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A LIBERDADE E O CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA
Heráclito Fontoura Sobral Pinto

Depois do direito à vida, nenhum outro direito é mais importante do que a liberdade. Entre todas as criaturas, só o homem a possui e dela desfruta. Própria das criaturas inteligentes, a liberdade dá ao homem o domínio de seus atos. Está, então, na mão dos homens usá-la para o bem ou para o mal.
Ela não é, portanto, o fim em si mesma, mas tão-somente meio para que o homem entre o bem e o mal, escolha sempre o bem. Ela está vinculada, necessariamente à vontade, à qual não incumbe conhecer o bem e o mal, para, afinal, distingui-los. Esta é a função da razão.
Decorre, pois, destes pressupostos, que a liberdade deve de estar sempre subordinada à orientação da razão.
Mas a razão está sujeita, permanentemente, a desvios. Ela não segue, sempre e por toda a parte, o caminho do bem, podendo, deste modo, propor à vontade que utilize a liberdade para escolher o que não é bom nem moral.
Urge, por isto, defender a liberdade, isto é, criar condições que a orientem para abraçar a verdade, o bem e o justo. Este é o objetivo da lei. Estabelecendo normas, sábias e claramente formuladas, a lei declara o que é permitido fazer e o que é obrigatoriamente proibido.
Entre todas, a primeira e a principal lei é a natural, a saber, a que é inerente à natureza do homem, como criatura racional e livre. Ela impede que cada um faça o que bem lhe parece e quer. Uma vez que o homem vive em sociedade, é mister que cada um respeite, consciente e deliberadamente, a orientação da lei natural, que a todos iguala em dignidade e em compreensão mútua.
Esta mesma lei veda, simultaneamente, que os governantes, no exercício 4e sua autoridade, façam o que bem eles entendem. A autoridade deles não deve nem pode ser absoluta, estando, limitada pela obrigação de promover o bem comum da sociedade, de que é elemento integrante a liberdade individual, devidamente orientada pela razão convenientemente esclarecida. Se os governantes têm, como de necessidade, limitada a sua autoridade, é claro que o mesmo há de acontecer, simultaneamente, com a vontade dos membros da sociedade, a fim de que a liberdade não se transforme em licença, origem e fonte do caos e da anarquia.
As nações cultas e civilizadas cuidaram de regulamentar, em capítulo especial de suas respectivas Constituições, o exercício prudente e racional da liberdade, desdobrando-a, para isto, em direitos clara e precisamente formulados.
Os políticos brasileiros tiveram, no começo da segunda metade deste século e alguns anos após a terminação da 2ª Guerra Mundial, a noção teórica de que esses direitos não eram apenas nacionais, tendo adquirido a categoria de direitos universais, inseparáveis do próprio conceito da civilização.
Foi por isto possível ao Deputado Bilac Pinto, apresentar, em abril de 1956, à Câmara dos Deputados, de que fazia parte como representante de Minas Gerais, pela União Democrática Nacional, um Projeto d?e Lei criando, na Administração Pública Federal, um órgão, com os poderes adequados e necessários, para defender, em todo o território nacional, com real eficácia, os direitos da pessoa humana, ameaçados ou violados pelas autoridades, civis e militares, da União, dos Estados e das Municipalidades.
Assim começa a justificação desse projeto: “A última Guerra Mundial, que tantos sacrifícios custou à humanidade, trouxe para os povos de todo o mundo algumas conquistas inapreciáveis.
Dentre elas desejamos destacar a criação de uma nova consciência universal a respeito do conteúdo e da valorização dos direitos da pessoa humana, o que levou as Nações Unidas não apenas a formular uma Declaração de Direitos, mas sobretudo a colocar problema da efetividade do gozo e do respeito a tais direitos como uma das pedras angulares da civilização do nosso tempo.
Após breve histórico sobre a luta, ao longo dos séculos, pela implantação, no seio das Nações, do direito à liberdade, Bilac Pinto adverte, com indiscutível verdade, na sua Justificação: “Os fatos mais significativos na história do reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana são porém os recentes atos internacionais que visam, a um tempo, colocá-los em plano supra nacional e a assegurar a sua plena eficácia.”
Salientando, com indiscutível acerto, que os direitos da pessoa humana tinham adquirido conceituação universal, havendo, assim, transposto as fronteiras nacionais, o Deputado Bilac Pinto acentuou, exato e verdadeiro: “Coube às Repúblicas Americanas no último quinquênio, um importante papel no movimento destinado a obter o reconhecimento dos direitos humanos.
O Presidente Roosevelt foi um dos mais eminentes “leaders” do esforço no sentido de colocar a eficácia do gozo dos direitos da pes?soa humana como principal fundamento da organização política do mundo contemporâneo.
Em discurso proferido em 6 de janeiro de 1941, dizia o saudoso Presidente americano: “A democracia, ou seja, a prática do governo próprio, é uma convenção entre homens livres para respeitar os direitos e as liberdades de seus semelhantes.
Constitui orgulho nosso dizer que em nosso País os homens têm liberdade de divergir dos seus concidadãos e do seu governo e de expressar seus pensamentos e de executá-los. Nós acreditamos que somente o homem na plenitude de seus direitos é um homem livre.
Liberdade significa a supremacia dos direitos humanos em toda a parte.
Nosso apoio é dirigido em favor daqueles que lutam para conquistar e manter tais direitos. Nos dias do futuro, que desejamos tornar tranquilos, antevemos um mundo fundado nas quatro liberdades essenciais do homem.
A primeira liberdade é a da palavra e expressão — em qualquer parte do mundo. A segunda é a liberdade de cada pessoa adorar a Deus a seu modo — em qualquer parte do mundo. A terceira é a libertação da necessidade, a qual, traduzida em termos mundiais, significa a existência de condições econômicas que assegurem em cada Nação, vida saudável e pacífica para seus habitantes — em qualquer parte do mundo. A quarta é a libertação do medo, a qual, traduzida em termos mundiais, quer dizer uma redução mundial de armamentos a tal ponto e de tal modo que nenhuma Nação esteja em posição de cometer um ato de agressão material contra a outra — em qualquer parte do mundo.”
Qualquer destas liberdades acolhidas, em abril de 1956, pelo Deputado Bilac Pinto, como justificação de seu projeto, era literalmente observada no Brasil de então. O Presidente da República, que dirigia a Nação Brasileira e os p?artidos, que atuavam na vida pública do Pais, timbravam em respeitar, conscientemente, estas quatro liberdades
Nobremente empenhado em reivindicar para o Continente Americano a primazia da internacionalização do conceito dos direitos humanos e da necessidade de serem eles defendidos, pelo Poder Público, o Deputado Bilac Pinto recordava, na sua Justificação: “Falando no encerramento da Conferência de São Francisco das Nações Unidas, em 1945, o Presidente Truman antecipava o advento de uma Declaração Internacional de Direitos e assinalava a sua importância como fator de paz e segurança para a comunidade mundial.
“De acordo com este documento — dizia o Presidente Truman, referindo-se à Carta das Nações Unidas — temos motivos para confiar na elaboração de uma Declaração Internacional de Direitos, que possa ser aceita por todas as Nações.
Assim como a nossa Declaração de Direitos constitui uma parte da nossa Constituição, essa nova Declaração de Diretos constituirá um capítulo do Direito Internacional.
A carta se propõe a assegurar e tornar efetivos os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
A menos que possamos lograr esses objetivos para todos os homens e mulheres em qualquer parte do mundo — independente de raça, língua ou religião — não poderemos ter paz e segurança permanente.”
O propósito da Nação Norte-americana de dar aos direitos humanos uma conceituação internacional na certeza de que esta transformação do conceito daria a tais direitos uma indiscutível segurança, levou o General George O. Marshall, então Secretário de Estado a discursar, lembra o Deputado Bilac Pinto, na sua Justificação ao Projeto, de sua lavra: “na Assembléia das Nações Unidas, reunida em Paris, em 1948”, onde, recorda esse, então, Deputado, “insist?iu na importância da reafirmação dos direitos humanos com estas palavras:
sem dúvida oportuno que esta Assembléia Geral, reunindo-se na França, que em 1789, com a Declaração dos Direitos do Homem, comoveu a humanidade, considere em 1948 a aprovação de uma nova Declaração de Direitos Humanos para os homens livres de um mundo livre.
Não bastará porém a reafirmação do nosso respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais: será necessário insistir na nossa determinação de ampliar e proteger esses direitos e essas liberdades.
Liberdade de pensamento, de consciência e de religião; liberdade de opinião e de expressão, garantia contra prisão e detenção arbitrária; o direito do povo de escolher seu próprio governo, de participar da administração e de mudar o governo quando este não mais o satisfaça e, afinal, a obrigação do governo de agir de conformidade com o direito — são alguns dos elementos que concorrem para dar dignidade e valor ao indivíduo...
Na denegação sistemática dos direitos humanos básicos encontramos a causa primeira da maioria das perturbações que comprometem o trabalho das Nações Unidas. .
O — nessa época, abril de 1956 — eminente e ilustre político mineiro focalizou, com oportunidade e inteira procedência, na Justificação do Processo: “À medida que os “leaders” políticos americanos tomavam essa posição inequívoca em defesa dos direitos da pessoa humana, ia ganhando terreno a idéia de se formular um documento continental para a reafirmação desses princípios.
E, afinal, na Nona Conferência dos Estados Americanos, realizada em Bogotá, Colômbia, no ano de 1948, as vinte e uma repúblicas deste continente, coroando o trabalho das chancelarias, adotou a Declaração Americana dos Direitos e Deveres Fundamentais do Homem, constitu?ída de trinta e oito artigos.
Essa importante declaração teve não apenas o mérito de definir e ampliar o elenco dos direitos da pessoa humana, entre eles incluindo os novos direitos sociais e econômicos, mas sobretudo o de erigir a observância de tais direitos à categoria de matéria que transcende os quadros nacionais para constituir assunto de imediato interesse no plano internacional.”
A experiência das Nações demonstra que não basta definir os direitos. ~ necessário, simultaneamente, que com a definição deles se estabeleça, com firmeza, os meios e os modos que os façam respeitar.
Sem a criação, em cada País ou na área Internacional, de um Órgão Administrativo com a faculdade e os poderes necessários para fazer respeitar os direitos humanos definidos em fórmulas verbais claras e insofismáveis, ninguém poderia pensar ou esperar, jamais, que tais direitos seriam respeitados pelo governo do País, cujo interesse se confunde, exatamente, com o não reconhecimento ou a não obediência a tais direitos.
A liberdade de ir e vir, como a de não ser preso arbitrariamente, tem, no habeas corpus, o meio adequado de defendê-lo. Coisa semelhante se tornava indispensável criar, no nosso País, em defesa dos demais direitos definidos em capítulo especial da nossa constituição e nas duas Declaraç6es dos Direitos da Pessoa Humana, a do Continente Americano, promulgada em Bogotá, e a das Naç6es Unidas, promulgada em Paris.
O Deputado Bilac Pinto teve o notável mérito de organizar um projeto de lei, que criou no Brasil um Órgão Administrativo capaz, pelas faculdades e poderes que lhe seriam atribuídos, de defender com eficácia todo e qualquer direito da pessoa humana, que viesse a ser violado por abuso de autoridades. Eis este projeto:
O Congresso Nacio?nal decreta:
Art. 1º Fica criado o Ministério da Justiça e Negócios Interiores e o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
Art. 2º O O. D. D. P. H. será integrado pelos seguintes membros: Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Ministro das Relaç6es Exteriores, Presidente do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Presidente do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, Professor Catedrático de Direito Constitucional da Faculdade Nade Direito, Professor Catedrático de Direito Internacional Público da Faculdade Nacional de Direito, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Presidente da Associação Brasileira de Rádio, Presidente da Associação Brasileira de Educação, Líderes da Maioria e da Oposição na Câmara dos Deputados e no Senado.
Parágrafo único — a presidência e a vice-presidência do Conselho caberão, rotativamente, ao Ministério da Justiça e ao Ministro das Relaç6es Exteriores.
Art. 3º Os membros do C.D.D.P.H. e o secretário que for designado pelo Ministro da Justiça receberão o “jeton” de presença de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros> por sessão, até o máximo de quatro sessões mensais.
Art. 4º Compete ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana:
1º) Promover inquéritos, investigações e estudos acerca da eficácia das normas asseguradoras dos direitos da pessoa humana, inscritos na Constituição Federal, na Declaração Americana dos Direitos Fundamentais do Homem (1948) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948);
2º) Promover a divulgaç5o do conteúdo e da significação de cada um dos direitos da pessoa humana mediante conferências e debates em universidades, escolas, clubes, associações de classe e sindicatos e por meio da imprensa, do rádio, da televisão, do teatro, de livros e folhetos;
? 3º) Promover nas áreas que apresentem maiores índices de violação dos direitos humanos:
a) a realização de inquéritos para investigar as suas causas e sugerir medidas tendentes a assegurar a plenitude do gozo daqueles direitos:
b) campanhas de esclarecimento e divulgação;
4º) Promover inquéritos e investigações nas áreas onde tenham ocorrido fraudes eleitorais de maiores proporções, para o fim de sugerir as medidas capazes de escoimar de vícios os pleitos futuros;
5º) Promover a realização de cursos diretos ou por correspondência, que concorram para o aperfeiçoamento dos serviços policiais, no que concerne ao respeito dos direitos da pessoa humana;
6º) Promover entendimentos com os governos dos Estados e Territórios cujas autoridades administrativas ou policiais se revelem, no todo ou em parte, incapazes de assegurar a proteção dos direitos da pessoa humana, para o fim de cooperar com os mesmos na forma dos respectivos serviços e na melhor preparação profissional e cívica dos elementos que os compõem;
7º) Promover entendimentos com os governos estaduais e municipais e com a direção de entidades autárquicas e de serviços autônomos, que estejam por motivos políticos, coagindo ou perseguindo seus servidores, por qualquer meio, inclusive transferências, remoções e demissões, a fim de que tais abusos de poder não se consumem ou sejam, afinal, anulados.
8º) Recomendar ao Governo Federal e aos dos Estados e Territórios, a eliminação do quadro dos seus serviços civis e militares, de todos os seus agentes que se revelem reincidentes na prática de atos violadores dos direitos da pessoa humana;
9º) Recomendar o aperfeiçoamento dos serviços de polícia técnica dos delitos por meio de provas indiciárias;
10º) Recomendar ao Governo F?ederal a prestação de ajuda financeira aos Estados que não disponham de recursos para a organização de seus serviços policiais, civis e militares, no que concerne à preparação profissional e cívica dos seus integrantes, tendo em vista a conciliação entre o exercício daquelas funções e o respeito aos direitos da pessoa humana;
11º) Estudar e propor ao Poder Executivo a organização de uma divisão ministerial, integrada também por órgãos regionais, para a eficiente proteção dos direitos da pessoa humana;
12º) Estudar o aperfeiçoamento da legislação administrativa, penal, civil, processual e trabalhista, de modo a permitir a eficaz repressão das violações dos direitos da pessoa humana por parte de particulares ou de serviços públicos;
13º) Receber representações que contenham denúncias de violações dos direitos da pessoa humana, apurar sua procedência e tomar providências capazes de fazer cessar os abusos particulares ou das autoridades por eles responsáveis.
Art. 5º O CD.D.P.H. cooperará com a Organização das Nações Unidas no que concerne à iniciativa e à execução de medidas que visem assegurar o efetivo respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.
Art. 6º No exercício das atribuições que lhes são conferidas por esta lei, poderão o C.D.D.P.H. e as Comissões de Inquérito por ele instituídas determinar as diligências que reputarem necessárias e tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, inquirir testemunhas, requisitar às repartições públicas informações e documentos e transportar-se aos lugares onde se fizer mister sua presença.
Art. 7º As testemunhas serão intimadas de acordo com normas estabelecidas no Código de Processo Penal.
Parágrafo Único — Em caso de não comparecimento de testemunh?as sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao Juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre, na forma do art. 218 do Código de Processo Penal.
Art. 8º Constitui crime:
— Impedir ou tentar impedir mediante violência, ameaças ou assuadas, o regular funcionamento do C.D.D.P.H. ou de Comissão de Inquérito por ele instituída, ou o livre exercício das atribuições de qualquer de seus membros.
Pena — a do art. 329 do Código Penal.
II — Fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou intérprete perante o C.D.D.P.H. ou Comissão de Inquérito por ele instituí Pena — a do art. 342 no Código Penal.
Art. 9º No orçamento da Unido será incluída, anualmente, a verba de Cr$ 10.000,00 (dez milhões de cruzeiros) para atender às despesas de qualquer natureza do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
Art. 10º A presente lei entrará em vigor na data de sua publicaç5o, revogadas as disposições em contrário.
Sala das Sessões, em 2 de abril de 1956 — Bilac Pinto.”
Este projeto dormiu, durante anos, em alguma das gavetas da Câmara dos Deputados. Retirado dessa gaveta, teve andamento moroso, até que em janeiro de 1961 recebeu redação final, seguindo, então, para o Senado, onde caminhou a passos menos lentos, pois, em maio de 1958 a Comissão de Constituição e Justiça aprovava, unanimemente e sem a menor modificação, o projeto supra transcrito, que mereceu brilhante Parecer favorável do saudoso Senador Milton Campos. No decurso dos debates do projeto houve emendas alterando a composição do Conselho, todas elas no sentido de serem excluídos desse Órgão o Ministro das Relações Exteriores, o Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, o Professor Catedrático de Direito e o Pres?idente da Associação Brasileira de Rádio, emendas estas que foram aceitas pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado; em Parecer do pranteado Senador Pedro Aleixo, emitido em maio de 1963.
Afinal, após percorrer, no Congresso Nacional, os trâmites regimentais o projeto, sancionado pelo tão discutido Presidente João Goulart, se transformou na Lei n9 4319 de 16 de março de 1964.
Em 31 de março de 1964, isto é, 15 dias depois da promulgação dessa lei, que criara o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em nosso País, explodiu o movimento militar, com a colaboração dos integrantes da União Democrática Nacional, que visava depor o Presidente Jogo Goulart. Deposto esse Presidente, os militares assumiram a direção do País, colocando na Presidência da República o General Humberto de Alencar Castelo Branco.
O Senador Milton Campos, nomeado Ministro da Justiça desse governo militar e o Deputado Bilac Pinto, eleito, mais tarde, Presidente da Câmara dos Deputados, não tiveram força nem prestígio para instalar, no País, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, por cuja criação, pelo Congresso Nacional, tanto se esforçaram e trabalharam, com entusiasmo e sinceridade, nas duas Casas do Congresso, que tanto elevaram e honraram com a sua cultura, dignidade e patriotismo.
A Lei n.º 4.319, de 16 de março de 1964, permaneceu letra morta até que este Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em brilhante parecer do Prof. Otto Gil de Andrade, por ele aprovado, reclamou, reiteradas vezes, do Ministro da Justiça do Governo do General Artur da Costa e Silva, a sua aplicação.
Instalado o Conselho, a maioria de seus membros, submissa aos interesses da ditadura militar que passara a governar a Nação não permitiu, nunca, que ?o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana exercesse as suas atribuições. Se o Conselho entrasse a cumprir as suas obrigações legais, os abusos das autoridades e do Poder, férteis nessa época de opressão e perseguição, sistematicamente impunes, não se teriam verificado, uma vez que a lei, perfeita nas suas determinações e previsões, habilita o Conselho a tomar as medidas administrativas necessárias para descobrir esses abusos e punir os seus autores.
Houve um momento em que a maioria governamental, nesse Conselho, pareceu periclitar. O Governo aproveitando um Projeto imprudente apresentado por um Sena dor da Oposição, alterou a composição do referido Conselho e prescreveu que fossem secretas as suas deliberações, e reduziu ao mínimo as suas sessões anuais.
Dispondo da maioria no Congresso Nacional, o Governo alterou a composição do Conselho, incluindo nele quatro elementos de sua confiança absoluta, isto é, Representante do Ministério das Relações Exteriores, Representante do Conselho Federal de Cultura, Representante do Ministério Público Federal e Professor Catedrático de Direito Penal de uma das Faculdades Federais.
Surgiu, deste modo, relativamente ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o problema mencionado pelo saudoso Senador Milton Campos, em seu parecer, nestes termos: “O problema está na execuç5o desses princípios, que deixam muito a desejar na realidade dos nossos costumes. Para citar um exemplo: a Constituição impede, de maneira categórica, as prisões arbitrárias, e para isso teve a cautela de determinar que qualquer prisão será imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal, e, se for o caso, promoverá a responsabilidade da autoridade coatora (§ 22 do art. 141). Mas todos sabem que este texto e?m geral não se aplica. As arbitrariedades policiais se multiplicam e nunca as prisões são comunicadas ao Juiz, nem os coatores responsabilizados.”
É necessário que se dê a maior atenção às justas e sensatas ponderações do eminente político mineiro, quando, em seu parecer, proclama, acertadamente: “Dir-se-á que, com esse caráter, o C.D.D.P.H. poderá ser ineficiente. Acredito que não. Um Conselho de tão altas autoridades e personalidades terá sempre excepcional força moral para, influenciando os governos, as instituições e a opini5o pública, defender os direitos dos cidadãos contra as arremetidas suscitadas pelo espírito de opressão onde quer que ele se manifeste.”
Pouco me importa que até agora o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana não tenha podido exercer, como de sua obrigação, as nobres, necessárias e indispensáveis atribuições, que a lei lhe confere, para que faça varrer dos nossos costumes os abusos da autoridade e do Poder, que atentam, impunemente, contra os direitos da pessoa humana.
Uma vez que a Ordem dos Advogados do Brasil faz parte deste Conselho, através da pessoa do Presidente de seu Conselho Federal, é de seu dever esforçar-se, a todo o seu poder, para que a Lei n.º 4319, de 16 de março de 1964, seja aplicada honesta, leal e serenamente.
Inicialmente, cumpre que o Conselho Federal obtenha a proclamação, através da deliberação da VIII Conferência Nacional dos Advogados do Brasil, que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Declaração Universal dos ‘Direitos Humanos estão, pela Lei n9 4319, de 16 de março de 1964, incorporadas ao Direito positivo do Brasil.
Com efeito, o Art. 4º da mencionada Lei preceitua: “Compete ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana:
1º — Promover inqu?érito, investigações e estudos acerca da eficácia das normas asseguradoras dos direitos da pessoa humana, inscritos na Constituição Federal, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres Fundamentais do Homem (1948) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).”
Com efeito, a Lei equipara, no texto supra transcrito, as duas Declarações, tanto a Americana quanto a Universal, à Declaração dos Direitos e Garantias Individuais, definidos e enumerados na Constituição Federal do Brasil. O texto legal, acima reproduzido, empresta e exige igual eficácia às três Declarações, a saber: a da Constituição Federal, prevista no Art. 153 e seus 35 parágrafos e no Art. 154, na Declaração Americana, de Bogotá, e na Declaração Universal, de Paris.
A preceituação legal é clara e categórica ao determinar que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana indague, através de inquérito, investigações e estudos se os direitos da pessoa humana, consagrados nas três Declarações, estão sendo eficazes. Ela impõe, assim, ao Conselho o dever de apurar se as Três Declarações estão protegendo eficazmente os direitos da pessoa humana.
Em face da preceituação constante do Art. 49 da Lei n.º 4319, de 16 de março de 1964, é claro e evidente que as duas Declarações, a de Bogotá e a de Paris, foram incorporadas ao direito positivo brasileiro, devendo, assim, ser aplicadas pelo Poder Executivo e pelo Poder Judiciário, em nosso País.
O cidadão brasileiro e os estrangeiros residentes no País, podem exigir e reclamar, pelos meios jurídicos competentes, que a Declaração de Bogotá e a Declaração de Paris sejam a ele aplicadas, a fim de que possam se beneficiar dos preceitos legais constantes das duas Declarações. É que elas estão equiparadas, pela Lei n9 4319, de 16 de março ?de 1964, à Declaração dos Direitos e Garantias Individuais definidos e enumerados na Constituição da República Federativa do Brasil, ora em vigor no nosso território.
Proponho, então que a VIII Conferência Nacional dos Advogados do Brasil, declare, de modo expresso e categórico, que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres Fundamentais do Homem, proclamada em Bogotá, em 1948. e que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em Paris, também em 1948, estão incorporadas ao direito positivo brasileiro e equiparadas à Declaração dos Direitos e Garantias Individuais constante dos arts. 153 e 154 da Constituição da República Federativa do Brasil.
Dos treze itens, em que se desdobram as atribuições do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, fixados no art. 49 da Lei n.º 4319, de 16 de março de 1964, quatro dizem respeito à divulgação do conteúdo e eficácia, em nosso País, dos direitos da pessoa humana.
Tais atribuições não suo, evidentemente, privativas do Conselho da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Elas podem ser, perfeitamente, promovidas pelas Seções Estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil, e suas respectivas subseções e, ainda, pelas Universidades que existem e atuem em diferentes pontos do território nacional.
Eis os itens do art.º 4º da Lei acima referida, que a Ordem dos Advogados do Brasil pode, ou melhor, deve cuidar e se empenhar em executar sob a sua exclusiva responsabilidade:
O primeiro deles é o item 2º: “Promover a divulgação do conteúdo e da significação de cada um dos direitos da pessoa humana mediante conferências e debates em Universidades, escolas, clubes, associações de classe e sindicatos e por meio da imprensa do rádio, da televisão, do teatro, de livros e folhetos.”
Cada Seção ?Estadual e, em certos casos, cada subseção, como, por exemplo, a de Niterói e Campos no Estado do Rio; a de Campinas e Santos, no Estado de São Paulo; a de Juiz de Fora e Ouro Preto, em Minas Gerais; a de Anápolis em Goiás; a de Pelotas, no Rio Grande do Sul; a de Cachoeiro no Espírito Santo e muitas outras dos outros Estados deverão de se encarregar, ano após ano, de programar e de promover, pelos meios mencionados no texto supra, a divulgação entre os cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no País, de todas as idades e de todas as condições sociais, de cada um dos direitos enumerados e definidos tanto na Constituição da República quanto na Declaração de Bogotá e na de Paris. Se as seções Estaduais e algumas de suas respectivas Subseções se empenharem, como podem e devem, na divulgação de cada um dos direitos da pessoa humana, definidos e enumerados nos textos legais anteriormente nomeados, formar-se-á, por toda a parte, em nossa Pátria, uma consciência cívica, admiravelmente aparelhada, capaz de participar, em todos os setores da Nação, de ações e movimentos organizados no sentido de estabelecerem no País um Governo, em tudo e por tudo, democrático.
O segundo deles é o item 3º: “Promover nas áreas que apresentam maiores índices de violação dos direitos humanos:
a) a realização de inquéritos para investigar as suas causas e sugerir medidas tendentes a assegurar a plenitude do gozo daqueles direitos;
b) campanha de esclarecimento e divulgação;.”
Esta é, também, uma atividade, que está ao alcance de cada Seção Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil e de algumas de suas respectivas Subseções. Constituídas de advogados, professores, procuradores, pessoas todas cultas, experimentadas e dinâmicas, estão habilitadas, por suas atividades profissionais, ? a fixar, com perfeição, as causas que, nas suas cidades, geram o desrespeito aos direitos humanos, sendo-lhes, assim, fácil indicar as medidas adequadas para fazer desaparecer essas causas funestas e sombrias, dando, deste modo, plena eficácia à preceituação sobre os direitos humanos.
O terceiro é o de n.º 5º: “Promover a realização de cursos diretos ou por correspondência que concorram para o aperfeiçoamento dos serviços policiais, no que concerne ao respeito dos direitos da pessoa humana;.”
Tanto nas Seções Estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil, quanto muitas de suas várias Subseções, têm em seus quadros advogados que militam na área do direito criminal, estando, deste modo, em contato permanente com os serviços policiais. Estão estes profissionais por força de suas atividades, inteiramente ao par das deficiências, defeitos e falhas do aparelho policial, quer por falta de aparelhagem adequada a tais serviços, quer pelo despreparo das pessoas encarregadas de executá-los.
Estes membros das Seções e das Subseções podem e devem promover e realizar os cursos que contribuam, ora para reclamar a melhoria do aparelho policial, ora para instruir as pessoas que executam tais serviços. Não há negar que muitas das violações elos direitos da pessoa humana são consequências da ignorância, em que estão, as pessoas encarregadas de executar tais serviços. Esclarecê-las e instruí-las é, no meu entender, relevantes serviço que a Ordem dos Advogados do Brasil pode e deve prestar à Comunidade Nacional. Uma atividade do aparelho policial, vinculada sempre e necessariamente à preceituação dos direitos da pessoa humana, é, sem a menor dúvida, contribuição para a civilização da mentalidade das pessoas sujeitas à jurisdição dessa atividade policial.
O quarto item ao alcance? das atividades da Ordem dos Advogados do Brasil é o de n.º 12: “Estudar o aperfeiçoamento da legislação administrativa, penal, civil, processual e trabalhista de modo a permitir a eficaz repressão das violações dos direitos da pessoa humana por parte de particulares ou de serviços públicos;.”
Talvez não exista no Pais uma instituição que possa desempenhar, com tanta e tamanha perfeição esta atividade, a um tempo, cultural e prática, como a Ordem dos Advogados do Brasil, quer através do seu Conselho Federal, quer por intermédio de seus Conselhos Seccionais dos Estados e de suas respectivas Subseções. Todos estes órgãos são constituídos de advogados, procuradores e professores, em contato permanente com os múltiplos problemas jurídicos vinculados com os direitos da pessoa humana, nos vários ramos do Direito. Será fácil, assim, organizar, em todos os Estados da República, comissões de juristas que se incubam de “estudar o aperfeiçoamento da legislação administrativa, penal, civil, processual e trabalhista”, que facilite ao Poder Público “a eficaz repressão das violações dos direitos da pessoa humana” onde quer que elas se verifiquem.
O 5º item de que devem se encarregar com vivo interesse e nobre empenho, todas as Seções e Subseções Estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil é o de n.º 13, que preceitua: “receber representações que contenham denúncias de violação dos direitos da pessoa humana, apurar sua procedência e tomar providências capazes de fazer cessar os abusos dos particulares ou das autoridades por eles responsáveis.
Como é de notoriedade pública e, portanto, do conhecimento de todos os que vivem em terras do Brasil, as violações dos direitos da pessoa humana se verificam em todo o Território Nacional, de norte a sul e de este a leste, quer? por autoridades públicas, quer por particulares de grande fortuna e prestígio. Deste modo, as Seções Estaduais e Pátrio, poderão receber as denúncias de violação desses direitos, entrando, desde logo, a apurar a sua veracidade ou falsidade. No caso de ser a denúncia dada a Subseção e esta ter apurado a sua veracidade, tomará imediatamente as providências capazes de fazê-la cessar. Se, porém, tal providência for da competência da Seção Estadual, a esta será remetida a documentação para que proceda. como de direito. Mas se, também, ela não tem meios, nem modos, nem competência para atuar, enviará tudo ao Conselho Federal, para que, por sua vez, tome as providências que foram de sua alçada. Quando a denúncia for dada à Seção Estadual, esta cuidará, sem demora, de apurá-la, e se for procedente tomará as providências legais a seu alcance. Se, contudo, não lhe for possível tomar nenhuma providência, ou a que foi tomada não deu resultado, encaminhará todo o processo ao Conselho Federal. Os casos enviados a este, serão entregues ao seu presidente para que, na primeira seção do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana a que comparecer, a este os apresente para a necessária e oportuna deliberação.
Proponho, ante o que até aqui relatei, com base no texto da Lei n9 4319, de 16 de março de 1964, que a VIII Conferência Nacional dos Advogados do Brasil determine aos Conselho Federal, aos Conselhos Seccionais dos Estados e ás suas respectivas Subseções, que executem, as atividades enumeradas, expressa e precisamente, nos itens 2º, 3º, 5º, 12º e 13º, do Art.º 4º da mencionada Lei n.º 4319, de 16 de março de 1964.
Se estes Órgãos se dispuserem a realizar estas tarefas, eminentemente jurídicas, os direitos da pessoa humana adquirirão, no seios da opinião pública nacional,? uma extensão e um vigor tão amplos e sólidos que difícil e arriscado será desconhecê-los e violá-los. Um tal resultado é de importância e de relevo singulares, para o progresso espiritual, moral e temporal da Nação, que se libertará, desta maneira, do clima de violência em que temos vivido a partir de 1964.
De subido valor e alta significação para o tema que constitui o cerne mesmo desta tese, são estas palavras do Presidente Truman, justificando, em 1946, a criação, em seu País, da Comissão de Direitos Civis: “A preservação das liberdades civis constitui um dever de cada governo federal, estadual ou local.
Onde quer que as medidas de execução da lei ou a autoridade dos governos federal, estadual e municipal sejam adequadas para o desempenho desta função primária do Estado, essas medidas e essa autoridade devem ser melhoradas e reforçadas.
As garantias constitucionais da liberdade individual e da igualdade perante a lei colocam o Governo Federal no dever de agir, quando as autoridades estaduais e locais restringem esses direitos constitucionais ou faltam ao dever de assegurar a sua livre proteção.
Até agora, rio desempenho da obrigação que a Constituição lhe atribui, o governo Federal tem tido sua ação dificultada por uma legislação inadequada em matéria de direitos civis.
A proteção das nossas instituições democráticas e gozo pelo povo dos direitos assegurados pela Constituição exigem que a atual legislação seja ampliada e melhorada.
Devemos prover o Departamento de Justiça dos instrumentos necessários à execução dessas tarefas.
Por este motivo expedi hoje uma Ordem Executiva criando a Comissão Presidencial de Direitos Civis e a ela estou solicitando que me apresente um relatório escrito.
A substância d?esse relatório será constituída pela recomendação acerca da adoção ou do estabelecimento de normas legais ou de outra natureza que contenham meios e processos mais adequados e eficientes para a proteção dos direitos civis do povo dos Estados Unidos.”
Foi sob o amparo e a proteção destas lições ditadas pela experiência política de tão ilustres homens públicos norte-americanos que o, então, Deputado Bilac Pinto justificou o seu projeto, que se transformou, em 1964, na magnífica Lei n.º 4319, de 16 de março desse ano, que criou o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
Lembra, ainda, o eminente homem público, com grande acerto e oportunidade. no texto de Justificação: “Muito poderá ser feito para melhorar as nossas liberdades, de par com a lenta melhoria de nossa ordem social, por meio de uma campanha de educação que se proponha a mostrar a cada homem que o melhor meio de assegurar os seus próprios direitos é o de respeitar os direitos de seu semelhante. Um programa educacional que revele geograficamente o tremendo custo social e econômico das violações dos direitos civis poderá também produzir bons resultados.
Após esta sábia e lúcida advertência acrescenta, mais abaixo, em sua Justificação, o ilustre Sr, Bilac Pinto: “O homem deve pela educação adquirir a consciência desses diretos, a fim de respeitar os direitos de seu semelhante.
Ajudar o homem a atingir a esse estágio cultural deve constituir tarefa paciente e pertinaz.
Proponho, assim, dentro dessa orientação sadia, sábia e prudente, que a VIII Conferência Nacional dos Advogados do Brasil determine ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que ordene, por sua vez, aos Conselhos Seccionais dos Estados, que entrem em entendimento com as Faculdades de Direito existente na ?área de sua jurisdição, a fim de obter delas que criem, entre os seus cursos, também, o dos Direitos e Deveres da Pessoa Humana, tomando por base desta nova disciplina o texto da Declaração dos Direitos e Garantias Individuais, definidos e enumerados no Título II, Capítulo IV da Constituição da República Federativa do Brasil, o da Declaração Americana dos Direitos e Deveres Fundamentais do Homem, promulgada em Bogotá, em maio de 1948, e o da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em Paris, em dezembro do mesmo ano de 1948. Um tal curso, ministrado com objetividade, capacidade e seriedade, nas Faculdades de Direito espalhadas por todo o Território Nacional, habilitará os juristas, formados nestas Faculdades, a adquirir noção exata da significação cultural e legal dos direitos da pessoa humana e dos deveres indeclináveis das autoridades federais, estaduais e municipais de respeitá-los fielmente como integrantes da dignidade da pessoa dos cidadãos e dos estrangeiros residentes no País.
Urge esclarecer, agora, que, ao ser promulgada a Lei n.º 4319, de 16 de março de 1964, a Declaração dos Direitos e Garantias Fundamentais em vigor, em nossa Pátria, era a da Constituição de 1964, na qual não figurava o Artigo 154 da atual Constituição da República Federativa do Brasil, que diz: “O abuso de direito individual ou político, com o propósito de subversão do regime democrático ou de corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação civel ou penal que couber, e assegurada ao paciente ampla defesa.
Parágrafo Único — Quando se tratar de titular de mandato eletivo, o processo não dependerá de licença da Câmara a ?que pertencer.”
Como a mencionada Lei n.º 4319 não diz, em seu Artigo 4º: “promover inquérito, investigações e estudos acerca da eficácia das normas dos direitos da pessoa humana inscritos na Constituição Federal de 1964”, mas tão-somente: “promover inquérito, investigações e estudos acerca da eficácia das normas dos direitos da pessoa humana inscrita na Constituição Federal”, sem a restrição da data: “1946” manda observar a Constituição atualmente em vigor, que é promulgada em 17 de outubro de 1919, na qual figura o já citado Artigo 154.
A Ordem dos Advogados do Brasil tem, por este motivo, o dever de, pelo seu Conselho Federal e pelos seus Conselhos Estaduais e suas respectivas Subseções acatar o mencionado Artigo 154.
Todavia, o mesmo Conselho Federal, tem, entre as suas atribuições, pelo Artigo 18, I, da Lei n.º 4215, de 27 de abril de 1963,eos Conselhos Seccionais dos Estados, pelo Artigo 28, 1, da mesma Lei, o dever de “contribuir para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas.”
Ora, é “contribuir”, inequivocamente, “para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas” esforçarem-se os advogados brasileiros, através de seus Conselho Federal e Conselhos Seccionais dos Estados e respectivas Subseções, para que obtenham do Poder Competente a eliminação desse Artigo da Constituição da República Federativa do Brasil.
Proponho, então, que a VIII Conferência Nacional dos Advogados do Brasil recomende ao Conselho Federal e aos Conselhos Seccionais dos Estados e respectivas Subseções que, acatando o mencionado Artigo enquanto estiver em vigor, se empenham, porém, veementes e pertinazes, dentro da lei e da ordem, justo ao Poder Competente para que o elimine da Constituição da República.
Esta eliminação é necessária, porque esse Artig?o implica, em realidade, na revogação de todos os Direitos e Garantias Fundamentais, assegurados no Artigo 153 da mesma Constituição, além de importar, pelo seu Parágrafo único na supressão da imunidade parlamentar, uma vez que o Congressista pode ser processado sob a acusação de subversivo ou de corrupto, independentemente de prévia licença da Câmara a que pertencer.
As expressões “subversivo” e “corrupto” são por demais genéricas, vagas e imprecisas, comportando interpretações abusivas, arbitrárias e extravagantes. Mediante o seu emprego e uso, o Poder Executivo pode eliminar da vida pública os seus mais valentes e tenazes adversários sempre que as suas críticas, censuras e campanhas políticas estiverem incomodando, em demasia, os titulares desse poder, que têm no Procurador-Geral da República uma pessoa de sua imediata confiança, possuidora, também, de mentalidade igualmente autoritária, mais preocupada em manter a estabilidade dos governantes do que em respeitar e assegurar os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.
As atribuições conferidas ao Conselho da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana pelo Artigo 4º, itens 4º, 6º, 7º, 9º, 10º e 11º não podem, pela sua natureza e implicações com o Poder Político, ser avocadas tanto pelo Conselho Federal quanto pelos Conselhos Seccionais dos Estados e suas respectivas Subseções. Só o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana tem, pelos textos legais supra indicados, competência, capacidade e força administrativa e jurídica, para fazê-los cumprir, desde que se disponha a exercer, com energia e firmeza, os seus deveres legais.
Entretanto, o Presidente do Conselho Federal, aliando-se ao Presidente da Associação Brasileira de Imprensa a aos líderes da minoria na Câmara dos Deputados e no Sen?ado Federal, todos desvinculados da concepção autoritária inerente aos dirigentes do regime atualmente em vigor no País, poderá, com lucidez, serenidade e prudência, captar os votos dos seus demais companheiros do Conselho, para que, acima e fora de interesses subalternos do Governo, possa fazer prevalecer a eficácia, em nossa Pátria, dos direitos e deveres da pessoa humana, garantidos e assegurados na Constituiç5o da República e nas Declarações de Bogotá e de Paris.
Proponho, em face do que acabo de expor, que a VIII Conferência dos Advogados do Brasil recomende ao Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que procure estabelecer contatos, permanentes, com os demais membros do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, nos períodos de recesso do aludido Conselho, a fim de convencê-los de que o respeito, intransigente, aos direitos da pessoa humana, enumerados na Constituição da República, na Declaração dos Direitos e Deveres da Pessoa Humana, promulgada em Bogotá e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em Paris, se confunde com a própria civilização da nossa Pátria. E mister persuadir aos membros desse Conselho de Defesa que o progresso do País, em seus múltiplos setores, depende, em grande parte, do respeito, pelo Poder Público e pelos grupos poderosos das atividades privadas, dos direitos da pessoa humana.
Para que a VIII Conferência Nacional dos Advogados do Brasil possa verificar, desde logo, a procedência e objetividade das propostas constantes desta tese, vão, em anexo e na íntegra, o texto da Declaração dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição da República, o da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, proclamada em Bogotá, e o da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em Paris, que devem, todas, ser consideradas partes integrantes do presente tema.
A grandeza dos Estados Unidos e o poderio da velha Inglaterra nasceram, em boa parte, do culto da dignidade da pessoa humana, dignidade que é inseparável do acatamento, consciente e voluntário, dos direitos dessa pessoa. A liberdade da criatura humana, sem a qual nada se pode fazer de real e verdadeiramente duradouro e grande, está vinculada, necessariamente, ao respeito deliberado e generalizado dos direitos da pessoa. Basta ser homem para merecer, na sua pessoa, o respeito a todos os direitos consagrados na Constituição da República, na Declaração de Bogotá e na Declaração de Paris. Não há que indagar a raça e a língua, a religião e a filosofia, a fortuna e a pobreza, a condição social e a instrução daquele que atua e labuta na comunidade civil que o abriga. A simples qualidade de criatura racional é, por si só, suficiente para que se lhe reconheça, onde quer que se encontre, a posse dos direitos e deveres da pessoa humana, inscritos nas Declarações Nacionais e Internacionais, adotadas e firmadas pelas nações civilizadas. Com indiscutível razão afirma e ensina, com manifesta prudência, Morris B. Abran, Delegado dos Estados Unidos na Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas: “Chamam-se direitos humanos aqueles direitos fundamentais a que todo homem deveria ter acesso, em virtude puramente de sua qualidade de ser humano e que, portanto, toda sociedade, que pretenda ser uma sociedade autenticamente humana, deve garantir aos seus membros.” (in José Gastón Tobeñas — Los Derechos del Hombre, p. 12).
Idêntica, a saber, no mesmo sentido, é a ligo de outro notável jurista, Legaz, que proclama, firme e categórico: “Há direito absolutamente fundamental para o homem, base e condigo? de todos os direitos: o direito de ser reconhecido sempre como pessoa humana.
Este direito primário, na concepção atual dos povos civilizados e especialmente os chamados ocidentais, está, pois, fora da competência do Estado e das limitações que nos direitos fundamentais podem ser impostas pelas leis positivas.” (ibid. — p. 37).
É conveniente repetir, aqui com ênfase, a ponderação procedente e justa de José Gastón Tobeñas, a respeito das afirmações ininterruptas, neste terreno, da filosofia cristão: “O Cristianismo, com seus princípios universais de amor, de fraternidade e de justiça, constitui, segundo tempos podido ver, a mais solene proclamação dos direitos inerentes à personalidade humana, com todas as suas prerrogativas individuais e sociais.” (ibid. — p. 78).
Todavia e infelizmente, é dever dos juristas, reconhecer, sensatos e verdadeiros, esta triste realidade proclamada, com base na experiência de cada dia, pelo eminente José Gastón Tobeñas: “As garantias internas que o Estado concede aos direitos humanos são insuficientes e com frequência inúteis, porque são os próprios Estados que em sua aplicação podem desvirtuá-las, sendo, além disto, eles próprios os que muitas vezes se tornam culpados das maiores violações de tais direitos.” (ibid. — p. 108).
Que fazer, então, ante esta triste, dolorosa e revoltante realidade? Cruzar os braços e aceitar, silencioso e inerte, esta afronta ao Direito e à personalidade da pessoa humana, assegurada e garantida pelo mencionado Direito? Nã

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