Origens
Sua origem remonta à Idade Média, quando
costumava atender pelo nome de Procurador do Rei. Era
o representante do Soberano, na cobrança dos créditos
da Coroa, e na imposição do cumprimento da lei e da
ordem. Em sua evolução, passou a ser também
representante do rei, no momento de conferir se os juízes
do reino, que circulavam distribuindo justiça, e
assegurando julgamento justo para os súditos, vinham
cumprindo adequadamente suas missões.
Na França, o compromisso exigido dos membros
do Ministério Público era quase o mesmo que se
exigia dos juízes. E lá, ainda hoje, o Ministério Público,
“parquet”, é chamado de “magistrado de pé”,
distingue-se, assim, do “magistrado com assento”
(a palavra parquet tem um sentido próximo de vaga em
um estacionamento, sendo um sentido figurado a vaga ou
assento que o membro do Ministério Público tem nos
tribunais). E isso já se denota o poder de iniciativa
dessa instituição, que pode mover-se em busca dos
fatos, enquanto o Juiz aguarda que as partes tragam as
causas – e os fatos – até si.
De procuradores do rei os membros do Ministério
Público transmudaram-se em procuradores do reino,
realizando as defesa dos interesses da nação como um
todo, e não mais exclusivamente os interesses do
titular da Coroa.
O
Ministério Público no Brasil
No
Brasil, a feição do Ministério Público foi dada a
partir da experiência lusiana. E os Estados-membros
conseguiram, antes mesmo que a união, distinguir
procuradores do rei – Procuradores do Estado, na
terminologia moderna, de Procuradores do reino –
Ministério Público strictu
sensu. A nível Federal isto só ocorreu em 1993,
quando foi instalada a Advocacia Geral da União –
AGU, deixando os procuradores da República –
membros do Ministério Público Federal – de deter
poderes de representação judicial da União.
O
perfil que cada dia vem sendo mais desenhado é o de
uma instituição caracterizada por ser defensora da
sociedade, e defensora do povo, no que diz respeito
aos direitos e interesses coletivos, difusos,
individuais indisponíveis e sociais.
Papel Clássico:
acusador público e fiscal da lei
O
Ministério Público continua com seu papel clássico
de ser o fiscal da lei, o de velar pelo rigoroso
cumprimento da Constituição e das normas inferiores.
Nessa condição, se manifesta em todos os processos
de Mandados de Segurança, e nas ações em que haja
interesse público manifesto.
Na
esfera penal, sua imagem ainda permanece fortemente
associada à posição do acusador público, do
Promotor de Justiça. Mas, mesmo na esfera penal, a
inovação constitucional é a explicitação do
Ministério Público como detentor da competência
para realizar o controle externo da atividade
policial. Essa expressão não deve ser confundida com
o papel das corregedorias de polícia. Mas tornou mais
claro e transparente o papel do Ministério Público
no monitoramento, fiscalização e controle do
trabalho policial, no que diz respeito ao desempenho
das atividades de prevenção e persecução dos
crimes. No que diz respeito à atividade preventiva da
polícia, podem ser acompanhados os métodos e as práticas
adotadas pela polícia para manutenção da ordem pública,
para investigação de atividades potencialmente
criminosas, compatibilizando esses estratégias com o
efetivo respeito à integridade física e moral do
suspeito, se foi-lhe assegurado acesso à advogado, se
foi-lhe esclarecida sua presunção de inocência e
seu direito de permanecer calado, se as provas obtidas
foram produzidas de modo lícito, etc.
O
mais relevante, entretanto, é que, ao lado dessas
iniciativas clássicas, novas faces têm revelado um
Ministério Público agindo para garantir cores novas
à pálida realidade social que vivemos. Assim, e
acrescentando luz à zona cinza do direito (a voltada
para punir o crime e aplicar penas), tem-se hoje
Promotores e Promotores de Justiça.
Novas esferas da
cidadania
Procuradores
e Procuradores da República, e Procuradores do
Trabalho vêm desenvolvendo atividades que objetivam
assegurar o efetivo respeito pelos poderes públicos e
pelos particulares em geral aos direitos do
consumidor, ao meio ambiente, à criança e ao
adolescente; às pessoas portadores de deficiência;
às minorias étnicas (índios, ciganos, comunidades
descendentes de imigrantes, comunidades religiosas)
etc. Curadorias são criadas em todas as capitais, e
em várias comarcas de maior movimentação
processual, gerando uma especialização, permitindo o
melhor conhecimento e maior atuação nas áreas
referidas.
No
âmbito federal a experiência foi iniciada com a
instituição da Coordenadoria da Defesa dos Direitos
Difusos, Coletivos e Individuais Indisponíveis,
simplificada na sigla “CODID”. Hoje, tais atribuições
no âmbito do Ministério Público Federal são
articuladas pelo Procurador Federal dos Direitos do
Cidadão, a nível central, em Brasília, e pelos
Procuradores Regionais dos Direitos do Cidadão, um em
cada Estado.
Versão
original do projeto de lei complementar do Ministério
Público da União intitulava de Defensor do Povo o
titular do encargo de receber denúncias de violações
ou ameaças de violação a direitos individuais, com
isto acionando a jurisdição extrajudicial desse
representante do Ministério Público. O título final
terminou sendo Procurador dos Direitos do Cidadão.
Procuradores dos
Direitos do Cidadão
A
inovação trazida pela Lei Complementar n.º 75/93
foi a instituição de procurador dos direitos do
cidadão, que atua nos moldes em que o fazem os ombudsmen nórdicos, defensores del pueblo espanhóis. A diferença
é que o Procurador dos Direitos do Cidadão é um
membro do Ministério Público Federal, designado para
um mandato de 2 (dois) anos, e com prerrogativas de
requisitar informações; instaurar inquéritos;
investigar; acompanhar diligências; requisitar
servidores públicos federais para atuação temporária
e específica; notificar violações a direitos
individuais, coletivos ou sociais; expedir recomendações
aos poderes públicos para fazer com que se abstenham
de agir ou façam cessar violações a direitos
constitucionais dos cidadãos, etc.
A
atividade do Procurador dos Direitos do Cidadão é
extrajudicial. Esse órgão não pode agir perante o
Poder Judiciário. E, quando, no exercício de suas
funções, perceber que há uma violação a direitos
constitucionais que pode ser combatida pela atuação
de outros órgãos do Ministério Público, a este serão
encaminhadas as informações, para que possa adotar
as medidas cabíveis na espécie.
Curadorias
As
Procuradorias do Cidadão, estruturadas no âmbito do
Ministério Público Federal, não têm uma projeção
assemelhada junto aos Ministérios Públicos de cada
Estado, isto porque, a nível estadual, atua o
Procurador Regional dos Direitos do Cidadão. A este,
enquanto a matéria estiver adstrita à intervenção
extrajudicial, compete agir contra ilegalidades
praticadas por quaisquer das esferas da administração
pública.
O
fenômeno relevante, a nível estadual, é a organização,
em razão das matérias, de Curadorias – do
consumidor, da infância e da juventude, do meio
ambiente, etc. As Curadorias têm garantido extraordinário
acesso das pessoas simples e comuns a um órgão do
estado (que é incumbido da defesa coletiva dos seus
cidadãos), ao tempo em que vêm processando, quase
como se laboratórios fossem, a experiência social de
descobrir e implementar novos canais extrajudiciais de
solução dos conflitos.
A
experiência das Curadorias é inovadora, e excede em
muito a mera especialização para aprofundamento de
estudos e entendimento do que venha a ser sua atuação
processual. As Curadorias têm servido de canal
alternativo à solução dos conflitos, à medida em
que tem permitido que os responsáveis pelas alegadas
violações e direitos sociais, coletivos e
individuais indisponíveis tenham a oportunidade de
realizar um ajustamento de conduta, em acerto pré-processual,
implicando na subsequente ausência de interesse jurídico
para agir, precisamente em virtude do atendimento da
pretensão anteriormente resistida.
O
Ministério Público e os direitos humanos
Há,
entretanto, uma grande área de atuação, em que os
Ministérios Públicos ainda não conseguiram os
mesmos progressos já atingidos nessas outras áreas,
anteriormente mencionadas. É a grande área dos
direitos humanos no sentido amplo, em que se exige
maior luta para monitorar, prevenir e combater a violência,
e punir a tortura, para garantir a todos o direito à
saúde; para garantir o respeito ao direito à
moradia; e para fazer realizar o direito à reforma
agrária.
É
verdade que atuações pontuais já acontecem. O
Procurador Federal dos Direitos do Cidadão tem
liderado gestões e iniciativas nacionais, objetivando
a inserção de membros do Ministério Público em
todas as questões que envolvam violações a direitos
humanos, com vistas à superação do problema, e a
reparação do mal. Especialmente quando ocorrem violações
a direitos humanos – particularmente casos de
tortura, violência policial contra menores, detentos
ou trabalhadores rurais. Essa presença tem servido de
garantia de uma correta apuração dos fatos, e estímulo
à punição dos encontrados em culpa. Mas ainda essas
atuações não têm tido a amplitude que o tema
requer.
A
ausência dessa visão mais ampla para a promoção e
proteção dos direitos humanos tem produzido situações
curiosas. Por vezes põem-se em conflito o direito do
verde em uma praça com o direito à moradia de um
grupo de cidadãos. E a interferência do Ministério
Público até agora tem sido em favor da praça.
A
Constituição de 1988 mudou muito o Ministério Público.
E, depois dela, muitos tratados e convenções
internacionais de direitos humanos foram assinados e
ratificados pelo Brasil. Também são normas
fundamentais, pelas quais o Ministério Público tem
que velar e fazer respeitar. É justificável a
confiança de que, mais e mais, essa instituição
defensora da sociedade, a defensora do povo, agigantará
seus esforços e incluirá a luta pela defesa dos
direitos humanos, como parte do seu ritual cotidiano.
O
perfil dos que hoje compõem o Ministério Público
– Federal, Eleitoral, do Trabalho, Estadual – é,
em sua maioria, de jovens, e jovens idealistas.
Abertos ao diálogo, e determinados ao cumprimento de
suas funções institucionais. Todos conscientes de
que, no seu dia-a-dia, trabalham e realizam a construção
de um ministério
público e democrático.
Luciano
Mariz Maia
Procurador
Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público
Federal na Paraíba e Presidente do Conselho Estadual
de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (CDDHHC)