1. Introdução.
2. O que é acesso à justiça?
3. Barreiras ao acesso à justiça: econômicas,
sociais, culturais e jurídicas.
4. A Internet facilitando o acesso à justiça.
4.1 Considerações gerais.
4.2. Interrogatório on-line.
4.3 As home pages do Poder Judiciário.
4.4. As home pages fora do Poder Judiciário.
4.5. O correio eletrônico e as listas jurídicas.
4.6. A Lei 9.800/99: utilização do correio
eletrônico para a remessa de peças processuais
5. Conclusões.
1. Introdução.
Temendo o prejudicial e nocivo insulamento que
condena todas as ciências culturais que não apressam o passo
para – pelo menos – acompanhar o progresso da tecnologia, o
Direito demorou mas chegou a tempo para celebrar um conúbio com a
mais revolucionária das criações do engenho humano neste Século:
a informática. Os profissionais da jurisprudência, ciosos guardiões
de vetustas bibliotecas abarrotadas de volumes consagradores da
imprensa gutemberguiana, aos poucos foram sendo seduzidos pela
inovação que facilita o acesso às informações e facilita
ainda mais a reprodução (massiva ou individuada) dessas mesmas
informações, num processo de recuperação, de utilização e de
divulgação jamais esperado há cinqüenta anos. Primeiro foram
os computadores que transpuseram os umbrais dos grandes recintos
empresariais ou estatais, para invadir o templo dos escritórios
de advocacia ou os gabinetes dos juízes e demais agentes do
Direito. Uso quase assemelhado ao dado a uma máquina de escrever
mais sofisticada. Depois vieram os softwares mais
aprimorados e os recursos de multimídia. E, em seguida,
triunfalmente adentrou a Internet, provocando – esta sim – uma
verdadeira revolução nos costumes e nas técnicas dos operadores
jurídicos.
Fazendo jus à sua comentada vocação de
retaguarda, encapada pelo duvidoso manto da "segurança e da
prudência", coube ao Poder Judiciário entrar por último no
ritmo da grande rede mundial de computadores. Entretanto, sem medo
de sanção pelo pleonasmo, faça-se justiça à Justiça.
É que esta avançou tão celeremente na adoção dos mecanismos
virtuais, que hoje os vergonhosos atrasos na prestação da tutela
jurisdicional ficam na ficha de débito quase-exclusiva dos ritos
e dos atos processuais quinhentistas que ainda dão primazia à
documentação escrita, num estranho pacto do papiro com o
impresso, erguendo solenes barreiras ao inescondível pragmatismo
dos meios magnéticos atestadamente seguros. Mas, como
biblicamente está assentado que para cada fato há um tempo, não
custa esperar... Afinal, as medidas do tempo, que até bem pouco
tinham a sua menor fração consignada em segundos, agora são
expressas em bits.
Tecidas estas loas preambulares, o certo é que
a Internet tem sido manejada com rara felicidade para facilitar o
acesso ao Judiciário: quer pela elevação da qualificação dos
profissionais que labutam na seara jurídica; quer pelo
franqueamento de informações mais precisas e acessíveis acerca
dos atos processuais; e quer pela integração que propicia entre
os atores do processo, encurtando distâncias reais, sociais e
culturais.
2. O que é acesso à justiça?
Para guardar fidelidade ao tema proposto ao
desenvolvimento desta análise, necessário se faz uma célere
abordagem sobre a expressão que se apresenta mui freqüentemente
como um destacado escudo da cidadania: o acesso à justiça. O
assunto tem sido ocupação e preocupação dos mais destacados
juristas e filósofos da atualidade, embora a questão não seja tão
moderna como geralmente é apresentada. Sobre ele deitaram as suas
opiniões personalidades do quilate de MAURO CAPPELLETTI e JOSÉ
AUGUSTO DELGADO. Aquele, príncipe dos processualistas
italianos do corrente Século, a fazer referência às observações
deste sobre o palpitante tema. Este, renomado estudioso
brasileiro de cultura jurídica multifacetária, a tomar o jurista
peninsular como paradigma das suas reflexões para uma maior
abertura do Judiciário ao cidadão.
Mas, para dar vazão ao assunto acesso à
justiça, é preciso que pelo menos seja tentado um esboço do
que este bordão representa, formal e materialmente. Será que
teve acesso à justiça a pessoa que consegue ajuizar uma ação?
Ou será que somente pode ser dito que logrou esse status
alguém que efetivamente foi ao Judiciário em posição de
igualdade com os seus contendores, obtendo um provimento
equilibrado e a tempo de definir e dar efetividade aos seus
direitos? Justiça é sempre sinônimo de Poder Judiciário, como
costumeiramente é afirmado? As respostas não são fáceis.
Diz HORÁCIO WANDERLEY RODRIGUES que a expressão
em comento é deveras vaga, ensejando que a doutrina a ela ofereça
dois sentidos, válidos e não excludentes, atuando em
complementaridade: "o primeiro, atribuindo ao significante
justiça o mesmo sentido e conteúdo que o Poder Judiciário,
torna sinônimas as expressões acesso à justiça e acesso ao
Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da
expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma
determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser
humano.". Assim, tem-se que o primeiro dos aspectos
aqui reportados é mais frio e formal (justiça = Judiciário),
enquanto o segundo está fundado numa visão mais axiológica do
problema, entendendo e fazendo entender o acesso à justiça como
sendo o alcance de uma determinada ordem de valores e direitos
essenciais ao ser humano.
A propósito, MAURO CAPPELLETTI e BRYAN GARTH
asseguram que o acesso à justiça pode ser encarado como o mais básico
dos direitos humanos inseridos no contexto de um sistema jurídico
moderno e igualitário, comprometido com a garantia (e não apenas
com a proclamação) do direito de todos. Nesta linha de pensar, o
acesso à justiça não é somente um direito social fundamental,
crescentemente reconhecido, mas também o ponto central da moderna
processualística, já que o seu estudo pressupõe um alargamento
e um aprofundamento dos métodos e dos objetos do Direito atual.
No mesmo sentido, diz JOSÉ AUGUSTO DELGADO que " sendo o
acesso à justiça um direito fundamental do cidadão, há de se
tomar providências urgentes para torná-lo eficaz. Para tanto
conseguir, há de se impor séria modificação na estrutura das
vias de chegada do homem em busca de uma solução para o seu litígio,
especialmente, no tocante aos métodos e técnicas adotados para o
curso dos procedimentos.".
Assim, pode ser arriscada a afirmação de que
o acesso à justiça que tanto empolga os defensores da
cidadania e tanta revolta causa quando a ele são opostas
barreiras muito longe está de ser uma mera transposição burocrática
das regras de ingresso no Judiciário com alguma ação. É mais
verdadeira e contundente a afirmação de KAZUO WATANABE, para
quem não basta a simples admissão formal do reclamo do
particular ao poder estatal julgador, sendo imperioso, para a
efetivação do referido direito, que seja viabilizado o acesso
"à ordem jurídica justa".
E o que será "ordem jurídica
justa", à qual deve ser franqueado o acesso dos que pedem um
pronunciamento estatal decisório? De uma forma simples, pode ser
dito que é aquela que contemple oportunidades equilibradas para
os litigantes. Como conseguir esse equilíbrio, num contexto
socioeconômico e político de tantas desigualdades é que
constitui uma tarefa hercúlea, exigente de muito compromisso e de
muito estofo ético.
Se todos os problemas – como o que ora se
analisa – fossem resolvidos magicamente pelos editos oficiais,
seria muito confortável! Mas, como o trato envolve o querer das
gentes e as limitações das instituições políticas, por maior
que seja o número de instrumentos legais disponibilizados sempre
restará espaço a ser percorrido para que a efetividade dessas
normas seja realizada. E o menor caminho a ser percorrido entre o
que o Estado pode oferecer em termos legislativos e o que os cidadãos
esperam em termos de acesso à justiça é a adoção de princípios,
regentes do vácuo aqui comentado e, ao mesmo tempo, alicerçadores
de decisões equilibradas. Dito equilíbrio comporta até mesmo as
fragilidades do sistema e das pessoas que o operam, comprovando a
regra de que a justiça total é uma utopia,
conforme sugere o texto de JÚLIO CÉSAR TADEU BARBOSA: "O
ideal de uma justiça absoluta está além de qualquer experiência
histórica, e desta maneira pode-se deduzir que é impossível
determinar cientificamente o que seja justiça. Em outras
palavras, não é possível conceituar-se o ideal de uma justiça
absoluta baseando-se na experiência e em argumentos tão-somente
racionais. Neste sentido, por paradoxal que possa parecer, o ideal
de justiça absoluta é irracional, pois a ciência dita pura não
pode verificar os princípios fundamentais relativos ao que seja
justo ou injusto.".
3. Barreiras ao acesso à justiça:
econômicas, sociais, culturais e jurídicas.
Se a "justiça total" é uma utopia,
o acesso à "ordem jurídica justa" já acima comentada
é algo factível, mesmo que abissais sejam as desigualdades
sociais e econômicas. Difícil, porém não impossível. Necessário,
pois, para a viabilização desse direito fundamental à prestação
jurisdicional, a ruptura de algumas das barreiras que se interpõem
entre o particular e o Estado-juiz.
À análise.
O primeiro desses fatores impeditivos do acesso
à justiça tem matiz econômico. Com efeito, a movimentação
da máquina judiciária é inexplicavelmente cara. A expressão
inexplicavelmente é... explicável! Em um sistema
processual deveras burocratizado, com a supremacia dos atos
assentados em papel, o Judiciário brasileiro em nada difere, por
exemplo, do seu congênere Executivo: monopólio estatal para a
atividade de ambos; servidores com remuneração incompatível com
as suas responsabilidades e permanentemente atravessando deficiência
de treinamento, só para exemplificar as mazelas que atingem aos
dois. Só que a prestação das atividades que estão a cargo do
Executivo (educação e transporte, v.g.) sai infinitamente
mais barata para o particular do que o ingresso em juízo para a
realização de uma simples cobrança ou para a expedição de um
mero alvará. Os fatos – como las cartas – não
mentem jamais! Custas, honorários advocatícios e outras despesas
fazem a diferença.
Por paradoxal que possa parecer, no mundo onde
impera o capitalismo ou a sua variante do novo liberalismo, o
custo do litígio aumenta em proporção inversa ao valor da
causa, conforme dá conta BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS. Assim,
obstaculizadas (ou pelo menos dificultadas) são as chances de uma
tutela jurídica decente e eficaz para o operário, o aposentado,
o pequeno agricultor, o empregado doméstico, o consumidor, e o
habitante da periferia da urbe, por exemplo. Ficam, estes e outros
menos favorecidos, inibidos de receber a assistência
reequilibradora que lhe é devida pelo Estado-juiz. Modo inverso,
aos grandes grupos econômicos, detentores dos meios de produção,
serviços e comunicações, tudo é facilitado, já que dispõem
de legiões de bons advogados e as despesas processuais são
contabilizadas a título de "investimento especial". E não
se fale que a "assistência judiciária" formalmente
mantida por alguns entes públicos para atender aos miseráveis
supre o desnível ora comentado, pois, não raramente, essas
repartições funcionam de forma tão precária que parecem
tocadas pela maldição de, mesmo estando inseridas no organograma
do Executivo, receberem a "contaminação" das agruras
do Judiciário somente porque junto a este operam.
O custo do processo é elevado. As despesas e
taxas cartorárias; os honorários advocatícios e periciais e a
interrupção do labor de quem é parte ou testemunha são apenas
alguns dos empecilhos a que as pessoas economicamente frágeis
consigam chegar à justiça.
Há ainda outro fator que inibe o acesso à
ordem jurídica justa. Cuida-se da maior ou menor freqüência de
certas pessoas ou grupos no trato das querelas judiciais. É o que
MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH, com apoio em MARC GALANTER,
chamam de "litigantes habituais" e "litigantes
eventuais.". Para a professora paraense ANA CLÁUDIA BASTOS
PINHEIRO, é grande a diferença de resultado entre os litigantes
habituais (em razão da sua superioridade econômica, acostumados
a transitar pelos meios cartorários e devidamente assistidos por
advogados inseridos no cotidiano forense e com fácil chegada a
serventuários e a magistrados) e os litigantes eventuais,
configurados naquelas pessoas que "vez por outra têm algum
direito violado, mas resistem a recorrer às vias judiciais, em
razão do ceticismo que assola a grande massa consumidora de justiça".
Outro obstáculo que se apresenta ao acesso à
justiça é o de cunho social, que apesar de ser passível
da análise autônoma, está umbilicalmente atado aos óbices de
índole econômica. Com efeito, ainda que seja nas camadas mais
humildes da população que se apresentam os maiores índices de
atentados aos direitos subjetivos dos cidadãos, têm estes uma
espécie de temor às coisas do Judiciário, não raro achando que
para aquela seara somente são levados na condição de demandados
e assim mesmo em processo penal. A demonstração dessa lastimável
aliança (fatores sociais e fatores econômicos atuando juntos
para obstaculizar o acesso à justiça) fica mais evidente quando
é constatada a presença de algum familiar ou alguém ligado por
amizade que labuta na advocacia. De repente a pessoa pobre se
sente animada a ir à Justiça na defesa dos seus direitos,
diminuindo o receio de ter que arcar com somas além das suas
disponibilidades e confortada por estar tão próxima de alguém
para ela havida como "importante" por dominar um campo tão
inatingível como os meandros do Judiciário.
Ainda na mesma linha dos obstáculos aqui já
analisados, apresenta-se o fator cultural como mais um
abismo desunindo o povo e a justiça. Ir ao Judiciário em defesa
de algum interesse seu é coisa para ricos, cultos ou iniciados
nas artes forenses. Assim é que é "vendida" a idéia
às pessoas mais distanciadas da informação acerca desse
atributo da cidadania. Não raro é invocada a máxima "é
melhor um péssimo acordo do que uma ótima questão",
retrato puro do conformismo que só beneficia as camadas mais
poderosas ou influentes da sociedade, em franco desfavor dos mais
humildes. Há também o receio de a pessoa ser tomada no meio onde
vive como dotado de personalidade litigante, ou, no dizer do
vulgo, "bronqueiro", perturbador ou arengueiro.
As exceções a essa onda de afastamento da
justiça das camadas menos influentes está na efetivação da
educação do povo acerca dos seus direitos mais fundamentais –
mercê o da cidadania. Assim, noções sobre Direito do Consumidor
e sobre Direito Ambiental, por exemplo, quer sejam veiculados
através de currículos escolares ou informalmente pelos meios de
comunicação social, plantam no âmago das pessoas o gérmen da
rebeldia, estimulando-as até mesmo a procurar um canal remoto
para receber a tutela jurisdicional difusa, como é o caso do
Ministério Público. Isto vem a demonstrar, concordante com a
opinião de HORÁCIO WANDERLEY RODRIGUES, que a estrutura
educacional e os meios de comunicação social exercem um papel
fundamental no que se refere ao acesso à justiça. Por um lado,
devem esclarecer quais são os direitos fundamentais do indivíduo
(visto isoladamente) e da coletividade e quais os instrumentos jurídicos
hábeis para sua reivindicação e proteção. Por outro lado,
devem estimular uma cultura de busca da efetividade desses
direitos, através de uma educação (formal ou informal) para a
cidadania, passando pela assimilação da idéia fulcral de que o
respeito aos direitos passa pela consciência de que seu
desrespeito levará à utilização dos mecanismos estatais de
solução dos conflitos.
Mas, para que não se imagine que os óbices
apresentados à chegada do particular à tutela jurisdicional são
todos aparentemente exógenos, ou seja, sediados em searas
apontadas como da responsabilidade do Poder Executivo ou da
sociedade "leiga", é bom que seja destacado, em mea
culpa, que o próprio Judiciário constrói e mantém
barreiras quase inexpugnáveis para que o povo chegue aos seus sítios.
Vejamos alguns desses obstáculos.
Já foi dito linhas acima que o elevado custo
de uma demanda judicial é algo realmente inexplicável, já que
os serviços de cunho oficial que são prestados pelos outros
poderes não desafiam tão alto desembolso. A prestação
jurisdicional é cara e lenta, o que a torna – por si só –
insuficiente e ineficaz. A lerdeza crônica que assola os
mecanismos de concessão da tutela jurídica é a mais solerte
negação da própria justiça. Mas, muito pouco tem sido feito
para desmanchar essa imagem quelônia que persegue e emblematiza o
serviço judicial, a não ser através de soluções pontuais. A
estrutura continua "pesada"...
Louve-se, no entanto, o aparecimento dos
Juizados Especiais e a difusão das soluções consensuadas, que são
luzes ainda diminutas no imenso túnel de escuridão que
representa a atividade jurisdicional. Estes mecanismos auxiliaram
– e muito – a ruptura do espesso conservadorismo que reveste o
Judiciário, dando ensanchas para a diminuição da hegemonia do
documentalismo impresso e abrindo espaço para novos métodos e técnicas
de franquear ao povo o acesso à justiça e, mais precisamente, à
"ordem jurídica justa", conforme já foi antes
comentado.
4. A Internet facilitando o acesso à justiça.
4.1. Considerações
gerais.
Barreiras sociais, barreiras econômicas,
barreiras culturais, barreiras jurídicas e outras barreiras
impedindo o particular de ter acesso à justiça. Ainda são tíbias
as iniciativas para remover os óbices seculares aqui listados.
Entretanto, é inegável que o uso da informática no Direito tem
ocupado, até com louvável ousadia, o espaço outrora exclusivo
da burocracia que se funda no tripé papel-tinta-carimbo. Acerca
dessa evolução (ou quiçá revolução), ocupou-se o
primeiro item deste ensaio. Será buscado, nesta quadra do
trabalho, uma aligeirada análise de como a Internet tem contribuído
nesse contexto de informatização do Judiciário, com destaque
para os pontos onde a grande rede tem suscitado maiores polêmicas
ou gerado maiores benefícios.
4.2. O interrogatório
on-line.
Colhe-se, nesta ocasião, duas situações
concretas da utilização dos recursos da informática para a
realização de interrogatórios criminais à distância, com o
auxílio do modem, mesmo equipamento usado para a transmissão de
dados via Internet.
No primeiro desses casos, em 1996, na Comarca
de São Paulo(SP), o então Juiz de Direito LUIZ FLÁVIO GOMES
instrumentalizou-se para realizar – e de fato realizou –
interrogatórios à distância, com o magistrado ficando em sala
própria, nas dependências do fórum e o interrogado restando no
interior do presídio, também em sala adequada. Num e noutro
pontos, terminais de computador interligados entre si. No presídio,
um servidor do Judiciário a apresentar as perguntas feitas pelo
juiz e, em seqüência, a digitar as respostas oferecidas pelo
preso.
O acontecimento não foi esquecido pela
imprensa, a exemplo da Folha de São Paulo, que reservou intenso
espaço para noticiar a novidade. Igualmente o fato não passou
despercebido aos estudiosos do Direito, que dedicaram críticas
contundentes à inovação, taxando-a, dentre outros epítetos, de
"cerimônia degradante". Já outros segmentos da
comunidade jurídica saudaram a iniciativa como meio de agilização
dos processos penais, tudo sendo traduzido em benefício do próprio
acusado, que teria abreviado o tempo de prisão provisória. O
Professor LUIZ FLAVIO BORGES D’URSO fez publicar incisivo
artigo, onde destaca: "Vozes de todos os cantos do país
levantam-se contra essa experiência, pois sob o manto da
modernidade e da economia, revela-se perversa e desumana,
afastando o acusado da única oportunidade que tem ele de falar ao
seu julgador, trazendo frieza e impessoalidade a um interrogatório
que poderia, caso aceito, ser realizado por telégrafo, nada
diferenciando-se deste.". E mais adiante verbera BORGES
D’URSO: "A ausência da voz, do corpo e do ‘olho no
olho’, redunda em prejuízo irreparável para a defesa e para a
própria Justiça, que terá de confiar no Diretor do presídio ou
n’outro funcionário, que fará a ponte tecnológica com o
julgador.".
Justificando a sua ação, o LUIZ FLÁVIO GOMES
afirma ter optado pela solução informática em razão da
realidade forense que só permitia que os interrogatórios de réus
presos fossem marcados com a antecedência de dez dias úteis,
lapso temporal que poderia ser mitigado com a realização do
interrogatório via computador, este sim, passível de ser
operacionalizado em vinte e quatro horas a contar do recebimento
da denúncia. Nesta linha de raciocínio, o interrogatório pela
via agora discutida evita a expedição de ofícios, requisições,
precatórias e outras providências semelhantes, permitindo a
oitiva de uma pessoa em qualquer ponto do país, sem a necessidade
do deslocamento "real" desta, sendo eliminados riscos
para o preso (que pode ser atacado quando transportado) e para a
própria sociedade, já que a modalidade previne acidentes e evita
fugas. E prossegue GOMES: "O transporte do preso envolve
gastos com combustível, uso de muitos veículos, escolta, muitas
vezes gasto de dinheiro para o transporte aéreo, terrestre etc. O
sistema do interrogatório a distância evitaria todos esses
gastos. Representaria uma economia incalculável para o erário público
e mais policiais nas ruas, mais policiamento ostensivo, mais
segurança pública.".
Posição diferente é defendida por NILZARDO
CARNEIRO LEÃO, para quem o interrogatório do acusado tem que ser
pessoal e oral, sendo excluída a via informática. Também contra
o interrogatório on-line assume posição DIRCEU AGUIAR CINTRA
DIAS JÚNIOR, que invocando o Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos (artigo 9, III) e a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (artigo 8, I), assevera ser direito do preso ser
levado imediatamente à presença de um juiz, para ser ouvido com
todas as garantias.
Parece que a solução do conflito entre tão
bem postas idéias passa pela moderação da análise: nem um
modernismo que desprestigie os mais basilares direitos do homem
(tais como a presunção de inocência, o devido processo legal, a
publicidade dos atos do processo que o envolve e a possibilidade
de contato eficaz com o juiz), nem um reacionarismo que dê
primazia à literalidade dos editos garantidores do cidadão.
A iniciativa do então juiz paulista LUIZ FLÁVIO
GOMES, buscando socorro na informática para solver as agruras que
cercam um juiz criminal normalmente desassistido de meios para
implementar justiça a tempo e a modo, em respeito aos direitos e
garantias fundamentais do particular, só merece louvores. Merecem
reflexão e apoio as palavras explicativas da sua iniciativa:
"E se em algum dia, por sua causa, for possível antecipar a
liberdade de uma só pessoa, terá valido a pena a iniciativa.
Porque não existe humanidade e solidariedade mais profunda que
liberar o preso, quando tenha que ser liberado, antes da data que
a burocracia "normal" nos impõe.".
Entretanto, pelo que se noticia, a realização
do interrogatório que tanta celeuma criou operou-se através da
digitação remota das perguntas, para que fossem respondidas pelo
acusado em outro local, sendo em seguida também digitadas pelo
funcionário da Justiça, sendo tais informações passadas ao
computador do juiz. O acusado tendo acesso à pergunta escrita
pelo juiz (e a si reproduzida oralmente pelo funcionário) e o
magistrado tendo acesso à resposta oferecida pelo acusado apenas
depois de ter sido ela digitada pelo serventuário. Tudo muito
"frio", distante e excessivamente formal, demonstrando
pouca eficiência em tornar o interrogado mais próximo do
interrogador (pela via da informática), ainda que geograficamente
distantes um do outro. Faltou o olhar; o avaliar das expressões
corporais e faciais; o mudo pedido de clemência ou a demonstração
de arrependimento ou de insensibilidade moral que independem de
voz. Qualquer rudimento de psicologia judiciária indica a
validade, em situações como tais, do secular adágio chinês da
prevalência de uma imagem sobre mil palavras. Neste particular,
assiste razão a ANA SOFIA SCHMIDT DE OLIVEIRA ao dizer que o
interrogatório em comento não satisfaz. E dá os fundamentos:
"Os gestos, a entonação da voz, a postura do corpo, a emoção
do olhar, dizem por vezes mais que palavras. Mensagens
subliminares são transmitidas e recebidas. Importa o olhar.
Importa olhar para a pessoa e não para o papel.".
Pelas informações compiladas, o interrogatório
feito pelo então Juiz LUIZ FLÁVIO GOMES tem semelhança com o célebre
rol de perguntas que acompanha as cartas precatórias ou de ordem
(especialmente as oriundas da Justiça Penal Militar), adicionado
apenas da flexibilidade que tem o magistrado de redirecionar o
rumo do interrogatório a mercê das respostas oferecidas. Assim,
se institucionalizada a realização de interrogatórios como o
que ora se comenta através da Rede Mundial de Computadores, com o
uso de um protocolo tipo IRC (Internet Relay Chat), com o
uso exclusivo de linguagem escrita, em muito ficará comprometida
a autodefesa do acusado, desdobramento natural do princípio da
ampla defesa que está consagrado no texto constitucional pátrio
(art. 5º, LV), conforme lição de ADA PELLEGRINI GRINOVER, para
quem a autodefesa se bifurca em dois direitos decorrentes, o de audiência
e o de presença: "O primeiro traduz-se na
possibilidade de o acusado influir sobre a formação do
convencimento do juiz mediante o interrogatório; o segundo
significa a oportunidade de tomar ele posição, a todo momento,
perante as alegações e as provas produzidas, garantindo-lhe a
imediação com o juiz e as provas.".
Outro caso registrado pela crônica forense é
o do interrogatório realizado pelo Juiz de Direito EDISON
APARECIDO BRANDÃO na Comarca de Campinas (SP), onde aquele
magistrado usou elementos de vídeo e som, em tempo real, para
perfazer a comunicação com o acusado que restava em local remoto
(a prisão). E cercou-se aquele juiz de outros cuidados: deu um
defensor ao acusado, para acompanhá-lo na sala da prisão onde o
mesmo responderia às indagações que lhe eram transmitidas via
computador e nomeou outro defensor para acompanhar o ato
diretamente da sala do fórum onde ficou o magistrado. Assim, este
caso é bem diferente daquele outro acima noticiado. Pois bem.
Dois desses interrogatórios foram alvo de habeas corpus
impetrado ao Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, sob o
argumento de que o ato maculava diversas garantias e princípios
constitucionais, especialmente o da plenitude da defesa e o da
publicidade dos atos processuais.
O habeas aforado em prol de Wilkerson
Roberto Carlim teve como relator o Juiz BRENO GUIMARÃES, que
votou pela concessão da ordem (anulação do processo, desde o
interrogatório "virtual"), acatando os argumentos de
atentado aos preceitos constitucionais acima referidos. Já o HC,
com igual fundamento, que mirava a anulação do processo onde era
acusado Evaldo Aparecido dos Santos teve como relator o Juiz PÉRICLES
PIZA, que entendeu não ocorridos os óbices constitucionais
apresentados pelo Impetrante, dando especial destaque para o meio
manejado pelo juiz (som e imagem em tempo real): "Aqui há o
diálogo direto entre o Magistrado e o réu, de imagem e som,
sendo apenas a manifestação deste último formalizada, ao
depois, pelo escrevente-digitador, o que foi feito na presença de
um Advogado, o que garante a fiel transcrição da livre manifestação
de vontade do interrogando". (...) Restou, no caso,
certificado que ao paciente foi assegurada a liberdade de expressão,
não padecendo de qualquer constrangimento, manifestando-se
livremente e de forma espontânea (cf. f.), isto após receber
‘som e imagem do Magistrado’ conforme se vê dos autos.".
A ordem foi denegada, ensejando recurso ao STJ (nº 6.272-SP, Rel.
Min. FÉLIX FISCHER), onde não logrou sucesso à míngua da
demonstração de prejuízo.
Acerca da publicidade dos interrogatórios
feitos on-line, assegura EDISON APARECIDO BRANDÃO, em artigo onde
comenta a decisão do Superior Tribunal de Justiça acima
reportada, que a transmissão da videoconferência por protocolo
TCP/IP removeu qualquer dúvida quanto à acessibilidade do ato
pelo público, dês que "milhares e milhares de pessoas
poderiam assistir ao ato simultaneamente, como de resto inúmeros
atos são assistidos em nível mundial, simultaneamente, via
Internet.". Registre-se, para a inteiração da publicidade,
é imperioso que o recinto onde ficará o interrogado tenha o
acesso franqueado ao público em geral (e não somente àquelas
pessoas que tenham acesso a computadores), a não ser nos casos
excepcionais do resguardo do ato, conforme prevê o artigo 792, §
2º, do Código de Processo Penal.
É hora de ser admitido um relativo sacrifício
aos moldes tradicionais da realização dos atos judiciais
solenes, em prol da agilidade do processo e da prestação
jurisdicional mais célere. Acesso à justiça, relembrando mais
uma vez a lição de KAZUO WATANABE, é acesso à ordem jurídica
justa, que ficará mais perto de ser atingida, em matéria
criminal, com a adoção massiva dos interrogatórios on-line,
desde que observadas as cautelas mínimas aqui mencionadas.
4.3. As home pages do
Poder Judiciário.
As home pages, também chamadas de páginas
web, constituem um mix de revista virtual com outdoor
de apresentação de pessoas, produtos ou instituições que usam
a Internet para melhor facilitar a comunicação com a sua
clientela efetiva ou potencial. Assim, dado o elevado índice de
familiarização dos operadores jurídicos com os meandros e com
os mecanismos da Internet, deixa este trabalho de descer a
detalhes e explicações técnicas primárias acerca das referidas
páginas, voltando a sua atenção apenas para os destaques destas
como instrumento de facilitação do acesso à justiça.
Em 1996, quando tíbia ainda era a participação
da Internet no cotidiano da comunidade jurídica, afirmamos em
palestra acerca dos mecanismos postos à disposição do operador
do Direito na Rede Mundial de Computadores que as home pages
consistiam em uma excelente ferramenta de pesquisa, fazendo
destaque para os seguintes endereços: Centro de Ciências Jurídicas
da Universidade Federal de Santa Catarina (http://www.ccj.ufsc.br),
Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.gov.br)
e Justiça Federal do Rio Grande do Norte (http://www.summer.com.br/~jfrn).
Para que se tenha uma idéia da elementariedade da situação, nem
mesmo o Superior Tribunal de Justiça dispunha de site até
então. Passados apenas três anos, mudaram URLs e mudou a feição
das páginas, que àquela época funcionavam como meras
"revistas virtuais", divulgando serviços que somente
eram prestados no campo "real" e publicando peças de
doutrina ou julgados isolados de maior relevância. Atualmente a
feição das home pages dos entes do Poder Judiciário
é bem outra. A cada dia aprimoram os produtos nela veiculados,
mirando sempre evitar o deslocamento físico das pessoas até as
suas respectivas sedes. O crescimento do universo de usuários é
realmente espantoso. RENATO M. S. OPICE BLUM afirma em novembro de
1999 que o Brasil "já conta com 8 milhões de internautas e
com a perspectiva de movimentar US$2,7 bilhões no comércio eletrônico
até 2.003". Explicada, pois, a atenção especial dada pelos
entes públicos a tão numerosa clientela.
Somente à guisa de exemplo, a página do
Supremo Tribunal Federal já contabiliza, até 14 de novembro de
1999, exatos 3.217.241 (três milhões, duzentos e dezessete mil,
duzentos e quarenta e um) acessos, registros feitos a partir de
04.09.1996. Desde a sua entrada no ar, a página do STF vem
inserindo muitos serviços para cativar e para facilitar a vida do
usuário. Dentre estes, merecem destaque a jurisprudência da
Corte; as edições do Diário da Justiça; as decisões monocráticas
proferidas pelos Ministros, notadamente nas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade; a pesquisa integrada de jurisprudência,
através da qual o usuário lança palavras-chave que são
disseminadas imediatamente por um respeitável conjunto de repositórios
jurisprudenciais (à escolha do consulente), desde aqueles
mantidos por outros tribunais nacionais, até mesmo aos bancos
particulares de informações jurídicas, passando pela Biblioteca
do Senado Federal; o Informativo STF, com ágeis notícias das
decisões ou posições institucionais tomadas no âmbito da
Suprema Corte; e um excelente sistema de acompanhamento
processual, que tanto permite a consulta por iniciativa exclusiva
do interessado, como detém um mecanismo de relatório automático
(o STF- Push, que reclama apenas um cadastro do cliente para a
partir de então emitir uma mensagem eletrônica sempre que for
dado algum impulso processual ao feito cadastrado).
Outro importante link interno da página do
Supremo Tribunal Federal remete ao Banco Nacional de Dados do
Poder Judiciário, onde estão registrados os mais importantes
elementos para que se tenha um perfil confiável, em números, da
magistratura nacional e do trabalho por esta desempenhado. O
sucesso numérico do atendimento aos pedidos de prestação
jurisdicional convive com o superior insucesso nessa mesma área,
permitindo aos demais profissionais envolvidos na área jurídica
e especialmente ao cidadão leigo uma visão – nem sempre agradável
– da realidade da magistratura brasileira.
A página do Superior Tribunal de Justiça,
mais recente nos caminhos da Grande Rede do que a do Supremo
Tribunal Federal, também ostenta um razoável cardápio de serviços
úteis ao usuário técnico ou leigo. Assim, merecem destaque o
acompanhamento processual (convencional ou via push) e a
jurisprudência atualizada da casa, com o franqueamento das
imagens do inteiro teor dos acórdãos, o que vem a contribuir –
e muito – para o acesso eficaz à justiça (e à "ordem jurídica
justa"). Explica-se: um relevante contingente de advogados já
tem por praxe profissional realizar consultas minuciosas à
jurisprudência do STJ, analisando em detalhes os diversos
aspectos do relatório, do voto do relator e eventualmente do voto
vencido, mirando adquirir uma maior segurança acerca do
encaminhamento de uma demanda ou mesmo de uma consulta. Se não
existisse a Internet e através dela os profissionais não
tivessem acesso a essas informações, difícil seria uma pesquisa
de qualidade tão elevada, já que os repertórios
"reais" não teriam um banco de informações tão
completo e mesmo o seu reduzido universo demandaria tempo para ser
consultado, sem falar que pouquíssimos casos teriam o inteiro
teor do acórdão reproduzido. Pois bem. Tendo uma rota quanto
possível segura acerca dos posicionamentos jurisprudenciais da
mais elevada casa de julgamentos infraconstitucionais do País,
aos advogados fica mais confortável o encaminhamento das postulações
dos seus assistidos, quiçá optando por uma composição
extrajudicial. E tudo isso se reflete numa melhor qualidade da
justiça prestada, a uma porque são evitadas demandas temerárias;
a duas porque diminuindo o número de liças aventureiras no
Judiciário, restará este mais desafogado para prestar tutela de
melhor qualidade àqueloutros que dela realmente precisam. Haverá
maior espaço para o que CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO chama de efetividade
do processo, no seu nível positivo, sendo esta a capacidade
de exaurir os objetivos que o legitimam no contexto jurídico,
social e político, ou seja, a própria capacidade de compor os
conflitos e eliminar as insatisfações deste derivadas e que
animaram as partes ao litígio ou como entende FRANCISCO BARROS
DIAS, afirmando "que o processo deve ser apto a produzir o
melhor resultado possível, seja para a plena atuação do direito
material, seja para a satisfação integral das pretensões justas
do demandante, seja para a integral pacificação dos
litigantes.".
A Justiça Federal, Seção Judiciária do Rio
Grande do Norte, foi uma das pioneiras como integrante da primeira
instância do Poder Judiciário brasileiro a colocar no ar a sua home
page, no início de 1996. No começo, atuava – a exemplo
das congêneres – como uma espécie de cartão de apresentação
do judiciário federal à comunidade (laica e jurídica), com
informações institucionais, links interessantes, peças doutrinárias
e algumas decisões dos seus juízes. Depois foi sendo aperfeiçoada,
e ainda que conserve estes serviços, presta outros que em muito
contribuem para o acesso das pessoas à justiça, tais como o
indicativo da sua localização, com os números de telefones para
informações e o IP address (endereço eletrônico); o horário
de funcionamento e a tabela de plantões; mecanismo para o
requerimento de certidão da dívida ativa; confecção automática
de documento de arrecadação fiscal, a partir de dados ofertados
pelo visitante; sistema de acolhimento de petições via correio
eletrônico (instituído pela Lei 9.800/99); acompanhamento
processual deveras eficiente, com alimentação automática desde
a distribuição do feito. Assim, a exemplo que foi dito acerca do
barateamento do acesso à justiça a partir da diminuição das
despesas do advogado com o acompanhamento do processo, constitui a
home page em comento uma inequívoca contribuição à
aproximação das pessoas à justiça.
Destaque-se que a linguagem usada na elaboração
das páginas web acima mencionadas é um exemplo de como
devem ser confeccionados esses tão úteis instrumentos de
facilitação da chegada do povo à justiça e vice-versa. Clara e
desprovida de muito "juridiquês". As informações
institucionais, vazadas em vernáculo despido de pedantismo, têm
desmitificado a posição de isolamento do Judiciário em relação
à sociedade leiga. E isso por vezes anima o cidadão ou o responsável
pela pequena empresa (pequeníssima, micro às vezes) a bater às
portas da Justiça em busca do que entende direito. Esse caráter
didático de mostrar uma justiça acessível, que até o
surgimento da Internet não conseguiu ser implementado com eficiência
(apesar de esforços pontuais nesse sentido) é hoje uma realidade
inescondível.
Outro ponto positivo detectado com a popularização
das home pages oficiais e seus mecanismos de serviço é o
barateamento da prestação jurisdicional, no que diz respeito aos
custos operacionais da atividade do advogado, conforme já foi
pontuado em outra parte deste trabalho. Com efeito, até meados da
década de noventa, o advogado que interpunha recurso ao STF ou ao
STJ enfrentava uma tremenda dificuldade para acompanhar os passos
do processo. A árdua tarefa de conferir as notas de intimação
veiculadas no órgão oficial de imprensa por vezes não era
suficiente para uma eficaz atuação, não sendo raros os casos de
perda de prazo, com o evidente prejuízo da parte que esperava (im)pacientemente
pela tutela. Para os que podiam, restava a possibilidade de
contratar um escritório especializado estabelecido em Brasília
ou em outra cidade sede de Tribunal para seguir de perto o rumo do
processo, além de pagar pelos serviços de uma empresa de
clipagem do Diário da Justiça. Tudo isto implicava em custos
que, como é óbvio, eram trespassados ao litigante e que às
vezes preferia desistir da questão diante da elevação das
despesas. Mas com a implantação do acompanhamento processual
pelas home pages dos Tribunais, acrescido do serviço de
informações automáticas estimuladas pelos atos processuais
efetivamente praticados (push), a atividade advocatícia na
área recursal tornou-se mais barata e eficiente, abreviando o período
de incerteza da parte.
4.4. As home pages
fora do Poder Judiciário.
O caráter predominante de revistas jurídicas
virtuais atualmente deixou a seara das páginas web dos
Tribunais para ser domínio quase exclusivo das home pages
mantidas por instituições situadas fora do círculo oficial do
Poder Judiciário, ainda que com este guardem intimidade em decorrência
do concurso que prestam na entrega da tutela jurisdicional. Umas
estão situadas até mesmo no âmbito governamental, como é o
caso da que é mantida pelo Ministério da Justiça (http//www.mj.gov.br),
que dentre outros méritos tem o de manter arrolada entre os seus
serviços a divulgação integral de textos de anteprojetos de lei
que interessam de perto à sociedade civil, como é o caso do
anteprojeto da nova parte especial do Código Penal e do que
refere a uma lei sobre a proibição da venda de armas de fogo,
ambos (como outros) expostos às críticas e à colaboração
modificativa de quem tiver interesse para tanto. A cidadania
participativa que é estimulada na página do Ministério da Justiça
fatalmente se reverte em facilitação do acesso das camadas
sociais leigas à justiça, dês que estas passam a entender que
tendo participado do processo de elaboração de uma lei (ou mesmo
que apenas tenham sido consultadas para tanto), têm o direito de
pedir ao Estado-juiz a aplicação da chamada "ordem jurídica
justa". É a contribuição que é dada pela Internet para a
remoção do óbice de cariz social e cultural que inibe o cidadão
de chegar à justiça.
Outras páginas, a maioria delas criadas e
mantidas graças ao desvelo de profissionais do Direito, atuam
como verdadeiros repositórios de opiniões doutrinárias ou de
jurisprudências setoriais selecionadas. Exemplo aqui citado –
sem desprestígio dos demais empreendedores da área - em
homenagem à qualidade e à atuação desbravadora nessa seara é
a Teia Jurídica (http//www.teiajuridica.com), fruto do esforço
original do Juiz LÁZARO GUIMARÃES, que além de divulgar peças
doutrinárias e notícias que interessam aos profissionais do
Direito, mantém um interessante programa de cursos à distância
visando o aprimoramento dos operadores jurídicos. É óbvio que o
alcance de novas informações no campo do Direito reverte em prol
da melhor qualidade do trabalho de advogados, juízes,
procuradores, promotores, professores e alunos da referida ciência,
viabilizando assim o acesso cada vez mais eficiente, do
particular, à ordem jurídica justa. Sem dúvida, dada à rapidez
e à seleção que são a tônica das informações lançadas ao
ciberespaço através dessas páginas, é economizado o tempo que
seria aplicado nas pesquisas convencionais, tempo esse que pode
ser revertido, pelos atores do processo, em favor de uma prestação
jurisdicional mais célere.
Nessas autênticas revistas jurídicas virtuais
ocorre uma rápida e desburocratizada divulgação de idéias jurídicas,
melhorando o estofo intelectual dos profissionais, já que os
artigos, ensaios, teses, monografias, minutas de peças
processuais e outros escritos símiles são disponibilizados aos
leitores em curto espaço de tempo, evitando as intermináveis
esperas "no prelo". E tudo isto, como já foi dito,
reverte em prol da qualidade da prestação jurisdicional.
4.5. O correio eletrônico
e as listas de discussão.
Ainda que seja talvez o aspecto menos charmoso
da net – se comparado aos recursos técnicos e as animações
das home pages, por exemplo – o correio eletrônico
constitui um dos aparatos mais utilizados dentre aqueles postos à
disposição dos usuários da Internet. Mesmo lançado em formato
despido de fantasias ou adereços visuais, é uma espécie de
somatório da correspondência epistolar clássica (só que em
apresentação mais coloquial, dada a rapidez que exige no trato
das suas mensagens) com a conversação telefônica (sem a "fônica"
= sonora).
O correio eletrônico, com nome original electronic
mail e popularizado como e-mail, permite a integração
rápida e segura entre os profissionais do Direito, com a
transmissão de peças jurídicas ou mesmo a celebração de
contratos. A integração proporcionada por esta via de comunicação
é tão eficiente, que pessoas que jamais teriam o
"atrevimento" de telefonar para um jurista de renome
nacional (embora o número do telefone estivesse claramente
exposto na lista telefônica ou pudesse ser informado sem delongas
pela empresa operadora do serviço), sentem-se animadas a mandar
um e-mail ao douto, formulando a mais intrincada indagação
ou apresentando a mais frugal opinião. Muito ou pouco, mas os
frutos dessa comunicação meio "sem rosto" são
revertidos em benefício da boa qualidade da postulação e das
decisões proferidas em matéria judicial. Sai ganhando o povo.
Guardando semelhança com o e-mail estão
as mailing-lists, que entre nós ficaram conhecidas como
listas de discussão. São muitas as que tratam de temas jurídicos,
a exemplo da direito@elogica.com.br,
da faroljuridico@egroups.com,
da penal@news.com.br, e da amigos-juristas@egroups.com.
Nelas são discutidos assuntos que dizem respeito a casos
concretos; a certo ramo do Direito; aos posicionamentos
jurisprudenciais sobre um determinado tema etc. A celeridade com
que os debates acontecem e o ilimitado número de partícipes,
finda por oferecer uma gama tão elevada de informações (nem
sempre de boa qualidade, diga-se) que sem sombra de dúvida amplia
os horizontes do operador jurídico, às vezes até mesmo
alertando-o para aspectos dantes despercebidos. Crê-se até
desnecessário dizer que a interação fomentada pelas listas de
discussão termina beneficiando a eficiência da tutela jurídica
justa.
4.6. A Lei 9.800/99 e
o envio de peças processuais via correio eletrônico.
Objetivando dar regulamentação ao uso de uma
das ferramentas da Internet deveras úteis no campo da agilização
da prestação da tutela jurisdicional (facilitando assim o acesso
à justiça), o legislador brasileiro cuidou de editar um diploma
específico para envio e a conseqüente recepção de peças
processuais via fac-símile (fax) "ou outro
similar". Com efeito, apesar da relativa lacunosidade do
texto (art. 1º), não pode aparecer como meio mais próximo do
fax, para os excogitados fins, do que o correio eletrônico, já
que através das mensagens veiculadas por intermédio deste, tanto
podem ser corporificadas as peças processuais (petições,
recursos, contra-razões etc), como pode a transmissão das mesmas
ser feita em apensamento (attachment).
Sobre a possibilidade de remessa de peças
processuais ao juízo destinatário via e-mail, GUSTAVO
MANO GONÇALVES após diversos questionamentos assegura:
"Deduzimos, então, ser possível, de conformidade com o
permissivo da nova lei, a utilização de outros meios eletrônicos
ou informatizados, dentre os quais se destaca, pela intensidade e
extensão do seu uso nos dias atuais, a Internet e os correios
eletrônicos em geral.".
Não creio que se possa lançar dúvidas sobre
os benefícios que o manejo da predita lei trará para a efetivação
do acesso à justiça. É que uma peça processual (uma contestação,
por exemplo), que somente podia ser entregue, sob protocolo e
carimbo, na sede do juízo, atualmente já pode ser remetida pelo
correio eletrônico, ficando o advogado – por exemplo – com o
encargo de somente entregar os originais por lote, ao cabo dos
cinco dias da expiração do prazo para a prática do ato (art. 2º,
caput). O tempo que era aplicado com o deslocamento físico
escritório-sede do juízo será melhor aplicado na pesquisa ou na
realização de outras tarefas de satisfação dos interesses do
cliente, ampliando a possibilidade da chegada deste à "ordem
jurídica justa".
As virtudes da Lei 9.800 são tantas que
esmaecem as falhas redacionais porventura detectadas. E tanto é
útil à aceleração da prestação da jurisdição, que tendo o
diploma entrado em vigor no dia 26 de junho de 1999, já em 02 de
agosto de 1999 a Justiça Federal, Seção Judiciária do Rio
Grande do Norte, por inspiração e desejo dos seus magistrados,
colocou em vigor a Portaria nº 281, disciplinando a remessa de
petições via fax ou e-mail, dando regulamentação
ao texto legal em comento. Entretanto, o pioneirismo da dita
regulamentação, pelo que consta, é atribuído à 1ª Vara
Criminal de Campinas(SP), sob a presidência do Juiz EDISON
APARECIDO BRANDÃO.
5. Conclusões.
Ao fim de todas as observações aqui
deduzidas, é possível a tentativa de uma síntese conclusiva da
contribuição emprestada pela Internet para melhorar o acesso à
justiça. Vejamos:
A expressão "acesso à justiça" não significa a mera
oportunidade de alguém ingressar com uma ação em juízo, mas
sim a oportunidade de tomar chegada a uma "ordem jurídica
justa".
Por seu turno, "ordem jurídica justa" é aquela que
contempla oportunidades equilibradas para os litigantes.
Embora a justiça total seja uma utopia, é perfeitamente possível
o atingimento da "ordem jurídica justa", desde que
vencidas as principais barreiras que impedem o acesso à justiça:
as econômicas, as sociais, as culturais e as jurídicas.
As classes economicamente mais desfavorecidas têm menos
chances de conseguir uma tutela jurisdicional eficiente, já que
litigar custa muito caro para os seus padrões.
A atividade jurisdicional brasileira tem um custo muito
elevado, se comparados a outros serviços estatais (a educação e
o transporte, por exemplo).
As despesas e taxas cartorárias; os honorários advocatícios
e periciais e a interrupção do labor de quem é parte ou
testemunha são alguns dos fatores que respondem pelo elevado
custo do processo, configurando empecilhos para que as pessoas
economicamente frágeis consigam chegar à justiça.
Os "litigantes habituais" têm maiores oportunidades
no âmbito do Judiciário do que os "litigantes
eventuais", dada a familiarização daqueles com os meandros
do aparelho judicial. Advogados mais especializados, fácil acesso
a juízes e a serventuários são algumas dessas facilidades.
Intimamente ligados aos obstáculos de cunho econômico
estão os óbices de matiz social, já que nas camadas mais
baixas ainda existe uma espécie de temor às coisas do Judiciário,
tido pelas pessoas mais humildes como algo inatingível.
Outros obstáculos ao acesso à justiça têm feição cultural.
Assim, por exemplo, é difundida a idéia de que quem litiga com
certa freqüência em juízo é desajustado social, não raro
sendo sancionado no seu grupo com o epíteto de arengueiro.
A efetivação do princípio da educação ambiental e a
constante divulgação dos direitos do consumidor têm
trabalhado pela ruptura da barreira cultural acima referida, posto
que estimulada é a cidadania para a defesa de tais direitos.
A Internet tem facilitado deveras o acesso à justiça, em razão
da inovação de conceitos e valores que vem transmitindo à
sociedade, contribuindo em várias frentes para que o povo possa
atingir com maior facilidade a "ordem jurídica justa".
O interrogatório criminal on-line pode ser realizado,
em perfeita compatibilidade com a ordem constitucional vigente e
em harmonia com os mais caros princípios de proteção à pessoa
humana, desde que assegurado som e imagem nos ambientes onde estão,
respectivamente, juiz e interrogado.
As home pages mantidas por órgãos do Poder
Judiciário têm grande utilidade na facilitação da chegada do
cidadão à justiça, já que a maioria delas dispõe de serviços
que em muito agilizam o acompanhamento dos processos pela própria
parte, além de permitir o acesso ao acervo jurisprudencial dos
principais tribunais do País, aumentando assim a possibilidade de
sucesso das demandas ou até mesmo da realização de acordos
vantajosos que evitam querelas estéreis.
Também as home pages mantidas fora do âmbito do
Poder Judiciário, geralmente dirigidas por profissionais do
Direito (advogados, promotores, professores etc.) contribuem
deveras para a elevação da qualidade intelectual dos operadores
do direito, graças ao cabedal de informações doutrinárias e
jurisprudenciais que veicula..
O correio eletrônico também em muito tem auxiliado no acesso
à justiça, por permitir uma integração rápida e segura entre
os profissionais do Direito, com a transmissão de peças jurídicas
e até mesmo a celebração de contratos.
As listas de discussão são ferramentas do aprimoramento dos
profissionais do direito, contribuindo para uma maior segurança e
uma maior confiabilidade dos operadores jurídicos, tudo isto
revertendo em favor do acesso à "ordem jurídica
justa".
A Lei 9.800/89, pela leitura feita do seu artigo 1º, permite a
transmissão de peças processuais via correio eletrônico,
evitando o deslocamento físico do advogado (ou de um preposto
deste) até a sede do juízo para entregar as petições,
barateando assim o custo do processo e permitindo a utilização
do tempo sobejante para uma melhor qualificação
do profissional, em evidente ampliação das possibilidades de o
cliente atingir à "ordem jurídica justa".
6. Notas