Cartilha
de Direitos Humanos
Ricardo Balestreri
Qual
a importância da mídia no
campo dos DH e como ela tem se portado?
A mídia pode ser a mais poderosa
aliada da causa dos Direitos Humanos ou
sua mais danosa destruidora. Paradoxalmente,
ela tem feito as duas coisas.
Por
um lado, a mídia divulga e socializa
conhecimento de atos e processos ofensivos
aos direitos das pessoas, das comunidades,
das nações. Por outro, como
essa divulgação, em geral,
não é criteriosa e nem se
propõe, via de regra, a provocar
reflexão que leve a juízo
de valor (é mera “notícia”),
banaliza a dor, causa medo, sentimentos
de impotência, insensibilidade e
até mais hostilidade.
Ao
divulgar a opressão, pode- e o
faz- mobilizar a reação
de parte da opinião pública,
especialmente aquela já propensa
a combater injustiças, gerando
ações saneadoras e dando
início a importantes processos
de consolidação democrática.
A par desse bom efeito, porém,
com a repetição exaustiva
de desgraças, corrupções,
guerras, morticínios, histórias
reais e ficcionais de crueldade, cobiça,
traição, ódio, vingança,
competitividade, “anestesia”
a consciência da maior parte da
população (desprovida de
recursos de sofisticação
moral), roubando-lhe a potência
da indignação e causando
ainda maior alienação, à
partir de uma falsa sensação
de que tal cenário, incansavelmente
apresentado, faz parte da “normalidade”.
Particularmente
perversos são esses efeitos sobre
as mais jovens gerações,
atiradas, nas últimas décadas,
a um crescendo de violência.
A
UNESCO dá-nos contas de que, “nos
últimos quarenta anos, mais de
3.500 estudos de pesquisa dos efeitos
da violência na televisão,
sobre os espectadores, foram conduzidos
nos EUA, e durante a década de
90 foram feitas diversas análises
desta literatura, incluindo o relatório
de 1991 dos Centros para Controle de Doenças,
que declarou que a violência na
televisão é um mal para
a saúde pública; o estudo
da violência na vida norte-americana,
de 1993, feito pela Academia Nacional
de Ciências, que relacionou a mídia,
junto com outros fatores sociais e psicológicos,
como um fator que contribui para a violência;
e o estudo da Associação
Psicológica Norte-Americana, de
1992, que também comprometeu a
violência na mídia. Todas
estas três análises apoiaram
a conclusão de que a mídia
de massa contribui para o comportamento
e atitudes agressivas, assim como conduz
a afeitos de dessensibilização
e medo”...
Isso
não é surpreendente se considerarmos
que, “ao terminar o primeiro grau,
uma criança norte-americana comum
terá visto mais de 8 mil assassinatos
e mais de 100 mil outros atos de violência”...
E
mais, no que diretamente nos toca: “Um
estudo feito nos EUA indica que os programas
norte-americanos exportados para outros
países contém mais violência
que os programas americanos transmitidos
nos EUA.”
(Carlsson,
Ulla e Feilitzen, A Criança e a
Violência na Mídia. Cortez
Editora/UNESCO, São Paulo, 1999,
páginas 64, 62 e 51).
Ora,
é uma obviedade que nossa presente
matriz cultural hegemônica é
proveniente dos Estados Unidos e que,
portanto, tais estudos conduzem, necessariamente,
à conclusões sobre nossa
própria realidade.
Não
é de admirar que, apesar de todas
as campanhas nacionais e planetárias,
as violações de direitos
humanos, em geral, só façam
aumentar, conforme a unanimidade dos relatórios
das Organizações Não
Governamentais Internacionais e dos Organismos
Intergovernamentais. Evidentemente, não
apenas os poderes constituídos
devem ser responsabilizados por isso mas,
igualmente, uma cultura leniente das nações.
A
mídia tem um papel central na difusão
e cristalização dessa leniência
e deve ser, entre outros fatores, responsabilizada.
Obviamente, ela não gosta disso
e se defende com argumentos corporativistas,
do tipo: “esse discurso propõe
a volta da censura”, “vendemos
o que as pessoas querem comprar”
(o que é desmentido pelo mesmo
estudo da UNESCO, citado acima), “assistir
violência não gera condutas
violentas”, “há quem
diga que a violência na mídia
funciona como uma espécie de catarse,
e sua assistência pode, inclusive,
contribuir para evitar a sua prática”
(gostaria, aliás, de saber de apenas
um estudo científico que dê
sustentação a essa bobagem).
A
verdade é que quase ninguém
gosta de controle mas, em uma democracia,
o controle externo é imprescindível,
e deve se fazer sobre todos os poderes,
formais e informais. Nesse contexto, não
creio que alguém tenha a desfaçatez
de questionar o poder hipnótico
da mídia.
Não
se fala, aqui, de controle autoritário
estatal mas de controle social. Não
é, portanto, censura. Ao contrário,
o controle social pode liberar a mídia
de grande parte da censura cotidiana que
sofre, insidiosamente, mesmo que formalmente
negada. Pierre Bordieu, em sua sumamente
interessante e fundamentada obra, Sobre
a Televisão (Jorge Zahar Editor,
Rio de Janeiro, 1997), propõe como
ardiloso e enganador o argumento da mídia,
na maior parte das democracias, de que
se apresenta livre de qualquer forma de
censura. Alerta-nos, ao contrário,
para a censura dos interesses do capital,
brutal, imperiosa, permanentemente atenta,
reguladora e seletiva.
Assim,
organizar formas de controle social sobre
a mídia (especialmente quando recebedora
de concessão pública), é
um direito e um dever dos cidadãos,
que querem viver em um mundo e em um país
melhores e que os querem melhores também
para seus filhos e netos.
No
Brasil, campanhas como a “Quem financia...”,
são alvissareiras novidades, que
devem receber a massiva adesão
dos militantes de direitos humanos, dos
operadores do direito, dos operadores
de segurança pública (sobre
quem das água, por dever de ofício,
o combate ao crime e à todas as
formas de violência), dos operadores
midiáticos conscientes (submetidos
à castradora censura do capital)
e de todas as mulheres e homens de boa
vontade.
Evidentemente,
nesta análise, todas as honrosas
execessões devem sentir-se ressalvadas.
<
Voltar |