Cartilha
de Direitos Humanos
Ricardo Balestreri
Por
que os grupos de Direitos Humanos destinam
tanta atenção aos presídios
e à situação dos
criminosos que neles se encontram?
Porque o Brasil tem um dos piores e mais
cruéis sistemas prisionais do planeta.
A superpopulação, a promiscuidade
de níveis de periculosidade, a
falta de condições de higiene,
a má alimentação,
o péssimo atendimento de serviços
de saúde, a falta de atividade
produtiva, o domínio interno do
crime organizado e/ou das gangues, a presença
constante de drogas e armas, a violência
interna e/ou a tortura como prática
institucional, são algumas das
mazelas que se banalizaram na maioria
dos presídios brasileiros (com
as ressalvas, de sempre, às honrosas
exceções).
E
por que devemos preocupar-nos com isso?
Nessas instituições não
estão os criminosos, grupos e indivíduos
que mereceriam tais maus tratos e desprezo
por parte da sociedade que agrediram?
Para
responder a esta questão, em primeiro
lugar, é preciso que derrubemos
o mito da penalização privativa
da liberdade como um caminho de resgate
da paz social e da segurança pública.
A
maior parte da população
prisional não representa, efetivamente,
possibilidade de danos permanentes em
termos de convívio com a sociedade.
Os crimes cometidos foram ocasionais,
oportunistas, circunstanciais ou passionais
e seus cometedores não apresentam
continuidade de risco para a integridade
física dos membros das comunidades.
Então
não deveriam ser punidos, não
deveriam estar presos?
Deveriam
ser punidos mas não necessariamente
com a prisão. Precisamos evoluir
para um outro sistema, de sanções
por reciprocidade, ao invés das
sanções expiatórias
que hoje oferecemos aos que de alguma
maneira ofenderam a ordem pública
e os direitos individuais.
As
prisões deveriam estar reservadas
apenas aos que representam elevado grau
de periculosidade e aos que comandam o
crime organizado (também incluídos
na primeira categoria). Aos demais, as
penas alternativas sérias e monitoradas
seriam as únicas a fazer algum
sentido, especialmente as reparatórias,
onde os sujeitos a elas submetidos submetem-se
a recuperar os danos que causaram ou,
na impossibilidade de fazê-lo, a
produzir algum bem social compensatório.
No
Brasil, ao contrário, prende-se
como regra. Prende-se e joga-se o preso-
na maior parte das vezes enquadrado na
descrição da maioria, como
acima caracterizada- nas garras das gangues,
do crime organizado e dos psicopatas que
dominam os ambientes prisionais. Por isso,
em nosso país, é hipócrita
falar-se em “recuperação”
e em “educação”
ou “reeducação”
à partir das prisões. Como
regra, as prisões são deformadoras
do caráter, centros de tecnologia
de delinqüência, redutos de
socialização da sociopatia,
fábricas de criminosos, “universidades
do crime”- no dizer dos próprios
prisioneiros.
Gente
boazinha não sobrevive às
penitenciárias brasileiras, de
forma geral (à exceção,
para ser justo, dos que encontram guarida
em algum grupo religioso). É preciso
corromper-se , tornar-se subserviente,
ingressar na lógica perversa da
truculência interna.
Assim,
as prisões têm sido um de
nossos grandes focos de insegurança
pública.
A
par disso, há uma questão
de ordem moral: se não sabemos
tratar humanamente os que nos trataram
desumanamente; se, em nome da dor que
sentimos e de nosso desejo de vingança,
admitimos o submetimento de quem quer
que seja à fome, ao frio, à
promiscuidade, às doenças,
à tortura, à morte, em que
nos diferenciamos dos que condenamos?
Se
somos capazes de atos psicopáticos,
acobertados na “normalidade”
do sistema, contra os que nos ofenderam
como sociedade e indivíduos; se
nos sentimos autorizados à perversidade
contra os perversos, como podemos esperar
construir um mundo de justiça e
paz?
Se
nossos princípios morais são
negociáveis, conforme nossas justificativas
pessoais ou grupais e nossas motivações
emocionais, qual a diferença entre
os que privamos da liberdade e nós,
aqui fora? Estaremos todos presos pelo
ódio e condenados às sombras
da violência que nos habita.
Ralph
Emerson dizia que “o que somos fala
tão alto que não se escuta
o que dizemos”. Se reclamarmos justiça
e não a praticarmos, se exercermos
crueldade- mesmo que contra os que nos
ofenderam- não passaremos de uma
fraude.
O
que aqui se propõe pode não
ser fácil - como não é
fácil a manutenção
coerente de qualquer compromisso moral
em circunstâncias adversas- mas
é absolutamente imprescindível
se desejamos viver em um mundo verdadeiramente
civilizado.
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