Corrupção
e Poder
Luiz Francisco de Souza
Procurador
da República
Num
país onde as desigualdades sociais são gritantes e o Estado é
controlado pelo grande capital, o combate à corrupção somente
produzirá efeitos se houver uma transformação profunda na estrutura
do poder
O Brasil é um
país infectado de corrupção, de devastação ambiental, de
desigualdade, de exploração dos trabalhadores e das mulheres. Um país
onde 22 mil latifundiários e alguns milhares de grandes capitalistas
paralisam o proletariado. Exploram os trabalhadores nas unidades de
produção. Exploram-nos como consumidores, usando o controle sobre o
mercado via trustes e cartéis. Exploram e destroem a natureza, agindo
como devastadores ambientais. E, claro, corrompem o Estado, usando
executivos infiltrados, valendo-se do financiamento privado das
campanhas, do nepotismo e do controle da grande mídia para semear
mentiras. Ou comprando as consciências de agentes públicos,
aproveitando-se do congelamento salarial que atinge o funcionalismo há
sete anos e da precarização das relações jurídicas dos
trabalhadores.
Um Brasil menos
corrupto teria que ser um país sem latifúndios e sem o grande capital
privado. Seria uma republica calcada num tipo de socialismo humanista,
democrático, e no distributivismo que o velho Alceu Amoroso Lima, Frei
Betto e outros sempre defenderam. Uma república com milhões de
camponeses cooperatizados, de pequenas e medias cidades, com milhões de
pequenos e médios produtores, sem ricos, sem milionários. Onde OS
grandes meios de produção seriam organizados de forma cooperativa, e
onde todo o processo produtivo seria calcado na co-gestão, na autogestão
e no planejamento democrático, participativo. Com um Estado democrático
que controle e planifique o uso dos bens de produção, exigindo a
finalidade social intrínseca a qualquer propriedade, graças a um
forte contexto jurídico. No fundo, é o mesmo sonho de Barbosa Lima
Sobrinho, de Alceu Amoroso Lima e de inúmeros teólogos da libertação
e bispos. Um país sem latifúndios, sem multinacionais, sem o pagamento
de dívidas públicas já pagas dezenas de vezes, sem usura, sem especulação
e sem o grande capital privado, porque este cria tamanho poder que
permite a corrupção do Estado, controla-o para facilitar negociatas,
concentrar o capital e explorar os trabalhadores.
Cada vez pior
A corrupção está
cada vez pior e é epidêmica. Isso ocorre por varias causas. Vejamos
algumas. Primeira: a complacência e leniência do governo (basta
considerar a relação de medidas preventivas que poderiam ser
adotadas e não o são). Segunda: a falta de legislação para reprimir
a corrupção, pois algumas normas têm mais de 60 anos e são
totalmente insuficientes. Terceira: o desmonte, patrocinado pelo governo
(que tenta ampliar a destruição), de instituições de combate á
corrupção (MPF, Polícia Federal, Secretaria da Receita Federal,
Secretaria Federal de Controle Interno, TCU, Fiscalização do Bacen,
AGU, CADE, Fiscalização do FUNDEF, do SUS etc). Quarta: a ideologia
liberal, permissiva a corrupção, e alguns sociólogos e economistas
sem compreensão da ética e sem a menor empatia emocional pelos
oprimidos. Quinta: a extrema pressão dos proletários. Sexta: a
espionagem política da ABIN sobre os movimentos de libertação do
proletariado e pela reforma agrária. Sétima: o fato de o Brasil ser um
paraíso fiscal para os ricos e para o dinheiro sujo (basta ver o
desmonte da Receita e o escândalo das contas CG-5). Oitava: o
financiamento privado das campanhas eleitorais. Nona: o processo
genocida da rolagem da dívida pública (o atual governo multiplicou a dívida
pública interna por mais de dez e, no mínimo, fez dobrar a externa,
comprometendo, anualmente, cerca de 75% do Orçamento para a rolagem
da dívida, que assim mesmo continua a crescer pelo menos 20% por ano;
tudo isso depois de doar, entregar, as estatais por alguns pratinhos de
lentilhas).
Existem ainda dezenas
de outras causas. A causa fundamental, no entanto, é o abismo insondável
entre ricos e pobres, o imenso poderio do grande capital e do latifúndio.
O capital em boas mãos
Sobre a concentração
do capital e o controle do grande capital sobre o Estado, vejamos um
texto de Franklin Roosevelt, de 1932, que consta do livro “Franklin
Roosevelt”, de Fred C. Israel, editado pela Nova Cultural em 1987:
“Vemos que dois terços das indústrias norte- americanas estão
concentrados em poucas centenas de corporações, e na verdade dirigidos
por não mais que cinco pessoas. Vemos que mais da metade das economias
da nação está investida em depósitos e hipotecas e faz da bolsa de
valores o esporte dos norte-americanos. (....) Vemos que grande parte de
nossa população trabalhadora não tem chance de ganhar a vida”. E,
em 1936: “Sabemos agora que um governo do capital organizado é tão
perigoso como o governo do crime organizado. Nunca como hoje estiveram
essas forças tão unidas contra um candidato como estão agora. São unânimes
em seu ódio por mim, e eu bendigo seu ódio”.
Dois terços das indústrias
nas mãos de poucas centenas de corporações, dirigidas à cinco pessoas.
Nem Nero tinha esse poder. De fato, o próprio Adam Smith já sabia que,
toda vez que dois ou mais capitalistas se encontram, mesmo em jantares,
passam a conspirar pelo controle do Estado para, impunemente, oprimir os
trabalhadores e os consumidores.
O “governo do capital
organizado é corretamente equiparado, por Franklin Roosevelt, a um
governo do crime organizado”. O termo “crime de colarinho branco”
— white collar crime — foi criado por Donald Sutherland para
designar os crimes típicos de quem frequenta o topo da pirâmide
social, como delitos financeiros, corrupção ou sonegação de
impostos. Esses crimes que, num país como o Brasil, significam bilhões
de reais — levam à morte milhões de pessoas pobres, atingidas por
vermes, inanição ou outros fatores.
O predomínio do capital
Em todo ato de corrupção
há o elemento ativo, o corruptor, que detém o capital e atua como Satanás,
como tentador, e o elemento passivo, o corrompido, o agente público,
que responde por corrupção passiva. E evidente que a causa da corrupção
está no elemento ativo, no corruptor, que quase sempre é um
latifundiário ou um grande capitalista. A melhor solução para
diminuir drasticamente a corrupção está em liquidar o latifúndio e
o grande capital privado, quase sempre organizado em trustes ou cartéis.
E o velho Barbosa Lima Sobrinho já apontava os malefícios do monopólio
ou do oligopólio privado.
O liberalismo econômico
é, em si, uma teoria que gera e propicia a corrupção, pois defende a
tese de que a economia (e, assim, boa parte da sociedade) deve ser
regida pelo mercado. Ora, o mercado são os grandes capitalistas, que o
controlam. Logo, admitem os liberais que os grandes capitalistas devem
controlar a sociedade. Numa economia capitalista, no fundo são o
capital monopolista e o latifúndio que terminam por governar e reger a
economia, sem concorrência. Os pequenos e médios produtores são também
explorados pelos cartéis e trustes.
Esses grandes
capitalistas e latifundiários financiam campanhas e exercem pressão
através de lobbies. Como lobistas, a influência das corporações
(capital monopolista) e do latifúndio no Estado é devastadora. Em boa
parte do mundo, Os mais ricos são proibidos de financiar campanhas. No
Brasil, onde as leis são permissivas, a fiscalização é pífia, e
ainda há sucessivas anistias escandalosas de delitos eleitorais. A
corrupção eleitoral, o controle da mídia e a infiltração de
executivos que agem como uma tênia abrem as portas para outras formas
de corrupção.
As formas de controle do Estado
A principal forma de
influência e controle do Estado ocorre pela manipulação da mídia -
principalmente da mídia eletrônica, que atinge diretamente o
imagin6rio e as consciências do proletariado e da classe média. Desta
forma, são semeados ermo e mentiras que tentam legitimar a opressão e
a desigualdade social, além de banir a ética da administração, da
política e da economia. Depois, vêm as campanhas políticas regidas
pelo abuso do poder econômico, pela compra de votos e pelos lobbies.
Outra forma é o nepotismo, são as influências familiares que levam à
colocação de filhos, irmãos, netos e esposas de representantes do
poder em cargos estratégicos. E, quando nada disso funciona, há a
infiltração e a compra de consciências, diretamente ou corno
subproduto de alvos vigiados para a formação de dossiês para
chantagem.
A corrupção é, no
fundo, a falta de ética na política, no Estado. E uma forma de gestão
do Estado voltada para o bem privado de ricos, e não para o bem comum.
Desta forma, um governo controlado pelo grande capital ou pelos
latifundiários pode ser chamado de cleptocracia, plurocracia, etc.
Aristóteles, no Livro A Política, já tratava, na parte sobre formas
de governo, da oligarquia, regime onde os ricos governam. Oligarquia, ou
plurocracia, ou governo neoliberal, ou governo títere do FMI, é o que
representam os bancos internacionais e os grandes capitalistas que
aplicam nesses bancos.
Os exemplos históricos
Basta verificarmos a
história para constatarmos grandes casos de corrupção. Marcos (nas
Filipinas) Trujillo, Batista, Pérez Jiménez, Somoza, Rojas Pinilla,
Duvalier, Salinas, Pinochet (a guerra suja para garantir o controle do
Estado pelo imperialismo, pelas multinacionais), Stroessner, Ian Smith,
Watergate, Collor e PC Farias, Lockheed, Irangate, Fujimori e Montesinos,
ministros do Japão e da Itália e corruptos na Indonésia, para
citarmos apenas alguns. Todos esses personagens defendiam o mesmo ideário.
Todos foram neoliberais na economia, defendendo o mesmo que FHC: ausência
de impostos diretos progressivos, falta de fiscalização tributária
efetiva, privatizações, terceirizações, desregulamentação, destruição
da seguridade social, manutenção do latifúndio, extroversão da
economia, livre competição dentro e fora das fronteiras, diminuição
de tarifas alfandegárias, permissividade com o contrabando por causa da
falta de fiscais, eliminação de direitos sociais (trabalhistas e
previdenciários), precarização das condições de vida dos servidores
públicos, fim da educação gratuita, destruição da saúde pública,
liberdade de juros e de câmbio, liberdade de remessas para o exterior
etc. Enfim, o desmonte do Estado, o ideário de Collor, de FHC, da
Trilateral e do Consenso de Washington.
Tudo é mercadoria
O grande capital e o
latifúndio transformam tudo em mercadoria. Inclusive o trabalho e o
corpo das pessoas, pela prostituição. Com a mercantilização de tudo,
o mercado regendo tudo, a regra do “laissez faire, laissez passer”
é transposta para o funcionamento do Estado.
No livro Os donos do
poder, de Raimundo Faoro, fica claro o controle do Estado pelos grandes
proprietários. O militarismo — ou as ditaduras militares — também
é uma forma de corrupção do poder. Em vez da promoção do bem comum
(criar condições de vida plena para todos), o Estado, controlado pelos
grandes proprietários e não pelo povo organizado, nega os direitos políticos
do povo e gasta bilhões em armas que geram guerras coloniais, como a
que ocorreu recentemente na invasão do Afeganistão pelos EUA. E é
pior ainda quando os generais vendem suas consciências para as
multinacionais, terminando a vida como traidores, lacaios do
imperialismo. A base do militarismo estão no complexo militar-político
nos EUA, associando o Pentágono ao grande capital. Esse esquema, que
envolve contratos de fornecimento de armas, ligações das
multinacionais com as embaixadas norte-americanas e com a CIA e os
banqueiros estadunidenses, mostra a quem servem os Exércitos em boa
parte dos países. Os militares americanos terminam como guarda
pretoriana de multinacionais, que corrompem e compram pessoas,
controlando nossa mídia e financiando campanhas.
O então presidente
Clinton, em sua mensagem ao Congresso no ano de 1992, lamentou que,
“(....) no ano passado, pela primeira vez desde 1920, 1% dos
norte-americanos tem mais riqueza que todas as possuídas por 90% da
população (...)” (Minsburg: 1994, p. 17). Esse texto foi retirado de
Atílio Boron. E algo parecido ocorre no Brasil. Da mesma forma, o livro
Introdução à Economia, de N. Gregory Mankiw, professor de economia na
Harvard University usado em muitas universidades americanas e européias,
ao tratar da «desigualdade de renda ao redor do mundo”, diz que «no
fim da lista está o Brasil, onde um quinto dos mais ricos aufere uma
renda cerca de 30 vezes maior do que o quinto mais pobre”. Na verdade,
somos mesmo campeões de desigualdade social, de acidentes do trabalho,
de devastação ambiental e de submissão ao imperialismo. Por isso,
somos campeões de corrupção.
Riquezas concentradas
No mundo, existem cerca
de 40 mil multinacionais, oligopólios poderíssimos. Elas respondem por
mais da metade do comércio mundial de manufaturas e por três quartas
partes da provisão de serviços. Atílio Boron também acrescenta que a
terça parte do comércio internacional consiste simplesmente em transações
intrafirma, e as cifras de vendas dessas empresas equivalem
aproximadamente a terça parte do produto bruto do planeta”. Dessas 40
mil multinacionais, cerca de 300 grandes monopólios exercem um “poder
de mercado” na economia norte-americana. “E cerca de 150 fazem o
mesmo no Reino Unido (Leyes: 1996, p.5). Cinquenta das maiores
transnacionais possuem rendas anuais superiores ao produto bruto das
duas terças partes dos países de todo o mundo (Leys e Panitch: 1998,
p. 18). Um dos gigantes do capital especulativo mundial, Goldman &
Sachs, tem lucros anuais da ordem de 2,6 bilhões de dólares, que
distribui entre seus 161 sócios principais — uma cifra
aproximadamente igual ao PIB da Tanzânia, que é distribuída entre
seus 25 milhões de habitantes”.
Atílio Boron mostra,
ainda, que 358 supermilionários dispõem de “rendas equivalentes à
renda total dos 2,3 bilhões de pessoas mais pobres do planeta”.
Diante desse quadro, os liberais no Brasil buscam liquidar o Estado,
liquidar nossa moeda com projetos de dolarização e ainda nos inserir
numa Alca feita para ampliar nossa situação de colônia. O resultado?
O florescimento da corrupção, da lavagem de dinheiro, da devastação
ambiental e da exploração dos trabalhadores.
Os remédios
Finalizando, vejamos
alguns remédios para esse quadro. Primeiro: reformas estruturais,
anti-latifundiárias, anti-imperialistas. Uma reforma agrária que
varresse o latifúndio, estabelecendo um limite ao que cada um pode ter
de terras, democratizaria o Estado e o libertaria desse tipo tétrico de
tênia, o latifúndio. A reforma agrária esta conectada à questão das
cidades e à estrutura e ao tamanho dela. Por isso, somente poderá ser
feita combinada com a reforma urbana, com o combate implacável à
especulação fundiária e á estocagem de terras. Segundo: auditoria da
dívida pública (e, como resultado, o não pagamento, pois a dívida
já foi paga, sendo que boa parte são juros, e o dinheiro beneficiou
multinacionais e o grande capital privado). Terceiro: reforma no direito
de propriedade e na estrutura das empresas, para permitir vasto
planejamento público, co-gestão e autogestão pelos trabalhadores.
Quarto: ampliação dos direitos trabalhistas e dos servidores públicos,
com aumento do salário mínimo e redução da jornada para 32 horas ou
algo assim, sem horas extras. Quinto: total transparência do Estado —
TCU aberto, com poder para os auditores de lavrar multas, sendo que os
ministros do TCU teriam que ser concursados, para que somente auditores
com vinte anos de prática chegassem ao canso de ministro, atuando como
instância recursal, e não mais concentradora (as medidas envolveriam,
ainda, a abertura do SIAFI na internet e o fim das polícias políticas,
responsáveis pela espionagem política). Sexto: fim do inquérito
policial, sendo que a investigação preliminar ocorreria como ocorre na
Itália, nos EUA ou na Alemanha, com ampla participação e supervisão
do MPF, ficando a polícia livre da ingerência política dos palácios.
Sétimo: reforma do Judiciário, nos moldes pregados pela Associação
dos Juizes para a Democracia, por Hélio Bicudo, por Fábio Konder Comparato,
etc. Oitavo: reforma tributária, para que o sistema deixe de ser
regressivo (fim do primado dos impostos indiretos) e seja intensamente
distributivista, liquidando as grandes fortunas para garantir o imposto
de renda negativo, garantindo um colchão social para os trabalhadores
e a igualdade social. Nono: mais fiscais com mais poderes. Décimo:
transparência para a fiscalização da CVM, do BACEN, da Secretaria
Federal de Controle, do COAF, da ANVISA, da fiscalização ambiental.
Enfim, são receitas
antigas e boas. Seria fácil citar mais umas cinquenta delas. Todas
dependem da ampliação da consciência e da organização dos
trabalhadores. Aí se encontra a raiz de todos os remédios para a
corrupção, com a garantia de um Estado controlado pelos trabalhadores,
voltado para a promoção do bem comum, da comunhão.
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