ABC
da Cidadania
João Baptista Herkenhoff
DÉCIMO
CAPÍTULO
A
DIMENSÃO EXISTENCIAL DA CIDADANIA.
1. Cidadania, condição para
“ser pessoa”.
A
cidadania tem também uma dimensão
existencial. Isto quer dizer o seguinte: a cidadania
é condição para que alguém
possa, realmente, ser “uma pessoa”.
O que significa “ser pessoa”?
Significa
ter sua dignidade humana respeitada.
Até
os animais têm sensibilidade e agradece
o carinho, o afeto. Que diremos então da
“pessoa humana”? A “pessoa humana”
é portadora de um espírito, de inteligência,
de memória. A “pessoa humana”
constrói a História, transmite a
outras gerações p patrimônio
moral e físico das gerações
anteriores.
A
dimensão existencial da cidadania nos remete
a compreender que para “ser cidadão”
é preciso ser respeitado como “pessoa
humana”.
2.
A dimensão existencial da cidadania, a
idéia de transcendência.
O
conceito de “pessoa humana” ganha
toda a sua dimensão existencial quando
aceitamos a idéia de “transcendência”,
ou seja, a idéia de que a pessoa humana,
a vida humana ou a história humana transpõem
o tempo. Essa visão de “transcendência”
depende do credo de cada um, da filosofia que
a pessoa adote.
Em
princípio, o ser humano é um ser
transcendente: uma centelha de Deus (se somos
crentes), ou uma centelha do mistério ou
da realidade da vida (se não professamos
uma crença determinada). De qualquer forma,
a “pessoa humana” é uma centelha
de valor infinito.
Deixamos
em aberto a questão da crença porque
esta é uma questão é pessoal,
que cada um resolve de acordo com sua consciência.
3. A Dignidade Humana não se perde no terreno
da abstração.
O
respeito à “dignidade humana”
não é uma coisa abstrata. Pelo contrario,
é uma coisa muito concreta.
Para
que, numa sociedade, possamos dizer que a “dignidade
humana” é respeitada, muita coisa
precisa de acontecer.
O
respeito à dignidade humana exige:
• tratamento igualitário das pessoas;
• respeito à “pessoa humana”,
por ser “pessoa humana”, não
pela riqueza que tenha, pela posição
social, pela cultura, pelo parentesco com pessoas
de prestígio etc;
• que a todos se proporcione educação
pública de excelente um sistema de saúde
pública humano, eficaz;
• neste sistema de saúde pública,
deve haver o uso dos recursos científicos
adequados para prevenir a doença, assegurar
a saúde, curar o enfermo;
• que em todos os rincões deste país
haja saneamento básico, indispensável
para que possa haver saúde pública;
• que a todas as pessoas se garanta moradia
saudável e digna;
• que o lar de toda pessoa seja respeitado,
que o domicílio pobre ou rico seja inviolável;
(a Constituição não protege
apenas a casa ou o apartamento; protege também
o barraco de zinco ou madeira, a habilitação
coberta por pedaços de papelão,
a choupana humilde e até o espaço
físico improvisado, debaixo de uma ponte,
onde o ser humano se recolha para o repouso e
a paz interior a que tem direito);
• que a correspondência nunca seja
violada (a carta é uma das mais belas formas
de comunicação humana – sejam
cartas de marido para mulher,ou vice-versa; sejam
cartas entre namorados; sejam as cartas de um
pai para um filho, ou de um filho para um pai;
sejam cartas entre amigos ou simples conhecidos;
não importa se a carta é escrita
num computador ou escrita a lápis; não
importa se é redigida em linguagem apurada
ou se tem erros de gramática; mesmo o preso
tem direito à inviolabilidade de sua correspondência);
• que o preso seja respeitado, não
seja maltratado; que se separem presos provisórios
e presos condenados; que ninguém seja preso
senão na forma e dentro das condições
da lei; que a prisão de qualquer pessoa
seja imediatamente comunicada ao juiz; que as
prisões na degradem o ser humano; que todo
esforço social seja afeito para a recuperação
do sentenciado; que não se prendam pessoas
a não ser com fundamento, por motivo grave
e sob a autoridade do magistrado;
• que o transporte público seja rápido
e confortável, de modo que o trabalhador,
depois de uma jornada, não seja sobrecarregado
com o sofrimento de um regresso torturante para
sua casa;
• que todos tenham direito ao lazer, pois
o lazer humaniza a vida e torna a existência,
não um fardo, mas um prazer;
• que se assegure a todos um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, com condição
existencial, não só da geração
presente, mas das gerações que se
sucedem no curso da vida;
• que se respeitem as diversas culturas,
tradições e povos, que fizeram a
História de nosso país, especialmente
as nações indígenas e as
culturas e religiões afro-brasileiras;
• que se respeitem todas as minorias –
minorias nacionais, minorias sexuais, minorias
religiosas, minorias políticas etc;
• que os deficientes físicos sejam
tratados com respeito e que se lhes possibilite
o pleno desenvolvimento de suas potencialidades;
• que pessoas marcadas por déficits
biológicos, psicológicos ou mentais
sejam respeitadas e acolhidas como integrantes
da imensa sinfonia da vida; cada ser humano tem
em papel, e nenhum papel é desprovido de
importância;
• que o zelo pela criança e pelo
adolescente seja uma prioridade nacional absoluta;
que esta luta envolva os Poderes Públicos
e a sociedade civil, com destaque especial para
os municípios como quer o Estatuto da Criança
e do Adolescente; que se veja a criança
como “sujeito de direitos”, não
como objeto passivo da intervenção
da família, da sociedade e do Estado;16
que se compreenda que a criança não
está desligada de todo um contexto familiar
e social, de modo que políticas em favor
da criança e do adolescente são
necessariamente políticas globais centradas
na dignidade humana.
______________________________________________________________________
16 Ler, a propósito, o excelente
ensaio “A Criança, o Adolescente
e o Município”, da advogada e professora
Maria da Graça Diniz da Costa Belov, publicado
na revista “Jurídica – Administração
Municipal”. Salvador, abril de 1996, p.
18 e segs.
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