Cartilha
de Direitos Humanos
Ricardo Balestreri
Como
a segurança pública pode
ajudar a promover justiça?
Se, como vimos anteriormente, para haver
desenvolvimento com justiça, é
necessária a existência de
liberdade de organização
e expressão, de liberdade de empreender,
de liberdade de aprender e ensinar , então
a segurança pública é,
obviamente, fundamental para tirar o Brasil
do atraso e oferecer oportunidades de
crescimento a todos.
Em
um país como o nosso, onde a maioria
da população é pobre
e desprovida dos cuidados e da proteção
que deveriam ser oferecidos pelo estado,
a inexistência de políticas
públicas eficientes e eficazes
acarreta em um domínio ao mesmo
tempo brutal e paternalista do crime organizado.
A fim de viabilizar e proteger seus pontos
de distribuição local e
venda, a atividade criminosa incrustra-se
nas comunidades desprotegidas e usa seus
habitantes, a um só tempo, como
escudos e como mão-de-obra barata
(fenômeno agravado pelo desemprego,
pelo sub-emprego e pelos baixos salários
pagos pelo mercado legal).
Em
sua coluna do dia 06/01/2004, no Jornal
Zero Hora, em um texto intitulado “O
fim dos tempos”, o jornalista Paulo
Sant’ana chama-nos gravemente a
atenção sobre a tragédia
social, representada pela violência
criminosa, que se abate sobre a vida,
as esperanças e o parco patrimônio
das famílias pobres, obrigadas
a viver nos “domínios feudais”
dos traficantes. Reproduzo, abaixo, partes
do contundente alerta:
“...Mas
ouso dizer que um fato criminal mais grave
ocorreu no dia 26 de dezembro passado
na Vila Sananduva 3.
A
residência do presidente da Associação
de Moradores foi invadida pelos traficantes
locais, que na ausência do chefe
da família agrediram seu filho
de 17 anos a socos, pontapés e
coronhadas.
E
deixaram uma ordem da chefia do tráfico:
se o morador, Jocenir da Rosa, 35 anos,
não se mudadsse do local, seria
eliminado.
Os
traficantes acusam Jocenir de tê-los
delatado à polícia.
Jocenir
decidiu largar seu emprego de vigilante,
a Presidência da Associação
de Moradores e uma cadeira no Conselho
do Orçamento Participativo e mudar-se
para o interior.
Como
é que pode não ser garantido
a um cidadão o direito de morar
em sua casa? A que ponto se chegou que
uma pessoa é privada do seu emprego,
de sua residência, de seus direitos
civis, pela singela ameaça de um
grupo de delinquentes?...
...Esse
homem está sendo despejado de sua
casa. Só a Justiça pode
despejar alguém, assim mesmo por
motivo justo.
Os
bandidos equiparam-se assim, com esse
despejo, ao poder da Justiça.
Mas
nem a justiça tem o poder de privar
alguém de seu emprego. E os traficantes
do Bairro Mário Quintana, onde
se encontra a Vila Timbaúva 3,
estão desempregando esse homem,
estão privando-o de seu trabalho
e de seu sustento, um poder que nem a
própria Justiça tem.
Ou
seja, o crime erige-se acima dos poderes
constituídos.
Com esse exemplo, os moradores do local,
como tantos que já mudaram de residência
impelidos pela violência reinante
ali...ficam sabendo quem manda no lugar
e qual a lei que impera por lá.
Ou seja, são pessoas dominadas
pelo medo...
...É
o total colapso e deterioração
do tecido social.
Foi
a pior notícia que li nos últimos
anos.”
Lamentavelmente,
fatos como esse tem sido cada vem mais
comuns nas vilas e favelas das cidades
brasileiras.
O
povo, já oprimido pelo desemprego,
sub-emprego, baixos salários, más
condições de higiene, saneamento,
saúde, transportes, desescolarização
e má escolarização,
ainda se vê obrigado a calar, consentir,
entregar os filhos, perder qualquer espaço
de liberdade e autonomia, mesmo no local
onde reside, a fim de sobreviver. Na prática,
a ditadura não terminou para a
maioria...
Boas
políticas públicas de segurança
são imprescindíveis para
o resgate da livre organização
e expressão, do empreendedorismo
social, da educação crítica,
que não precisa pedir licença.
Sem isso, não pode haver desenvolvimento
e nem justiça.
Assim,
cuidar da segurança pública
é preservar e promover espaços
para o cultivo de uma cultura de Direitos
Humanos. É tarefa que cabe aos
governos e suas polícias, em parcerias
com as Organizações Não
Governamentais, com as Igrejas e Cultos,
com os Partidos Políticos, com
as Associações de Moradores,
com toda a sociedade. Banir o crime e
assegurar proteção à
todos é , antes de tudo, assegurar
proteção aos pobres, a quase
totalidade da nossa população.
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