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Justiça e Violência Policial - Perspectivas para  o Novo Século

 

Carlos Nicodemos[1] 

   Ao completar seu 500º

aniversário coincidindo com a chegada do próximo milênio, registramos na história do Brasil algumas  contradições estruturais do tamanho do seu tempo de vida.

 

Relevando as questões  econômicas  emergentes, resultado de uma visão de mundo mais globalizante, algumas destas contradições históricas são mais antigas do que a própria  existência  do Brasil enquanto país, e apontam para uma releitura do processo de formação do Estado brasileiro e  de suas instituições oficiais 

Partindo desta relação conseqüente entre Estado e Instituição, entendemos que a Polícia, enquanto um órgão estatal, hoje se consolida com uma contradição política estrutural, entre aquilo que representa para o imaginário coletivo social, e aquilo que realiza enquanto meio de implementação da política de segurança pública deste mesmo Estado. 

Não cabe mais julgar se a polícia é boa ou não. O que está em questão é: de que Estado estamos falando? Responder a esta pergunta  é identificar que o papel  que a polícia  cumpre reflete uma ordem  e um pensamento ideológico de um modelo de Estado, que cabe  aqui considerar. 

Partindo deste processo dedutivo histórico, vamos encontrar outros hiatos  e outras contradições políticas capazes de nos fazer pensar sobre a  atual condição desta figura política-jurídica, denominada Estado brasileiro. 

Neste sentido, constatamos que em 1988,  quando foi promulgada a Constituição brasileira , a política fez emergir   uma carta de princípios norteadores[2] que deveriam configurar o Estado brasileiro na prática. 

Primeiro deles é que a República brasileira se fundamenta, entre outros valores, pela cidadania e pela dignidade da pessoa humana. 

Como objetivos[3] do Estado brasileiro, a Carta Constitucional dispõe que, entre outros fins, o Brasil construirá uma sociedade livre, justa e solidária, além de erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais. 

 Ainda no mesmo diploma nacional, temos que as relações internacionais do Brasil, reger-se-ão, entre outros Princípios, pela Prevalência dos Direitos Humanos.

      

Somados a estes valores institucionais, a Constituição consagrou direitos fundamentais[4] da pessoa humana, como a vida, a liberdade, a reserva legal, a prestação jurisdicional, entre outros, colocando-os a salvo de qualquer  reforma, entendendo-os como indisponíveis e  essenciais, até mesmo, em relação à legitimidade do Estado enquanto ente público controlador destes direitos.           

Como se não bastasse, o legislador constituinte contemplou os Tratados Internacionais que regulam outros direitos humanos, enquanto normas imediatamente aplicáveis, desde que o Brasil as ratifique. É o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos  de  1948 e seus respectivos Pactos de Direitos Civis e Políticos e  de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, além dos Tratados regionais, como a  Convenção Americana de Direitos Humanos  de 1948, e outras Convenções temáticas, relativas aos denominados grupos vulneráveis e minorias sociais.           

Este conjunto normativo interno e internacional de liberdades públicas denuncia um hiato entre o Estado que queremos e o Estado de que dispomos. 

A violência policial  enquanto um fenômeno político-social resulta de um modelo de Estado, sendo apenas uma entre tantas outras questões controvertidas no cenário brasileiro. 

A ação do braço armado ( polícia ) do Estado, cujo  objetivo finalístico é o de “proteger”  a sociedade, acaba por converte-se numa violenta distorção , onde a população é relegada para um segundo plano, dando seu lugar à  manutenção  de uma ordem ideológica, entendida pelo processo de exclusão social vivido atualmente. 

Esta violência produzida pelo próprio Estado, através de seus agentes de segurança pública, modela  uma  prática de crimes não só no campo individual da responsabilidade daqueles que executam esta contraditória tarefa no dia-a-dia, mas também   daquele que emite a ordem de “atirar primeiro e  perguntar depois”. 

Não podemos desconsiderar que, como defende Elias Diaz[5],  esta violência se institui quando falham os mecanismos de legitimação do Estado, baseado no convencimento de sua legitimidade.           

E partindo desta falta de controle pela perda do reconhecimento coletivo, verifica-se  a substituição por duas formas possíveis de violência, a social e a física.

Diaz entende que se trata de uma substituição do reconhecimento do poder estatal sobre a base de uma persuasão racional, através da violência repressiva.           

Entendemos que  a violência social  se traduz nas desigualdades instituídas pelo sistema político-econômico, enquanto que a violência física se estabelece através da repressão desregrada. 

A apuração dos crimes praticados por policiais nas comunidades carentes, entre eles, lesão corporal, homicídio, ameaça, extorsão, revela uma conduta social, e porque não dizer institucional, que deve ser entendida através de uma ótica criminológica e não,  na perspectiva dogmática objetiva do direito penal utilizada até aqui.           

Isto significa que estes crimes não devem ser entendidos  apenas como condutas que contrariam o Código Penal, e, portanto, meramente  devem ser apurados e responsabilizados. 

Este movimento punitivo já foi sentenciado como ineficaz pelo próprio sistema judicial, onde na maioria absoluta das vezes, os processos que apuram referidos delitos se perdem no tempo, na falta de condição e  de  interesse do Estado em apurá-los.           

Até porque, na linha de pensamento que aqui defendemos,  no campo político, seria o Estado apurando sua própria responsabilidade. 

Neste sentido, Roberto Bergalli[6]  entende que a instância judicial se converte no momento central de aplicação das normas penais, independente de outros fatores ou elementos que conduziram à prática de crimes. 

E, partindo desta postura, a violência policial seria apenas foco de conflitos  de interesses sociais, onde o Estado deve intervir como regulador, sem qualquer outra responsabilidade. A questão neste momento é como alterar este quadro de violação de direitos “defendido” pelo próprio Estado? 

Primeiro quanto aos crimes que são praticados por policiais, é preciso entender este fenômeno  sob uma nova versão jurídica-política. É preciso estudá-lo enquanto um objeto criminológico,  e não dogmático-penal. 

Isto significa, entender o processo de produção desta violência a partir de suas causas e conseqüências,  estudando a situação da vítima, o perfil do criminoso, a natureza do delito e o controle social que o Estado deve e  pode exercer nesta questão           

Destacamos  entre estes elementos, que um pouco definem a ciência da Criminologia, a condição da vítima nos crimes praticados por policiais. 

É preciso quebrar a mitificação de que a vítima é um ser coitado e inocente, e que sua condição de sofrimento é simplesmente um casuísmo social. 

É fundamental  potencializar a vítima  enquanto sujeito de direitos e deveres no sentido de protagonizá-la nos denominados movimentos de autodefesa. 

Para isso, é preciso reeducar a intervenção dos órgãos governamentais e não-governamentais na questão da violência policial, no sentido de atuar   em relação a  estes  novos elementos criminológicos. 

Ao governo caberia estabelecer programas de assistência às vítimas, buscando, como afirmou Garcia-Pablos[7], neutralizar o sentimento de desproteção que gravita na consciência social.           

Às organizações não-governamentais cabe a tarefa de completar suas denúncias de violações de direitos, com projetos de controle político do Estado, não se  confundindo com a execução de tarefas, como  proteção à testemunha, por ser esta missão precípua do governo. 

Por fim, no âmbito processual do problema, entendemos  por uma internacionalização de demandas contra o Estado brasileiro, no âmbito da ONU (Organização  das      Nações      Unidas)  e da OEA

(Organização dos Estados Americanos), utilizando os sistemas de proteção que estes órgãos dispõem, como no caso do Sistema de Proteção Interamericano de Direitos Humanos, com seus Mecanismos Convencionais e Extraconvencionais, comprometendo,  pela esfera mundial, uma nova postura estatal brasileira, para fazer diminuir  a violação de direitos fundamentais que são desrespeitados na   violência policial, e que encontram-se consagrados e reconhecidos pelo Brasil em  Tratados Internacionais de Direitos Humanos. 

Defendemos um controle da questão no campo político-jurídico internacional, como uma via de reordenamento da política estatal de segurança pública. 

Neste momento, a comunidade internacional, formada por Estados e por outras Instituições públicas  e privadas, cumpre estratégico papel na questão dos Direitos Humanos.           

Talvez tenhamos que esperar mais alguns anos  para comemorarmos de fato o aniversário do Brasil, sem tantas contradições sociais. Contudo, enquanto este futuro não chega, vale pensar nos caminhos que nos conduzam a um  presente diferente do que vivemos.



[1] Advogado e Professor de Direito Penal e Criminologia. Especialista em Direitos Humanos pela Universidade Complutense de Madrid - Espanha.                                       

[2] Artigo 1º, II e III da Constituição Federal  do Brasil

[3] Artigo 3º, I e III da Constituição Federal do Brasil

[4] Artigo 5º da Constituição Federal do Brasil

[5] Diaz, Elias: Deslegitimación del Derecho y del Estado en la sociedad Capitalista Actual. Anuario de Derechos Humanos 2. Instituto de Derechos Humanos. Facultad de Derecho. Universidad Complutense de Madrid. Pág.39. 1983

[6] Bergalli, Roberto: El Control en el Marco de la Sociologia Jurídica. Pág. 269  Ed. PPU. Barcelona. Espanha. 1989 

[7]  GARCÍA - Pablos de Molina & outros. Introducción a la Criminología, División de Enseñanza y Perfeccionamento de la Dirección General de la Polícia. Madrid. Espanha. 1985

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