A desigualdade no
acesso ao judiciário
A
desigualdade no acesso é o primeiro obstáculo que se
ergue às intervenções do Judiciário como promotor
do respeito aos direitos humanos. Uma das características
funcionais do Judiciário é a chamada “inércia da
jurisdição”, do que resulta que os órgãos
judiciais somente atuam quando provocados pelos
titulares de direitos que se entendam lesados por atos
do poder público.
Aos
juízes cabe impulsionar o processo por provocação
das partes e julgar os pedidos que estas formulam,
dentro dos limites do formulado. A sentença não pode
decidir sobre o que não foi pedido, nem deixar de
examinar o que foi pedido, sob pena de nulidade. O
princípio é correto, porquanto afasta a
possibilidade do juiz substituir-se à parte na definição
do que esta considera como direito seu.
As
partes devem saber o que querem e o que não querem
antes de ingressar em Juízo com suas demandas. E
devem saber embasar seus pleitos de modo juridicamente
adequado, indicando provas do quanto alegam. Este é o
trabalho dos advogados. Vero é que o bom direito
tende a ser reconhecido mesmo quando mal deduzido.
Espera-se do juiz que garanta aos autores e réus
igualdade de tratamento processual e que se mantenha
isento na apreciação das teses e provas que as
partes sustentam e produzem - é o direito
estabelecido no artigo 10 da Declaração. Mas é inegável
que a configuração do direito dependerá, em cada
caso ajuizado, em boa dose, do momento certo de sua
postulação, pela via apropriada, com argumentos sérios.
As
pessoas capazes de contratar profissionais
qualificados tendem a apresentar petições com maior
pertinência e fundamentação, inclusive porque os
bons profissionais, sendo, como são, os primeiros
aferidores do mérito da causa, recusam o patrocínio
daquelas que lhes parecerem frágeis. Logo,
apresentar-se bem em Juízo é também uma questão de
escolher, e pagar, o advogado mais qualificado.
No
Brasil, lei federal de 1950 garante gratuidade de
custas judiciais e de assistência de advogado se a
pessoa afirmar que não pode pagá-las sem prejuízo
da própria subsistência e de sua família. A
Constituição de 1988 obriga o Estado a prestar
“assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5º,
LXXIV). Todavia, os órgãos de assistência judiciária
gratuita criados e mantidos pelo Estado sofrem de crônica
precariedade de meios. Os profissionais que integram
seus quadros - os defensores públicos -, embora
recrutados mediante concursos públicos exigentes (ao
menos no Estado do Rio de Janeiro), não recebem estímulo
bastante para o desenvolvimento de suas atribuições,
seja em função da baixa remuneração ou da carência
de material.
A
cada concurso para o provimento de cargos de outras
carreiras jurídicas estatais (juiz, promotor,
procurador), concorre grande número de defensores públicos,
desiludidos da carreira de advogado dos carentes. A
Defensoria Pública perde quadros, substituindo-se-os
por bacharéis recém-formados e estagiários. Aos
necessitados o Estado remete (quando remete) as sobras
(se e quando existirem) de seus meios e a inexperiência
de quem está a começar na profissão.
Esses
jovens - muitos dos quais talentosos e abnegados - são
os que patrocinarão os direitos dos hipossuficientes,
em causas cujo réu é o próprio Estado, então
representado por seus procuradores, de maior experiência
e apoio institucional. Evidencia-se que a desigualdade
já aí tem início.
Perante
os Juízos de Fazenda Pública, é crescente o número
de ações sob os cuidados da Defensoria Pública -
hoje, 35% das novas demandas ajuizadas a cada mês são
por ela patrocinadas; há apenas dois anos, eram 16%.
Dir-se-ia que o crescimento estatístico demonstra a
largueza de atuação do órgão de assistência
judiciária estatal aos carentes. A leitura do fato
pode ser outra: na medida em que, para obter o patrocínio
da Defensoria Pública, o cidadão há de comprovar
que não pode pagar as custas sem prejuízo da subsistência
própria e da família, está comprometido o direito
que o artigo 25 da Declaração defere a todo homem,
“a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe e à
sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis...”.
Em
1995, lei federal instituiu os Juizados Especiais,
para atendimento a causas cujo valor não ultrapasse
quarenta salários mínimos (cerca de quatro mil dólares),
e admitindo que, nas causas cuja valor não supere
vinte salários mínimos, o queixoso possa apresentar
seu pleito sem advogado. O processo perante os
Juizados Especiais é isento de custas judiciais. A
parte somente pagará custas e honorários se,
recorrendo da decisão, resultar vencida. Mas a lei
excluiu da competência dos Juizados as causas em que
o Estado tenha interesse. Mais uma vez, o poder público,
desta feita com arrimo na lei, concede aos carentes a
porção menor da atenção de seus órgãos.
O efeito multiplicador
da desconsideração aos direitos humanos pelo Estado
O
comportamento da administração estatal que ofenda os
direitos humanos produz efeito multiplicador
impressionante, isto é, uma violação gera outra,
que gera outra, que outra gera. Ilustram o fenômeno
algumas estratégias permanentes do Estado quando em
litígio judicial. O Judiciário dificilmente consegue
por cobro a essas estratégias, que, de um lado,
manipulam o sistema legal de recursos para protelar o
mais possível a satisfação dos direitos lesados, e,
de outro, contorcem a lei para dela extrair autoridade
supressora de direitos.
Exemplifica-se
a manipulação do sistema recursal com a resistência
injustificável do Estado ao pagamento de direitos
pecuniários. Dois casos são notórios no Judiciário
do Estado do Rio de Janeiro e do País, talvez também
do Exterior, posto que redundaram em situações
noticiadas com destaque pela mídia, que os rotulou de
“Escândalo da Previdência” e “Escândalo dos
Precatórios”.
O
sistema de previdência brasileiro é oficial, quer
dizer que os trabalhadores e servidores públicos
contribuem, compulsoriamente, para autarquias de
seguridade social, que lhes pagarão, e aos seus
dependentes, pensões e benefícios na aposentadoria
ou em casos de invalidez e morte. O valor das
contribuições decorre de regras estabelecidas em
lei. Desde fins da década de 1980, o instituto de
seguridade social dos trabalhadores passou a usar de
artifícios, aprovados por normas administrativas
internas, para dar à lei interpretação que impunha
gradual redução ao valor dos benefícios devidos aos
segurados.
A
prática gerou a formação de grupos de
aproveitadores, reunindo funcionários da própria
autarquia, advogados e até juízes. Os segurados,
lesados em seus direitos, passaram a acionar a
autarquia, que, em Juízo, atendia, mediante cálculos
incorretos a maior, os pleitos de revisão das pensões
que, em sede administrativa, haviam sido indeferidos.
Milhões de pensionistas foram lesados no direito
fundamental previsto nos artigos 22 e 25 da Declaração.
Socorreram-se do Judiciário, onde obtiveram a reparação,
mas, ao mesmo tempo, o fato ensejou a formação de
quadrilhas que multiplicaram as lesões e desviaram
milhões de dólares da previdência social.
Apurados
os fatos, processados e condenados os responsáveis, o
Instituto passou a adiar o pagamento das diferenças
devidas, usando de todos os meios recursais admitidos
na legislação processual. As dívidas continuaram
acumulando-se. É, hoje, um dos fatores que respondem
pela dificuldade financeira enfrentada pela previdência
pública, grave a ponto de o Governo Federal se haver
empenhado em modificar a Constituição para
reduzir-lhe os encargos.
No
âmbito do Estado do Rio de Janeiro, fato semelhante
ocorreu - sem o aspecto criminal - com o instituto de
previdência dos servidores, que resiste a rever o
valor dos benefícios que deve pagar a seus segurados,
apesar de jurisprudência uniformizada, desde o início
da década de 1990, haver estabelecido que deve
corresponder a 80% do que receberia o servidor se
ainda estivesse em atividade. Os lesados continuam
tendo de ingressar com ações nos Juízos de Fazenda
para postular as diferenças.
O
argumento pretensamente jurídico da autarquia
estadual é o de que a revisão acarretaria despesas
imprevistas no orçamento, o que é proibido na
Constituição. A escusa está definitivamente
afastada pelo Supremo Tribunal Federal, a que chegam
os recursos extraordinários interpostos pela
autarquia, pela singela e óbvia razão de que a fonte
de custeio dos benefícios da previdência oficial advêm
das contribuições que são descontadas, compulsória
e mensalmente, dos vencimentos dos servidores, em nada
dependendo do orçamento público. Ainda assim, as ações
prosseguem, a autarquia é vencida, recorre, é
novamente vencida, e retarda o pagamento das diferenças
por anos. Essas ações correspondem a 20% do total
dos processos em andamento nos Juízos de Fazenda do
Rio de Janeiro, agredindo, reflexamente, os artigos 22
e 25 da Declaração.
O
meio para o ente público retardar o pagamento de
obrigações decorrentes de condenação judicial
gerou o “Escândalo dos Precatórios”. Estes são
o instrumento por meio do qual o Judiciário requisita
ao Executivo a inscrição, no orçamento público do
exercício financeiro seguinte, do valor que o Estado
deverá pagar ao vencedor de demanda judicial. Os
precatórios consignam verbas vinculadas à obrigação
de pagar do credor do Estado, por isto não podendo
ser desviadas para qualquer outra finalidade. O
sistema é também constitucional. Apesar disto,
alguns governos estaduais negociaram precatórios
judiciais e desviaram os recursos assim obtidos, não
se tendo notícia do desfecho das apurações, que
comprometeriam Governadores e altos dirigentes
estaduais. Os credores, ao que se sabe, permanecem à
espera dos pagamentos a que fazem jus.
Perceba-se
que na origem de tantas mazelas está o desrespeito,
pelas entidades administrativas, ao dever de pagar os
benefícios da previdência tal como estabelecidos em
lei. Os titulares desses benefícios ou são
trabalhadores ou servidores públicos aposentados,
acidentados, inválidos, ou são os dependentes
daqueles já falecidos. Em qualquer hipótese, são
pessoas desprovidas de força política suficiente
para a reivindicação de seus direitos. Resta-lhes a
tutela jurisdicional. Esta é prestada, com os percalços
e atrasos decorrentes de sua estrutura saturada. Mas
os administradores estatais não parecem sentir-se
obrigados a atender àqueles que são apenas titulares
de direitos, se não dispõem de influência política.
Esses podem esperar, mesmo que se despreze o “espírito
de fraternidade” e o gozo de direitos “sem distinção
de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,...
riqueza, nascimento ou qualquer outra condição”
(artigos 1 e 2 da Declaração).
Um
dos mais insistentes argumentos de que se tem valido o
Supremo Tribunal Federal para propor a instituição,
por Emenda Constitucional, da chamada “Súmula
Vinculante” (decisão que estabeleceria o
entendimento da Corte sobre determinada questão que
se repete, com o efeito de obrigar todos os Juízos e
Tribunais do País a aplicar o mesmo entendimento, se
idêntica a questão) é o de que a Súmula evitaria
que os titulares de direitos contra o Estado,
reconhecidos em precedentes, tivessem de ajuizar ações,
a que novamente opor-se-ia o Estado com fundamentos
vencidos, mas com o poder de adiar a satisfação do
direito individual por anos, desconsiderando os
artigos 7 e 8 da Declaração.
Preconceito e
desigualdade
Nos
casos referidos no item anterior, seria possível
dizer-se que o Estado negaceia a satisfação de suas
obrigações perante credores porque teria insuperáveis
dificuldades de caixa. Admita-se o argumento, embora
seja curioso que as restrições de caixa pareçam
mais severas quando os credores são os desprovidos. E
que nenhuma relevância parece ter o custo
administrativo da protelação juridicamente
injustificável, com a apresentação de longas peças
de contestação, reunindo “teses” rejeitadas à
exaustão; o curso de milhares de processos cujo
desfecho sabe-se de antemão; o desperdício do tempo
e dos meios, ambos reconhecidamente escassos, dos órgãos
jurisdicionais.
Mas
o que dizer da postura de procuradores de ente público
que, em ação de desapropriação de imóvel privado,
em área desvalorizada, destinada à realização de
obra pública, narram, na petição inicial, que se
trata de bem rústico e desocupado, o que justificaria
determinado valor indenizatório, quando, a seguir,
comparecem nos autos do processo pessoas que declaram
ali residir há quarenta anos?
Suspensa
a execução da imissão provisória na posse em favor
do expropriante, diante de fato que poderia alterar o
valor ofertado, os procuradores visitam o Juízo para
encarecer a rápida decisão do incidente porque havia
pressa na continuidade da obra (talvez sem correlação
com o fato de tratar-se de ano eleitoral). Objetam que
os moradores seriam posseiros sem direito algum, já
que a lei das desapropriações exige que a ação
seja proposta em face daquele que constar como o
proprietário no registro imobiliário. E este estava
em nome de uma empresa, não dos posseiros.
Mostram
pasmo quando se pondera que os posseiros alegavam
residir no local havia quarenta anos, sendo necessário
esclarecer-se quem estaria mentindo ao Judiciário -
se o ente expropriante, que afirmava o imóvel vazio,
ou se os posseiros, que se diziam moradores, controvérsia
que portava possíveis reflexos sobre o preço da
indenização e a expulsão inopinada de moradores.
A
surpresa dos ilustres procuradores, amparada em
argumento jurídico-processual pertinente, tem um só
significado - quem se importaria com velhos posseiros?
O
episódio não é isolado. Nem se reverbere a
insensibilidade dos procuradores. É mais um sintoma
do preconceito enraizado, que emoldura a desigualdade.
Ou será o inverso - é a desigualdade crônica que
emoldura o preconceito? Desigualdade e preconceito
alimentam-se reciprocamente. A norma jurídica não
tem resposta para a indagação.
É
preciso compreender o fenômeno em sua inteireza sócio-econômico-cultural,
confessando-se a perplexidade desafiadora do Século
XXI. Como fez jornalista, em coluna diária veiculada
pela imprensa: “O Brasil não tem um cotidiano
democrático. É perfeitamente possível a um
brasileiro rico passar a vida sem contato com os
pobres e as dificuldades que angustiam a maioria da
população. Pode pagar um atendimento médico igual
ao dos países desenvolvidos, freqüentar boas escolas
particulares, usar espaços de lazer exclusivos.
Alguns voam de helicóptero por cima dos
engarrafamentos e muitos contratam segurança privada.
‘Não fala com pobre, não dá mão a preto, não
carrega embrulho. Pra que tanta banca doutor, pra que
esse orgulho?’ perguntou o Billy Blanco (refrão de
samba bastante popular no Rio de Janeiro). Tampouco eu
sei a resposta, mas desconfio que o apartheid
social que temos contribui em muito para que não se
encontrem soluções para os problemas da população”
(Márcio Moreira Alves, O GLOBO, edição de 17.08.98,
pág. 4).
A
deliberada e persistente lentidão com que órgãos públicos
prestam informações requisitadas pelo Judiciário,
importantes para a instrução de processos; os
pagamentos que os entes e suas entidades vinculadas
efetuam com sistemático atraso, tanto a seus próprios
servidores quanto a fornecedores de bens e serviços,
sem as correções determinadas na legislação,
obrigando-os a ingressar com ações para cobrar as
diferenças, em processos a que os réus permanecem
resistentes ao pagamento devido - são outros exemplos
corriqueiros de menosprezo aos direitos das pessoas,
com reflexos sobre a sua dignidade, especialmente
quando a verba devida tem natureza alimentar. É o
vezo da submissão ao poder estatal, como se este não
conhecesse os limites da ordem jurídica.
Tão
acendrado é este desvio da autoridade (centro de
equilíbrio necessário e legítimo em toda organização
humana) para o autoritarismo (o lado perverso da
autoridade), nas sociedades que passaram longos períodos
históricos como colônias de outras, que se pode
nelas divisar claro antagonismo entre o interesse público
e o interesse da administração pública. O primeiro
tem na devida conta os direitos humanos; o segundo é
capaz de arredá-los para que prevaleçam interesses
econômicos privados, com os quais se confundem
projetos políticos pessoais.
Conclusão
O
bosquejo que se desenhou sugere algumas conclusões:
(a)
nada obstante a inscrição nas Cartas Constitucionais
dos Estados contemporâneos, os direitos humanos
continuam sendo um repto a ser respondido pelos povos
que conduzirão a nave Terra durante mais um século
de navegação pelo espaço infinito das aspirações
de justiça, paz e fraternidade;
(b)
tais aspirações, inscritas embora em Documentos Políticos
e Jurídicos, não se podem reduzir a abstrações
programáticas, dependendo de providências concretas
que as tornem efetivas;
(c)
essas providências não se esgotam na atuação
isolada de Poderes constituídos, como o Judiciário,
nem na lei do Estado, sendo falseada a idéia de que
“o império da lei”, sempre indispensável para
estabelecer padrões mínimos, conduz à erradicação
dos preconceitos e das desigualdades que forjam os
conflitos humanos;
(d)
as Sociedades e os Estados devem conjugar esforços
para afastar os preconceitos e reduzir as
desigualdades sociais e econômicas, cientes de que
novas posturas não decorrem, necessariamente, de
normas jurídicas, mas da percepção que cada ser
humano desenvolva do mundo e do outro;
(e)
o respeito aos direitos humanos passa por essa percepção,
que somente processos pedagógicos continuados e
amadurecidos são capazes de produzir;
(f)
das autoridades estatais em geral esperam-se decisões
que confiram prioridades que gravitem em torno da
dignidade do homem, independentemente de suas condições
pessoais, mas levem em conta essas condições ao
estabelecerem políticas compensatórias das
desigualdades.
A
multiplicação, em quantidade e diversidade, de litígios
submetidos à tutela jurisdicional, atestada pelo
perfil estatístico do número e da espécie das ações
judiciais distribuídas nas últimas décadas, traduz
acréscimo do potencial de conflito em que vive a
sociedade humana, como provável resultado de diferenças
e desigualdades que se agravam. O número dos mandados
de segurança impetrados perante os Juízos de Fazenda
do Estado do Rio de Janeiro mais do que dobrou nos últimos
três anos; cifra significativa da crescente
inconformação (o que é saudável, do ponto de vista
sócio-cultural, desde que o Judiciário tenha condições
de dar respostas efetivas) de titulares de direitos
subjetivos individuais, que se acreditam lesados por
atos de autoridades públicas que reputam abusivos.
Em
face desse quadro, e das resistências que se observam
no dia-a-dia das atividades estatais, seriam características
desejáveis do Judiciário, no alvorecer do terceiro
milênio:
(a)
a universalidade da função conciliadora da tutela
jurisdicional estatal, em integração com as
Comunidades;
(b)
a suplementariedade da tutela arbitral privada, para
resolver conflitos entre empresas e grupos econômicos;
(c)
a racionalidade de gestão dos meios disponíveis,
pela entrega da administração judiciária a
profissionais especializados, evitando-se que a
exercitem os próprios magistrados, em geral sem formação
técnica para administrar;
(d)
a modicidade dos serviços judiciários, podendo
chegar à gratuidade absoluta para todos, como dever
do Estado;
(e)
a interdisciplinariedade da formação do magistrado.
Seriam
medidas estimuladoras da universalidade:
1
- desmembramento e descentralização de órgãos
judicantes de primeiro grau (Juízos e Juizados
Especiais), por regiões, distritos ou bairros, nas
Capitais e no Interior, de modo a que cada qual conte
com quadro próprio de pessoal e funcione em instalações
cedidas e mantidas pelas Comunidades interessadas;
2
- instituição de plantões de conciliação à noite
e nos finais de semana, nos órgãos judiciais
descentralizados, com conciliadores voluntários
treinados e supervisionados.
Seriam
medidas estimuladoras da suplementariedade:
1
- apoio do Judiciário à instalação de serviços de
arbitragem privada nas cidades que sejam sede de regiões
judiciárias, mediante convênios com entidades não-governamentais;
2
- realização de campanhas de esclarecimento, junto
ao empresariado, sobre a arbitragem como alternativa
à tutela jurisdicional estatal.
Seriam
medidas estimuladoras da racionalidade administrativa:
1
- criação pelos Tribunais de Justiça, ou apoio às
que já existam, de escolas de administração,
incumbidas de ministrar cursos de reciclagem e
treinamento em serviços administrativos e cartorários
(v.g., o processamento nas Varas Cíveis; nas Varas de
Família; nas Varas da Fazenda Pública; nas Varas de
Órfãos; nas Varas Criminais; nos Juizados
Especiais), de modo a alcançar, progressivamente, a
totalidade dos serventuários e pessoal de apoio em
atuação em todos os Juízos e Juizados;
2
- implantação de política gerencial que evite o
desvio de função e mantenha os serventuários no
exercício das atribuições pertinentes ao cargo e à
formação de cada qual;
3
- estabelecimento de intercâmbio técnico entre
gestores do Judiciário e órgãos de controle interno
e externo da atividade administrativa estatal (v.g.,
Tribunal de Contas);
4
- elaboração de planos anuais de aplicação dos
recursos existentes em orçamento e/ou fundos
especiais de reaparelhamento do Judiciário,
confiando-os a gestão técnica;
5
- revisão e implantação de reforma, por empresa
especializada em O&M, a ser contratada mediante
licitação pública, da organização e dos métodos
existentes na estrutura administrativa dos órgãos do
Judiciário, de modo a obter o máximo de
rentabilidade dos meios disponíveis e de seu
funcionamento regular, incluindo extinções, fusões,
reduções, ampliações ou modificações de órgãos,
serviços e cargos.
Seriam
medidas estimuladoras da modicidade:
1
- elevação da produtividade dos órgãos e serviços,
em decorrência da reformulação de O&M, do
treinamento do pessoal cartorário e de apoio, e da
concentração de pessoal qualificado na atividade-fim
da função judicial;
2
- adoção, após estudo adequado, de rotinas e
procedimentos informatizados passíveis de padronização,
em todos os órgãos de administração e prestação
jurisdicional, de sorte a eliminar rotinas repetitivas
ou ociosas e o uso de materiais diversos para atos de
idêntico teor ou atividades assemelhadas;
3
- capacitação do pessoal para o desempenho de
tarefas múltiplas do respectivo setor de lotação,
evitando-se a compartimentação de atribuições;
4
- criação de centro de estudos jurídicos em cada
Tribunal de Justiça, para promover debate permanente
sobre questões jurídicas controvertidas, almejando
uniformizar entendimentos e, em conseqüência,
reduzir divergências, contribuir para tornar mais rápido
o julgamento dessas questões e desestimular o
aforamento desarrazoado de demandas.
Seriam
medidas estimuladoras da interdisciplinariedade:
1
- introdução, nos cursos de formação e reciclagem
destinados a magistrados, ministrados pelas Escolas de
Magistratura existentes ou a serem criadas, de matérias
de outras áreas científicas que interessam ao exercício
da jurisdição, na sociedade globalizada do Século
XXI (filosofia, sociologia, psicologia, política,
economia, informática);
2
- estabelecimento de intercâmbio cultural, mediante
convênios, com escolas de magistrados de países
cujos sistemas jurídicos sejam assemelhados,
incluindo bolsas de estudo para cursos de curta e média
duração (até um ano);
3
- realização, em convênios com entidades
especializadas, de cursos específicos sobre normas
jurídicas supranacionais e sua eficácia nas relações
jurídicas entre nacionais de países membros de
mercados regionais (v.g., Mercosul), preparando
pessoal com vistas à possível criação de tribunais
regionais, de que já cogitam os Governos desses países.