORDENADOR (Deputado Pedro
Wilson) - Agradecemos ao Dr. Alexandro Salinas, Advogado da
Assessoria de Direitos Humanos do Ministério das Relações
Exteriores do Chile, a exposição.
Passamos a palavra ao Dr. Hernán Plorutti, Sub-Secretário dos
Direitos Humanos da Chancelaria Argentina. Antes, gostaria de
anunciar a presença dos Drs. Alberto Carmona, Secretário da
Embaixada da Argentina; Wraj Tomás, da Embaixada da
Eslováquia; Alexander A. Featherstone, da Embaixada dos Estados
Unidos; e San Lorenz, da Embaixada da Alemanha.
Com a palavra o Ministro Hernán Plorutti.
O SR. HERNÁN PLORUTTI -
(Exposição em Espanhol).
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos a
exposição ao Ministro Hernán Plorutti, Subsecretário dos
Direitos Humanos da Chancelaria Argentina.
Gostaríamos, ao encerrar esta reunião, de pedir a
colaboração e a possível ajuda do México, da Argentina e do
Chile. Possivelmente no mês de fevereiro ou de março, virá ao
Brasil uma delegação de Parlamentares portugueses encarregada
de gestionar pela autodeterminação do povo do Timor Leste e de
fazer a divuldação disso. Como V.Sas. sabem, existem ainda
vinte e quatro colônias no mundo todo e Timor, uma delas, está
lutando pela sua independência. Uma comissão de Deputados
portugueses virá ao Brasil e já tem viagem marcada á
Argentina e ao Chile, para onde seguirá depois e, possivelmente
irá ao México e aos Estados Unidos, pedir apoio a todos os
países para que a ONU reconheça a autodeterminação do povo
do Timor.
Agradeço aos representantes do México, do Chile e da Argentina
a participação e as brilhantes exposições.
Informamos que já estão sendo feitas sugestões para a Agenda
de 1998. Se alguém quiser acrescentar alguma, há uma folha em
branco para isso. Iremos distribui-la no Brasil e nos países
amigos de quem aceitaremos indicações e sugestões. Alguns
pontos:
Em maio haverá um encontro latino-americano para a
comemoração da Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem, da OEA, que aconteceu no mês de abril -; haverá uma
homenagem da seleção brasileira na abertura da Copa Mundial na
França e talvez seja feita também uma solicitação à
França, em virtude da Declaração dos Direitos do Homem a
Revolução Francesa; recomendação a todos os países para a
adoção de programas relacionados aos direitos humanos;
realização de pleitos junto aos meios de comunicação para
lograr a inserção de mensagem sobre o cinqüentenário da
Declaração, sobretudo no programa A Voz do Brasil.; encontro
das Nações Unidas no dia 10 de dezembro, com programações
festivas; elaborar de material sobre o cinqüentenário
destinado aos partidos políticos para uso nas campanhas
eleitorais; recomendar a todas as entidades não-governamentais
e governamentais para que façam em suas publicações a
divulgação do cinqüentenário; recomendar a todas as casas
legislativas municipais e estaduais e ao Congresso Nacional que
realizem sessões de homenagem, em maio e dezembro; estudara
aplicação do art. 5º, § 2º, sobretudo para que o Brasil
reconheçaa jurisdição da Corte Interamericana de Direitos
Humanos; trabalhar no sentido de que o Brasil e outros países
também possam reconhecer a Convenção nº 169 da OIT, sobre a
questão indígena; promover o cadastro dos Estados que não
adotam o mecanismo de proteção dos direitos humanos; encontro
internacional em agosto, a ser promovido pelo Governo; encontro
dos Presidentes dos países que integram o MERCOSUL e aliados,
em dezembro de 1998; estudos da possibilidade de colocar a
Declaração dos Direitos Humanos no verso da certidão de
nascimento; proposta de um selo comemorativo ao
cinqüentenário.
Gostaríamos de agradecer a V. Sas. a presença e a
colaboração.
Registro a presença do Deputado Luciano Zicae também o Marcelo
Paixão, da FASE, Federação de Órgãos para a Assistência
Social e Educacional. Vamos fazer o informe sobre o manifesto
"Retomar o PROÁLCOOL: a sociedade civil em defesa da
ecologia e da cidadania", que é assinado por vinte e seis
entidades e também por Parlamentares.
Registro também a presença de assessores do Deputado João
Leite, Presidente da Comissão de Direitos Humanos de Minas
Gerais, e do Dr. Domingos Mariano, da Ouvidoria da Polícia
Militar do Estado de São Paulo. Muito nos honra a sua
presença. Anunciamos também a presença do Dr. Humberto
Espino, Secretário do Conselho de Defesa da Pessoa Humana do
Ministério da Justiça. Está presente também o Dr. Percílio
Souza, da OAB Federal.
Com todo respeito, peço ao Deputado Luciano Zica e ao Dr.
Marcelo Paixão atenção ao nosso horário.
Deputado Luciano Zica, tem V.Exa. a palavra.
O SR. DEPUTADO LUCIANO ZICA - Em primeiro lugar, um bom-dia a
todos.
Quero cumprimentar a Comissão de Direitos Humanos pelo trabalho
importante da realização deste seminário.
Resolvemos solicitar este espaço para divulgara campanha que
iniciamos hoje, por entendermos que os temas de que estamos
tratando - e o cartaz está aqui exposto, com o Deputado Pedro
Wilson - sãoa constatação de um grave problema que teremos a
partir de maio de 1998 no Brasil, principalmente a partir da
formulação da nova política do setor de petróleo para o
Brasil.
Segundo determinações do Banco
Mundial, está decretado, a partir do mês de maio, o fim da
política de subsídios para o programa do álcool, que foi
concebido no Brasil de forma equivocada há cerca de vinte anos.
Essa políticafez com que se drenassegrande volume de recursos
públicos que serviu para o enriquecimento de usineiros,
propiciou a concentração de renda nesse segmento da sociedade
que se utilisou do trabalho escravo no cultivo da cana.; por
outro lado, fez com que se consolidasse no Brasil uma
alternativa importante da política energética, sob o ponto de
vista ambiental. . Sua extinção hoje traria uma impacto social
extraordinário no Brasil, uma vez que este programa gera 1
milhão e 600 mil empregos na área de mão-de-obra
desqualificada, sem que se ofereçam outras alternativas.
Estamos colocando no cartaz o que queremos e o que não queremos
na retomada do programa do álcool, para nós programa
extremamente importante do ponto de vista socio-ambiental, com
forte impacto nos direitos humanos, que diz respeito à
exploração da mulher nos canaviais, à exploração do
trabalho infantil e da mão-de-obra escrava.
Passoa palavra ao Sr. Marcelo Paixão, da FASE, um dos
idealizadores e organizadores desta campanha, para que S.Sa.
possa complementar a exposição dentro do curto espaço de
tempo de que dispomos.
Pedimos a todos colaboração para a divulgação dessa
campanha, que entendemos de extrema importância para evitarmos
o estabelecimento de uma política que continue cometendo os
erros anteriores, sem ter soluções ideais para o futuro.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. MARCELO PAIXÃO - Bom-dia a
todos os participantes deste Encontro sobre Direitos Humanos.
Primeiramente agradeço à Mesa pela abertura do espaço para
nosso trabalho.
Represento a FASE - Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educacional - e também um conjunto de entidades que
subscrevem esse cartaz. Nossa perspectiva em relação a esse
cartaz é , acima de tudo, exigirmos das autoridades a
constituição de políticas públicas nas quais a sociedade
possa participar e determinar os seus rumos.
No campo da questão social, o PROÁLCOOL guarda um enorme
passivo social, ambiental e fiscal em relação a todo o Estado
brasileiro.
Nosso cartaz apresenta importantes itens que queremos alcançar:
a eliminação do trabalho infantil, o fim do trabalho escravo,
a não-discriminação do trabalho da mulher, possibilidade de
qualificação profissional e fim da sazonalidade do trabalho.
Estamos certos de que estamos exigindo por parte do Governo
direitos sociais dos trabalhadores. Queremos que sejam
incluídos dentro da virtual retomada desse programa de Governo
mesmo que o Governo não retome o PROÁLCOOL.Temos hoje uma
situação de profunda gravidade nas regiões produtoras de
cana-de-açúcar, um profundo passivo social junto às
populações dessas regiões. Queremos a constituição de
políticas sociais para alterar esse quadro.
Acredito que a temática dos direitos humanos deve estar
presente nas diversas frentes de luta que existem pelo País
afora, mas creio que cada uma delas tem de ser capazde articular
dentro de si a concepção dos direitos econômicos e sociais;
cada frente de luta existente hoje no Brasil deve ser capaz de
constituir na sua agenda a preocupação com os direitos
humanos, a preocupação com a universalização, coma cidadania
com o direito à vida e com o usufruto dos recursos naturais do
nosso planeta.
Nossa campanha é pelo direito ao
trabalho, pelos direitos da infância, pelo direito de não ser
escravizado, enfim, pelos direitos econômicos e sociais que
pretendemos sejam universalizados.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro
Wilson) - Agradecemos a presença de V. Sa., ao mesmo tempo em
que nos associamos a essa campanha. Todos nós ansiamos pelo
desenvolvimento e queremos o álcool, respeitando-se a ecologia,
os direitos humanos e os direitos sociais dos trabalhadores.
Resolvemos apoiar a retomada do programa PROÁLCOOL, mas
exigimos que haja um acordo coletivo de trabalho, exigimos que,
em vez de se colocar criança para trabalhar, que ela seja
colocada na escola. É falso o que se diz no Brasil:
"Criança não deve estar na rua; é melhor estar
trabalhando". Acreditamos que toda criança deve estudar,
deve permanecer com sua família pois precisa ter condições de
se tornar um verdadeiro cidadãodo Brasil.
Com muita honra, gostaríamos de convidar para a segunda Mesa -
"A Atuação do Governo Brasileiro na Área dos Direitos
Humanos e as Experiências nos Estados e Municípios" - o
Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos, Diretor do Departamento de
Direitos Humanos do Ministério da Justiça (Palmas.); o Dr.
Belisário dos Santos Júnior, representante do Estado de São
Paulo e Secretário de Estado da Justiça e Cidadania.
Parabenizamos de público a Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e o Governo do
Estado de São Paulo, especialmente o Dr. Belisário dos Santos
Júnior, por ter sido o primeiro a estabelecer um programa
estadual de direitos humanos. Já temos o programa nacional, e
queremos que ele avance cada vez mais, mas queremos também que
Estados e Municípios, a exemplo de Belo Horizonte e Campo
Grande, tornem concreta a luta pelos direitos humanos.
Convidamos também, com muita honra, o nosso companheiro do
Ministério Público Federal, Dr. Wagner Gonçalves, Procurador
Federal dos Direitos do Cidadão, para tomar assento à mesa.
(Palmas.) Convidamos a Dr. Herilda Balduíno, representante da
Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil. (Palmas.) Convidamos o Dr. André Puccinelli, Prefeito
de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. (Palmas.) Convidamos o Dr.
Benedito Mariano, Ouvidor de São Paulo (Palmas.) e o Dr.
Joelson Dias, representante do Movimento Nacional de Direitos
Humanos. (Palmas.)
Prezados senhores, sou membro da Comissão de Educação e
Cultura e Desporto, onde neste momento está havendo uma
reunião com a presença de um ilustre Ministro de Estado a quem
convidamos para um debate. Por um dever de honra, devo
comparecer a essa reunião, por isso peço permissão para
convidar o ilustre Deputado De Velasco para coordenar os
trabalhos a partir deste momento. Ainda voltarei.
Solicitamos, mais uma vez a todos que façam suas sugestões
para a Agenda de 1998. No final dessa reunião ainda poderemos
ouvir os que desejarem fazer alguma observação..
4º Painel: Atuação do Governo
brasileiro na área dos Direitos Humanos e as experiências nos
Estados e Municípios
O SR. COORDENADOR (Deputado De
Velasco) - Com muita honra substituímos o Presidente desta
Comissão, Deputado Pedro Wilson.
Dando início aos debates do tema Atuação do Governo
Brasileiro na área dos Direitos Humanos e as experiências nos
Estados e Municípios, passo a palavra ao senhor expositor, Dr.
Ivair Augusto Alves dos Santos, Diretor do Departamento de
Direitos Humanos do Ministério da Justiça, que terá dez
minutos para a sua exposição.
O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - À Mesa e às autoridades
do plenário o meu bom-dia.
Sinto-me honrado de estar aqui presente. Antes de mais nada,
quero prestar uma homenagem à Comissão de Direitos Humanos, na
pessoa do Deputado Pedro Wilson, que tem sido importante
parceiro no Programa Nacional de Direitos Humanos. Nesta gestão
temos tido um diálogo quase permanente nas diversas ações que
o Ministério tem desenvolvido no campo dos direitos humanos.
Farei uma pequena digressão para algumas atividades que o
Programa Nacional de Direitos Humanos vem desenvolvendo,
deixando sempre presentes alguns pontos importantes.
Primeiramente, o Programa Nacional de Direitos Humanos foi
criado, elaborado a partir da sociedade civil. Tivemos dela
ampla participação. Tudo o que contém o Programa Nacional de
Direitos Humanos decorre da participação de entidades
não-governamentais e também de algumas entidades
governamentais. Trabalhamos no Programa Nacional de Direitos
Humanos sob a coordenação do NEV, Núcleo de Estudos da
Violência em São Paulo, que sempre serviu como orientador das
ações do Ministério e do Departamento. Além disso ser uma
posição estratégica do Ministério, foi também um modo de
legitimar o trabalho das entidades de defesa dos direitos
humanos. Já foi dito ontem que o Brasil foi um dos três
países que atenderam às recomendações da Conferência
Mundial dos Direitos Humanos de Viena, realizada em 1993, por
isso, no desenrolar do Programa Nacional de Direitos Humanos,
definimos que seria importante o estabelecimento permanente
dessa relação. Para isso, resolvemos, internamente, no
Departamento, eleger uma série de projetos desenvolvidos por
entidades não governamentais. Passarei a elencar algumas delas,
que já são conhecidas de V.Sas..
Fizemos um boletim, que está à disposição de V.Sas. Se não
houver número suficiente, peçam-nos, que o forneceremos aos
Senhores. É uma tentativa de retratar as diversas experiências
e avanços que realizamos no campo dos direitos humanos. O mais
importante é que é que ao longo da história dos direitos
humanos no País, algumas entidades foram destacadas pelos seus
trabalhos. Gostaria de lembrar a GAJOP, entidade que faz
importante trabalho de proteção a testemunhas. Depois de muita
conversação, reconhecemos que era muito importante o trabalho
dessa entidade, em vista do que fizemos convênio com ela.
Estamos estendendo esse trabalho de proteção à testemunha a
mais três Estados: Rio Grande do Norte, Ceará e Rio de
Janeiro. Até o final do ano, com o trabalho de parceria e a
experiência acumulada nesses dois anos de proteção à
testemunha em Pernambuco, estaremos desenvolveremos esse
trabalho nos citados Estados. A idéia de fazer uma grande rede
de proteção da testemunha no País. Existem mais outros dois
Estados que também estão em cogitação, o Espírito Santo e a
Bahia. Temos interesse de incluir esses dois Estados até no
próximo ano.Temos tido especial cuidado cuidado nesse campo de
proteção à testemunha. Não há um só caso que tenha chegado
ao Departamento de Direitos Humanos sem nosso acompanhamento, ou
seja, através do GAJOP, ou através desse processo realizado
pelo Ministério com outras entidades. Entretanto, a mais
importante experiência que temos desse trabalho é a
Pernambuco.
Além disso, há um enfoque importante que aparece durante os
vários debates que realizamos com entidades religiosas, com
escolas, de pessoas que procuram enquadrar os defensores dos
direitos humanos como defensores de bandidos e os acusam de
deixar as vítimas desprotegidas. No Paraná, há um trabalho de
proteção à vítima que já começa a ser articulado também
pelo Estado de Santa Catarina. Esse trabalho começaria por
Florianópolis, onde seria, inicialmente, levantado o histórico
das várias vítimas, para, posteriormente, fazer um atendimento
a essas pessoas. Estamos hoje em parceria com o Estado de Santa
Catarina no atendimento às vítimas, no seu encaminhamento
psicológico, e à assistência jurídica nessa região. A
exemplo do que fizemos em Pernambuco, queremos espalhar essa
experiência bem-sucedida de Florianópolis para outras regiões
que também solicitam atendimento especial às vítimas de
violação dos direitos humanos.
No campo da cidadania, no campo da articulação junto à
população feminina, há uma grande entidade em Porto Alegre
que realiza o trabalho de formação de promotoras legais
populares. O que é isso? É um trabalho feito junto às
lideranças comunitárias, para dar embasamento jurídico para
que sejam capacitadas de atender a essa demanda da comunidade.
Esse trabalho se iniciou em 1995. Em 1996, fizemos com a
entidade um convênio que dura até hoje. E com a experiência
bem-sucedida nesse sentido com várias lideranças, estamos
ofertando para vários Municípios e Estados do País nossa
experiência. Esse trabalho que estou relatando, de proteção
à testemunha, de proteção às vítimas, de formação de
lideranças no campo da defesa dos direitos humanos, para nós
é sinalização muito presente de que há uma preocupação do
Ministério de trabalhar com entidades que possam de alguma
forma desenvolver essa questão. Mas um ponto importante é o
seguinte: nenhum desses trabalhos acaba se realizando só no
campo do Direito Civil. Quando se desenvolve um trabalho nesse
sentido, tem-se como interlocutores atores de várias áreas,
seja na econômica, seja na de educação, seja na social.
Quando começamos a desenvolver um trabalho acabamos, por tabela
desenvolvendo várias ações em paralelo. Por exemplo,
definimos com o Governo de Pernambuco a realização de um
trabalho na defesa da cidadania na região da Zona da Mata, uma
região de alto nível de violência. Tivemos essa parceria,
primeiro em cinco Municípios; agora, vamos fazer esse trabalho
em mais vinte Municípios. Quando se faz um trabalho de
valorização de cidadania, evidentemente, surge essa
articulação com outras secretarias porque embora seja um
problema simples para nós que vivemos em Brasília, o acesso à
certidão de nascimento ou de óbito em algumas regiões do
País é profundamente dificultado. Por meio de algumas
lideranças comunitárias da Região Norte do País, constatamos
que é comum demorar de seis meses a dois anos para se ter
acesso a esses documentos. Em alguns Estados há índices
altíssimos de pessoas que não têm acesso a nenhum tipo de
documentação, nem de certidão de nascimento, muito menos de
óbito. Então, quando nos aproximamos de entidades e de Estados
para fazer articulações nesse sentido, vemos que, na prática,
essas coisas acontecem de forma muito diferente, muito mais
complexa. Quero sempre reforçar essa questão porque no
Programa Nacional dos Direitos Humanos, sempre destacamos a
priorização dos direitos civis. Não se mexe num problema
social isoladamente. Acabamos nos envolvendo com outros e
precisando de outros interlocutores para poder agir. De alguma
forma acaba-se chamando outros atores para poder atuar na
situação. Um bom exemplo é o de Pernambuco, outro é o que
temos nos vários balcões de direito que temos em muitos
Estados do País. Quando se cria um serviço para atender a
comunidade carente, as pessoas se apresentam na primeira vez
tentando buscar orientação sobre seus documentos. Entretanto,
o dia-a-dia faz com que outros setores, o do trabalho, o da
educação, por exemplo, de alguma forma tenham também de
participar. Isso nos dá, cada vez mais, a convicção de que a
indivisibilidade do direito civis com o direito social acontece
muito mais na prática do que na teoria. Por mais que imaginemos
que se possa fazer esse trabalho por etapas, na prática, a
cumplicidade das ações se faz ano dia-a dia. Ontem, o
Professor Antônio Augusto Cançado Trindade mencionou um ponto
que eu gostaria de destacar: a discriminação. Temos enfrentado
a discriminação de modo diferenciado. Sou do tempo em que
discriminação racial ainda era tema de rodapé de página, ou
seja, não era de interesse das pessoas. Posso mostrar-lhes
documento emitido há três anos de entidades internacionais que
retratavam Brasil como País harmônico nas suas relações
raciais. Ou seja, não havia problema nenhum de discriminação
racial ou discriminação contra a mulher. A mudança que se dá
hoje nesse campo, ocorreu em função da articulação dos
movimentos sociais, em destaque, o movimento feminino e o negro.
Esses movimentos ocasionaram um reflexo no interior do campo dos
direitos humanos. Antigamente, quando se falava de política do
idoso, política de combate à discriminação, eram coisas
segmentadas. Quando se trouxe isso para o seio do Programa
Nacional dos Direitos Humanos, trouxeram-se fatores e
preocupações diferentes, mas no mesmo sentido. Um dos aspectos
é que isso não se deu isoladamente pelo Ministério da
Justiça. Pelo contrário. O Ministério do Trabalho, a OIT, o
Ministério da Educação e o Ministério da Saúde foram
envolvidos. E de que forma? O grande foco de discriminação se
dá no trabalho. E os operadores do direito do trabalho, os
fiscais, as pessoas que estão no dia-a-dia no Ministério do
Trabalho, têm recebido sistematicamente informações sobre
duas convenções internacionais, as quais gostaria de destacar:
a Convenção 111 e a Convenção 100, que falam do tratamento
igualitário no emprego e na ocupação.
Para V.Sas. pode parecer uma coisa pequena, mas durante décadas
os relatórios que o Brasil teve com relação a esse tema é de
que não havia discriminação de espécie alguma. Hoje, há um
Ministério envolvido nessas importantes e sérias questões que
obrigam as pessoas, sejam elas ocupantes ou não de cargo ou de
funções no Estado, a repensar a situação da discriminação.
Não basta dizer que a discriminação existe. É preciso que se
dêem passos no sentido de acabar com ela. Recentemente tivemos
uma grande reunião em São Paulo, onde foram relatadas
experiências de várias empresas que cotidianamente tratam da
diversidade. O que é isso? É contemplar pessoas que são
vulneráveis à discriminação, negros, mulheres, idosos,
pessoas que assumem práticas sexuais diferentes dentro da
empresa. Conheci várias empresas que fizeram isso e têm essa
prática, como a Walmart a Levy Strauss. O grande exercício que
está sendo feito nesse campo é o de levar esse tema a debate
do interior do Estado. Verifico avanços importantes no campo da
discriminação e quero mais uma vez louvar o trabalho de
abertura realizado ontem, com a presença de pessoas portadoras
de deficiência, que fizeram aqui um pronunciamento emocionante,
importante e marcante, trouxeram a esse plenário a voz de uma
parcela ignorada da população, a dos portadores de
deficiência.
Com relação à população negra, às mulheres, àqueles que
são vítimas de sua opção sexual, é importante que tenhamos
a prática de coibir a discriminação. Não digo que seja
fácil. Mas se não houver por parte das entidades
não-governamentais, por parte de entidades dos vários Estados,
por parte do Governo iniciativa de proteger esses grupos
vulneráveis à discriminação, com certeza, a defesa dos
direitos humanos será ignorada por muitos e muitos anos.
Alonguei-me um pouco na questão da discriminação porque esse
é um assunto do cotidiano. A discriminação não acontece de
vez em quando. Ela acontece a todo instante, todos os dias, para
os idosos, mulheres, negros e portadores de deficiência. E é
importante notar que quando se fala em direitos humanos, fala-se
muito na questão do Estado, como se este fosse o grande
responsável pela administração dos direitos humanos. Tenho
visto, na prática, que são as entidades não-governamentais,
Prefeitos, secretários de Estados, mas, antes de mais nada,
pessoas que, com sua experiência, têm feito que a questão dos
direitos humanos seja trabalhada.
Recentemente, fui chamado para fazer uma palestra sobre direitos
humanos em uma comunidade religiosa budista. Eles diziam
reconhecer o avanço da questão de direitos humanos no País
não pelas grandes propostas, mas pelo seu dia-a-dia, pelo seu
cotidiano. Algumas imagens nesse sentido são importantes, para
indicar que estamos avançando na questão. Também
recentemente, estive em Campo Grande, e, depois de uma palestra
sobre esse tema, entrou na sala um senhor acompanhado da esposa
e de uma criança. Na área de direitos humanos acabamos
conhecendo praticamente todo mundo, conhecemos nossos parceiros.
Entrou então aquele casal humilde e o senhor pediu a palavra
para contar sua história. O apelido dele era Seu Totó. Era um
cidadão que trabalhava como lavrador no interior do Mato Grosso
do Sul e havia sido vítima de uma arbitrariedade. Esse cidadão
cumpriu, injustamente, uma pena de quarenta meses de prisão,
porque não conseguia se comunicar direito. Ele era negro, por
isso era excluído de alguns direitos.
Isso ficou bem caracterizado. Seu Totó contou sua história.
Ele presenciou um crime e, naquela indecisão quanto a chamar ou
não a polícia, esta chegou e fez dele o principal suspeito do
crime. Ele viveu quarenta meses preso - e eu fiquei me
perguntando de que adiantou o Programa Nacional de Direitos
Humanos para esse cidadão. O que levou esse homem à liberdade
foi, primeiro, a população, os amigos, a entidade de direitos
humanos de Mato Grosso do Sul, mas, principalmente, algo que eu
reputo de suma importância, a solidariedade. Quando vejo que a
solidariedade se manifesta para pessoas vítimas de violações
aos direitos humanos, percebo que o discurso, de alguma forma,
está alcançando o próximo.
Como estou sendo avisado de que falei mais do que devia, só
queria reputar...
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Só o dobro, doutor.
O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Então, para finalizar,
quero dizer que, no ano de 1998, é importante não só trazer o
Movimento Nacional de Direitos Humanos, parceiro importante nas
nossas decisões, mas também definir de maneira estratégica as
ações que pretendemos realizar no próximo ano.
Agradeço a V.Exas. a possibilidade de estar aqui debatendo,
embora de maneira resumida, sobre as propostas e o trabalho do
Programa Nacional de Direitos Humanos. Avançamos de maneira
substancial, mas não avançamos sozinhos, e, sim, graças à
participação, à crítica, aos comentários e ao apoio do
cidadão brasileiro no campo de direitos humanos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Agradecemos pela
participação ao Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos, Diretor do
Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
Com a palavra o Dr. Belisário dos Santos Júnior, representante
do Estado de São Paulo, Secretário de Estado de Justiça e
Cidadania.
Tem S.Sa. o tempo previsto de dez minutos.
O SR. BELISÁRIO DOS SANTOS JÚNIOR - Agradeço e tentarei
cumprir esse tempo. Homenageio na sua pessoa, Sr. Presidente, a
Câmara dos Deputados, os demais organizadores deste seminário,
a Comissão de Direitos Humanos, o combativo Deputado Pedro
Wilson e também todos os que estão à mesa, brasileiros e
personalidades estrangeiras, e os demais combatentes, queridos
amigos que vejo aqui engrossando as fileiras neste seminário.
O Programa Estadual de Direitos Humanos de São Paulo foi
anunciado no dia 14 de setembro de 1997. Por trás desse
anúncio se esconde um trabalho do Governo do Estado de São
Paulo, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa e do Conselho de Defesa da Pessoa Humana, com a
coordenação técnica do Núcleo de Estudos da Violência.
Muito São Paulo aprendeu com o programa nacional. Fugiu de
algumas armadilhas que o programa nacional teve de enfrentar,
valendo-se de suas lições.
O programa estadual desborda um pouco da questão dos direitos
individuais e enfrenta, como enfrentou o programa nacional, os
direitos econômicos e sociais. Mas o faz numa outra dimensão,
até mais própria do Estado, enfrentando questões como a do
direito ao desenvolvimento. Toca em pontos que dizem respeito
às duas regiões mais pobres do Estado de São Paulo, que são
o Vale do Ribeira e o Pontal do Paranapanema.
O manejo interno dentro do Governo do Estado de São Paulo foi
um pouco diverso. Quando o programa saiu à rua, ele já tinha
sido debatido, esmiuçado e deglutido por todas as esferas do
Poder Executivo e do Poder Judiciário do Estado. A
participação da sociedade civil foi o próprio motor, porque,
antes mesmo do Programa Nacional de Direitos Humanos, o Fórum
das Minorias estava se reunindo em São Paulo, por iniciativa do
CONDEP e com o apoio da Secretaria da Justiça. Dessas
"minorias" - entre aspas, porque falamos de negros, de
mulheres, minorias em termos de falta de condições de
apropriação do poder político e do poder econômico - dessas
minorias saiu um trabalho importante. A partir desse trabalho
produzido pelo Fórum das Minorias, fomos ao Estado como um
todo, tentando mobilizá-lo para fazer com que esse plano não
se restringisse somente à cidade de São Paulo. O Plano
culminou numa conferência estadual de direitos humanos na
Assembléia Legislativa, promovida pela Comissão de Direitos
Humanos da Assembléia Legislativa, quando foi anunciado, entre
o final da conferência e o anúncio do programa. Houve
adaptação dos pontos nas diversas secretarias. Curiosamente,
alguns dos pontos levantados pela sociedade tiveram tratamento
mais ousado. Lembro, por exemplo, que a sociedade pediu a
extensão da competência civil para alguns crimes praticados
por policiais militares, e o plano veio a contemplar a
extinção da competência da Justiça Militar estadual, ou
seja, o fim da Justiça Militar estadual.
Ao mesmo tempo, e também quando da notícia do plano,
anunciou-se a criação de comissão para monitoramento. Isso
provocou um certo frisson em São Paulo, porque houve um
intervalo entre o anúncio e a indicação dos nomes de sua
composição. A sociedade civil e a Assembléia Legislativa
ficaram esperando a divulgação desses nomes e, alguns dias
depois, vimos que, entre os componentes da comissão de
monitoramento - alguns inclusive aqui presentes - estão membros
da Comissão Justiça e Paz, da Comissão Teotônio Vilela, do
CONTER, do CONDEP, ou seja, pessoas que têm ligação umbilical
com a questão dos direitos humanos. Esse temor, hoje, tantos
anos depois do fim do regime autoritário, ainda pesa nas
relações entre a sociedade e o Estado, e a indicação da
comissão de monitoramento nesse nível espantou um pouco dos
problemas que pudessem haver em relação ao acompanhamento da
implementação do Programa de Direitos Humanos.
Optamos por não dar a essa comissão poderes próprios do
CONDEP, do Conselho Nacional de Direitos Humanos ou da própria
Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa. Essa
comissão, criada com o plano, vem para acompanhá-lo e para
incentivar as ações nele previstas.
Como o programa nacional, o plano tem ações extremamente
concretas, desde a indenização por crimes, e houve graves
crimes cometidos no Estado de São Paulo. Estamos inclusive
acompanhando na OEA - a Secretaria Nacional homenageia o
companheiro José Gregório -, no 42º distrito, aquele crime
gravíssimo que ocorreu em São Paulo, em que se comprimiram
pessoas dentro de uma cela para puni-las. Estamos tratando da
questão da indenização administrativa. É um dos pontos
previstos. Mas prevemos também no programa estadual pontos que
vieram, por exemplo, da Comissão de Idosos, do Fórum de
Idosos. O rebaixamento dos degraus de ônibus, por exemplo, foi
um dos pontos debatidos. O reconhecimento da competência
contenciosa... Por que o Brasil não reconhece de uma vez a
competência contenciosa? Não há razão. Sempre se disse que o
grande obstáculo era o Supremo Tribunal Federal, mas na
realidade a resistência estava no Itamaraty. Acredito que isso
deve estar superado. A questão da polícia comunitária começa
a ser trabalhada. Há uma reunião muito curiosa às
segundas-feiras pela manhã da comunidade com o Comandante da
Polícia Militar. É uma reunião periódica de avaliação, é
uma reunião expressamente convocada para isso.
O Programa de Direitos Humanos já está trabalhando
concretamente em algumas questões. Em São Paulo já vemos
resultados quanto à publicação de tratados. A
Procuradoria-Geral do Estado realizou uma publicação em
português. São publicações difíceis de se encontrar, e São
Paulo realizou a publicação dos tratados internacionais mais
importantes.
Temos uma outra experiência em pleno andamento, que é o
controle epidemiológico da violência, um dos pontos do
programa estadual. Estamos implementando algo que é
fundamental, e que deve vir para a agenda da homenagem às
declarações universal e americana. É a questão da
municipalização dos programas estaduais. A municipalização
é trabalhada sob vários pontos de vista, seja o do Conselho de
Entorpecentes, o do Conselho de Proteção da Pessoa Humana, o
das comissões municipais de direitos humanos das Câmaras de
Vereadores. Enfim, a municipalização é o grande debate.
Afinal de contas, um programa estadual não significa só uma
série de pontos, ou o consenso que se estabelece com a
sociedade, mas é também uma oportunidade, é um momento em que
se eleva esse debate.
Já estou encerrando, Sr. Coordenador. Nós temos amanhã uma
reunião com as comissões internas das secretarias. Há vontade
inequívoca do Governador Mário Covas dirigida ao cumprimento
dos direitos humanos. Mas não é só de funcionários e
comissões que trata um Governo de Estado. Há um corpo
permanente que precisa ser convencido. Há uma cultura de que o
Estado que é essencialmente o maior violador dos direitos
humanos. Não o Estado de São Paulo, mas o Estado é o maior
violador dos direitos humanos, e temos de nos dirigir ao
convencimento do corpo permanente do Estado. Amanhã temos uma
reunião exatamente com funcionários, que tratarão, em cada
secretaria, dos programas afetos a cada área. Já criamos
programas de computador que identificarão a secretaria - nunca
é uma só - que está fundamentalmente preparada e que deverá
coordenar dentro do Governo determinado programa, qual a
parceria dentro da sociedade civil que está identificada, que
outros órgãos de Estado estão identificados.
Já há programas em andamento com parceria do Ministério
Público, com parceria do Poder Judiciário. Cito o Centro de
Integração da Cidadania e o Programa Estadual de Proteção à
Vítima. Estamos nos mirando no exemplo do Estado do Paraná, e
agora nessa experiência de Florianópolis. Temos um serviço de
proteção à vítima em estado adiantado. Há também a
questão dos quilombos, que merece um tratamento especialíssimo
em São Paulo. Já vamos editar o livro. Editamos uma lei que
afastava alguns obstáculos para o reconhecimento da propriedade
de remanescentes de quilombos para associações e não para
pessoas, como quer a Constituição. Esse trabalho foi
considerado exemplar pela Fundação Palmares. Desenvolvemos
ainda um trabalho de educação em direitos humanos, inclusive
na Polícia Militar. Estava comentando com uma companheira aqui
que talvez não seja muito eficiente só o trabalho de
educação, que é preciso haver um trabalho de punição. Mas
isso é um todo, nunca um ponto só é fundamental. Educação
em direitos humanos vem junto com programa de qualidade, vem
junto com a questão da Ouvidoria. O Benedito Mariano, que está
presente, Ouvidor da Segurança Pública de São Paulo, é uma
das grandes contribuições da Secretaria de Segurança
Pública.
Em São Paulo as ouvidorias passarão a ser obrigatórias para
todos os serviços que atendem ao público a partir da
aprovação da Lei de Defesa do Usuário Público. Enfim, os
assentamentos que já estão sendo discutidos. Há vários
pontos que já estão ocorrendo em São Paulo e que dependem do
Estado. Há, ainda, outros que nem dependem do Estado. Estou
vendo aqui os brilhantes, queridos e combativos estudantes do
Centro Acadêmico 11 de Agosto, que promoveram, junto com outros
estudantes, a Ação pelo Desarmamento. Hoje a ABRINQ, em São
Paulo, sem qualquer participação do Estado - é claro que ele
colabora - está assinando protocolos que banem o trabalho
infantil de diversas áreas, principalmente da área de
calçados.
Em São Paulo estão atuando profundamente as promotoras legais
e populares. Há ainda o trabalho da Thêmis, em São Paulo, com
outras entidades feministas, que está levando à agilização
dessa questão.
Ou seja, há muita coisa rolando, e, portanto, o programa
estadual constitui o momento, não necessariamente deflagrador,
mas que catalisa, que incentiva as ações, e é isso que
queremos. O programa ainda está engatinhando, mas acredito que
chegaremos a bom termo.
Em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos,
gostaria que constasse da agenda o incentivo aos demais Estados.
Ceará e Minas Gerais, por exemplo, estão trabalhando a
questão dos direitos humanos como política de Estado, como
programa. Mas desejo que venha para a agenda o incentivo aos
Estados e aos Municípios para que criem os seus próprios
programas.
São Paulo editará, de início, 500 mil cópias das
Constituições Estadual e Federal, com a Declaração Universal
dos Direitos Humanos e a Declaração Americana.
É preciso trabalhar a Declaração Americana. Ela é muito
esquecida, mas trata dos direitos e deveres. É fundamental, meu
caro Dr. Wagner, que trabalhemos também os deveres da
cidadania, e a Declaração Americana faz isso. Para os senhores
terem uma idéia, ela trabalha até a convivência como um
dever.
Gofredo da Silva Teles outro dia foi homenageado no Tribunal de
Justiça junto com outras pessoas, que proferiram discursos
muito longos e brilhantes, e ele falou por apenas dois minutos.
Disse, naquela sua voz pausada: "Eu aprendi, no curso da
minha vida, que direito é convivência."
Ele não precisava dizer mais nada. Direito é convivência, e
com isso combate-se a discriminação, fala-se de liberdade, de
direitos econômicos e sociais, de universalização, enfim, de
interdependência dos vários direitos. E a Declaração
Americana fala disso: direito de convivência.
Talvez até esse devesse ser o próprio mote: a convivência
como um dever. Porque é isso que na realidade nós trabalhamos
o dia todo quando falamos em direitos humanos: tolerar o outro,
viver o outro e respeitar seus direitos. Enfim, acho que isso é
um pouco do que vamos fazer. Vamos trabalhar a questão da
Declaração pelo viés da escola, trabalhando a questão com os
estudantes, começando principalmente pelos de primeiro e
segundo graus.
Portanto, uma das coisas que levarei para São Paulo é essa
história do verso da certidão de nascimento. É fundamental
que possamos apresentar isso.
Desafio a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
a se reunir em São Paulo, até para nos brindar com a presença
e com as sugestões; que se leve parte desta plêiade de
combatentes, para que possa se somar também à Comissão de
Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil e à
Procuradoria do Cidadão, ao nosso Dr. Wagner Gonçalves; que
vão a São Paulo, façam uma reunião especial com esse
conjunto de entidades, até para que nos motivemos mais, se é
que é preciso mais garra do que temos. Mas, na verdade, acho
que sempre é importante um empurrão.
E que ajudemos, com essa presença em São Paulo, também a
convencer os setores do estamento, os setores da sociedade civil
que precisam trabalhar com o Estado, que precisam vencer as
resistências, os setores do Estado que precisam vencer as
resistências, os diversos Poderes, enfim, a ajudar a aumentar a
faísca que, em São Paulo, já está fazendo com que se acenda
com mais força o fogo dos direitos humanos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Nossos agradecimentos
ao Dr. Belisário dos Santos Júnior, representante do Estado de
São Paulo e Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, a
quem foi concedida por esta Mesa 50% da jurisprudência
concedida pelo Dr. Ivair Augusto.
Passamos a palavra ao Dr. André Puccinelli, que deixou o
convívio da Câmara dos Deputados para assumir a Prefeitura de
Campo Grande.
O DR. ANDRÉ PUCCINELLI - Ouvimos o roncar dos estômagos,
razão porque seremos objetivos e pragmáticos, elencando as
medidas que estão sendo praticadas em Campo Grande.
Entendemos que a globalização que se está vivendo hoje nos
impõe medidas que não cabem só aos Municípios, só à União
ou só aos Estados. Há que se ter uma integração de todas as
instâncias e níveis de Governo para que possamos realmente
fazer viger os direitos do cidadão.
Aqui cabe uma primeira referência elogiosa aos Governos que
sucederam ao de duas décadas atrás, com a liberdade de
expressão e a liberdade socioeconômica que se vive e, enfim,
com o adquirir do ir e vir, para que realmente possamos ser
cidadãos dignos e respeitados na nossa liberdade como um todo.
O Município tem, na sua instância, imensas dificuldades. Como
pode participar da segurança do cidadão, se isso é dever do
Estado? Como pode influenciar em todas as instâncias que
realmente representam o respeitar dos direitos humanos de todos
os cidadãos que ali vivem? Na municipalização selvagem que se
está fazendo em todas as instâncias, seja da saúde, da ação
social ou da educação, o Município tem restritos recursos
para fazer frente a todas as demandas.
Nosso companheiro De Velasco, companheiro de esfera federal,
quando aqui estivemos, até o ano passado, quando fomos eleitos
Prefeito de Campo Grande, e por intermédio do qual saúdo todos
os componentes da Mesa, sabe bem como se sofre ao se pedir e ao
não se poder determinar.
Mas o otimismo de todos nós é que nos faz vencer as batalhas,
e vamos elencar de forma prática o que estamos fazendo em Campo
Grande. Entenderíamos, didaticamente, em dividir as questões
em sociais - e entendemos como tais a educação, a saúde e a
assistência social - e de infra-estrutura propriamente ditas,
que propiciarão também o respeito à dignidade dos deveres que
o Estado tem para com seus cidadãos.
Na área de saúde, estamos informatizando toda a nossa rede
municipal. Para quê? Para que possamos ter, com o
cartão-saúde, a possibilidade de diminuir as filas e de
elencar as consultas programadas - aquelas que não são
emergências ou urgências -, para, assim, respeitarmos o
direito do cidadão de não permanecer seis, oito ou dezoito
horas na fila, podendo ser atendido pelo nosso colega o mais
rapidamente possível.
O que mais se está fazendo? Está-se elencando na prevenção o
que se pode fazer para não se ter de despender mais recursos
adiante.
Além do Programa Nacional de Vacinação, estamos implementando
a multivacinação, com a vacinação da MMR e da anti-hepatite,
para que se possa, prevenindo, ter-se uma qualidade de saúde
melhor.
Estamos desenvolvendo o Programa de Assistência Integral à
Saúde da Criança, o Programa de Assistência Integral à
Saúde da Mulher e os Programas dos Agentes Comunitários de
Saúde, aos quais, creio que, ineditamente, houve em Campo
Grande um engajar das entidades evangélicas e católicas todas,
para que haja múltiplos agentes comunitários de saúde no
avançar, no levar o conhecimento àqueles que são mais
incultos. Ou seja, o engajamento de toda a sociedade está
fazendo com que se vençam os obstáculos causados pela
diminuição dos recursos.
Há ainda o Plano de Saúde da Família, também desta forma
levado ao pequeno rincão do distante bairro, que não tem
acesso pela rua porque o Prefeito, na sua impotência - até
como palavra mais rude - não pode chegar lá para tirar o lixo,
para chegar com a via, para chegar com o acesso.
Estamos investindo na área da educação, transformando o que
era determinado como creche - e aqui outra das atribuições que
não são inerentes ao Municípios, mas que estamos assumindo -
em CEINFs, Centros de Educação Infantil.
Por que esta mudança? Para propiciar o que não é permitido
por lei, mas que é injusto: para que se possa levar a merenda
inclusive à creche. Quando denominada creche, isso não pode
ser feito; quando denominado Centro de Educação Infantil,
pode. É uma incongruência.
Agora a denominação de Centro de Educação Infantil não nos
faz estocadores de crianças nas creches, mas indutores do
sistema pedagógico a que se leva a criança antes de entrar no
ensino fundamental.
Os CEMAs, Centros de Múltiplas Atividades, para as crianças de
sete a quatorze anos, servem para complementar e reforçar o
aprendizado, tirá-las da rua e aumentar sua cultura, de forma
que se possam ter crianças mais bem dotadas para vencer os
desafios do futuro.
Além disso, há nossa estruturação em Campo Grande, com o
aumento de escolas. Somos a terceira capital do País no
quantitativo de escolas que abrigam alunos de ensino
fundamental, e queremos zerar o nosso déficit, que hoje se
encontra em torno de 6% da clientela existente, até o término
de 1998, com a construção de 120 novas salas de aula, sempre
com ensino fundamental, com pré-escola, com uma sala de
informática e com uma sala de múltiplas atividades. Desejamos
assim congregar a educação como um todo, e não só o ensino
fundamental, que é incumbência nossa. Isso na estruturação
física. E o que mais se está fazendo? No sistema de programas,
instituímos o Programa de Policiamento Ostensivo Escolar. Por
quê? O policiamento não é obrigação nossa, mas dever do
Estado. Mas vimos como eram assediadas nossas crianças pelos
vendedores de drogas, e fizemos um convênio com a Polícia
Militar e militares inativos, para que eles possam estar
presentes 24 horas nos nossos Centros de Educação Infantil,
nos nossos Postos de Saúde 24 horas, nos nossos CEMAs e nas
nossas escolas.
Fizemos um PROERD, Programa Educacional de Resistência às
Drogas, no qual engajamos oito das nossas 105 escolas, com 57
mil alunos, de uma população de 600 mil habitantes, para que
eles propiciem um engajamento em que se viu a oportunidade de as
crianças remirem os pais, trazendo-os para o convívio e eles
resistindo à infiltração dessa chaga da droga no seio da
família sul-mato-grossense e campo-grandense.
Há ainda o Projeto de Educação para o Trânsito,com a
implantação de cursos de suplência para jovens e adultos, a
execução de programas de prevenção à AIDS, às doenças
sexualmente transmissíveis e às drogas e, por fim, um último
programa, em consonância com a SAST - Secretaria de Ação
Social e do Trabalho -, instituída por nós para que tenhamos o
assinar do primeiro convênio urbano da erradicação do
trabalho precoce infantil de todas as crianças dos nosso
lixões.
Não diferentemente Campo Grande das demais capitais do País,
nós temos inúmeros lixões. Não temos sequer aterro
sanitário. O lixão está-se transformando num aterro
controlado, e lá muitas crianças catam as latinhas de
alumínio para vender.
Estamos, a exemplo do que fez o Estado do Mato Grosso do Sul,
assinando convênio e retirando 315 crianças dos lixões,
mapeadas, cujas famílias não as querem tirar, oferecendo o
Município, àquelas menores de seis anos, a oportunidade de
terem acesso aos CEINFs; àquelas maiores de sete anos, a
oportunidade de terem entrada na escola. Assim se está, em
consonância com o Ministério Público, a Promotoria da
Criança e da Adolescência, gerindo na família o dever do pai
e da mãe de obrigar a criança a sair complementando a renda
familiar, porque o argumento é de que a renda com que essas
crianças contribuem para o sustento da família é de vital
importância. Propicia-se às famílias um complemento, por
parte do Município, de 25 reais e, por parte da União, nesse
convênio integrado, cinqüenta reais por criança, por unidade.
Na SETRAT, nossa Secretaria de Trânsito, há o respeito ao
deficiente físico. Estamos rebaixando todas as calçadas, para
que possam os "cadeirantes" transladar sem obstáculos
arquitetônicos. Estamos vendo como a sociedade pode ajudar
porque, sem ela, poder público nenhum vence as dificuldades, e
o que se pode fazer, com a iniciativa privada, para que as
dificuldades arquitetônicas possam ser vencidas e os
"cadeirantes" tenham o direito de ir e vir.
Ônibus: demos destino a mais seis linhas de ônibus agora, na
última semana, com elevadores para levarem os deficientes
físicos até sua plataforma. E linhas novas, escolhidas pelos
deficientes físicos, para irem do trajeto em que se encontram
aonde querem na integração, propiciaram a que Campo Grande
tenha, desde a última semana, seis novas linhas escolhidas
pelos deficientes, com ônibus exclusivos para uso deles, para
irem e virem para onde queiram e desenvolvam o seu trabalho.
A nossa empresa municipal de habitação criou um programa de
habitação de interesse social. O que é esse programa?
Passamos uma lei municipal em que se formou uma fila única,
gerida pelo Município, em que a CDHU - Companhia de
Desenvolvimento e Habitação Urbana do Estado, a EMHA - Empresa
Municipal de Habitação - e a SEAF - Secretaria de Assuntos
Fundiários do Município façam a porta de entrada de todas as
famílias que não têm habitação.
Propiciamos, com uma fila fiscalizada por eles próprios, em que
se elenca, por meio de critérios, quem tem direito a ser o
primeiro da fila. Por exemplo: a família que tem pai e mãe
terá três pontos; aquela que tem só a mãe a cuidar dos seus
filhos tem dois pontos; só o pai a cuidar dos seus filhos, dois
pontos; a cada filho, dois pontos; a cada deficiente, um ponto a
mais; a cada idoso acima de 65 anos, um ponto a mais.
Assim, eles próprios fiscalizam a sua fila de doze mil já
elencados até o momento, para que possam entrar em um programa
de habitação de interesse social. O Município entra com um
lote urbanizado, para que eles edifiquem, em planta padronizada,
com certificado técnico pelos engenheiros da prefeitura, no
acompanhar da obra, e possam ampliá-la no decorrer de suas
posses e de sua vida, com titulação definitiva após
determinados anos e em um cadastro geral que lhes proíbe a
venda porque, se venderem o que adquiriram com concessão do
Poder Público, não teriam acesso a uma nova fila.
Resumo aqui os demais itens que teria para falar, encerrando com
a determinação do que o Prefeito elencou no início da
administração: a realização da Festa das Nações, com o
congregar do lazer como fator importante para o entretenimento e
convivência entre os povos; a criação, de nossa autoria, do
Conselho Municipal de Direitos Humanos, do Conselho Municipal do
Negro e dos Conselhos Regionais, para que se faça a
participação democrática da sociedade no elencar das suas
prioridades, com participação no Orçamento; a inclusão da
representatividade do movimento negro no gabinete, com uma
eleição, participando todas as entidades dos negros, para que
escolhessem democraticamente seu representante, para, com
Função Gratificada, atue como assessor da prefeitura, bem como
a representatividade dos índios, dos ex-aldeiados, em número
de 50 mil no Estado de Mato Grosso do Sul e cinco mil em Campo
Grande; o anúncio da Campanha "Natal sem Morte" -
para orgulho de Campo Grande, fazemos parte, no âmbito
municipal, das instituições do Governo que trabalham pelo
Plano Nacional de Direitos Humanos e emprestamos o nosso nome
para que, juntos, Município, Estado e União, façamos uma
verdadeira parceria.
Para terminar, Sr. Presidente - já adentro os vinte minutos -,
quero dizer que a assinatura de convênio com a Secretaria
Nacional, visando à realização da campanha de desarmamento,
será feita no dia 10, bem como a campanha do Natal da Paz.
Encerro dizendo que prefeito nenhum, governante nenhum, seja em
âmbito estadual ou nacional, sem a participação efetiva do
ouvir da sociedade, das entidades, das representações, dos
clubes de serviço e sindicatos, e com a sua parceria efetiva no
trabalho, no direito e no dever, vencerá. Campo Grande quer
vencer e os convida na proposta que faz para sediar o
cinqüentenário do próximo ano, a possibilidade de lá termos
todos os aqui presentes e todas as entidades e de projetarmos
Campo Grande como quer ser, uma capital vanguardista nos
direitos humanos, para que possa fazer da justiça e do seu
dever o dever de todos nós, patriotas. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Os nossos
agradecimentos ao Dr. André Puccinelli, Prefeito de Campo
Grande.
Passamos a palavra ao Dr. Wagner Gonçalves, Procurador Federal
dos Direitos do Cidadão.
O SR. WAGNER GONÇALVES - Sr. Deputado Presidente da Mesa,
demais componentes, Srs. Deputados presentes, senhoras e
senhores, antes de mais nada, quero prestar uma homenagem à
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados ao
patrocinar este evento.
Creio que o tema "Atuação do Governo Brasileiro na área
dos Direitos Humanos e as Experiências nos Estados e
Municípios" já foi relatado tanto pelo Dr. Ivair Augusto
dos Santos, Diretor do Departamento de Direitos Humanos do
Ministério da Justiça, quanto pelo Dr. Belisário dos Santos
Júnior, Secretário de Estado da Justiça e Cidadania do Estado
de São Paulo, e pelo ilustre Prefeito do Município de Campo
Grande, Dr. André Puccinelli.
O Dr. Belisário dos Santos mencionou dois aspectos que acho
muito relevantes, entre outros: primeiro, que direito é
convivência e que há uma cultura do Estado em violar direitos
humanos.
Primeiro, não temos o Estado. O Estado é uma hipótese, uma
ficção. São os agentes do Estado que violam os direitos
humanos e, nesses agentes, realmente existe essa cultura - não
podemos negar.
Em relação ao direito como convivência e tolerância, a
expressão usada por Gilberto Freyre quando lhe perguntaram:
"Do que, afinal, o ser humano precisa para bem viver?"
Ele respondeu: "Tolerância". Realmente precisamos de
tolerância.
Lembro-me de que, em maio, estive em um seminário nos Estados
Unidos, a convite do governo norte-americano, e foi uma
satisfação essa experiência. Depois de sair de uma reunião
com um advogado da SLU, uma grande ONG que defende os direitos
civis e políticos naquele país, íamos em direção a uma
lanchonete - lá não se almoça, só se lancha - e passamos
perto de uma grande cadeia de lojas, a Macy's. Lá havia uma
manifestação, com cartazes, e dois policiais ao lado dela. Eu
perguntei: "Você poderia me explicar o que está
acontecendo aqui?" Ele disse: "Ali eles estão fazendo
uma manifestação na porta da loja para denunciar a venda de
peles de animais, porque são ONGs que lutam contra essa venda.
Os policiais estão ali porque, se eles pararem tampando a porta
da loja, eles vão presos, porque eles não podem interromper a
entrada daqueles que inclusive querem comprar aquele casaco de
peles".
Achei interessante, primeiro, porque ele é considerado um dos
radicais na defesa de direitos humanos mas, por outro lado, ele
achou aquilo profundamente normal e continuamos andando. Quer
dizer, para nós, temos mais é de fechar a loja. Então, temos,
de ambos os lados, tanto uma cultura do Estado quanto uma
cultura popular, em determinados momentos, de profunda
intransigência.
Já que foram relatadas as experiências dos Estados, louvo, por
exemplo, a do Estado de São Paulo, com essa experiência
desencadeada no Governo Mário Covas, o Secretário de
Segurança Pública, José Afonso da Silva, o trabalho do Dr.
Belisário e também o da Ouvidoria da Polícia. São questões
que outros Estados devem aproveitar, como também se relataram
experiências em Campo Grande.
Realizamos recentemente, na semana retrasada, um encontro de
Procuradores da Cidadania, na Procuradoria-Geral da República.
Vários temas foram discutidos, como a criação dos Conselhos
Municipais e Estaduais, e os Procuradores ficaram com a
incumbência de lutar para implantar esses conselhos. É lógico
que há Estados que já têm esses conselhos, mas eles irão
atuar junto, verificar o funcionamento etc.
O que chama a atenção, na questão direitos humanos, é que
já temos a legislação, instituições funcionando, um
Ministério Público com a visão bem mais alargada, com
atribuição de responsabilidades a partir da Constituição de
1988; temos, em alguns Estados, essas iniciativas fundamentais.
É bom saber que hoje, por exemplo, atuamos junto ao Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça,
e o Estado de São Paulo nem vem participando, o que é bom.
Quando o Estado não vai para o Conselho, é sinal de que as
autoridades locais estão funcionando a contento. Mas vamos
esquecer isso. Por que, afinal, não funciona? Porque há uma
seqüência de violação de direitos humanos neste País e o
problema é muito mais grave.
Para rememorar que não temos um sentido democrático
existencial inclusive entre nós mesmos, basta dizer que, apesar
de uma Constituição tão democrática, permitiram-se medidas
provisórias que não têm qualquer regramento: o Presidente da
República faz o que quer, a hora que quer, e o Supremo nada
modifica, não enfrenta o tema, a urgência e a relevância -
nem todas as questões podemos dizer que há essa urgência e
relevância. É só para mostrar o sentido da falta de
democracia que temos. E essas medidas provisórias que, em
muitos casos, violam a própria autonomia do Congresso Nacional.
Mas essa é uma outra questão que estou falando apenas en
passant.
A verdade é a seguinte: em alguns Estados, onde se aliam os
poderes econômico, político e policial, não se pode fazer
absolutamente nada, e não conseguimos levar os crimes que ali
ocorrem para o âmbito federal porque ainda não se passou uma
lei ou uma emenda à Constituição sobre a federação de
crimes.
O que fazemos? Ficamos em gestões e recomendações. O ilustre
representante do México nos trouxe a experiência da
recomendação, que lá também é feita. Para mim, se não há
pena correspondente à falta de atendimento daquilo, a
recomendação é risco n'água. E nós, adotando a Lei
Orgânica do Ministério Público Federal, temos recebido
constantes recomendações dos colegas dos Estados. Elas são
justificáveis? Algumas vezes são. Mas elas são eficazes na
medida em que, na recomendação, se ameaça com a ação
judicial correspondente. Se não tem a ação judicial
correspondente, a recomendação nada vale, eles não obedecem.
E quando se aliam esses três fatores - político, econômico e
policial -, estamos, como se diz vulgarmente, "num mato sem
cachorro".
Isso ocorre principalmente nos Estados do Nordeste. A verdade é
que há uma dicotomia profunda entre a consciência de direitos
humanos, vamos chamar assim, de uma maneira geral, de Brasília
para baixo, e de Brasília para cima. Basta observarmos o que
ocorre no Acre, no Rio Grande do Norte ou no Amazonas, estão
aí três exemplos. Se é para se relatar experiências, vamos
relatar rapidamente a desses três Estados.
Já fomos duas vezes ao Estado do Acre. Está aqui o colega
Percílio de Souza, que participa da Comissão pelo CDDPH, o
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério
da Justiça. Até agora, conseguimos, com muita luta, prender
duas pessoas de um grupo de extermínio - há mais de dois anos
-, onde há a participação da Polícia Militar, a omissão do
Governador e o envolvimento de Deputado Estadual. Ora,
conseguiremos levar essas pessoas às barras dos tribunais? Vai
ser difícil.
Então, temos boas intenções, leis bem-feitas,
especificações de questões que todos devem iniciar, mas temos
bolsões que envolvem algumas alterações ainda na nossa
legislação. Já que o Conselho de Defesa de Direitos Humanos
do Ministério da Justiça é a única maneira que temos para
chegar ao Estado, temos que instrumentalizar esse Conselho para
que ele estabeleça multa, que já está sendo prevista,
censura, e que seja feito um cadastro das autoridades que violam
os direitos humanos. E mais ainda: a União, como tal, deve
imediatamente fazer uma reunião com os governadores para
definir uma política nacional de direitos humanos e cortar
crédito desses governadores que não fazem um plano de direitos
humanos ou que não instalam um Conselho Estadual de Direitos
Humanos, principalmente nos grandes Municípios onde não existe
um Conselho Municipal de Direitos Humanos, e, ainda, que as
polícias tenham as suas ouvidorias. Não é possível, se temos
exemplos que devem ser seguidos, que não tenhamos desenvolvido
isso em âmbito nacional por injunções políticas. O Plano
Nacional de Direitos Humanos está aqui. Foi importante essa
iniciativa do Governo Fernando Henrique Cardoso, mas não basta.
As violações a que estamos assistindo em alguns Estados,
principalmente nas Regiões Norte e Nordeste, irão acirrar-se
no próximo ano, que será um ano de eleição, e sabemos que,
nesse período, a violência no País aumenta por causa das
injunções políticas. É fundamental que a União e a
Secretaria Nacional de Direitos Humanos tomem a iniciativa de
chamar a si a incumbência de iniciar esse movimento para que os
governadores assumam suas responsabilidades. Não basta
simplesmente utilizar, como ocorre em alguns Estados, programas
de direitos humanos ou falar em direitos humanos, como quase que
um placebo, para ter posição na mídia ou ter resultados
interessantes politicamente. Isso não nos interessa mais. É o
nosso grande desafio. Incluo aqui o Ministério Público
Federal. É a eficácia da atuação. Chega de se tentar
resolver os problemas de uma maneira ingênua. A verdade é que
em muitos Estados o poder político, unido ao capital e ao poder
policial, gera impunidades. Temos de acabar com a impunidade em
casos exemplares. O próprio CDDPH, que é um Conselho do
Ministério da Justiça, que tem uma gama de atividades imensa e
é fundamental para todos nós que atuamos com direitos humanos,
vai ter que eleger casos prioritários e ir até às últimas
conseqüências. Não podemos ir ao Estado, conversar com o
Governador, fazer isso ou aquilo, visitar todas as autoridades,
iniciar um movimento e voltar, deixar aquilo parado por outras
circunstâncias até políticas. Não teremos o resultado que
todos esperamos. A verdade é que todas essas iniciativas aqui
relatadas são fundamentais. Os outros Estados que não as
iniciaram têm de ser obrigados a iniciar, sob pena de se cortar
os seus créditos e de entrar inclusive no cadastro nacional dos
omissos ou dos violadores dos direitos humanos.
Os direitos humanos envolvem toda essa gama de atividades.
Falou-se aqui em saúde. Se analisarmos um artigo da Lei nº
8.080, que regula o Sistema Único de Saúde que o Governo está
privatizando, que é outro crime contra o qual estamos atuando,
veremos que o exemplo é o próprio PAS, no Município de São
Paulo. O próprio ex-Ministro José Serra declarou na ISTOÉ ou
na Veja que o programa já não está funcionando, quer dizer,
é uma violação gravíssima dos direitos humanos. Todos
conhecem a situação dos hospitais públicos. Essa lei, no art.
4º ou 5º, diz que a saúde é uma situação - em outras
palavras - tal em que a pessoa tenha condições físicas
saudáveis, lazer, trabalho, habitação, emprego. Todas as
questões de direitos humanos estão interligadas - aí vamos
examinar outras mais de fundo: as políticas públicas e
sociais. Quer se resolver ou não a questão de direitos
humanos? Para isso precisamos ter políticas públicas, que é
outra questão mais de fundo dessa situação e que compete aos
ilustres representantes desta Casa atuarem para que se possa
realmente resolver o problema, sem prejuízo para nós, que
estamos à frente na questão dos direitos humanos, ou seja,
para que possamos atuar topicamente nesses pontos, a fim de
acabar com a impunidade e contribuir para que neste País haja
respeito à dignidade da pessoa humana.
Já fui advertido em relação ao tempo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Agradeço ao Dr.
Wagner Gonçalves, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão,
a participação.
Peço a paciência dos presentes, embora estivesse previsto o
encerramento desta reunião para às 12h, em relação ao
horário para que possamos levar este seminário até o final.
Temos mais três pessoas para falar, e se cada uma delas
utilizar os seus dez minutos, encerraríamos às 13h e não
deixaríamos ninguém para falar na parte da tarde, deixando
apenas para que o nosso Presidente efetivo desta Comissão, o
Sr. Deputado Pedro Wilson, apresente as sugestões e a agenda
para os eventos de 1998.
Concedo a palavra a Srª. Herilda Balduíno, representante da
Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil.
A SRª. HERILDA BALDUÍNO - Sr. Presidente, demais companheiros,
minhas senhoras e meus senhores, em nome dos advogados, falarei
do tema que se abordou sobre a atuação do Governo brasileiro
no Plano de Direitos Humanos.
Ouvi atentamente os que me antecederam. Quero dizer que todas as
abordagens que foram feitas de prestação de contas, do que
estão fazendo ou de situação de críticas, como fez o Sr.
Wagner Gonçalves, são todas procedentes e é exatamente isso
que ouvimos constantemente quando se reúne para falar em
direitos humanos. Mas nós, advogados, temos uma visão muito
crítica da atuação do Governo brasileiro e desse plano,
porque entendemos muito bem o que é a violação dos direitos
humanos. Estamos muito próximos das fontes onde isso ocorre.
Quando qualquer problema acontece em relação à violação aos
direitos humanos, a primeira coisa que se faz é procurar um
advogado. São os nossos advogados que trabalham, que dão
assistência e que fazem parte das Comissões de Direitos
Humanos que existem em todos os Estados, em grandes cidades, em
qualquer Município, chegando as denúncias até o Conselho
Federal da Ordem dos Advogados, que surgem em número
assustador. Temos consciência, e aqui já foi dito pelo Sr.
Belisário dos Santos Júnior, que o Estado é o maior violador
dos direitos humanos no Brasil. Então, trabalhamos com milhões
de violações que chegam todo o ano no Conselho da Ordem dos
Advogados. Por que nós advogados temos uma visão especial do
problema da atuação do Governo e desse Plano de Direitos
Humanos? Porque examinamos o Plano de Direitos Humanos dentro do
contexto da atuação do Governo, dentro das macropolíticas do
Estado. Não examinamos esse plano nem a atuação do Governo
pelo enunciado de propostas que estão fazendo. Sabemos e temos
consciência de que as violações de direitos humanos e a falta
de provação dos direitos humanos no Brasil é fruto de um
sistema econômico perverso, que privilegia segmentos sociais e
despreza a maioria do povo brasileiro. Isso está muito claro
para nós.
A Nação está absolutamente esquecida do Estado brasileiro. A
Nação é o povo, o Estado é a ficção jurídica, como disse
aqui o Procurador. É preciso fazer um Estado eficaz. Mas e o
povo? E as pessoas que compõem esta Nação? Não vou enumerar
essas violações porque ficamos cansados quando falamos sobre
isso. Mas houve uma mudança. Há uma crise de excelência na
sociedade. Os direitos humanos não significam apenas
assistência a carentes. Primeiro, é preciso acabar com essa
idéia de que direitos humanos é assistência a carentes.
Direitos humanos não é matéria da assistência social;
direitos humanos é cidadania, é dever do Estado de promover a
dignidade de todos os brasileiros, de todas as pessoas que aqui
vieram e todas as pessoas que aqui moram. Então, no momento em
que se pensa por que vamos fazer tais e tais coisas que estão
acontecendo e que estão faltando, que estão promovendo
direitos humanos ou que estão agindo contra a violação dos
direitos humanos, não se está prestando mais do que
privilégios mínimos. Não precisamos fazer mais leis porque
uma das coisas mais importantes que é preciso dizer é que há
leis demais. Isso chama anomia positiva. Quando se faz essa
quantidade de leis, ninguém sabe qual a lei que vai se cumprir.
Não precisamos fazer mais leis para que o Estado atue. É
preciso que o Estado tome consciência de que tem que fazer
políticas públicas para atender aos direitos humanos, às
políticas públicas de educação, de saúde, de segurança
pública e sobretudo à política pública que vise um Poder
Judiciário eficaz para coibir as violações de direitos
humanos.
Estamos num período em que estamos vendo uma mudança profunda
na Constituição. Fazemos não sei quantas reformas, as
reformas principais que achávamos que deveriam ser feitas. Mas
a reforma da Poder Judiciário não foi feita, porque ela, sim,
vai tratar da cidadania, dos direitos dos brasileiros. Existe
uma proposta de emenda que a Ordem dos Advogados não aderiu.
Repudiamos a metade das coisas que foram propostas, porque a
reforma do Poder Judiciário não é aumentar o número de
tribunal e de juiz. É criar uma mentalidade para que esses
tribunais e juízes, que vão aplicar o Direito, digam para que
eles vieram, que tipo de justiça queremos. O povo brasileiro
sabe muito bem que queremos a justiça social, queremos eliminar
a pobreza e a miséria. Isso não é papel do Poder Judiciário?
É sim. Quem examina a constitucionalidade das leis e dos atos
é o Poder Judiciário. E vejam vocês que a Constituição
determina o que é o salário mínimo e para o que ele serve.
Mas nenhum salário mínimo atende ao que está na
Constituição Federal. Então, é uma questão de dizer que
precisamos de várias formas da atuação do Poder Judiciário
para dizer que o salário mínimo de 120 reais é
inconstitucional, é imoral, é contra a dignidade da pessoa
humana, porque ele nega o primeiro dos direitos humanos, que é
o direito à vida. Precisamos de reformas que venham a manter e
garantir o emprego. Está-se votando, ou votou ontem, matérias
para que sejam demitidos não sei quantos mil funcionários
públicos. Em nome de que e de quem está-se fazendo isso? Que
política de direitos humanos foi feita na área da
alimentação? Da cesta básica? O que se produz neste País,
que é uma potência agrícola, é para exportar, para ter
divisas, mas na hora em que acontece alguma agitação qualquer
do outro lado do mundo, vão-se os 9 bilhões de dólares.
Então, acho que temos que fazer uma reflexão crítica - e isso
os advogados fazem - no sentido de que precisamos ter uma
consciência de que o tratamento de direitos humanos sob a
ótica jurídica é muito importante. É tão importante como o
tratamento de direitos humanos sob as óticas política e
sociológica, porque examinamos o Direito dentro de um tema
holístico, como foi dito aqui pelo Prof. Antônio Augusto
Cançado Trindade. Queremos que todo esse elenco de coisas que
aqui está seja cumprido, que não sejam apenas coisas formais.
Foi muito bom que o Governo criasse a Secretaria de Direitos
Humanos. É um ponto positivo. É muito bom que se tenha criado
ouvidoria na polícia, é muito bom que se tenha tomado a
providência de examinar, mas é preciso, não é bom, não, é
preciso, é necessário, com a força que essas palavras têm no
sentido jurídico. A lei tem de garantir os direitos humanos,
dentro do complexo sociológico em que ela é aplicada e dentro
da posição que temos.
Termino chamando a atenção para o fato de que nesta
comemoração passamos a discutir no Brasil inteiro não o que
trata apenas dos reflexos, mas o que trata das causas da
violação dos direitos humanos. A causa das violações desses
direitos humanos no Brasil chama-se discriminação contra o
pobre. É preciso pôr abaixo o elitismo deste Governo pedante e
pernóstico, que pensa que governar é colocar o Brasil no
Primeiro Mundo. Governar, ser estadista, é pensar e ter
compaixão da dor, da pobreza, da miséria dos brasileiros que
compõem esta Nação. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado De Velasco) - Nossos agradecimentos
à Dra. Herilda Balduíno, representante da Comissão Nacional
de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.
Gostaríamos de devolver a Presidência desta Mesa e destes
trabalhos a seu titular, Deputado Pedro Wilson.
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Agradecemos ao
Deputado De Velasco a colaboração.
Pedindo a compreensão dos senhores membros da Mesa, para que
possamos encerrar a tempo e à hora, passamos a palavra ao Dr.
Benedito Mariano, Ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo,
militante do Movimento dos Direitos Humanos.
O SR. BENEDITO MARIANO - Sr. Presidente, Deputado Pedro Wilson,
companheiros da Mesa, senhoras e senhores, companheiros
militantes de movimentos e entidades de direitos humanos, em
primeiro lugar, parabenizo a Comissão pela iniciativa.
Efetivamente, vou falar por dez minutos.
A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo foi criada no
dia primeiro de janeiro de 1995 e implementada no dia 20 de
novembro de 1995, por decreto. Completamos agora dois anos.
Em 20 de junho de 1997, através do Conselho Consultivo da
Ouvidoria, foi encaminhado ao Governo projeto de lei, que foi
aprovado pela Assembléia Legislativa, tornando a Ouvidoria um
órgão permanente, com autonomia e independência funcional -
Lei nº 826/97.
Com a lei, o ouvidor passa a ter mandato de dois anos, com
direito a uma recondução, um corpo de funcionários próprios
e, mais que isso, o ouvidor passa a ser indicado ao Governador
pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana,
que tem 80% de seus membros provenientes da sociedade civil. É
a sociedade civil organizada que agora tem a atribuição legal
de indicar o ouvidor de polícia em São Paulo.
Nesses dois anos ouvimos cerca de doze mil pessoas e
encaminhamos aos órgãos das duas polícias sete mil casos, dos
quais 1.500 dizem respeito à violência cometida contra a
integridade física do cidadão: tortura, homicídio, abuso de
autoridade e ameaça, que resultou na punição de mais de
setecentos policiais civis e militares.
Não temos dúvida de que a maioria absoluta desses policiais
não seriam punidos se não existisse a Ouvidoria, porque, pelo
perfil das pessoas que procuram a Ouvidoria, dificilmente iriam
aos órgãos apuratórios das duas polícias.
A Ouvidoria também pretende ser um órgão propositivo. Vou
citar três propostas que apresentamos ao Governo de São Paulo.
A primeira, feita a pedido do Secretário, foi um novo
regulamento disciplinar para a Polícia Militar de São Paulo,
preparado pela Ouvidoria. O atual tem 54 anos, e das
transgressões internas nele previstas 90% são strictu sensu
militar. O novo regulamento prioriza a natureza civil da
função de polícia preventiva e ostensiva. É expectativa
nossa que, ainda este ano ou no começo do ano que vem, o
Governador aprove esse novo regulamento disciplinar, mudando 56
anos de uma estrutura strictu sensu militar da Polícia Militar
de São Paulo.
Também propusemos dar competência estadual à Corregedoria da
Polícia Civil. Hoje o órgão corregedor da Polícia Civil só
atua na capital. Isso contribui para que muitos dos casos da
Grande São Paulo e do interior não tenham resultado
satisfatório.
Foi proposta da Ouvidoria a criação de um seguro de vida
especial para familiares de policiais civis e militares mortos
ou feridos no exercício de suas atribuições. Foi implementado
esse seguro em maio de 1996 pelo Secretário de Segurança
Pública.
Propusemos a criação de uma disciplina permanente sobre
direitos humanos na Academia da Polícia Civil, aceita pelo
atual diretor. Em janeiro, através de concurso público, a
academia terá dez novos professores para ministrar essa
disciplina, cujos temas previstos são fundamentalmente
vinculados à questão dos direitos humanos.
Também foi proposta da Ouvidoria a mudança da silhueta de tiro
na estante de tiro da Academia da Polícia Civil, já
implementada. Hoje, na Polícia Civil, prioriza-se atirar nos
braços e pernas e não nas partes letais do corpo. Acredito ser
a primeira silhueta de tiro preventivo da América Latina.
Fizemos um curso extensivo sobre o papel da polícia no Estado
Democrático de Direito, com duração de dois meses, para 530
oficiais da Polícia Militar, professores e instrutores das
cinco escolas de formação da PM, com 25 professores
convidados, entre eles o Deputado Hélio Bicudo, o
Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, sindicalistas, como
Vicentinho, membros vinculados a entidades de direitos humanos,
como a Presidente do CONDEP, o Pe. Júlio Lancelote. Discutimos
temas vinculados à questão dos direitos humanos.
A cada três meses a Ouvidoria da Polícia divulga para o
Governo e para a sociedade um relatório de prestação de
contas de seu trabalho.
Acreditamos que a criação da Ouvidoria da Polícia só foi
possível pela vontade política do Governador de São Paulo,
Mário Covas, mas não temos dúvida de que sua construção foi
obra exclusiva da sociedade civil, daí sua credibilidade
externa, respeito interno e importância. A autonomia e
independência agora previstas em lei não foram dádivas: foram
uma conquista da sociedade civil de São Paulo e sobretudo das
entidades de direitos humanos. Esse é o maior legado da
primeira experiência de ombudsman de polícia no Brasil.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Nossos
agradecimentos ao Dr. Benedito Mariano, Ouvidor das Polícias de
São Paulo e militante do Movimento de Direitos Humanos.
Passamos a palavra ao Dr. Joelson Dias, representante do
Movimento Nacional de Direitos Humanos.
O SR. JOELSON DIAS - Boa-tarde a todos os presentes. Cumprimento
os ilustres participantes deste painel na sua pessoa, Sr.
Presidente.
Deus é pai realmente. Primeiro, meu nome saiu errado na
programação; segundo ponto, sou o último a falar nesta
manhã. Faço estas considerações porque, apesar de constar
também da programação que represento o Movimento Nacional de
Direitos Humanos, só faltou um detalhe: não combinei
previamente com o Movimento o que ia falar durante esta
exposição. Logo, estou assumindo plena responsabilidade por
minhas palavras nesta manhã.
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Nós nos
desculpamos, mas confiamos plenamente em V.Sa.
O SR. JOELSON DIAS - Espero que eu dê meu recado, porque, se
não der - sem querer parodiar ninguém -, esqueçam o que eu
disse.
A história da Declaração Universal dos Direitos Humanos é
também a história da própria desgraça humana. O surgimento
da Declaração é fruto da agonia, do desespero, da dor de uma
humanidade que acabara de viver a tragédia e os horrores de uma
segunda guerra mundial em menos de meio século. É a reação
de um mundo civilizado, culto, desenvolvido, sofisticado, que em
tudo se achava superior ao genocídio, ao holocausto, à
destruição em massa, cuja barbárie provou que a tolerância,
compreensão e solidariedade humanas são muito mais limitadas
que as fronteiras geográficas, culturais e sociais que esta
humanidade sempre convencionou.
Quase meio século depois a Declaração Universal tem servido
ainda de inspiração para a elaboração dos mais diferentes
pactos e fornecido as bases filosóficas e éticas, até, na
elaboração de Constituições e documentos legais a nível
nacional.
Independentemente de sua força jurídica, a Declaração
Universal possui grande força moral e política, tendo
inspirado a elaboração desses pactos e dessas Constituições.
Em movimento dialético, a declaração nasce, assim, da
tragédia humana, para resgatar a esperança e a dignidade dessa
mesma humanidade, como instrumento destinado a assegurar a
proteção dos seus direitos e liberdades fundamentais. Um dos
aspectos ou parte do espírito então dessa declaração que
não pode ser comprometido ou perdido, consiste exatamente em
saber que a Declaração existe porque existem as desgraças
humanas. Mas, por outro lado, esse mesmo aspecto consiste em
saber também que, enquanto existirem essas desgraças humanas,
a Declaração manterá vivo os seus propósitos de resgatar a
esperança e a dignidade humanas, como instrumento de
superação de sua tragédia em sua caminhada histórica. A
Declaração consolidou entendimento de que tão-somente os
esforços nacionais não bastariam à proteção dos Direitos
Humanos. A Declaração sinalizou, assim, no sentido de que a
preservação da dignidade humana ultrapassava fronteiras
nacionais, clamando, na verdade, preocupação de ordem
internacional.
A divisão do mundo em dois blocos iria, posteriormente, sugerir
a divisão, também equivocada, dos direitos em duas gerações:
os direitos civis e políticos dos direitos sociais, econômicos
e culturais. Se a própria declaração apontava uma
preocupação com a universalidade dos direitos humanos, desde
um primeiro momento, a noção de indissociabilidade desses
mesmos direitos ficaria à mercê dos embates políticos que à
época se travavam no plano internacional.
Porém, acima da necessidade de manutenção de qualquer regime,
poder ou interesse político, sempre se fez mais forte a
proteção da dignidade humana. Os regimes, os interesses, as
ditaduras, foram superados, mas a preocupação com a proteção
desses direitos humanos nunca deixou de existir, para dar
combate a esses mesmos regimes, interesses e ditaduras,
recriados ou reinventados em outros modos ou lugares.
Para enfrentar tudo isso, utilizou-se, então, como instrumento,
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, sempre renovada,
recriada, transformada, conforme as circunstâncias, graças a
amplitude, dimensão e importância de seu próprio texto, ou
pela ação construtiva e interpretativa de seus diferentes
operadores.
Essa é outra característica ou parte também do espírito da
Declaração que não pode ser comprometido ou perdido:
possibilidade de que seus critérios de valoração se modifique
através dos anos, que seu processo de evolução histórica
seja preservado, sempre, para garantir mais, para dar mais
eficácia e efetividade à proteção dos direitos e garantias
fundamentais do ser humano.
Em nosso caso particular, enquanto cidadão das Américas, nossa
responsabilidade é ainda maior. A declaração americana de
direitos do homem antecedeu à declaração universal em sete
meses. Naquela época, foram as idéias destes cidadãos das
Américas que serviriam então de paradigma para a elaboração
da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Desde então, a
nossa obrigação é pensar, inventar, criar instrumentos novos
para o futuro. Temos a obrigação, assim, de anteciparmo-nos,
sempre, na formulação das idéias, sem deixar de pensar em
fazer o agora. Temos a responsabilidade de especular sobre o
futuro, de sermos os primeiros, novamente, a propor instrumentos
eficazes de combate a novas ou recriadas formas de exploração
do ser humano e violação de seus direitos e garantias
fundamentais.
Quis fazer essa introdução, porque ainda quero seguir o que
consta da programação, ou seja, quero representar uma entidade
não-governamental que faz parte do movimento social, dos
movimentos populares. Acho importante que tenhamos nesta Mesa
hoje entidades representantes do Governo, abordando com tanta
clareza sua missão, falando quase que de igual para igual com
as entidades representativas da sociedade organizada, acerca de
medidas e critérios para a proteção dos direitos e garantias
fundamentais do homem. Mas acho importante que, enquanto
representantes da sociedade organizada, enquanto movimentos
sociais, essas entidades não-governamentais, ainda que
trabalhando em parceria com o Governo, ainda que trabalhando em
parceria com o Estado, não se esqueçam de que tudo o que temos
hoje, tudo o que já conseguimos até hoje, em termos de
implementação e maior eficácia acerca da proteção dos
direitos humanos, deu-se exatamente em razão dessa luta, desse
combate e dessas denúncias que essas entidades
não-governamentais sempre levaram adiante.
É bom ter o Estado como parceiro, mas não podemos confiar,
acreditar e talvez nem mesmo querer que o Estado se substitua
às entidades não-governamentais. Ao Estado cabe, sim, a
obrigação de proteger o cidadão e dar eficácia às leis,
enfim, de cumprir as obrigações assumidas a nível
internacional, mas, enquanto entidades não-governamentais,
representantes dessa sociedade civil organizada, não podemos
nos deixar cooptar pelo mesmo Estado.
Foi dito hoje, sucessivas vezes, que o Estado é o maior
violador dos direitos humanos. Este é o melhor e mais forte
argumento que posso utilizar para provar realmente por que
precisamos estar atentos ao espírito e aos propósitos de ambas
as declarações, enquanto entidades da sociedade organizada,
para cobrar, sim, do Estado, garantia e proteção aos direitos
humanos, mas sem esquecer de nosso papel de pensar, criar e
estar sempre adiante na formulação dessas políticas. Temos
que lembrar que hoje o que temos é uma verdadeira
jurisdicionalização dos direitos humanos. Quero dizer com isso
que hoje temos a institucionalização e a instrumentalização
dos direitos humanos. A institucionalização, por meio da
criação das mais diversas entidades protetoras dos direitos
humanos, jurisdicionais ou não, a nível nacional e
internacional; a instrumentalização significa a positivação
de tudo o que se reivindicou até hoje em termos de proteção
aos direitos humanos. Isso é muito bom. Aliás, é uma
conquista das entidades representativas da sociedade organizada.
Por isso temos que defender essa institucionalização e também
essa instrumentalização. Mas não podemos deixar que a luta
pelos direitos humanos esgote-se nessa jurisdicionalização.
Não queremos que a luta pelos direitos humanos se esgote numa
instância jurídica, ou se esgote numa instância
administrativa. Não queremos que a luta pelos direitos humanos
esgote-se num mero instrumento. Tanto o instrumento quanto as
instâncias protetoras precisam funcionar. E só vão funcionar
com eficácia se a mesma denúncia, a mesma persistência, ou o
radicalismo até dessas entidades representativas do movimento
da sociedade civil organizada, continuarem ser levados a termo,
como tem sido feito atualmente. Precisamos lembrar que a
jurisdicionalização dos direitos humanos pode levar na verdade
à criação de mais um instrumento de controle social dos
direitos pelo Estado. Acho que temos que estar conscientes de
que, enquanto o controle social dessas condutas oficiais ou
particulares forem atentórios à dignidade humana, mediante
essa intervenção ou mediação, na maioria dos casos promovida
pelo Estado, acabaremos por comprometer a defesa desses mesmos
direitos e também a defesa dessas vítimas, que são exatamente
as pessoas que merecem de nós maior atenção, para que
possamos reivindicar com maior vigor a proteção de seus
direitos, ainda que não institucionalizados ou
instrumentalizados.
Tem-se discutido muito hoje a questão da globalização, mas
acho que, partidário ou não da globalização, não temos que
efetivamente ter medo desse processo. Isso já aconteceu na
Grécia antiga, no Renascimento, durante o mercantilismo, quer
dizer, sempre houve um momento em que a idéia ou a realidade de
uma comunidade internacional prevaleceu, e isso gerou -
evidentemente que não da mesma forma - medo, temor, e levou
até mesmo a dúvidas religiosas, dissolução de culturas e
pessimismo.
É isso que temos que evitar com esta globalização, ou seja,
que esses aspectos econômicos não comprometidos com a
dignidade humana prevaleçam. Globalização significando
intervenção da ordem internacional na ordem interna, para
garantir e dar maior eficácia à proteção dos direitos
humanos, sim; mas não para que essas prioridades existam
tão-somente nas questões econômicas.
Por outro lado, temos que saber aproveitar essa globalização.
Na medida em que o Brasil começa a discutir, por exemplo, a
existência de uma instituição suprapartidária para regular a
suas relações comerciais no MERCOSUL, acho que se torna mais
difícil para o Estado justificar por que também não abre mão
de parte de sua soberania e reconhece a jurisdição da Corte
Interamericana de Direitos Humanos. É preciso saber casar esse
discurso econômico com a questão dos direitos humanos, para
cobrar do Estado a entrada do Brasil no Primeiro Mundo não só
sob o aspecto econômico, mas também no que diz respeito à
proteção aos direitos humanos.
Gostei de ver também, principalmente no que consta do Programa
de Direitos Humanos do Estado de São Paulo, que não falamos
mais em democracia ou direitos humanos; agora estamos falando em
democracia e também em direitos humanos. Uma coisa realmente
não existe sem a outra. Relembrando as palavras do
representante do Governo chileno, Sr. Alejandro Salinas, é
verdade que existem democracias ruins e democracias boas, mas
acho que devemos buscar uma democracia sem adjetivos. Democracia
ruim não é democracia. Essa é a luta que nós, enquanto
entidades representativas da sociedade organizada, temos que
travar sempre com o Estado.
Achei interessante notar também que, apesar de termos um
discurso já avançado acerca da indissociabilidade dos direitos
humanos, na prática continua-se a priorizar os direitos civis e
políticos. É isso que temos nos dois programas. Não tive
acesso ao programa de Campo Grande, infelizmente. Estou falando
sobre o programa de São Paulo e do Programa Nacional. Acho que
é um programa mínimo, louvável, fruto de lutas e
reivindicações do Movimento dos Direitos Humanos, mas temos
que atentar para isso, ou seja, não podemos continuar a fazer o
discurso da indissociabilidade e permitir que, na prática,
continue-se a priorizar os direitos civis e políticos. Acho que
devemos estar muito atentos para essa repercussão por tabela no
trato de outros direitos, como o Dr. Ivair expôs. Devemos
acabar com essa repercussão por tabela e começarmos a tratar
de maneira direta a questão dos direitos sociais, econômicos e
culturais. Temos que nos lembrar que a dignidade humana é
também afrontada de maneira negativa, através do não-ter, do
não-possuir, do não-poder.
Fiquei satisfeito ao ouvir também o Dr. Belisário dos Santos
Júnior falando sobre os quilombos. Tenho prestado consultoria
jurídica à Fundação Cultural Palmares, que é um órgão
vinculado ao Ministério da Cultura,e tenho acompanhado de perto
a briga, a luta, que aquela fundação tem travado para fazer
cumprir aquilo que o Antropólogo Olímpio Serra chama de
"último capítulo legal do Escravismo no Brasil", que
é a questão da titulação definitiva das comunidades
remanescentes de quilombos, conforme previsto no art. 68 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias.
Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos, essa questão foi
contemplada no Programa de São Paulo, mas não existe com as
palavras "titulação definitiva" no Programa
Nacional. Precisamos atentar para isso e fazer com que se inclua
também no Programa Nacional.
Finalmente, acerca da agenda para 1998, que será discutida,
precisamos ultrapassar um pouco a questão das comemorações e
lançar essas idéias no papel. Por issoi que estou sugerindo a
instituição de um prêmio nacional, a ser conferido a uma
monografia ou a um trabalho de pesquisa, enfim, uma
investigação acerca do direito ou rumo a que a interpretação
ou aplicação contemporânea tanto da Declaração Universal
dos Direitos Humanos quanto à Declaração Americana pode
levar. Minha intenção é favorecer não somente este trabalho
de pesquisa, de investigação, mas também de publicar todas
essas monografias posteriormente, pelo menos as que forem
selecionadas, aproveitando-as para a realização de um
workshop, contando com a participação desses pesquisadores,
para que possamos então discutir a viabilização dessas
idéias.
Na medida em que esses programas de direitos humanos forem sendo
implementados, tanto a nível estadual quanto a nível
municipal, precisamos discutir de imediato a criação de um
órgão, fórum, ou mesmo atribuirmos competência a um órgão
já existente para que se responsabilize pela coordenação
nacional na implementação dessas diferentes iniciativas.
Meu tempo está esgotado, Sr. Presidente, mas quero defender
aqui um direito básico de todo cidadão, um deles, para que se
coloque logo em eficácia, que é o direito à alimentação.
(Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Pedro Wilson) - Achei muito
esclarecedoras as palavras do Dr. Joelson Dias, advogado,
militante, cuja luta é notória aqui em Brasília, em todo o
Brasil, em instituições inclusive internacionais e junto ao
Movimento Nacional dos Direitos Humanos, que é uma das
expressões da sociedade civil. Este é o mote principal desta
Comissão de Direitos Humanos: trabalhar com o Governo, o
Legislativo, a sociedade civil e o Ministério Público. Não
conseguimos trabalhar ainda com o Judiciário, mas ouvimos com
atenção as palestras dos representantes do México, da
Argentina e do Chile, e sabemos que a questão do Judiciário
ainda é um obstáculo a ser vencido.
Gostaria de agradecer a todos a presença, em especial à OAB,
ao Fórum das Comissões de Direitos Humanos dos Legislativos do
Brasil, ao Movimento Nacional dos Direitos Humanos, à
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, à Secretaria
Nacional de Direitos Humanos, ao Departamento de Direitos
Humanos do Ministério das Relações Exteriores, ao Instituto
de Estudos Sócio-econômicos - INESC, ao Conselho Indigenista
Missionário, ao Fórum Nacional contra a Violência no Campo,
à CES - Coordenaria Ecumênica de Serviços e a todas as
entidades que aqui compareceram. Especialmente gostaria de
manifestar meu agradecimento pela presença dos representantes
do México, do Chile e da Argentina, o que torna vitoriosa para
nós a realização deste encontro. Gostaríamos de manifestar
nossa intenção e, ao mesmo tempo, fazer um apelo para que
nossa agenda seja divulgada já na próxima semana. Agradecemos,
também especialmente, aos estudantes do Centro Acadêmico 11 de
Agosto, de São Paulo, que expressa a luta estudantil pelos
direitos humanos, lembrando-nos inclusive dos 150 anos do grande
orador e poeta brasileiro, Castro Alves, símbolo da luta dos
estudantes. A luta contra a Ditadura na América Latina foi de
toda a sociedade, mas nela os estudantes tiveram papel
importante na Argentina, no Chile, Brasil e México. Igualmente
agradecemos, pela participação, aos homens e mulheres que
acreditam na nossa luta. Passados cinqüenta anos, tivemos
muitas vitórias, mas queremos mais vitórias ainda, ou seja,
como o Dr. Joelson Dias disse: vamos passar para a luta prática
pelos direitos humanos!
Agradeço aos componentes da Mesa o compromisso de todos na luta
cotidiana pelos direitos humanos, convidando a todos para a
última atividade deste anos da Comissão de Direitos Humanos.
No dia 10 de dezembro próximo, terça-feira, vamos ter aqui
audiência pública para tratar de questões de direitos
humanos, com a presença de um representante dessa luta na da
África do Sul, o Reverendo Jameson. Vamos estar aqui no dia 10
de dezembro fazendo um ato simples, uma audiência pública, mas
ainda um ato no sentido da construção dos direitos humanos.
Dando um viva à luta de todos aqueles que acreditam que
direitos humanos é democracia, pluralidade, tolerância,
respeito à vida, à criança, ao idoso e a todos os desvalidos
nesse momento na América Latina. Muito obrigado a todos pela
presença!
Declaro encerrado o IV Fórum das Comissões de Direitos Humanos
Legislativas do Brasil e este encontro preparatório para a
comemoração dos cinqüenta anos da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, esperando que cada entidade presente aqui,
sozinha ou em parceria, possa realizar atos, eventos, atividades
e programações acerca não só da comemoração, mas da
aplicação dos princípios, paradigmas e valores escritos na
Carta Americana de Direitos Humanos de Bogotá, de abril de
1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e, para
nós brasileiros em particular, no art. 5º da nossa
Constituição. Estamos comemorando também dez anos de nossa
Constituição. Oxalá possa ela durar muito mais, com seus
dispositivos pétreos e fundamentais, para que homens e mulheres
possam aceitar este País como um país generoso para com seus
homens e mulheres.
Muito obrigado e felicidade a todos. (Palmas.)
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