Vozes
sem eco
aos excluídos da terra
O
meu sofrimento
é antigo e infinito
E
minha morte
vã e inglória
Carrego
o meu corpo comigo
este corpo esfaimado
destroçado
amputado
e
bato às portas das cidades
todas as cidades
Canaãs
longínquas e inacessíveis
Venho
sozinho
carregando
este corpo
enfraquecido
e moribundo
Aos
milhares
corpos
iguais e exauridos
se
arrastam às portas das cidades
todas
as cidades
longínquas
e inacessíveis Canaãs
Ouve-me
ó mundo
ó
ricos
ó
poderosos
ó
políticos
oiçam-me
ó corruptos
ó
ditadores
ó
assassinos
Venho
sozinho
carregando este corpo
de criança sero
que nasceu de pais mortos
Venho
sozinho
carregando este corpo
de donzela infectada
violada por todo os batalhões
Venho
sozinho
carregando este corpo
de mulher amputada
pela fúria dos linchadores
sou
o preto, o pobre, o mendigo
batendo
a todas as portas
de
todas as cidades
Ouçam-me
ó brancos
ó
negros
ó
amarelos
Oiçam
a voz
de quem não a tem
Oiçam
este silêncio aterrador
que
nasce das profundezas
das
revoltas silenciadas
do
ódio e da morte
da
fome e da humilhação
Oiçam-me
ó vós
que
dominais o mundo
tenho
fome
tenho
sede
tenho
frio
tenho
ódio
oiçam
a minha voz
oiçam
a minha cólera
a
minha titanesca revolta
a
minha maldição
Mas
oiçam também
o
imenso abandono
o
sofrimento antigo e implacável
o
indizível calvário
Que
a cada minuto
Século
a século
acto
a acto
se
abateu sobre mim
faminto,
exangue
doente
dilacerado
eu
grito
mas
a voz não sai
o
grito não soa
porque
a
minha voz não tem eco
e
para mim não há
-nunca houve-
nem
liberdade
nem
terra prometida
Vera
Duarte
Setembro
2003
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