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               Brasília, 29 de
              junho de 2000  
              APRESENTAÇÃO  
              A Comissão de Direitos Humanos
              da Câmara dos Deputados elaborou o projeto das CARAVANAS
              NACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS com o objetivo de superar esta marca
              tão característica da atividade política brasileira que é a
              distância que separa os governantes dos concernidos por suas
              decisões. Estar presente nos locais onde as violações mais
              comuns aos direitos humanos são praticadas é um desafio
              permanente para aqueles que se dispõe a mudar a realidade
              brasileira. As Caravanas têm essa pretensão. Sabemos dos limites
              inerentes a iniciativas dessa natureza. As visitas que realizamos
              na I Caravana foram marcadas pela premência do tempo. Para que
              tivéssemos uma opinião mais abalizada, seria necessário ficar
              muito mais tempo em contato com os pacientes, técnicos e corpo
              diretivo de cada uma das instituições visitadas. Este alerta é
              importante para que as opiniões aqui exaradas sejam tomadas
              exatamente como aquilo que são, impressões iniciais derivadas de
              uma observação crítica e orientadas pelo compromisso de afirmação
              dos Direitos Humanos que nos apaixona. 
              O que este relatório oferece
              aos interessados é uma amostra da realidade manicomial
              brasileira. Ele não abrange todos os estados, nem temos a certeza
              de que as clínicas visitadas são representativas dos maiores
              problemas enfrentados em cada um dos estados visitados. O relatório,
              não obstante, apresenta uma situação que está a indicar a
              permanência de um modelo anacrônico de atenção à saúde
              mental no Brasil e, portanto, indica a necessidade de mudanças
              urgentes. 
              Este relatório é, também, uma
              resultante de uma tomada de posição em favor daqueles seres
              humanos com os quais nos avistamos ao longo de 12 dias e que
              permanecem esquecidos e abandonados atrás dos muros e das grades
              dos manicômios brasileiros. Muitos de nós, que participaram
              dessa Caravana, não esqueceremos seus olhares, suas súplicas,
              seus sorrisos, suas desarrazoadas esperanças, suas sínteses
              surpreendentes. Em uma instituição visitada, perguntamos a um
              paciente a quanto tempo ele estava internado e sua resposta pronta
              foi – " Há 600 anos" . Talvez, do ponto de vista
              daqueles submetidos a um sofrimento infinito, a própria idéia de
              tempo se confunda com a eternidade. É o que pretendemos
              contribuir para superar. 
                
              I - GOIÁS 
                
              Nossa primeira visita da
              Caravana deu-se na cidade de Goiânia (GO). A Comissão de
              Direitos Humanos havia recebido denúncia de que clínicas psiquiátricas
              de Goiânia estavam realizando neurocirurgias e que a psiquiatria
              praticada hegemonicamente na cidade seria tributária de uma
              concepção biologicista responsável por violações dos Direitos
              Humanos dos pacientes. Iniciaram a caravana os deputados Marcos
              Rolim e Paulo Delgado que foram acompanhados em Goiânia pela
              representante do Conselho Regional de Psicologia e Fórum Goiano
              de Saúde Mental, Dra Deusdete; pela representante do Conselho
              Municipal de Saúde e do Conselho Regional de Serviço Social,
              Dra. Rúbia; pela representante do Fórum Goiano de Saúde Mental,
              a terapeuta ocupacional Dra. Carlene e pelos representantes da
              Associação de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Goiás,
              Srs. Saulo e Antônio Cassiano. 
              
                
              Bom Jesus: Clínica ou Presídio? 
              Chegamos primeiramente à "
              Clínica de Repouso Bom Jesus Ltda", na Avenida T3 600, Setor
              Bueno, em Goiânia. Logo em nossa chegada, enfrentamos
              dificuldades para ter acesso à clínica. O encarregado afirmava
              que era o responsável pela área administrativa e que não possuía
              autorização para permitir visitas. Diante da demora em localizar
              alguém da direção, afirmamos que entraríamos de qualquer
              jeito, com ou sem autorização. Finalmente, foi possível
              localizar alguém da direção e iniciar a visita. Trata-se de uma
              clínica privada com 296 leitos. Desse total, 240 são conveniados
              com o SUS e 74 são femininos. A Clínica dispõe de 7 médicos
              plantonistas, 10 médicos assistentes e 2 clínicos gerais. Possui
              7 enfermeiros, 4 psicólogos, 3 assistentes sociais, 1 terapeuta
              ocupacional, 1 farmacêutico e 1 nutricionista. Possui, ainda, 54
              auxiliares de enfermagens, 8 funcionários na manutenção, 4 na
              lavanderia e 5 vigilantes. Há prontuário único com evolução e
              prescrição diária. Perguntados sobre a existência de Projeto
              Terapêutico, os responsáveis afirmaram que a clínica possui
              projeto escrito. Não foi possível, entretanto, obter uma cópia.
              A direção assumiu o compromisso de enviar cópia do projeto à
              CDH, o que não ocorreu até a data da elaboração desse relatório. 
              Como costuma ocorrer no modelo
              tradicional de isolamento proposto e efetivado pela lógica
              manicomial, o acesso às dependências da Clínica Bom Jesus só
              é possível na companhia de alguém com dezenas de chaves. A cada
              corredor, portas e mais portas, todas chaveadas. Cada novo espaço,
              cada movimento e novas chaves. Encontramos, na verdade, a prevalência
              de uma concepção bastante comum ainda segundo a qual os
              pacientes devem ser, sobretudo, vigiados. O que espera-se deles,
              antes de tudo, é a sujeição. Que tomem seus remédios, que
              estejam calmos, que permaneçam em seus leitos e nos espaços que
              lhes foram reservados. A instituição dispõe de espaços abertos
              bastante significativos e que poderiam ser muito bem aproveitados
              como áreas de lazer , recreação e convivência. O acesso a
              eles, entretanto, é bastante limitado. Visitamos um novo espaço
              em fase de acabamento que será destinado à terapia ocupacional.
              Inclusive este espaço está totalmente cercado por telas.
              Perguntado pelo Deputado Marcos Rolim sobre as razões de tantas
              grades e telas, um dos diretores afirmou que "na prática a
              teoria é outra" e que, se eles não tomassem essa precaução,
              logo os pacientes seriam flagrados "praticando sexo" .
              Diante dessa observação, o presidente da Comissão de Direitos
              Humanos inquiriu sobre os eventuais prejuízos da atividade sexual
              para o tratamento ponderando, também, sobre a legalidade dessa
              interdição não obtendo qualquer resposta coerente. Confirmamos
              na visita a existência de casos de encaminhamento de pacientes
              para a prática de neurocirurgia. No período de um ano, há 5
              casos nessa clínica confirmados pela direção. Tivemos acesso a
              um paciente – Odair José da Silva - trazido pela prefeitura de
              Formoso do Araguaia, que foi submetido a neurocirurgia e que
              estava em um quarto isolado e gradeado. Odair José da Silva
              chegou a receber alta médica em 28 de janeiro de 2000,mas não
              foi buscado pelos familiares. Teve, então, uma crise agressiva.
              Recebeu, então, a indicação de cirurgia realizada no último mês
              de maio. Este paciente quedava-se em seu leito sem qualquer
              expressão e parecia absolutamente alienado. Vez por outra,
              jogava-se no chão e passava a lambê-lo. Os atendentes entravam,
              então, em sua "cela" para erguê-lo e reconduzi-lo ao
              leito. Nos entrevistamos, também, com outro paciente visivelmente
              sedado que deverá ser submetido a neurocirurgia. Segundo os
              diretores da clínica, trata-se de um paciente agressivo que não
              responde à medicação. O deputado Paulo Delgado entrevistou-se
              com um dos diretores a respeito do caso do jovem que havia sido
              submetido à neurocirurgia descobrindo que este profissional,
              responsável pela indicação da intervenção cirúrgica, não
              sabia sequer o estado civil do paciente. 
              
                
              Clínica Isabela: um mundo de
              certezas 
              A segunda clínica visitada
              possui um padrão de atendimento bastante semelhante a Bom Jesus.
              As instalações físicas, não obstante, diferem bastante. A Clínica
              Isabela não dispõe de espaços abertos como aqueles encontrados
              na primeira instituição. Nesta clínica, há alguns meses, um
              paciente morreu queimado quando estava contido mecanicamente em
              seu leito. Fomos rapidamente recebidos e tivemos a impressão de
              que nossa visita estava sendo esperada. A Clínica dispõe de 181
              leitos conveniados com o SUS em um total de 197. Encontramos na clínica
              um paciente internado como medida de segurança por ordem
              judicial. Após a inspeção das suas instalações, mantivemos
              entrevista com o diretor da instituição. Esta oportunidade foi
              bastante importante pois nos permitiu ter uma idéia mais clara
              sobre os métodos de tratamento e as concepções teóricas ali
              vigentes. O diretor é um homem sem dúvidas. A psiquiatria, para
              ele, configura uma ciência exata e apenas os especialistas nessa
              área podem compreender, de fato, os procedimentos por ele
              empregados. Nos falou com desenvoltura sobre a necessidade de
              aplicação de eletroconvulsoterapia ( ECT) em muitos casos e
              sobre sua determinação em indicar o tratamento sempre que necessário.
              Confirmou a prática de realização de neurocirurgias e discorreu
              longamente sobre a técnica empregada a partir da introdução de
              uma fina espátula no cérebro e sobre os resultados maravilhosos
              "largamente comprovados". Essa cirurgia é denominada
              "estereotaxia". Segundo o diretor da clínica, a
              intervenção cirúrgica é recomendada quando o paciente é
              refratário a medicamentos. As certezas pretensamente científicas
              com as quais procura-se legitimar intervenções agressivas e
              irreversíveis em pacientes portadores de sofrimento psíquico
              emolduram um quadro de um saber psiquiátrico tão tradicional
              quanto reacionário que, ao que tudo indica, é hegemônico em Goiânia.
              O que já seria inaceitável em qualquer situação ao final desse
              século torna-se escandaloso quando sabemos que essas concepções
              sobrevivem às custas do financiamento público. Por essa razão
              entendemos como urgente a necessidade de intervir sobre o sistema
              de saúde mental vigente na capital dos goianos destacando esse
              caso em nossas recomendações finais ao Ministério da Saúde. 
                
              
              II - AMAZONAS 
                
              Em Manaus, estiveram os
              deputados Marcos Rolim, Paulo Delgado, Nilson Mourão (PT/AC) e
              Vanessa Graziotin (PCdoB/AM) . Integraram a caravana Joana D’Arc
              de Oliveira Guedes, representante do sindicato dos trabalhadores
              na Saúde; Dr. Heldemar Ferreira Costa, presidente do sindicato
              dos médicos e os deputados estaduais Wallace Souza (PSC) , Eron
              Bezerra (PcdoB), Marcos Rota (PSDC), Washington Régis (PL) e o
              vereador Édson Ramos (PcdoB). 
              
                
              Centro Psiquiátrico Eduardo
              Ribeiro 
              Único Hospital Psiquiátrico do
              estado do Amazonas, o Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (av.
              Constantino Neri 2771, Chapada, Manaus) possui um total de 150
              leitos; todos conveniados com o SUS. No momento da visita, a
              instituição abrigava 95 pacientes, entre homens e mulheres.
              Trata-se de um hospital público estadual funcionando em um prédio
              antigo e experimentando várias limitações. Há, inicialmente,
              carência de pessoal técnico na instituição e necessidade de
              realizar rapidamente determinadas reformas na estrutura física.
              Segundo o que nos foi relatado pelo diretor, Laerte Maués, essas
              reformas já foram planejadas. A instituição dispõe de projeto
              terapêutico escrito que ficou de nos ser enviado. Realiza
              trabalho específico com os familiares e permite que os internos
              tenham atividades externas, passeios, etc. O que presenciamos aqui
              foi a presença de um significativo número de pacientes
              cronificados com períodos muito longos de internação. Na
              maioria desses casos de cronificação, percebe-se a existência
              de um quadro social anterior de miséria e abandono. O hospital
              lida, então, com pacientes asilares que foram sendo
              "depositados" ali ao longo de décadas. Flagramos três
              casos de contenção mecânica de pacientes nos leitos. Dois deles
              absolutamente fora dos procedimentos técnicos. Esses dois
              pacientes estavam, na verdade, amarrados pelos pulsos e pelos
              tornozelos procedimento que pode provocar lesões e promove,
              certamente, sofrimento contornável. Aqui, também, o exercício
              da sexualidade dos pacientes é interditado segundo o diretor por
              razões de "ordem moral" (sic) De qualquer forma,
              deve-se registrar que os pacientes convivem em liberdade; que não
              há grades, cercas ou outros constrangimentos ao trânsito dos
              internos; que a direção revelou uma postura transparente e
              aberta para o reconhecimento das limitações vividas pela
              instituição. Ao final da visitação, mantivemos uma
              interessante e produtiva reunião com o corpo técnico do
              Hospital. Nos pareceu evidente que uma parte das dificuldades
              enfrentadas pelo Hospital prende-se ao fato de que o próprio
              estado ressente-se de uma política de saúde mental. Seria necessário
              construir serviços de atenção à saúde mental, de caráter
              ambulatorial e comunitário, nas principais regiões do Amazonas e
              na capital. Pela experiência já realizada no Brasil, sabe-se que
              a abertura de serviços dessa natureza -capazes de, efetivamente,
              tratar pessoas portadoras de sofrimento psíquico - é causa de
              diminuição da demanda por internações psiquiátricas. De outra
              parte, seria preciso garantir a abertura de leitos psiquiátricos
              em Hospitais Gerais no estado de tal forma que quando a internação
              psiquiátrica se fizesse necessária pudesse se evitar o estigma
              que recai sobre os doentes mentais sempre que internados em
              instituições de natureza manicomial. 
                
              
              Centro de Custódia e Tratamento
              Psiquiátrico: 
              A segunda instituição visitada
              em Manaus foi o manicômio judiciário que, ao contrário do que
              indica o seu nome, não oferece qualquer tipo de tratamento aos
              seus internos. Quando de nossa visita, havia 24 internos na
              instituição, um pequeno pavilhão dentro da área onde está
              localizada a Cadeia Pública de Manaus. Neste pavilhão há 5
              celas; três delas absolutamente inabitáveis. Esses espaços
              violam flagrantemente as normas básicas previstas pela própria
              Lei de Execuções Penais (LEP) e os princípios internacionais
              ratificados pelo Brasil. São celas escuras, sem ventilação, com
              dimensões inferiores aos 6 metros quadrados onde se empilham
              pessoas doentes. Não há um corpo técnico na instituição. O único
              psicólogo é o diretor. As três celas referidas devem ser
              imediatamente interditadas e o estado deve providenciar na formação
              de um corpo técnico capaz de, efetivamente, tratar os internos.
              Aproveitando que estávamos na área da Cadeia Pública,
              realizamos uma breve inspeção nesta casa prisional também. A
              situação que nos foi revelada ali é gravíssima. Centenas de
              presos provisórios estão amontoados na instituição, há meses,
              aguardando julgamento; alguns deles dormindo no chão, sem colchões
              ou mantas. A situação da cadeia publica de Manaus, entretanto, não
              será tratada neste relatório da CDH. 
              
                
                  
                    
                      
                        
                      III- PERNAMBUCO 
                        
                     
                   
                 
               
              Nossa terceira etapa da Caravana
              deu-se em Recife (PE) e na região metropolitana. Visitamos 4
              instituições psiquiátricas, em Recife, em Itamaracá, em
              Paulista e em Camaragibe. Participaram da caravana os deputados
              Marcos Rolim e Paulo Delgado, acompanhados pela Psicóloga Esther
              De Oliveira Correia, pelos Promotores de Justiça Marco Aurélio
              Farias da Silva, José Augusto Neto e Maria Ivana Vieira e pelo
              representante do Movimento da Luta Antimanicomial Marco Noronha. 
              
                
              HCTP de Itamaracá - abandono
              e violência 
              A primeira visita em Pernambuco
              deu-se no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de
              Itamaracá (HCTP), na região metropolitana.(Engenheiro São João,
              s/n) Manicômio Judiciário do estado, a instituição possui 70
              leitos (56 para homens e 14 para mulheres) . No dia de nossa
              visita abrigava 336 (trezentos e trinta e seis) internos. Seu
              quadro de pessoal é o seguinte: 7 médicos plantonistas, um médico
              assistente, um clínico geral, um enfermeiro, dois psicólogos,
              dois assistentes sociais, um terapeuta ocupacional e um farmacêutico.
              Dispõe, ainda de 14 auxiliares de enfermagem. No dia em que lá
              estivemos, a única profissional de nível superior presente na
              instituição era a médica plantonista. Esta profissional estava
              trancada em sua sala, dormindo. A sala onde ficam os médicos
              plantonistas é gradeada. Perguntada a respeito, a profissional
              revelou que teme muito por sua segurança e que, com a grade,
              sente-se melhor. 
              Superlotado, o HCTP é uma casa
              de abandono e violência. Os pacientes não são tratados. Aliás,
              não são sequer concebidos como pacientes. Estão trancafiados em
              celas imundas e fétidas. Alguns deles, isolados e completamente nús.
              Segundo a médica plantonista, ficam nús por prescrição médica
              (!) pois são pacientes com risco de suicídio. Neste caso, como não
              há outro recurso técnico, nem pessoal para garantir que esses
              pacientes sejam observados, providencia-se no seu isolamento e se
              lhes retiram as roupas. (sic) Os pavilhões onde estão amontoados
              os internos são prédios inabitáveis, lúgubres e pestilentos.
              Em muitas celas, os internos convivem com seus próprios dejetos.
              A maioria é obrigada a dormir no chão. Os banheiros são imundos
              e em alguns não há sequer água. Quando de nossa visita, fazia
              um mês que o hospital estava sem qualquer medicação para
              fornecer aos internos. Tudo aqui não funciona. O HCTP é uma
              instituição de reclusão sem qualquer segurança que oferece aos
              internos a perspectiva de pena cruel e degradante. Em síntese,
              nem custodia, nem trata. Caso de interdição imediata e denúncia
              pública. Os deputados Marcos Rolim e Paulo Delgado, diante da
              gravidade do que foi constatado no HVTP, mantiveram no mesmo dia
              uma audiência com a Sub Procuradora do estado de Pernambuco, Dra
              Maria Helena Caula Reis. Solicitaram que o Ministério Público
              tomasse providências imediatas e sugeriram a interdição do HCTP. 
                
              Hospital Psiquiátrico do
              Paulista - internações abusivas 
              Visitamos no município de
              Paulista o Hospital Psiquiátrico do Paulista S/A (rua da alegria
              2566, bairro Nobre) instituição privada, conveniada com o SUS,
              com 125 leitos para homens e mulheres. Seu corpo técnico é
              composto por 7 médicos plantonistas, 4 médicos assistentes e um
              clínico geral; 7 enfermeiros, dois psicólogos, dois assistentes
              sociais, dois terapeutas ocupacionais, um farmacêutico e um
              nutricionista. A clínica mantém, ainda, um professor de educação
              física e 35 auxiliares de enfermagem. Sua direção afirma que a
              casa possui projeto terapêutico escrito - que deverá ser enviado
              à CDH - e que realizam reuniões com familiares. Os internos não
              podem visitar os familiares durante o período de internação.
              Encontramos aqui, alguns pacientes internados de forma abusiva e
              desnecessária. Verifica-se na instituição, claramente, que
              problemas sociais como a miséria e a violência terminam por
              "empurrar" para as clínicas psiquiátricas pacientes
              que, a rigor, não precisariam de internação, mas de algum tipo
              de apoio ou tratamento extra-hospitalar. 
                
              Hospital Ulysses Pernambucano -
              mais abandono 
              Um dos mais antigos hospitais do
              estado, o Ulysses Pernambucano localiza-se em um bairro nobre da
              capital. ( Tamarineira) Hospital estadual, estava quando de nossa
              visita com 208 pacientes, muitos dos quais crônicos. Fomos
              recebidos e conduzidos por um antigo funcionário que nos
              acompanhou às imensas dependências do Hospital. O problema maior
              aqui é o estado de conservação de várias alas - bastante precário
              - e a absoluta falta de pessoal. Em uma sala, há um extraordinário
              arquivo com grande parte da história do Hospital, incluindo-se
              prontuários antigos, fotos, etc. Todo esse acervo encontra-se já
              largamente comprometido pela incúria administrativa. O material,
              que poderia ser uma fonte de pesquisa importantíssima para uma
              história da loucura e da psiquiatria em Pernambuco se perderá
              totalmente se não houver um projeto de restauração e preservação
              dos documentos remanescentes. O corpo técnico é reduzidíssimo e
              não foi possível encontrar qualquer pessoa que nos apresentasse
              dados, ainda que aproximados, sobre o Hospital. Nos restou visitá-lo
              e conversar com pacientes e alguns poucos funcionários. Há uma
              experiência de "lar abrigado" construído na área
              interna do próprio Hospital onde moram 4 mulheres. Ali, as
              instalações são razoáveis embora o próprio projeto enfrente
              limitações evidentes. O Hospital possui, também, uma capela.
              Todas as instalações restantes são bastante simples e pobres.
              Os internos perambulam pela instituição sem qualquer atividade
              notável. A impressão geral é de abandono. Não se identifica
              aqui a concepção "prisional" , mas vive-se uma experiência
              de evidentes limitações terapêuticas. Parece mesmo incrível
              que Pernambuco tolere limitações dessa ordem ainda mais quando o
              estado dispõe de uma lei de reforma psiquiátrica em vigor. Ao
              que tudo indica, a Lei não vem sendo observada, nem desencadeou
              uma política pública eficaz na área. 
                
              Hospital Psiquiátrico Alberto
              Maia - uma cidade para a loucura? 
              Nossa última visita em
              Pernambuco deu-se na cidade de Camaragibe onde conhecemos o
              Hospital Alberto Maia. A instituição privada possui 1.000 ( mil
              ) leitos; 400 femininos e 600 masculinos; 99% deles conveniados
              com o SUS. Cerca da metade desses pacientes é composta por
              esquizofrênicos. Uma pequena parcela deles é integrada por
              pacientes neurológicos. Entre os pacientes psiquiátricos, a
              grande maioria é composta por crônicos. Possui 7 médicos
              plantonistas, 27 médicos assistentes, 10 clínicos gerais, 25
              enfermeiros, 10 psicólogos, 10 assistentes sociais, 13 terapeutas
              ocupacionais, um farmacêutico e três nutricionistas. Conta,
              ainda, com dentista, professor de educação física, fonaudiólogo,
              fisioterapeuta e 204 auxiliares de enfermagens. De todas as
              instituições visitadas, esta é aquela que mantém o maior
              quadro de funcionários. O Hospital mantém atividades externas
              com os pacientes, possui projeto terapêutico - que ficou de nos
              enviar - mantém telefone para uso dos pacientes, permite a visita
              dos pacientes aos familiares. O que parece incrível nesta
              instituição é o número de internos. Camaragibe é uma pequena
              cidade da região metropolitana. Quando se entra no Hospital, há
              uma sala de recepção através da qual tem-se acesso a área
              interna por uma porta. Quando os integrantes da caravana entraram
              por aquela porta puderam vislumbrar um mundo absolutamente
              "alternativo" do outro lado; algo assim como uma outra
              dimensão da vida reunindo pessoas com sofrimento psíquico em uma
              convivência natural nos marcos de uma área que faz lembrar uma
              pequena vila. No momento em que chegamos ali, havia um intenso
              movimento dos pacientes por essa área aberta. A decoração para
              as festas juninas ofereciam ao ambiente uma imagem ainda mais
              familiar de uma cidadezinha de interior. Uma cidade de loucos,
              essa foi a primeira impressão. A favor do hospital, podemos
              afirmar que os pacientes não estão abandonados. Há aqui um
              acompanhamento efetivo. Até que ponto ele é resolutivo não
              podemos afirmar. Também aqui é absolutamente evidente a mistura
              de miséria, abandono familiar e doença mental. 
                
              
              IV - BAHIA 
                
              Estiveram na Bahia os Deputados
              Marcos Rolim e Paulo Delgado, acompanhados pela Dra. Gleide
              Gurgel, pres. Da Comissão de Direitos Humanos da OAB/BA; pela
              Dra. Ana Montenegro, representante do Fórum Estadual de Direitos
              Humanos; pelo Deputado estadual Yulo Oiticica, presidente da
              Comissão de Direitos Humanos da Bahia; por Eduardo Alves de Araújo,
              coordenador do movimento de usuários de saúde mental da Bahia;
              por Débora Lopes Dourado, presidente em exercício do Conselho
              Municipal de Saúde; pela Dra. Célia Barqueiro, representante do
              núcleo de estudos pela superação dos manicômios; por Delmar
              Saft, representante do movimento de usuários em saúde mental;
              por Luana Silveira, representante do Conselho Regional de
              Psicologia e por Ana Cristina Abreu, representante do Conselho
              Regional de Serviço Social. 
                
              Colônia Lopes Rodrigues -
              pacientes distantes de tudo 
              Na Bahia, a primeira instituição
              visitada foi o Hospital Colônia Lopes Rodrigues em Feira de
              Santana. Trata-se de um imenso Hospital Psiquiátrico capaz de
              abrigar mais de mil pacientes. O projeto arquitetônico dessa Colônia
              não deixa de ser bonito e interessante. Sua idéia básica é a
              de uma estrutura de comunidades terapêuticas em forma de células
              independentes em torno de um núcleo central de serviços. Em cada
              uma dessas células encontram-se, atualmente, cerca de 100
              pacientes. As celúlas são ligadas ao núcleo por caminhos
              cobertos o que confere à construção uma estrutura raiada. Além
              das células, há pavilhões de internação cuja existênxcia não
              parece guardar qualquer relação de pertinência com a concepção
              arquitetônica original. O mais provável é que tenham sido
              construídos em período mais recente para responder a demanda
              crescente por internação psiquiátrica. Como chegamos ao
              Hospital em um Domingo, não encontramos qualquer pessoa da direção
              que pudesse nos oferecer informações detalhadas ou dados estatísticos. 
              Muitos dos pacientes aqui
              caminham nús no interior das células e nos enormes espaços de
              convivência entre elas. É comum que estes e outros pacientes
              realizem suas necessidades fisiológicas nessas áreas abertas. Em
              um dos pavilhões, encontramos um paciente contido mecanicamente
              em seu leito de forma absolutamente irregular. Ele estava amarrado
              pelos pulsos e pelos tornozelos. Reclamava dessa condição
              argumentando com desenvoltura e aparentando absoluta calma. O
              Deputado Marcos Rolim solicitou ao atendente de enfermagem que o
              liberasse argumentando que ele não estava em surto e que as
              amarras contrariavam as normas de contenção mecânica. O pedido
              foi aceito imediatamente e sem contestação pelo funcionário. A
              caravana encontrou, ainda, uma paciente presa nas instalações
              gradeadas de um banheiro no interior de uma das células. Esta
              mulher, aparentando 30 anos, negra, estava semi nua, sentada no chão
              do banheiro. Muda, ela não respondeu aos questionamentos que lhe
              foram feitos. As atendentes de serviço nessa célula informaram
              aos integrantes da caravana que a paciente costumava ser agressiva
              e que jogava fezes nos demais internos. Por isso estaria
              "isolada". Na verdade, ela se encontrava enjaulada. O
              que pudemos perceber foi a realidade de abandono em que se
              encontram os internos e a enorme distância oferecida àqueles
              pacientes frente às possibilidades de ressocialização. 
                
              
              Clínica São Paulo – o
              calabouço de Salvador 
              No início da noite de Domingo,
              estivemos no centro de Salvador em visita à clínica psiquiátrica
              São Paulo. Trata-se de uma instituição privada localizada em um
              prédio absolutamente inadequado. A construção possui vários
              pisos, corredores, escadas e passagens. Todas elas devidamente
              trancadas e isoladas umas das outras. Fomos recebido por um médico
              que, ao ser perguntado pelo número de leitos da instituição,
              nos ofereceu como resposta que ali deveriam existir "algo
              entre 200 e 300 leitos." Não foi possível recolher qualquer
              informação detalhada pela ausência de responsáveis pela
              administração. 
              A clínica São Paulo é um
              verdadeiro depósito de doentes mentais. Suas instalações são
              inaceitáveis e conformam condição de sofrimento aos internos.
              Foi difícil para nós realizar o trabalho de inspeção pela própria
              angústia dos pacientes que cercavam os integrantes da caravana
              implorando por sua liberdade. Na ala feminina, situada em um
              verdadeiro calabouço, encontramos pacientes despidas em estado de
              abandono. As condições de higiene são as piores possíveis e o
              cheiro que emanava em toda a instalação era insuportável. Há
              evidentemente, um "tratamento" massificado e a prática
              de abuso medicamentoso. 
                
              V - RIO DE JANEIRO 
              Chegamos ao Rio de Janeiro ao
              final da manhã da segunda feira, dia 19 de junho. Além dos
              deputados Marcos Rolim (PT/RS) e Paulo Delgado (PT/MG), somaram-se
              à caravana os deputados Fernando Gabeira (PV/RJ) e Dr. Rosinha
              (PT/PR), a assessora da CDH Janete Lemos; do 
              representante do Conselho
              Federal de Psicologia, Marcos Vinícius de Oliveira; os membros da
              Secretaria Executiva Colegiada do Movimento de Luta Antimanicomial,
              Fernando Goulart e Alexandre Bellagama, usuários; Iracema
              Polidoro, familiar e Sandra Pacheco, terapeuta ocupacional; e,
              ainda, Agilberto Calaça e Rosa Domeni, médicos e José de Paula,
              familiar. 
                
              Amendoeiras - a primeira boa
              surpresa 
              Do aeroporto, fomos diretamente
              à Clínica das Amendoeiras no bairro de Jacarepaguá. (Rua
              estrada do Rio Grande, 3995) Trata-se de uma instituição privada
              com 1 4 0 (cento e quarenta) leitos, todos conveniados com o SUS.
              O corpo técnico e de apoio encontra-se dentro da previsão da
              portaria ministerial. A Clínica das Amendoeiras trabalha,
              basicamente, com pacientes neurológicos. Em regra, pessoas
              gravemente comprometidas e com total dependência. 26 (vinte e
              seis) dos pacientes são menores de idade. O prédio onde funciona
              a clínica não é adequado. Trata-se de uma construção com inúmeras
              passagens, escadas e corredores onde já funcionou uma escola. A
              estrutura física do prédio implica em várias dificuldades para
              o deslocamento dos pacientes e dos técnicos e é motivo de
              constrangimento para uma melhor relação terapêutica. Comoa clínica
              caracteriza-se por abrigar pacientes neurológicos, o tipo de
              trabalho desenvolvido é bastante diverso daquele que se espera
              encontrar em uma clínica psiquiátrica. Reside neste ponto um
              primeiro problema a ser resolvido pelas autoridades na área da saúde:
              o perfil técnico necessário à melhoria do atendimento prestado
              por esta instituição não deve ser aquele exigido para as clínicas
              que trabalham com portadores de sofrimento psíquico. Assim, por
              exemplo, ao invés de se verem obrigados a contratar médicos
              psiquiatras, os diretores da Clínica poderiam estar contratando
              mais fisioterapeutas, fonoadiólogos ou musicoterapeutas. 
              
              Em que pese essas
              limitações, ficamos positivamente impressionados com o trabalho
              desenvolvido pelos profissionais da Clínica Amendoeiras.
              Pelos critérios humanistas que orientam os trabalhos da CDH,
              devemos destacar a existência de fortes e consolidados laços
              afetivos entre profissionais e internos. Percebe-se, nitidamente,
              a existência de um trabalho sério marcado pela oferta de
              cuidados intensivos e permanentes. Os internos, mesmo os
              acometidos pelas mais graves neuropatias, reconhecem os
              profissionais e demonstram por eles seu carinho. Os técnicos, da
              mesma forma, os nomeiam naturalmente demostrando conhecer detalhes
              da história de cada paciente. Não apenas de seu quadro clínico,
              mas de seus desejos, de suas relações familiares, etc. Duas das
              pacientes, com comprometimentos menos drásticos, habitam um
              quarto próprio, decorado por elas mesmas. Conversamos com uma
              paciente em seu leito que, independentemente de sua deficiência
              mental, estava concluindo a obra de Dostoievsky "Crime e
              Castigo". Em situações do tipo, como em outra, percebe-se a
              abertura das possibilidades de humanização construída pelo
              projeto terapêutico. Aqueles internos impossibilitados de
              caminhar, que permanecem em seus leitos a maior parte do tempo,
              estão assistidos efetivamente. Cada um possui uma estrutura própria
              de apoio com almofadas no leito de tal forma que sua posição
              seja a mais adequada segundo a orientação médica e fisioterápica.
              Em vários lugares da clínica, há espelhos a disposição dos
              usuários; um recurso tão simples quanto raro em hospitais e clínicas
              psiquiátricas. Há uma relação importante construída pelos
              profissionais com os familiares e programas de atividades
              externas. 
              A direção do
              estabelecimento e os técnicos nos receberam com o máximo de boa
              vontade e fizeram questão de nos mostrar todas as dependências,
              responder a todas as perguntas, etc. Em larga medida, percebemos o
              quanto se orgulham do seu esforço. Estamos a falar, bem
              entendido, de uma Clínica que trata de pessoas muito pobres;
              algumas, como é comum, abandonadas por suas famílias. Mais do
              que isso, de uma instituição que enfrenta limitações
              financeiras e que vê-se na impossibilidade de realizar
              investimentos mais significativos em sua estrutura física. Um
              lugar, em síntese, que reuniria todas as condições para se
              transformar em um depósito de seres tratados como vestígios
              humanos. O que vimos, não obstante, foi a afirmação da tendência
              oposta pela qual aqueles internos descobrem-se, pelo cuidado,
              reconhecidos em sua humanidade mesma. A primeira boa surpresa da
              Caravana chama-se Clínica Amendoeiras. 
                
              Dr. Eiras: O Maior
              Hospital Psiquiátrico do Brasil: 
              A segunda visita
              realizada no Rio de Janeiro só ocorreu na manhã de terça feira,
              dia 20 de junho. Durante toda a tarde de quarta, os deputados da
              CDH participaram de uma audiência pública na Assembléia
              Legislativa sobre o tema "Violência e Segurança Pública".
              A instituição visitada localiza-se no município de Paracambi
              (Fazenda do Barreiro s/n), distante uma hora e meia de carro do
              Rio. Chama-se Casa de Saúde Dr. Eiras, uma instituição
              privada, onde encontramos cerca de 1.500 (mil e quinhentos)
              internos. O hospital, construído ao final dos anos 60, está
              localizado em uma área rural e lembra uma grande fazenda. Pelas
              dimensões de sua área (500 mil metros quadrados) é o maior
              hospital psiquiátrico do Brasil e um dos maiores do mundo. Conta
              com nove grande pavilhões, todos com estrutura bastante precária.
              Os internos, homens e mulheres, permanecem a maior parte do dia em
              convívio nas áreas imensas disponíveis. Nos primeiros 5 meses
              do ano 2000, as médias de internação registradas foram as
              seguintes: 
              ate 5 meses - 203
              pacientes 
              de 06 a 1 ano - 83
              pacientes 
              de 01 a 05 anos- 474
              pacientes 
              de 05 a 10 anos- 257
              pacientes 
              mais de 10 anos- 485
              pacientes 
              A mesma amostragem
              demonstra os seguintes indicadores: 
              média de doentes/
              dia - 1.519,9 
              percentual de ocupação
              - 84,4% 
              média de permanência
              de agudos - .91 
              média de permanência
              de crônicos - 10.82 
              média de permanência
              global - 368.1 
              intervalo de
              substituição - 2.18 
              índice de
              mortalidade - .26 
              O quadro técnico
              do Hospital dispõe de 14 médicos plantonistas; 13 médicos
              assistentes em 20 h e 6 médicos assistentes em 40 h; 12 clínicos
              gerais; 14 enfermeiros; 12 psicólogos; 12 assistentes sociais; 12
              terapeutas ocupacionais; um farmacêutico e 2 nutricionistas. A
              instituição conta, ainda, com outros profissionais de nível
              superior em especialidades diversas, além de um grande número de
              funcionários de nível médio. (ao todo, cerca de 600 pessoas
              trabalham na instituição) A instituição dispõe de projeto
              terapêutico global, com especificações para cada uma das suas
              unidades. Cópia do projeto nos foi oferecida prontamente,
              procedimento que não se revelou comum em toda a caravana. Aliás,
              deve-se registrar que direção do estabelecimento oportunizou à
              caravana o acesso a todos os documentos solicitados. 
              A grande maioria
              dos internos é composta por pacientes cronificados em longos períodos
              de internação. Em que pese todos os esforços que possam estar
              sendo realizados pela instituição, nos restou a impressão
              bastante forte de um tratamento largamente massificado dos
              internos. Há procedimentos que parecem evidenciar esta limitação
              como, por exemplo, o "banho coletivo" nas unidades.
              Durante nossa visita, constatamos um grupo de cerca de 8 0 (
              oitenta) internos no banho. Enquanto alguns ocupavam os chuveiros,
              outros aguardavam nús sua vez enquanto outros aguardavam molhados
              o momento em que receberiam uma toalha ou seriam secados. A cena
              toda nos pareceu bastante trivial nos marcos da instituição. 
              Em uma unidade que
              agrupa pacientes neurológicos em situação de grave dependência,
              foi possível perceber a carência de pessoal técnico e a
              inadequação das instalações. A maioria daqueles pacientes
              estava, simplesmente, depositada no chão do pátio interno
              enquanto 3 ou 4 técnicos se esforçavam por auxiliá-los,
              vesti-los, limpá-los, etc. Deprimente. Neste mesma unidade, os
              deputados Rolim e Gabeira encontram dois internos com sídrome de
              down e um outro portador de surdez. Ao que tudo indica, nenhum
              deles deveria estar naquele hospital e naquela unidade. A presença
              deles ali vinculava-se, pelo que se pode apurar, a uma situação
              social de abandono e/ou miséria. Um dos meninos com a síndrome
              de down estava com o braço engessado e com indicação para
              cirurgia. A instituição, entretanto, relatou estar enfrentando
              inúmeras dificuldades nos casos de encaminhamento de pacientes
              para os hospitais gerais da região. Estes hospitais estariam se
              negando a receber membros da clientela da Casa de Saúde Dr.
              Eiras. 
              Há programas com a
              participação de familiares e a instituição mantém atividades
              externas com os pacientes. Deve-se destacar, positivamente, o fato
              de a instituição não reproduzir a lógica prisional ainda hoje
              tão comum. Deve-se registrar, também, a reclamação de vários
              pacientes quanto à qualidade da comida que estaria sendo servida. 
              No contato bastante
              cordial que mantivemos com a direção e corpo técnico um novo
              problema foi identificado: trata-se do emprego da
              eletroconvulsoterapia (ECT), procedimento mais conhecido como
              "eletrochoque". Perguntados sobre o emprego de ECT, a
              direção afirmou que, em determinadas situações, mediante
              prescrição médica, faz-se o uso de ECT. Os procedimentos
              recomendados para essa aplicação, de qualquer forma, excluem a
              necessidade de emprego de anestésicos, o que nos pareceu
              surpreendente. Perguntado a respeito, o diretor da instituição
              afirmou que o uso de anestésicos pode ser contraproducente diante
              dos efeitos terapêuticos pretendidos. Esta posição está
              sustentada em documento próprio intitulado "Normas Para o
              Uso da Eletroconvulsoterapia (ECT) na Casa de Saúde Dr. Eiras-
              Pacambi", ao qual tivemos acesso. 
              A instituição
              trata, também, de alcoolistas e drogatitos. Há uma unidade autônoma
              para tratamento de dependentes químicos, internados
              voluntariamente, cuja concepção geral baseia-se no isolamento e
              na metodologia dos grupos de Alcoólatras Anônimos (AA). 
              Maiores informações
              sobre a Casa de Saúde Dr. Eiras podem ser encontradas no anexo
              desse relatório. (Cópia do projeto terapêutico e do documento
              citado sobre ECT) 
                
              Clínica da Gávea
              S.A - 
              Nossa última
              visita no Rio de Janeiro deu-se na Clínica da Gávea, uma
              instituição privada com características manicomiais bastante
              visíveis e com capacidade para 360 (trezentos e sessenta) leitos.
              No dia de nossa visita, a casa contava com 318 (trezentos e
              dezoito) internos. O tempo médio de internação na Clínica é
              de 46 dias. O corpo técnico é formado por 22 médicos
              psiquiatras, 3 clínicos, 8 enfermeiros, 50 auxiliares de
              enfermagem, 04 terapeutas ocupacionais, 05 assistentes sociais, 04
              psicólogos, 01 fisioterapeuta; 01 dentista; 01 farmacêutico e 02
              nutricionistas. Quase todos os leitos são conveniados com o SUS. 
              O que primeiro
              ressalta na visita é a inadequação absoluta do prédio onde
              funciona a Clínica da Gávea. Trata-se de uma construção
              "morro acima" que se impõe como um labirinto. Não há
              espaço adequado para o deslocamento dos internos e boa parte dos
              "ambientes" são isolados por portas, cadeados e grades.
              Há uma sala de "triagem" ou coisa parecida onde os recém
              ingressos ficam isolados, sem acesso às áreas externas, por vários
              dias, à espera de um laudo. Entre os pacientes, as queixas são
              generalizadas. Reclamam da qualidade da comida, reclamam de maus
              tratos e alguns deles apontaram um funcionário (Wilton Rodrigues
              Chaves) como responsável por agressões físicas; reclamam que,
              em determinadas ocasiões, são retirados de seus leitos durante a
              madrugada e submetidos a banhos frios; reclamam que não possuem o
              direito de opinar, etc. Questionada sobre estes ítens, a direção
              nega a procedência das reclamações e declara sequer ter
              conhecimento delas. Seria, de fato, necessária uma investigação
              criteriosa para se saber o que há de verdadeiro nas reclamações
              feitas pelos internos. De qualquer maneira, parece evidente que
              reclamos dessa gravidade, recolhidos em conversas feitas
              separadamente com vários pacientes são sempre, no mínimo, um
              "sintoma" institucional significativo. Não se trata,
              então - conforme o sustenta determinada razão psiquiátrica, de
              atribuir aos internos uma eterna vocação ao delírio, mas de
              reconhecer em suas queixas mais sentidas um claro sinal de
              problemas produzidos e/ou agravados pela internação que devem
              ser enfrentados como desafios terapêuticos. 
              Pelo menos três
              internos relataram ao deputado Marcos Rolim terem passado por sessões
              de ECT naquela instituição. Perguntada sobre o tema, a direção
              afirmou que a prática de ECT está em desuso na instituição. É
              bem verdade que mesmo nessa negativa algumas contradições foram
              percebidas: um dos diretores afirmou que "só em último
              caso" a Clínica emprega o ECT; outro disse que "há três
              anos não há uma aplicação sequer"; um dos diretores
              afirmou que a instituição "não possui sequer a máquina",
              outro disse que "a máquina está guardada". Ficamos com
              a dúvida: a clínica aplica ou não aplica a
              eletroconvulsoterapia? 
              A clínica não
              realiza atividades externas com os pacientes, pelo menos não
              regularmente. O banheiro disponível para uma parte dos homens
              internos não contava com papel higiênico quando da visita.
              Perguntada sobre isso, uma das diretoras afirmou que os internos,
              quando necessitados, "devem pedir o papel higiênico".
              Os prontuários não possuem registro próprio do trabalho de
              assistência social. O deputado Marcos Rolim identificou,
              examinando alguns prontuários, um paciente com alta há cinco
              dias que permanecia internado. A impressão geral que ficou foi a
              de uma clínica sem projeto terapêutico, com extraordinárias
              limitações de infra-estrutura e dirigida por uma concepção que
              dificulta e/ou impede o desenvolvimento e a consolidação e vínculos
              afetivos com os internos. Um manicômio típico, em síntese. 
                
              
                
                  
                  VI - MINAS
                  GERAIS 
                  
                    
                 
               
              Estiveram em Minas
              Gerais os Deputados Marcos Rolim, Paulo Delgado, Fernando Gabeira
              , Dr. Rosinha e a assessora da CDH, Janete lemos. A caravana
              fez-se acompanhar pelo Dr. Mark Napoli Costa, Psiquiatra
              coordenador de Saúde Mental de Betim, pelo Dr. Fernando Galvão,
              Promotor de Justiça em Belo Horizonte, pela Dra. Larissa Souto
              Maior Promotora de Justiça em Vespasiano, pela Dra. Mirian Abu-yd,
              psicóloga e psiquiatra representante do Fórum Mineiro de Saúde
              Mental; pela Dra. Ana Marta Lobosque, psiquiatra também
              representando o Fórum Mineiro de Saúde Mental e por Maria Emília
              Silva, advogada, representando o Conselho Estadual de Direitos
              Humanos. Para um melhor aproveitamento do pouco tempo disponível
              e para que um número maior de instituições fossem visitadas, Os
              deputados Marcos Rolim e Fernando Gabeira dirigiram-se a
              Barbacena, enquanto os deputados Paulo Delgado e Dr. Rosinha
              ficaram em Belo Horizonte e região metropolitana. 
                
              
              Clínica Pinel:
              ‘aqui dão gravata à toa, à toa’ 
              Trata-se de clínica
              privada situada na Pampulha em Belo Horizonte (Alameda do Ipê
              Branco, 165) com 240 leitos, 220 deles conveniados com o SUS. A Clínica
              dispõe de 7 médicos plantonistas, 8 médicos assistentes, dois
              clínicos gerais, 9 enfermeiros, 4 psicólogos, 4 assistentes
              sociais, 4 terapeutas ocupacionais, um farmacêutico e um
              nutricionista. Conta, ainda, com 54 auxiliares de enfermagem e 12
              atendentes de enfermagem. Os pacientes têm acesso a um telefone público.
              Cerca de 10% deles recebem correspondência. Do total de pacientes
              internados, 64 estão lá há mais de um ano. A caravana enfrentou
              dificuldades para sua entrada na instituição o que só se
              viabilizou após consulta feita pela direção a seu advogado. A
              clínica responde em processo judicial pela acusação de cárcere
              privado. A situação que encontramos está marcada pela inadequação
              do prédio e pelas queixas que nos foram feitas pelos pacientes. Vários
              deles se queixaram da qualidade da comida servida e de maus tratos
              por parte dos funcionários. Ao que tudo indica, há um
              estranhamento bastante desenvolvido entre os profissionais e os
              internos o que parece estar traduzido em uma determinada indiferença
              nas relações cotidianas e em posturas agressivas repetidas como
              procedimentos de praxe. Isto pode ser demonstrado, por exemplo,
              pelo fato de que, com raras exceções, os pacientes sejam
              reconhecidos e nomeados. Um dos internos sintetizou esta reclamação
              afirmando: "Aqui eles dão gravata à toa, à toa" . 
                
              Clínica Serra
              Verde - entrar, só com a polícia 
              A caravana esteve
              no município de Vespasiano para visitar a Clínica Serra Verde.
              Logo de início, enfrentamos a primeira grande dificuldade: a direção
              da clínica não permitiu a entrada dos deputados Paulo Delgado e
              Dr. Rosinha. Em que pese todos os esforços realizados e os
              argumentos empregados, a decisão de impedir a entrada da Caravana
              havia sido tomada. Foi preciso que os Promotores requisitassem a
              presença da força pública (policiais militares) e que houvesse
              a ameaça de prisão dos diretores para que, finalmente, fosse
              permitida a visita da comitiva. A instituição funciona
              provisoriamente enquanto aguarda a realização de vistoria das
              autoridades da área. Seu prédio é totalmente inadequado. A Clínica
              não recebe pacientes novos há 4 anos e conta com 340 pacientes
              em leitos conveniados com o SUS. Dispõe do seguinte quadro: 7 médicos
              plantonistas, 11 médicos assistentes, 5 clínicos gerais, 101
              enfermeiros, 7 assistentes sociais, 7 psicólogos, 7 terapeutas
              ocupacionais, um farmacêutico e um nutricionista. Conta, ainda,
              com 56 auxiliares de enfermagem e 82 atendentes de enfermagem.
              Chamou a atenção dos integrantes da caravana a ausência de
              registro nos prontuários de qualquer atenção dispensada aos
              familiares. Foi difícil apurar informações precisas, primeiro
              pela existência de informações contraditórias prestadas por
              alguns profissionais que lá trabalham; segundo, pelo evidente
              temor desses funcionários em responder aos questionamentos dos
              parlamentares. Tivemos a impressão de que as relações de chefia
              e direção vigentes na Clínica são especialmente autoritárias.
              O diretor, Dr. Brandt, verbalizou enfaticamente sua contrariedade
              e insatisfação diante da própria realização da visita. 
                
              Clínica da
              Mantiqueira: 
              A primeira instituição
              que visitamos em Barbacena foi a Clínica da Mantiqueira,
              um Hospital Público com 229 leitos, 218 deles conveniados com o
              SUS. No dia de nossa visita havia 221 pacientes internados , sendo
              202 pelo SUS. A instituição dispõe de 7 médicos plantonistas,
              6 médicos psiquiatras, 3 médicos assistentes, 4 enfermeiros, 4
              psicólogos, 4 assistentes sociais, 4 terapeutas ocupacionais, um
              nutricionista, um farmacêutico e um dentista. O prédio é antigo
              e em razoável estado de conservação. Quando de nossa visita, não
              havia a presença do médico plantonista. Entre os internos, há
              uma visível combinação de doença mental e abandono social. A
              instituição oferece aos pacientes acesso a telefone. Os prontuários
              encontram-se em ordem. Há atividades externas com os internos e
              programas específicos com os familiares. Várias atividades são
              desenvolvidas com os internos não apenas na sala de TO, mas, também,
              em áreas abertas do próprio hospital como, por exemplo, em uma
              horta. Há um projeto em andamento de transferência de alguns
              pacientes asilares para lares abrigados. Em que pese as limitações
              estruturais observadas, nossa visita pode constatar o
              desenvolvimento de um projeto terapêutico de caráter
              ressocializador. 
              
                
                 
               
              
                
              Clínica Xavier: 
              Outra instituição
              visitada em Barbacena foi a Clínica Xavier. Trata-se de
              uma instituição privada com 120 leitos. Aqui, enfrentamos também
              dificuldades para obter autorização de entrada na instituição.
              Após cerca de 30 minutos de espera e somente após a chegada dos
              diretores foi possível entrar na Clínica e realizar a visita. O
              prédio onde funciona a Clínica Xavier é totalmente inadequado.
              Trata-se de um verdadeiro labirinto com uma infinidade de escadas,
              passagens e corredores. Há uma rígida separação entre as alas
              masculina e feminina e uma concepção disciplinar bastante
              tradicional. Vários pacientes se queixaram da qualidade da
              comida, de abusos medicamentosos e de sua situação de abandono.
              A Clínica possui a característica de ser administrada por uma
              família. Nos prontuários que pudemos examinar, foi possível
              identificar casos de pacientes com alta médica que permaneciam
              internados. Há vários pacientes cronificados pelo longo período
              de internação. As condições de higiene são razoáveis. A
              impressão que ficamos foi a de uma instituição tradicional com
              fortes traços manicomiais. Seguramente, muitos dos pacientes ali
              internados poderiam estar sendo tratados em serviços
              alternativos. Esta, aliás, parece ser uma das regras vigentes
              nessas instituições: as internações abusivas. 
              
                
                  
                    
                      
                        
                      VII – SÃO
                      PAULO 
                        
                       
                     
                   
                 
                A caravana,
                em São Paulo, contou com a presença dos Deputados Marcos Rolim,
                Dr. Rosinha e Fernando Gabeira acompanhados por Geraldo Peixoto,
                familiar, representando a associação Franco Baságlia; por
                Rubens Nascimento Bezerra, da comissão de reforma em Saúde
                mental de SP; por Sueli Pereira Pinto, do Conselho Regional de
                Psicologia; por Vera Lúcia Marques; por Anna Oliveira da ONG
                SOS saúde mental e por Carmen Silvia de Moraes Barros,
                Procuradora do Estado de SP. 
              
                
              JUQUERI, a realidade do abandono 
              A primeira instituição
              que visitamos em São Paulo foi o Hospital Psiquiátrico do
              complexo do Juqueri em Franco da Rocha. Hoje, cerca de 1.500 (um
              mil e quinhentos) pacientes estão internados em seus pavilhões.
              A maioria deles, cronificados pelo longo período de internação.
              Em nossa visita, contamos com o acompanhamento de um funcionário
              que, em que pese a sua boa vontade, não dispunha de informações
              mais detalhadas ou de dados estatísticos. Como estivemos no
              Juqueri durante o feriado de Corpus Cristi, não foi
              possível contatar com alguém da direção e levantar as informações
              necessárias. O que relatamos, então, expressa as principais
              impressões colhidas a partir da visitação às unidades e dos
              contatos feitos com os pacientes. 
              Já se afirmou,
              para enfatizar a importância daquilo que primeiramente possa
              parecer negligenciável, que "Deus habita os detalhes."
              Nas chamadas instituições totais, mais do que em qualquer outro
              espaço, nosso olhar deve estar atento para determinados signos
              que traduzem uma realidade de sujeição dificilmente revelada
              pelo discurso dos seus proponentes. Logo na sala de recepção do
              setor de emergência psiquiátrica do Juqueri, porta de entrada do
              sistema, há uma placa sobre a porta onde se lê: "O silêncio
              contribui para o bom andamento do serviço." Ora, os
              pacientes psiquiátricos já são normalmente confinados pelo que
              há de inapelável no silêncio manicomial. É comum que não lhes
              dirijam a palavra, que não respondam suas perguntas, etc. Pelo
              silêncio se afirma uma outra razão excludente pela qual os
              internos descobrem-se progressivamente expulsos do mundo da
              linguagem. Sua palavra, recebida sempre como um sintoma, deve então
              se ausentar do mundo vivido nos limites daquele espaço. Espanta,
              por isso mesmo, que a "ordem de serviço" não seja
              exatamente a oposta; algo assim que procurasse restringir o silêncio
              aos momentos imprescindíveis. Mas há outra advertência bastante
              significativa: junto ao balcão, afixada de tal modo que a
              clientela possa logo perceber, há uma outra placa onde se lê:
              "DESACATO - art. 331 - desacatar funcionário público no
              exercício da função ou em razão dela: pena 6 meses a 2 anos e
              multa. Código Penal." Muito bem. Estamos na sala de recepção
              de uma emergência psiquiátrica. Para este lugar serão trazidos,
              normalmente contra a sua vontade, pessoas portadoras de sofrimento
              psíquico em momentos de manifestação aguda de sua doença,
              entenda-se: em surto psiquiátrico. Ensurtados, os pacientes podem
              desenvolver condutas agressivas e não se pode esperar deles que
              tenham em mente a conduta tipificada pelo artigo 331 do Código
              Penal. Seus familiares, no momento em que conduzem o paciente,
              muito provavelmente estarão angustiados, temerosos e/ou
              estressados. Seguramente, terão demandas a fazer diante dos
              profissionais e as expressarão de maneiras nem sempre
              convenientes. Se este é o quadro, não seria de se esperar que os
              responsáveis pela recepção e pelo primeiro atendimento
              estivessem suficientemente bem preparados para lidar com uma
              circunstância que é, por definição, tensa? A opção
              realizada, não obstante, foi claramente aquela de sentido
              intimidatório. 
              Visitamos vários
              pavilhões. Em todos eles o mesmo quadro: pacientes detidos nos
              espaços internos das suas respectivas unidades; portas, grades e
              telas por todos os lugares; um número insignificante de
              atendentes - em média 3 ou 4 para cada grupo de 150 internos e um
              número ainda mais rarefeito de técnicos com formação de nível
              superior. O resultado é uma realidade de abandono revoltante. Em
              alguns pavilhões, com centenas de internos, observamos claramente
              a praxe de abusos medicamentosos. Os pacientes recebem a medicação
              diluída - o que além de facilitar o controle, impede qualquer
              artifício de recusa. Ela é distribuída em intervalos de tal
              forma que os internos passam a maior parte do dia adormecidos ou
              sonolentos. A expressão: "Estão calmos" parece ser a
              senha pela qual os funcionários se desencumbem de suas tarefas de
              interação. Entre os atendentes e os pacientes há uma relação
              de estranhamento radical o que é traduzido por uma distância
              afetiva notável. Os internos não recebem uma atenção
              individualizada e não dispõem de recursos terapêuticos
              elementares. Estão sós e esquecidos. Para todos os efeitos,
              existem por analogia. Como lembrança de humanidade. Alguns deles
              transitam nus por corredores gradeados; outros estão cobertos com
              panos ou túnicas oferecidas pela própria instituição. A
              loucura arrasta-se pelo Juqueri como um lamento. A instituição
              é o labirinto onde este lamento ecoa e se perde. 
              O complexo do
              Juqueri dispõe de uma área imensa. Os espaços abertos evocam
              beleza e paz. Os pacientes psiquiátricos estão confinados aos
              seus pavilhões e aos pátios internos. Ora, o desafio primeiro
              parece ser o de elaborar um projeto para todo o complexo que
              permita uma integração entre a comunidade e os pacientes. É
              preciso derrubar os muros do Juqueri em um duplo sentido: para que
              os internos possam usufruir das suas melhores possibilidades e
              para que a população da região possa encontrar ali um espaço
              de lazer e cultura. 
                
              Hospital de Custódia e Tratamento
              Psiquiátrico Prof. André Teixeira Lima 
              Após o Juqueri,
              aproveitamos a proximidade para conhecer o manicômio judiciário
              de Franco da Rocha. Fomos muito gentilmente recebidos pela sua
              diretora que nos acompanhou na visita. Nessa instituição estavam
              alojados 621 homens e mulheres para uma lotação de 400 vagas,
              segundo as estimativas oficiais. A superlotação é aqui um
              problema sério e a lotação máxima cairia abruptamente se fôssemos
              calculá-la de acordo com os requisitos para um razoável
              tratamento de saúde. Os alojamentos coletivos dispõem de leitos
              que estão "colados" uns aos outros. Ao que tudo indica,
              os internos são medicados "coletivamente"; vale dizer:
              sem a necessária atenção individualizada. O exercício da
              sexualidade, como em todas as instituições manicomiais, está
              interditada aos internos. A situação só não é ainda mais
              grave por conta dos esforços da atual direção que desenvolveu
              uma unidade paralela destinada a preparação da "alta
              progressiva" dos internos. 
                
              Casa de Custódia e Tratamento
              Arnaldo Amado Ferreira 
              Em nosso
              segundo dia de visitas em São Paulo fomos a Taubaté para
              conhecer outro manicômio judiciário. Fomos recebidos pelo
              diretor, Dr. Pedrosa, que nos acompanhou. A Casa de Custódia
              estava com 244 internos, todos pacientes psiquiátrico com medidas
              de segurança. No mesmo conjunto de prédios e pavilhões funciona
              um "anexo" onde estavam recolhidos mais 160 pessoas. O
              perfil desses internos, não obstante, é totalmente diverso:
              trata-se de um conjunto de presos comuns "inadaptados"
              ao sistema penitenciário, ameaçados de morte ou com histórico
              de indisciplina e delitos graves cometidos nas prisões paulistas.
              Tanto os presos do anexo, como os pacientes psiquiátricos estão
              confinados em celas individuais. Apenas em uma galeria há
              pacientes agrupados dois a dois nas celas. As celas são espaços
              minúsculos -verdadeiros cubículos- onde os internos dispõem de
              um colchão e de um sanitário sem vaso. (também conhecido por
              "Boi") Em algumas galerias, o controle da descarga
              encontra-se no corredor de tal forma que são os agentes e
              monitores que as acionam. O acesso às celas não é gradeado.
              Suas portas são compactos em ferro e madeira onde se fez constar
              uma abertura retangular - do tamanho suficiente para que um prato
              de comida possa ser oferecido aos internos em suas celas. Esse
              espaço é fechado ou aberto por fora, com o manuseio de uma
              tranca. Os internos, assim, não estão apenas isolados. Estão,
              também, invisíveis. 
              Para uma população
              geral de 404 internos, a instituição conta com 6 médicos, sendo
              4 psiquiatras e 2 clínicos. Dispõe ainda de: 04 psicólogos; 04
              assistentes sociais e um dentista. Não há terapeutas
              ocupacionais, não há nutricionistas ou outros profissionais
              habilitados de nível superior. Dentro da instituição há inúmeros
              espaços e pátios internos. Com exceção de uma pequena horta
              cultivada, todos os demais pátios são desertos. O diretor nos
              informou que aqueles espaços permanecerão desertos por
              "motivo de segurança." O argumento sustenta que os
              internos poderiam esconder estiletes entre as plantas. A instituição
              conta com uma pequena sala de terapia ocupacional onde alguns
              internos pintam e produzem artesanato. A maioria dos internos
              trabalha, de alguma forma, na instituição. Há duas unidades
              produtivas na Casa de Custódia. Uma delas trabalha com acabamento
              de peças plásticas para automóveis e a outra monta cartelas com
              botões. Os demais presos trabalham na capina, varrem o prédio e
              se envolvem em outras tarefas de manutenção. Há um gabinete
              dentário e um serviço próprio de próteses dentárias. Não foi
              possível apurar quantos internos já foram beneficiados por próteses.
              De qualquer forma, parece importante registrar que este foi o único
              serviço do tipo encontrado pela Caravana. Tendo em conta que os
              pacientes internados nas instituições psiquiátricas brasileiras
              são, em regra, muito pobres e que possuem dentes em péssimo
              estado (quando os possuem), um serviço de prótese dentária
              deveria ser considerado um recurso básico e obrigatório. Um
              recurso técnico que seria funcional à promoção da auto-estima
              dos pacientes e que lhes asseguraria uma vida melhor. 
              O escândalo da
              Casa de Custódia encontra-se precisamente no fato de os pacientes
              psiquiátricos estarem presos e isolados em celas. Com essa
              estrutura e com a toda a praxe de sujeição que lhe acompanha os
              pacientes não podem encontrar o tratamento que precisam. Pelo
              contrário, a circunstância de isolamento celular só pode trazer
              complicadores para a saúde mental dos internos. Aqui, como em
              todos as outras instituições, as chamadas "visitas íntimas"
              são vedadas. Assim, por uma decisão administrativa, o direito ao
              exercício da sexualidade é arbitrariamente suprimido. Trata-se
              de uma nova condenação, não prevista por qualquer lei e que
              contraria frontalmente os direitos e garantias individuais
              assegurados pela Constituição. Quando nos deslocávamos da Casa
              de Custódia e atravessávamos o último corredor em direção à
              saída, um dos internos passou a bater em sua cela enquanto
              gritava sem parar: -"Fim da tortura humana, fim da tortura
              humana, fim da tortura humana..." Seu protesto desesperado,
              possivelmente enlouquecido, encerrava nossa visita e a própria
              caravana como uma síntese no interior da qual é possível
              identificar uma redundância; a tortura, afinal, é uma prática só
              construída pelos humanos. 
                
              
                
                  
                  RECOMENDAÇÕES 
                  
                    
                 
               
              Apresentamos, a
              seguir, algumas sugestões ao Ministério da Saúde e às
              autoridades locais nos estados que , nos parecem, podem contribuir
              para a superação de parte das dificuldades que encontramos.
              Sabemos que os problemas referentes à reforma psiquiátrica no
              Brasil são complexos e demandam um período de transição capaz
              de permitir que o antigo modelo hospitalocêntrico e asilar seja
              superado por um novo modelo capaz de oferecer aos portadores de
              sofrimento psíquico condições efetivas de tratamento e integração
              social. As recomendações que fazemos, então, possuem o evidente
              sentido de caracterizarem medidas possíveis e preliminares que
              permitam avançar na construção desse novo modelo. Em torno
              delas e de outras sugestões possíveis, consideramos que seja
              possível a conjugação de esforços entre a Comissão de
              Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e o Ministério da Saúde,
              tanto quanto uma ação supra-partidária envolvendo deputados da
              situação e da oposição. A plataforma de humanização na atenção
              psiquiátrica brasileira, afinal, tanto quanto o próprio ideal
              dos Direitos Humanos, transcendem felizmente toda e qualquer
              limitação político-ideológica. Com essa disposição,
              sugerimos: 
              I - Que o Ministério
              da Saúde se posicione publicamente em favor da reforma psiquiátrica
              brasileira emprestando seu apoio a todas as tratativas políticas
              necessárias para a aprovação da LEI DA REFORMA PSIQUIÁTRICA
              ainda este ano. 
              II - Que o ministério
              da Saúde convoque imediatamente a III Conferência Nacional de Saúde
              Mental. 
              III - Que o Ministério
              da Saúde realize uma auditoria nacional nas clínicas e hospitais
              psiquiátricos brasileiros; 
              IV - Que o Ministério
              da Saúde desenvolva uma política específica que desestimule as
              internações psiquiátricas abusivas e desnecessárias
              remunerando serviços de atenção em saúde mental, inclusive
              aqueles eventualmente mantidos por clínicas e hospitais, de
              natureza ambulatorial e comunitária. 
              V - Que o Ministério
              da Saúde elabore uma política específica de atenção e auxílio
              aos familiares de doentes mentais comprovadamente carentes
              remunerando seus cuidados em um valor de aproximadamente 50% da diária
              hoje repassada aos hospitais. Com essa medida, entendemos que
              milhares de pacientes poderiam ser efetivamente cuidados no âmbito
              de suas relações familiares sem que isso signifique um
              transtorno. Por óbvio, uma medida dessa natureza deveria se fazer
              acompanhar por um intenso trabalho de preparação e
              esclarecimento das famílias. Entendemos que uma solução do tipo
              cumpriria, ainda, um relevante papel social amparando famílias em
              situação de miséria. 
              VI - Que o Ministério
              da Saúde fortaleça todos os serviços alternativos à internação
              psiquiátrica, notadamente os NAPS e CAPS, generalizando experiências
              do tipo para todas as regiões. 
              VII - Que o Ministério
              da Saúde realize um levantamento minucioso a respeito do consumo
              de medicamentos nas clínicas e hospitais psiquiátricos
              brasileiros; 
              VIII - Que o Ministério
              da Saúde elabore uma portaria específica regulamentando o
              emprego de eletroconvulsoterapia (ECT) no Brasil no sentido de
              restringi-la ao máximo. Que este normativa estabeleça claramente
              a indicação médica exclusiva para casos de depressão gravíssima;
              que exija o parecer prévio de uma junta interdiciplinar
              independente; que disponha sobre os procedimentos de consentimento
              informado aos familiares; que determine a obrigatoriedade do uso
              de anestesia, etc. 
              XIX - Que o Ministério
              da Saúde e o Governo Federal elaborem uma campanha nacional de
              combate ao preconceito contra os doentes mentais combatendo os
              mitos da periculosidade e da incapacidade civil dos pacientes
              acometidos de sofrimento psíquico; 
              X - Que o Ministério
              da Saúde elabore política específica para generalizar a experiência
              de lares abrigados para pacientes que perderam seus vínculos
              familiares; 
              XI - Que o Ministério
              da Saúde estabeleça um prazo para que os pacientes dependentes
              químicos (alcoolismo e drogaditos) sejam todos transferidos para
              instituições ou centros de tratamento de natureza não psiquiátrica; 
              XII - Que o Ministério
              da Saúde elabore uma portaria específica proibindo a realização
              de neurocirurgias em pacientes psiquiátricos; 
              XIII - Que o Ministério
              da Saúde, após vistoria criteriosa, estabeleça termo de
              ajustamento com as clínicas e hospitais onde se verificar a vigência
              de uma concepção prisional e asilar no trato com os doentes
              mentais sob pena de descredenciamento. 
              XIV - Que as Clínicas
              Psiquiátricas visitadas pela Caravana em Goiânia sejam as
              primeiras a serem vistoriadas e que se avalie a possibilidade de
              descredenciá-las da Psiquiatria IV (o mais alto nível de
              credenciamento do Ministério) para outro inferior enquanto não
              se adequarem. 
              XV - Que a Clínica
              São Paulo, visitada pela Caravana em Salvador (BA) seja
              imediatamente interditada. 
              XVI - Que o Ministério
              da Saúde, em ação conjunta com os Estados, elabore um diagnóstico
              preciso sobre a realidade dos manicômios judiciários
              brasileiros. 
              XVII - Que os
              deputados que subscrevem esse relatório obtenham por parte do
              Ministério da Saúde autorização para livre acesso a todas as
              instituições, públicas e privadas, de prestação de serviços
              na área de saúde mental. 
              XVIII - Que comissões
              estaduais indicadas pela próxima Conferência Nacional de Saúde
              Mental possam obter essa mesma autorização do Ministério para
              realizarem inspeções independentes e periódicas em clínicas e
              hospitais psiquiátricos brasileiros. 
                
              Além dessas
              recomendações ao Ministério da Saúde, a Comissão de Direitos
              Humanos da Câmara Federal estará oficiando as autoridades
              estaduais, governos locais, Assembléias Legislativas e Ministério
              Público, para que outras medidas ao alcance dessas instituições
              possam ser tomadas no prazo mais curto de tempo. 
                
              
              Atenciosamente, 
                
               Deputado Marcos Rolim
              (PT/RS) 
              Presidente da Comissão de
              Direitos Humanos 
                
              Deputado Fernando Gabeira (PV/RJ) 
              Membro da Comissão de Direitos
              Humanos 
                
              Deputado Paulo Delgado (PT/
              MG) 
              Autor do projeto original da
              Lei da Reforma Psiquiátrica 
                
              Deputado Dr. Rosinha (PT/PR) 
              Autor da Lei Paranaense de
              Reforma Psiquiátrica 
              
                
                
              Agradecimentos 
                
              Para que a I Caravana
              Nacional de Direitos Humanos se tornasse possível, foi necessária
              a ajuda de muitas pessoas e entidades. Seria impossível mencioná-las
              todas. Alguns agradecimentos, não obstante, devem ser registrados
              como forma de reconhecimento da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. 
              1 – Deputado Michel Temer,
              presidente da Câmara dos Deputados 
              2 - Ivone Magalhães Duarte ,
              assessora da CCDH 
              3 - Movimento da Luta
              Antimanicomial, em especial ao Marcos Vinícius 
              4 - Assembléia Legislativa do
              Amazonas 
              5 – Assembléia Legislativa de
              Goiás 
              6 - Comissão de Direitos
              Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia 
              7 - Comissão de Direitos
              Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro 
              8- - Ministério Público de
              Pernambuco 
              9 - Ministério Público de São
              Paulo 
              10 - Ministério Público de
              Minas Gerais 
              11 - Dra. Esther Correia 
              12 - Cristina de Fátima Nunes
              Queiroz – Chefe de Gabinete da Presidência da Câmara 
              13 - Jucélio Roberto dos Santos
              – Apoio administrativo da Diretoria Geral da Câmara dos
              Deputados 
              14 - José Messias Castro Silva
              - servidor do Serviço de Administração do Departamento de
              Comissões da Câmara dos Deputados 
              
                
              ------------------------------------CDH
              – Márcio M. Araújo – Reg. FENAJ 1.690/09/90-DF 
               
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