Por 
                                Elizabeth Mafra Cabral Nasser 
                                (elizabethnasser@terra.com.br)*
                               
                                Com a convocação para a IX Conferência 
                                Nacional de Direitos Humanos e a IV Estadual, 
                                o entusiasmo bateu a nossa porta. E logo pensamos: 
                                por que ficar apenas na capital? E o/a cidadão/ã 
                                do interior do Rio Grande do Norte, está 
                                tendo seus direitos respeitados? Vamos ficar encastelados 
                                esperando as denúncias? Não, isto 
                                não faz o nosso gênero. Contagiados/as 
                                pelo entusiasmo de Roberto Monte, idealizador 
                                das Caravanas, botamos o pé na estrada. 
                                E assim foram planejadas nove Caravanas que atingiram 
                                mais ou menos cinqüenta municípios.
                              Confiantes 
                                na excelente direção do Sr. Jorge 
                                cortamos as estradas do Estado (muitas em precárias 
                                condições de uso). Desviando crateras, 
                                buracos, animais e a falta de acostamento percorremos 
                                três mil seiscentos e vinte quilômetros 
                                de cidadania e terminamos vivos e felizes com 
                                o resultado.
                               
                                Não tínhamos horário fixo 
                                para sair ou chegar, tudo dependia da distância. 
                                Mas os horários de partida, quando decididos, 
                                eram respeitados e íamos sonolentos em 
                                direção a cidade que nos esperava.
                              Em 
                                cada local nos aguardava uma equipe com programação 
                                extensa a ser cumprida. Muitas vezes viajamos 
                                cinco ou seis horas, sem parar, alimentados pelos 
                                providenciais e minúsculos lanches de Geruza, 
                                embalados pela escolha musical de Edleusa e divertidos 
                                pela preocupação de Aluísio 
                                para que tudo funcionasse a contento e de Antonino 
                                por espaço para lançar o jornal 
                                Tecido Social. Chegávamos sempre na hora 
                                exata e logo começávamos a cumprir 
                                a nossa agenda. Não havia tempo para curtir 
                                cansaço, pois o entusiasmo da informação 
                                nos alimentava.
                              Não 
                                se pode conhecer uma casa se ficamos apenas na 
                                sala de visitas, comendo docinhos e nos deliciando 
                                com cafezinho, licor e um bom papo. Temos que 
                                circular até o quintal e conhecer a história 
                                dos seus habitantes. Assim pensamos e assim fizemos 
                                em cada cidade visitada.
                              Fomos 
                                recebidos pelos Prefeitos/as. Sentamos nas Câmaras 
                                de Vereadores, nos auditórios – com 
                                as mais diversas platéias – nas escolas, 
                                promotorias, delegacias, presídios, hospitais, 
                                assentamentos, favelas e até lixões. 
                                Observamos, ouvimos e discutimos os problemas 
                                de cada grupo, de cada comunidade, de cada cidadão. 
                                
                              Vimos 
                                seres humanos como animais irracionais disputando 
                                com seus semelhantes alimentos retirados dos lixões. 
                                Enquanto isto, outros mais privilegiados, divirtiam-se 
                                em belíssimas e bem cuidadas praças.
                              Encontramos 
                                prisões desumanas, sem ventilação, 
                                com portas de aço, mau cheiro e calor de 
                                mais de quarenta graus. Os Delegados, agentes 
                                e policiais sem condições dignas 
                                de trabalho, muitas vezes com esforço sobre-humano, 
                                tentando cumprir suas obrigações. 
                                Delegacias onde, em algumas celas devassadas, 
                                encontram-se mulheres em exposição 
                                para os que passam, sem nenhuma privacidade. 
                              A 
                                violência é generalizada e a insegurança 
                                campeia. Em alguns lugares denúncias de 
                                violência policial. Isto nós choca, 
                                pois é deles que se espera proteção. 
                                A violência contra as mulheres é 
                                rotina. Ela existe sim, mas onde denunciar? Deve 
                                ser terrível você chegar na Delegacia, 
                                toda quebrada após uma surra do companheiro 
                                e ouvir o seguinte questionamento: “o que 
                                foi que você fez de errado para seu marido 
                                lhe bater?” Que justiça é 
                                essa que não respeita a dor e a vergonha 
                                de quem procura denunciar?
                              Cidades 
                                com juizes e promotores que não residem 
                                no local de trabalho – parece que por lei 
                                são obrigados a residir na cidade – 
                                ou estou enganada?
                              Hospitais 
                                por nós visitados onde nada funcionava 
                                – raio X quebrado há meses, falta 
                                de medicamentos básicos, laboratórios 
                                sem condições de executar os exames 
                                essenciais e as filas intermináveis no 
                                aguardo de um atendimento que nem sempre acontece. 
                                Mulheres que esperam meses para conseguir um preventivo 
                                e mais alguns meses para receber o resultado. 
                                O PSF – Programa de Saúde Familiar 
                                – só em raríssimos lugares 
                                funciona a contento. Em algumas cidades, por favor, 
                                não adoeça nos fins de semana que 
                                não tem médico. Quero ressaltar 
                                que no meio de todo este caos, encontramos médicos 
                                e enfermeiras que são verdadeiros heróis 
                                e heroínas.
                               
                                Na Educação as reivindicações 
                                são inúmeras. Começam pelos 
                                salários e em muitos locais a falta de 
                                material. Mas, o maior problema enfrentado nesta 
                                área é a droga e a gravidez das 
                                adolescentes. 
                              Passamos 
                                por assentamentos onde também são 
                                muitas as reclamações. As famílias 
                                foram assentadas, mas lhes faltam um acompanhamento, 
                                orientação e financiamento para 
                                trabalhar.
                              As 
                                alegrias foram poucas, mas as emoções 
                                e as lágrimas estavam sempre apertando 
                                nosso peito e rolando pelas nossas faces. Com 
                                Teotônio, sempre indiscretamente, querendo 
                                fotografar nossas emoções. Que belo 
                                foi o instante quando o soldado-artista Irã 
                                Santos, na sua espontaneidade, nos presenteou 
                                com uma belíssima interpretação 
                                do poema de Neimar de Barros.
                              Tivemos 
                                outros momentos bonitos com os nossos artistas, 
                                Patrícia e Fillipo, que estavam sempre 
                                nos dando um novo alento com sua arte, nos momentos 
                                de cansaço, tristeza e levantando e levando 
                                a população a nos acompanhar e a 
                                nos ouvir.
                              Tínhamos 
                                um núcleo básico nas nossas caravanas, 
                                mas alguns se agregavam sempre que se fazia necessário 
                                as suas presenças ou podiam, fugindo um 
                                pouco das suas obrigações diárias, 
                                fortalecer nosso grupo.
                              As 
                                Caravanas nos deram a grande oportunidade de fortalecer, 
                                por quase todo o interior do Rio Grande do Norte, 
                                a Rede Estadual de Direitos Humanos. Mas as nossas 
                                Caravanas vão continuar, pois pretendemos 
                                ampliar cada vez mais na população 
                                a consciência de que todo cidadão/ã 
                                deve conhecer e ter os seus Direitos respeitados.
                              *Antropóloga 
                                – Coordenadora do Fórum de Mulheres 
                                do RN e membro do Conselho Estadual de Direitos 
                                Humanos