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I Conferência Internacional de Direitos Humanos de Cabo Verde

OS TRIBUNAIS DO SISTEMA DE JUSTIÇA INTERNACIONAL PENAL*

José Manuel Pina Delgado**

1. Do tiranicídio aos tribunais militares

O problema da criação sistematizada e racional de uma justiça internacional penal é relativamente recente na história da humanidade, apesar de serem conhecidos vários exemplos de julgamentos esparsos que antecederam à nossa era. Contudo, estes não eram feitos por tribunais internacionais, mas sim resultavam, na maioria das vezes, de punições que beligerantes vitoriosos impunham aos derrotados. [1] E, mesmo que ao longo dos tempos arbitrariedades cometidas em nome do poder não passassem em alguns casos impunes, como bem demonstra a recorrente utilização, a partir da Idade Média, do direito ao tiranicídio, sorte que os súbditos reservavam àqueles que os oprimiam [2] , a sua punição, em geral, quando acontecia, era imediata e não necessitava da legitimidade de um julgamento para se efectivar.

O destino a dar aos responsáveis por graves violações aos direitos humanos tornou-se uma preocupação mais premente depois da II Guerra Mundial conhecida que foi, na íntegra, a dimensão da barbárie programada e perpetrada pelo regime nazi, e muito embora já depois da I Guerra Mundial tenha acontecido uma mal sucedida tentativa de julgar o Kaiser Guilherme II e alguns militares germânicos por crimes de guerra. [3]

Por isso, foram criados pelas forças aliadas depois da II Guerra, na Alemanha e no Japão, respectivamente o Tribunal Militar Internacional de Nuremberga (1945) e o Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente (1946). [4] Não obstante, as controvérsias que a sua criação causaram –diga-se, principalmente entre os penalistas –, é indubitável que, à parte visões mais românticas sobre o direito, especialmente o internacional, esses tribunais militares de ocupação representaram um avanço gigantesco em relação às práticas oficias até então, que eram de executar sumariamente aqueles que foram vencidos e que haviam violado o direito de guerra (o Direito de Haia), sugestão, aliás, feita por dois dos principais membros da coligação que derrubou o regime nazi, Winston Churchill e Stalin, que não entendiam a insistência norte-americana em criar um tribunal para julgar crimes tão hediondos, de autores tão óbvios.

Devo enfatizar que tribunais militares de ocupação não eram ilegais de acordo com o direito internacional vigente na altura, desde já porque estes admitiam a possibilidade de prisioneiros de guerra serem julgados e condenados de acordo com as leis criminais de potência de ocupação por crimes de guerra. [5] Além disso, se dúvidas subsistissem em relação à aceitação dos tribunais militares de ocupação, elas dissiparam-se com o endosso geral dos julgamentos de Nuremberg pela comunidade internacional. Finalmente, com a aprovação das Convenções de Genebra sobre direito internacional humanitário em 1949, naquilo que se pretendia codificar a prática estatal posterior às Convenções de Haia de 1899/1907, a possibilidade do julgamento de criminosos de guerra por tribunais de ocupação tornou-se clara.                         

O problema é que, todavia o reconhecimento oficial por órgãos de instituições internacionais [6] , todos os projectos de criação de um tribunal internacional permanente para julgar graves violações cometidas contra o ser humano e ao direito internacional foram vítimas do clima de suspeita mútua entre as potências vencedoras da II Guerra [7] , situação esta que perdurou até ao início dos anos noventa, particularmente pelo facto de que a partir dali, o Conselho de Segurança ter conseguido se desembaraçar da inércia que lhe era imposta pelas divergências entre as superpotências. [8] E, de facto, a responsabilidade pelo estabelecimento do que se pode considerar, dentro dos limites próprios do direito internacional, como a justiça internacional penal, não foi dos Estados directamente, mas do Conselho de Segurança das Nações Unidas, quando criou os tribunais ad hoc. [9]

Daquele momento em diante, essa justiça internacional penal conhecerá uma desenvolvimento assinalável, particularmente ao que levou ao estabelecimento do Tribunal Internacional Penal, e depois a subsequente opção da comunidade internacional para apoiar, ao invés de tribunais internacionais, de chamados tribunais penais internacionalizados, que podem, como será sucintamente analisado, assumir diversas formas. [10] Perante tal cenário, e sabendo dos problemas que existem para a consolidação do Tribunal Internacional Penal [11] , da contínua existência de situações de violações massivas aos direitos humanos em vários pontos de globo, da crescente proliferação de instituições penais internacionais e de outros mecanismos, inclusivamente internos, de implementação do direito internacional penal [12] , é essencial, neste momento, conhecer as várias formas que esses tribunais assumem e discutir as questões que a sua existência implica para a ordem jurídica internacional.                    

 

  1. Tribunais Ad Hoc

Como havia me referido na introdução deste trabalho, a instituição que dinamizou a criação de instituições internacionais penais, foi o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Depois dos crimes em massa cometidos nos conflitos que dilaceraram a Antiga Jugoslávia depois da sua dissolução, a comunidade internacional, que se manteve omissa em relação à sorte de várias das pessoas que foram massacradas, designadamente no emblemático caso de Srebrenica [13] , acabou por decidir, em 1993, criar um tribunal internacional para julgar os crimes cometidos durante aquele conflito. [14] No Ruanda, aconteceu o mesmo. Depois do tristemente célebre massacre de tutsis, que contou com a omissão generalizada das forças de manutenção de paz das Nações Unidas [15] , o Conselho de Segurança também resolveu criar, à semelhança do caso jugoslavo, um tribunal internacional penal ad hoc para julgar os crimes mais graves contra a humanidade cometidos nesse conflito; o Tribunal Internacional Penal para o Ruanda foi estabelecido em 1994. [16] São estes os dois tribunais internacionais ad hoc estabelecidos pelo Conselho de Segurança. 

O problema principal que se punha, e que é, de certa forma, recorrente, é o de saber se o Conselho de Segurança tem poderes para criar tribunais internacionais penais. E para determinar se realmente o Conselho de Segurança tem competência para tal, é necessário analisar, antes de mais, o documento constitutivo e constitucional das Nações Unidas, a sua Carta. [17] Esta, de facto, atribui competência primária ao Conselho de Segurança na manutenção da paz e segurança internacionais [18] , e que consiste em determinar a ocorrência de qualquer quebra da paz, ameaça a paz ou agressão [19] e, caso entenda, determinar a imposição das medidas não-coercivas ou coercivas dispostas nos artigos 41 e 42. [20]

O certo é que, fazendo uso desses poderes, quase ilimitados nas palavras de Alfred Verdross [21] , que lhe foram atribuídos pela Carta, e aproveitando-se do inédito clima político internacional que caracterizou o período imediatamente posterior ao fim da Guerra Fria, o Conselho de Segurança acabou por classificar uma série de situações diferentes como ameaçadoras da paz e segurança internacionais e autorizar uma série de medidas distintas para restaurá-las, entre as quais embargos económicos, congelamento de bens no estrangeiro, intervenções armadas [22] e a instituição de tribunais internacionais, neste último caso com a argumentação de que os responsáveis pelos massacres disseminados de civis e minorias étnicas, deveriam ser submetidos a julgamento para que assim a pacificação nacional dos Estados em questão fosse facilitada  e a paz e segurança internacionais assegurada. [23]

Creio que, sem, de forma alguma, ceder à tese kelseniana [24] , segundo a qual a Carta atribuiu ao Conselho de Segurança poderes absolutos para considerar qualquer situação como sendo de ameaça à paz e segurança internacionais, mas antes recuperando a ideia de Alfred von Verdross acima citada, que os poderes que foram reservados pelos redactores da Carta ao Conselho de Segurança são quase ilimitados, se pode considerar que longe de significar um suporte jurídico para qualquer arbitrariedade, uma licença absoluta para fazer o que entender, representa uma margem de discricionariedade bastante acentuada. E, sendo assim, para além do relativo sistema de checks and balances existente no próprio Conselho, concretizado pelo direito de veto das potências, a Carta das Nações Unidas não permite que o Conselho faça o que bem entender na determinação de ameaças à paz e às medidas aplicáveis, mas submete o Conselho de Segurança ao respeito pelos princípios da Carta, e exige que qualquer decisão seja motivada, de acordo com os poderes do próprio. [25] Ora, no caso da criação dos tribunais ad hoc, não se pode dizer que o Conselho não o fez. Tanto foi assim, que, neste caso em particular, à excepção do México, nenhum Estado se posicionou sistematicamente contra a interpretação que o Conselho de Segurança deu dos seus próprios poderes. Destarte, fazendo corresponder justiça internacional penal e segurança, o Conselho de Segurança acabou por justificar a criação dos tribunais ad hoc como sendo absolutamente necessária à restauração da paz e da segurança internacionais.

Além do mais, pode-se recorrer ao artigo 29 da Carta que dispõe que o Conselho de Segurança poderá estabelecer os órgãos que entender necessários para auxiliá-lo no cumprimento das suas funções [26] , entre os quais estariam tribunais internacionais penais. [27] A natureza temporária desses tribunais e a sua subordinação ao Conselho de Segurança têm o condão de adequar as características dos tribunais criados às exigências do citado dispositivo e fazer com que, desde que o Conselho de Segurança entenda que a criação de tribunais internacionais penais contribuiria para a manutenção ou restauração da paz em determinado lugar, isso seja legalmente permitido pela Carta.

De todo o modo, foi a decisão tanto de um quanto do outro tribunal quando a preliminar foi impetrada, tendo sido decidido já no leading case Tadic, o primeiro decidido em primeira instância em Tribunal, de que: a) o Conselho de Segurança possui, amparado na Carta, discricionariedade para determinar que medidas tomar para restaurar a paz e segurança internacionais; b) estava-se perante uma acção real de ameaça à paz e segurança internacionais, o que significa que o Conselho de Segurança não estava a ultrapassar os poderes  que lhe foram atribuídos pela Carta; c) a própria Carta prevê a possibilidade de serem criados órgãos auxiliares ao Conselho. [28] Interpretações semelhantes foram dadas pelo Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia no Caso Milosevic [29] , bem como pelo Tribunal Internacional Penal para o Ruanda no Caso Kanyabashi. [30]     

Dito isto, deve-se salientar que o facto de terem sido estabelecidos a partir de uma resolução adoptada pelo Conselho de Segurança com base no Capítulo VII da Carta, faz com que os dois tribunais ad hoc tenham um estatuto privilegiado vis a vis o resto dos tribunais internacionais ou internacionalizados, uma vez que, como a Carta das Nações Unidas considera automaticamente vinculativas qualquer resolução adoptada pelo Conselho com amparo no Capítulo VII [31] , e como estas instituíram explicitamente a obrigação de se cooperar com os tribunais ad hoc, todos os Estados membros da Organização das Nações Unidas são obrigados a cumpri-las sobre pena de contra eles serem adoptadas as medidas previstas na Carta, inclusivamente o uso da força. Assim é que, por exemplo, qualquer pedido de cooperação judiciária em matéria penal, seja ele na modalidade de entrega de suspeitos ou presos ou de auxílio judiciário, deve ser cumprido de imediato, independentemente de qualquer consideração de carácter interno, constitucional ou legal, ou mesmo internacional. [32] A força  normativa internacional dos tribunais ad hoc é tão densa que, mesmo estando a pessoa sobre a qual recai um pedido de entrega a ser julgado pelos Tribunais de um Estado, este é obrigado a renunciar à sua jurisdição e entregá-lo imediatamente. [33] Para mais, na possibilidade de existir um conflito de jurisdição entre um tribunal ad hoc e o TPI ou outro tribunal [34] , a primazia de jurisdição sempre será do tribunal ad hoc, a não ser que este a ela renuncie. [35] Ademais, qualquer Estado deve dar preferência aos pedidos de cooperação emanados do tribunal ad hoc em detrimento dos provenientes do TPI ou de outro tribunal. Tudo isso concorre para fundamentar a constatação de que se tratam de tribunais que usufruem de um lugar especial no sistema jurídico internacional.      

                

  1. O Tribunal Internacional Penal

Apesar da hostilidade generalizada que os especialistas, mesmo os que mostram um comprometimento maior com tal tipo de instituição, têm para com os tribunais ad hoc, e o grande exaltação que a maioria dos membros da comunidade científica internacional e os membros da sociedade estatal internacional fazem do projecto de criação do TPI –em grande parte dos casos justificada –, a verdade é que este não teria sido possível sem aqueles. [36] Com efeito, foi graças à memorável acção que o Conselho de Segurança desempenhou ao criar os tribunais ad hoc e o seu razoável desempenho é que a mui abstracta e eternamente adiada necessidade de criação de uma instituição internacional penal permanente conseguiu se materializar. [37] E, curiosamente, veio à luz, não por meio do Conselho de Segurança, porque isso era legalmente complicado e politicamente inviável se atendermos ao facto de que os consensos necessários seriam quase impossíveis, mas por meio dos tradicionais métodos de feitura de tratados internacionais: longas e dificílimas negociações, querelas infindáveis, posições quase irreconciliáveis. [38] A questão era delicada, afinal tratava-se de submeter os próprios cidadãos, inclusivamente aqueles que garantem a defesa da nação em situações de particular perigo, à possibilidade de serem julgados numa instituição não submetida à jurisdição do Estado. [39] Ademais, diferentes tradições do direito entraram em confronto; uns do Civil Law, outros do Common Law, os restantes de outras tradições jurídicas, como a chinesa ou muçulmana, com os seus distintos princípios em matéria processual penal [40] ; mais grave ainda, já que se confrontam com os alicerces fundamentais do Estado, as filosofias penais eram diametralmente opostas. [41] Aos que exigiam a adopção de um enfoque humanista e ressocializador, outros respondiam que não aceitariam qualquer tipo de tribunal que não aplicasse penas de morte e fosse iminentemente retributivo. [42]   

Com todos esses ingredientes explosivos, foi um verdadeiro milagre que o Estatuto de Roma tenha sido aprovado em 1998 e que tenha entrado em vigor somente quatro anos mais tarde, em 2002. [43] De todo o modo, o futuro do Tribunal Penal Internacional ainda não está garantido, pese a rapidez em que foi implantado. [44] Primeiro, porque subsiste a oposição activa e militante de vários países poderosos, geralmente os que mais facilmente podem estar envolvidos em situações de conflito armado, as mais propensas a gerar violações graves aos direitos humanos. São os melhores exemplos a China, os Estados Unidos, Israel, Rússia e vários países árabes. Além disso, segundo: os países que aderiram à iniciativa são precisamente aqueles que julgariam sem problemas, utilizando o princípio da complementaridade, eventuais violações cometidas por nacionais seus, inclusivamente militares;  terceiro, a possibilidade, que existe no Estatuto de Roma, do Conselho de Segurança submeter para julgamento no TPI casos de Estados sobre os quais este não tenha jurisdição [45] , torna-se remota a partir do momento em que membros permanentes do Conselho de Segurança opõem-se ao Tribunal. [46] Assim, a não ser que a conjuntura política se altere substancialmente, o Tribunal deverá funcionar principalmente em relação a países de pouca expressão, em situação de transição, de pouca estabilidade política ou em guerra civil.  

De todo o modo, para os propósitos desta reflexão, com a excepção dos casos que lhe venham a ser submetidos pelo Conselho de Segurança, de acordo com o artigo 13º do Estatuto de Roma, o estatuto do TPI na ordem jurídica internacional, e entre os seus congéneres, é menor do que os Tribunais ad hoc. A sua força é medida de acordo com o que seu tratado constitutivo prescreve; e o facto é que ele não lhe concedeu muito. Primeiro, está claro, somente pode obrigar, de acordo com a própria Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados, os que a ele se vinculam. [47] Portanto, um pedido de cooperação judiciária feito a um Estado não membro, estaria sujeito às condições especificadas na legislação interna desse Estado, bem como aos seus interesses em matéria de política externa. Segundo, mesmo entre os Estados-partes, o Estatuto de Roma, relativiza as obrigações de cooperar em alguns casos, nomeadamente nos casos em que eles tenham, de acordo com o artigo 98, assinado acordos de consentimento prévio com outros Estados ou nos casos em que o cumprimento do pedido implicar na violação de alguma norma de direito internacional relativa a imunidades diplomáticas em relação a outros Estados. [48]

Portanto, a terceira geração de tribunais internacionais assume uma força normativa muito menor do que a segunda geração, que foram os tribunais ad hoc, e as obrigações que impõe aos Estados membro e não membros também são muito menos densas.                                         

 

  1. Tribunais Penais Internacionalizados

É curioso que depois do TPI, foram criados outros tribunais para julgar os mais graves crimes contra a humanidade, os tribunais penais internacionalizados ou de juízoz criminais internacionalizados, cuja principal característica é de serem híbridos, no sentido de simultaneamente internos e internacionais. Essa natureza híbrida altera-se conforme a situação, mas pode se materializar na utilização de bases jurídicas internas e internacionais, magistrados nacionais e estrangeiros. O primeiro e mais importante desses tribunais é o Tribunal Especial para Serra Leoa, criado por um Tratado entre as Nações Unidas e a República de Serra Leoa [49] , que julga tanto crimes previstos pela legislação penal interna quanto crimes de natureza jurídico internacional, e que conta entre os seus magistrados com serra-leoneses, mas também com juízes de outra nacionalidades. [50] Foram também criados, ou estão em processo adiantado de criação, tribunais penais internacionalizados ou juízos criminais internacionalizados em Timor Leste, Kosovo, Camboja e Iraque, cada qual com as suas especificidades. [51]

A opção de se criar esses tribunais, ao invés de tribunais ad hoc prende-se, além da causa de base, que é a ausência de vontade política do Conselho de Segurança em criar e financiar outros tribunais ad hoc, directamente com situações nas quais o contexto político não recomenda a criação de tribunais internacionais pelo Conselho de Segurança e quando ainda é possível utilizar o sistema judicial nacional de alguma forma, sem por em risco a imparcialidade dos julgamentos e as garantias dos arguidos, testemunhas e vítimas.

Em geral, todas eles foram estabelecidas após violações massivas aos direitos humanos e tiveram a particularidade terem sido precedidos, com raras excepções, a intervenções humanitárias unilaterais (Serra Leoa, Kosovo, Iraque) ou colectivas (Timor Leste), quando a comunidade internacional achou necessário punir essas violações. [52] Apesar desta característica em comum, devem-se discernir duas situações: uma, em que o mecanismo de criação é convencional, isto é, resulta de um tratado entre as Nações Unidas e um Estado – é o que aconteceu no caso de Serra Leoa e, eventualmente, acontecerá no Camboja – e, outra, em que os tribunais ou juízos criminais são estabelecidos directamente pelas administrações provisórias das Nações Unidas, em que esta assume todos os poderes de soberania, inclusive o jurisdicional, de determinado território. [53] Foi o que aconteceu em Timor Leste e no Kosovo.                        

Quanto ao estatuto desses tribunais entre os tribunais internacionais penais, deve-se também avaliá-los à luz do seu modo de criação. Os que são estabelecidos por via convencional, como o de Serra Leoa ou do Camboja, tem entre todos os tipos de tribunais que julgam os mais graves crimes contra a humanidade, a posição mais frágil, pois, como o tratado somente vincula, como já foi salientado, os signatários, o tratamento que ele recebe dos outros Estados é o mesmo que este daria a um Estado estrangeiro, portanto sujeitando-o aos mesmos critérios para a concessão de algum género de cooperação judiciária em matéria penal, entre as quais restrições constitucionais aplicáveis à extradição. Aliás, neste caso, nem sequer se trata, como no que toca aos outros tribunais internacionais, de uma medida de cooperação judiciária penal vertical, que acontece entre Estado e instituição internacional, mas de verdadeira cooperação judiciária horizontal, similares às que acontecem entre dois Estados soberanos. [54] Tudo isto, obviamente, é válido, com a reserva de que, por meio de uma resolução adoptada sob o Capítulo VII do Conselho de Segurança, a comunidade internacional pode adensar exponencialmente o estatuto desse tipo de tribunal. Destarte, se por hipótese o Conselho de Segurança adoptar uma resolução dessa natureza, obrigando todos os Estados a cooperar com esses tribunais, o efeito disso seria a equiparação dos pedidos feitos por esse tribunal a um feito por um tribunal ad hoc.

Por sua vez, é de indagar se o facto de determinados tribunais penais internacionalizados serem estabelecidos por leis editadas por administrações territoriais provisórias das Nações Unidas em sociedades pós-conflito, administrações essas que são também resultado de resoluções do Conselho de Segurança, dar-lhes-iam equiparação aos tribunais ad hoc? Trata-se, sem dúvida, de uma questão muito complexa e que somente pode ser solucionada através da análise, antes de tudo, das resoluções do Conselho de Segurança que criaram as administrações provisórias sobre territórios em conflito. Deve-se verificar se simultaneamente à criação dessas instituições, o Conselho de Segurança entendeu que seria necessário julgar os alegados perpetradores dos graves crimes contra a humanidade cometidos como forma de restaurar a paz e segurança internacionais e se, por meio de resolução adoptada com base no Capítulo VII, obrigou explicitamente os Estados a prestarem, de modo imperativo, a sua cooperação a essas instituições. 

E, parece que o Conselho de Segurança não considerou essas hipóteses nas Resoluções que criaram as administrações internacionais no Kosovo e em Timor Leste. [55] Apesar delas poderem estabelecer tribunais, uma vez que assumiram transitoriamente todos os poderes de soberania daqueles territórios, e administrar, em consequência, a justiça penal, não lhes foi concedido, pelo menos inequivocamente, os poderes de requerer imperativamente a cooperação judiciária em matéria penal aos Estados membros das Nações Unidas. No caso do Kosovo, isso é claro, pois a Resolução 1244, quando faz referência à responsabilidade individual pelas graves violações aos direitos humanos, remete a questão à necessidade de se cooperar com o Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, [56] que continua, como atrás referenciado, com competência para julgar esses crimes. Quanto a Timor Leste, apesar da Resolução 1272, que estabeleceu a administração transitória da UNAET sobre o território, não ser clara, pois, à parte reiterar que aqueles os responsáveis pelas violações incorreriam em responsabilidade individual [57] , não obriga em nenhuma parte os Estados a cooperarem judiciariamente com as instituições que o fizerem. Hoje, com a dissolução da UNTAET, isso não é mais um problema que se coloca, mas, de todo o modo, não me parece que os Estados tivessem uma obrigação jurídica de cooperar com essas juízos criminais da UNTAET entretanto, do mesmo modo, como não o tinham em relação às do Kosovo.                          

 

Considerações Finais 

            Em linhas bastante sintéticas, tentou-se fazer uma mapeamento sobre as quatro gerações de tribunais internacionais penais que foram surgindo. Tribunais que criados de forma distinta e que, portanto, gozam de diferentes posições dentro da ordem jurídica internacional. Uns, os ad hoc, gozam de primazia de jurisdição e podem exigir, dentro dos limites estatutários específicos, dos Estados o cumprimento de várias medidas tendentes a executar as suas atribuições. Outros, como os tribunais penais internacionalizados, são practicamente equiparados a Estados estrangeiros quando se trata de com eles cooperar.

            O “sistema” de justiça internacional penal, portanto, apresenta-se não como um sistema no sentido estrito, mas como um emaranhado complexo de várias instituições, que são criadas com motivações distintas, muito embora tenham todas por base o fundamento segundo o qual não é admissível a impunidade para os crimes mais graves contra a humanidade e de as pessoas que os cometem devem ser individualmente responsabilizados. Não obstante, na ordem jurídica internacional, numa eterna fase de transição, como Habermas aponta, nada é sistematizado; a coerência do sistema encontra-se no caos, na proliferação de instituições e de normas, na sobreposição de espaços de normatividade. Os princípios que alicerçam o sistema são desenhados conscientemente para minorar os efeitos da desordem relativa e conseguem fazê-lo de forma bastante eficaz. É por isso, por exemplo, que faz com que um indivíduo não possa ser julgado duas vezes pelos mesmos factos por dois tribunais internacionais (ne bis in idem), que os tribunais aproveitam-se do trabalho e da jurisprudência uns dos outros, e contribuem assim, ao seu modo, para a criação de princípios próprios e convergentes para o direito internacional penal e o processo penal internacional e de uma dogmática jurídico-penal internacional.

 



* Conferência apresentada no I Encontro Internacional de Direitos Humanos, Cidade da Praia, 15 de Janeiro de 2005. As teses e opiniões desenvolvidas neste artigo não reflectem o posicionamento oficial do Ministério da Justiça ou da Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania.           

** Assessor Jurídico, Ministério da Justiça, República de Cabo Verde; Membro da Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania; Professor de Ética e Filosofia Social e Política, Instituto Superior de Educação, República de Cabo Verde; Mestre em Direito Internacional; Pós-Graduado em Ética e Filosofia Política. 

[1] O caso mais famoso que é apontado pela doutrina é o do julgamento de Peter Hagenbach ocorrido em 1474 por violações ao direito de guerra. Cf. a respeito destes e de outros precedentes, Lyal Sunga, Individual Responsibility in International Law for Serious Human Rights Violations, Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1992, pp. 17-20; José Pina Delgado & Liriam Tiujo, “O direito internacional penal na aurora do Terceiro Milénio: história, balanço e possíveis rumos”, Revista do Curso de Relações Internacionais da UNIVALI, n. 1, 2002; Liriam Tiujo, A responsabilidade internacional penal do indivíduo, Florianópolis, CPGD/UFSC (dissertação de mestrado), 2004, pp. 9 e ss.              

[2] Representada, por exemplo, por autores que escreveram a partir do período como Salamonio, Occam e os conciliaristas, Plessy du Mornay, Juan de Mariana ou Buchanan. A respeito, vide: Quentin Skinner, As fundações do pensamento político moderno, tradução de Renato Janine Ribeiro e Laura Motta, São Paulo, Compnhia das Letras, 1996, passim.     

[3] Consultar a respeito, Cherif Bassiouni, “World War I: The War to end All Wars and the Birth of a Handicapped International Criminal Justice System”, Denver Journal of International Law and Politics, v. 30, n. 3, 2002, pp. 285-290.  

[4] Ver o nosso, José Pina Delgado & Liriam Tiujo, “O princípio da responsabilidade penal individual nos Estatutos do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg e do Tribunal Penal Internacional”, Direito e Cidadania, ano IV, n. 12/13, 2001, pp. 177-195. 

[5] Nas palavras de Quincy Wright, “The Law of the Nuremberg Trial”, American Journal of International Law, v. 40, n. 1, 1947, p. 45, “legalmente Estados beligerantes sempre tiveram jurisdicção para julgar inimigos capturados  acusados de crimes de guerra nas suas próprias comissões militares.”   

[6] Os princípios de Nuremberga foram reconhecidos oficialmente pelas Nações Unidas, por intermédio de uma Resolução da Assembleia Geral. Cf: AG/R/174 (Princípios de Direito Internacional Reconhecidos pela Carta e pelo Julgamento do Tribunal de Nuremberga), 11/12/1946.   

[7] Ver o nosso, José Pina Delgado & Liriam Tiujo, “Tribunais penais internacionais” In: Welber Barral (org.), Tribunais internacionais: mecanismos contemporâneos de solução de controvérsias, Florianópolis, Fundação Boiteux, 2004, p. 57, texto no qual sustentamos que a justiça internacional penal depois dos já “longínquos precedentes de Nuremberg e Tóquio, não teve seguimentos dignos de nota, com a excepção de alguns julgamentos esparso de criminosos nazis, cujo exemplo mais mediático foi o julgamento de Eichman em Jerusálem. Com efeito, o advento da Guerra Fria e a sedimentação da real politik e da lógica dos blocos como ordenadoras da política externa dos Estados, reflectiram negativamente no desenvolvimento da justiça internacional penal, ficando totalmente isentos de adjudicação uma série infindável de graves crimes contra a humanidade, cometidos , um pouco por todo o Globo, e imunes personagens como Stalin, Pol Pot, Idi Amin Dada, Bokassa ou os líderes das ditaduras latino-americanas”.           

[8] Ibid., p. 57. 

[9] Ibid., pp. 60 e ss. 

[10] Recomenda-se a respeito do tema, Cesare Romano, André Nollkaemper & Jann Kleffner (eds.), Internationalized Criminal Courts: Sierra Leone, East Timor, Kosovo, and Cambodia, Oxford, Oxford University Press, 2004.     

[11] Em geral, cf. o nosso José Pina Delgado, “Obstáculos constitucionais à ratificação do Estatuto de Roma e (outros) problemas de consolidação do Tribunal Internacional Penal: desenvolvimentos recentes, principalmente relativos a Cabo Verde”, Direito e Cidadania, ano VI, n. 19, 2004, no prelo.    

[12] Ver : José Pina Delgado & Liriam Tiujo, “O direito internacional penal na aurora do Terceiro Milénio: história, balanço e possíveis rumos”.      

[13] Vide sobre a complacência da comunidade internacional nos factos ocorridos na Bósnia-Herzegovina, Ed Vulliamy, “Bosnia: the crime of appeasement”, International Affairs, v. 74, n. 1, 1998, pp. 73-91.

[14] CS/R/827 (Antiga Jugoslávia), 25/05/1993. Sobre o processo de criação do Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, cf. Alain Pellet, “Le Tribunel Criminel International pour l’Ex-Yougoslavie. Poudre aux yeux ou avancée decisive? ”, Revue Générale de Droit International Public, t. 98, n. 1, 1994, pp. 7-60.

[15] Cf: Peter Gourevitch, Gostaríamos de informá-lo de que amanhã seremos mortos com nossas famílias. Histórias de Ruanda, São Paulo, Companhia das Letras, 2000.

[16] CS/R/955 (Ruanda), 22/06/1994. Vide a respeito: Mutoy Mubiala,  “Le Tribunal International pour le Ruanda: vraie ou fausse copie du Tribunal Pénal pour l'Ex-Yougoslavie? ”, Revue Générale de Droit International Public, t. 99, n. 4, 1995, pp. 931-954.

[17] Sobre isto, consultar Bardo Fassbender, “The United Nations Charter as Constitution of the International Community”, Columbia Journal of Transnational Law, v. 36, n. 3, 1998, pp. 529-615.  

[18] O artigo 24 (1) estabelece que “A fim de assegurar uma acção pronta e eficaz por parte das Nações Unidas, os seus membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que, no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade, o Conselho de Segurança aja em nome deles.”

[19] De acordo com este preceito legal, “O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou acto de agressão e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os artigos 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.”   

[20] Os artigos 41 e 42 estabelecem, respectivamente, as medidas não coercivas e coercivas que o Conselho de Segurança pode recorrer para manter ou restaurar a paz, nos seguintes termos:

a)       Art 41 - O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efectivas as suas decisões e poderá instar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações económicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radioeléctricos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas;

b) Art. 42 -  Se o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no artigo 41º seriam ou demonstraram ser inadequadas, poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a acção que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal acção poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas.   

[21] Alfred von Verdross, “Idées directrices de l’Organisations des Nations Unies”, Recueil des Cours de l' Académie de Droit International, t. 83, n. 2, 1954, p. 59.

[22] Em geral sobre a problemática da interpretação que o Conselho de Segurança deu dos seus próprios poderes e as medidas que recorreram, principalmente durante a década de noventa, cf: Martti Koskenniemi, “The Police in the Temple: Order, Justice and the UN-A Dialectical View”, European Journal of International Law, v. 6, n. 3, 1995, pp. 325 e ss; David Caron, “The Legitimacy of the Collective Authority of the Security Council”, American Journal of International Law, v. 87, n. 4, 1993, pp. 552-588; T.D. Gill, “Legal and some Political Limitations on the Power of the UN Security Council to Exercise its Enforcement Powers under Chapter VII of the Charter”, Netherlands Yearbook of International Law, v. 26, 1995, pp. 33-138.      

[23] Na parte preambular da citada CS/R/827 (Antiga Jugoslávia), 25/05/1993, o Conselho justificou a necessidade de se criar um tribunal internacional penal como forma de auxiliá-lo na restauração da paz nos seguintes termos: “Convencidos que, no caso particular da antiga Jugoslávia, o estabelecimento, em bases ad hoc, de um tribunal internacional e a persecução penal das pessoas responsáveis por violações graves ao direito internacional humanitário contribuiria para esses objectivos e para a restauração e manutenção da paz”. 

[24] Hans Kelsen, “Théorie du Droit International Public”, Recueil des Cours de l' Académie de Droit International, t. 84, n. 2, 1954, pp. 32-33

[25] Por todos, cf. T. D.Gill , “Legal and some Political Limitations on the Power of the UN Security Council to Exercise its Enforcement Powers under Chapter VII of the Charter”, pp. 33-138.    

[26] O art. 29º dispõe o seguinte: “O Conselho de Segurança poderá estabelecer os orgãos subsidiários que julgar necessários para o desempenho das suas funções.”

[27] Ver o nosso, José Pina Delgado & Liriam Tiujo, “Tribunais penais internacionais” , p. 62, com uma lista da doutrina que se identifica com esta interpretação.    

[28] Procurador c. Dusko Tadic, Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, Juízo de Recursos, Caso n. IT/94/1, Decisão sobre Pedido da Defesa Relativo à Jurisdição, 10/08/95.   

[29] Procurador c. Slobodan Milosevic, Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, Caso n. IT/99/37, Decisão sobre Pedidos Preliminares, Juízo de Primeira Instância, 08/11/01. para. 5-11.  

[30] Procurador c. Joseph Kanyabashi, Tribunal Internacional Penal para  Ruanda, 2º Juízo de Primeira Instância, Caso n. ICTR 96-15-T, Decisão sobre Pedido da Defesa Relativo à Jurisdição, 18/06/97.

[31] Nos termos da Carta das Nações Unidas, art. 25º, “Os membros das Nações Unidas concordam em aceitar e aplicar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta”.

[32] Ver: Estatuto do Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, art. 29º e o Regulamento Processual do Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, regras 8º, 11, 13, 39, 40, 56, 59 e 61. Recorde-se ainda que o Conselho de Segurança não aceitou a defesa Líbia de proibição constitucional de extradição de nacional quando lhe exigiu que entregasse dois suspeitos para serem julgados pelos atentados de Lockerbie. Cf. a respeito, Michael Plachta, “The Lockerbie Case: The Role of Security Council in Enforcing the Principle of Aut Dedere aut Judicare”, European Journal of International Law, v. 12, n. 1, 2001, p. 125 e ss. Mesmo no Caso Milosevic, o Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, nunca admitiu que alegados obstáculos existentes na legislação interna da extinta Federação da Jugoslávia, se constituíssem num motivo de recusa de conceder cooperação judiciária. Sobre a questão, cf: Konstantinos Magliveras, “The Interplay Between the Milosevic Transfer and Yugoslav Constitutional Law”, European Journal of International Law, v. 13, n. 3, 2002, pp. 661-679.        

[33] Estatuto do Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, art. 9º e o Regulamento Processual do Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, regra 10. Isso aconteceu de facto nos seguintes casos: Procurador c. Dusko Tadic, Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, Caso n. IT/94/1-T, em que a Alemanha entregou o suspeito ao Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, não obstante, ter começado a julgá-lo na Baviera, e, Procurador c. Alfred Musema, Tribunal Internacional Penal para o Ruanda, Caso n. 96/13/T, situação em que o suspeito já havia sido constituído arguido na Suíça.   

[34] Note-se que isso é possível, uma vez que o Estatuto do Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia, não possui competência rationae temporae com um termo final, podendo julgar qualquer caso cometido no território da Antiga Jugoslávia a partir de 1 de Janeiro de 1991 

[35] Fica suspensa, no entanto, a questão de saber se o Tribunal Internacional Penal, tendo uma pessoa sob a sua custódia, estaria obrigado a renunciar à sua soberania para entregá-la a um dos tribunais ad hoc. Isso, obviamente, porque não é claro que os argumentos que podem ser utilizados para dizer que todos os Estados devem cumprir com as determinações do Conselho de Segurança tomadas de acordo com o Cap. VII são aplicáveis a organizações internacionais, como o TIP.     

[36] No mesmo sentido, ver: Kelly Askin, “Reflections on Some of the Most Significant Achievements of the ICTY”, New England Law Review, v. 37, n. 4, 2003, pp. 903-914; Leyla Sadat, “The Legacy of the ICTY: The International Criminal Court”, New England Law Review, v. 37, n. 4, 2003, pp. 1073-1080. 

[37] Conforme sustentamos em outra ocasião, José Pina Delgado & Liriam Tiujo, “Tribunais penais internacionais”, pp. 64-65, “sem a experiência destes [dos tribunais ad hoc], talvez o Grupo de Trabalho estabelecido pela Comissão de Direito Internacional em 1992 para elaborar um projecto de estatuto para uma instituição desse género, teria o mesmo fim que várias das iniciativas para criar um tribunal internacional penal permanente no pós-Guerra, isto é, seriam rapidamente abandonadas por falta de sustentação política para a sua concretização ou, na melhor das hipóteses, estariam a marinar por décadas à espera de serem aprovadas numa conferência multilateral qualquer.”   

[38] Em geral sobre os tratados, recomenda-se o clássico da matéria, Paul Reuter, Introducción al derecho de los tratados, México, DF, Universidad Nacional Autónoma de Máxico; Fondo de Cultura Económica, 1999; sobre as negociações multilaterais de tratados, cf: Pierre Marie Dupuy, Droit international Public, 4. ed., Paris, Dalloz, 1998, pp. 336 e ss..     

[39] A posição oficial norte-americana de recusa do Estatuto de Roma radica, pelo menos em parte, nesse pressuposto. Ela foi muito bem ilustrada pelo Sub-Secretário de Estado da Administração Bush, John Bolton, “The Risks and Weakness of the International Criminal Court from America’s Perspective”, Law and Contemporary Problem (Special Issue: The United States and the International Criminal Court), v. 64, n. 1, 2001, pp. 167-180.     

[40] Cf. as discussões a respeito em José Pina Delgado, “Obstáculos constitucionais à ratificação do Estatuto de Roma e (outros) problemas de consolidação do Tribunal Internacional Penal: desenvolvimentos recentes, principalmente relativos a Cabo Verde”.

[41] Ibid.

[42] Ibid.

[43] Ver: José Pina Delgado & Liriam Tiujo, “Tribunais penais internacionais”, pp. 65.

[44] Cf. José Pina Delgado, “Obstáculos constitucionais à ratificação do Estatuto de Roma e (outros) problemas de consolidação do Tribunal Internacional Penal: desenvolvimentos recentes, principalmente relativos a Cabo Verde”.

[45] Artigo 13.º  (Exercício da jurisdição)

O Tribunal poderá exercer a sua jurisdição em relação a qualquer um dos crimes a que se refere o artigo 5.º, de acordo com o disposto no presente Estatuto, se: 

(...)
 b) O Conselho de Segurança, agindo nos termos do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, denunciar ao procurador qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes;

[46] Vide: José Pina Delgado & Liriam Tiujo, “Tribunais penais internacionais”, pp. 86-87.

[47]             Artigo 34: Um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o consentimento deste;

Artigo 35.º-Uma disposição de um tratado faz nascer uma obrigação para um terceiro Estado se as Partes nesse tratado entenderem criar a obrigação por meio dessa disposição e se o terceiro Estado aceitar expressamente por escrito essa obrigação”.

Cf: Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados, Viena, 23/05/1969, art. 34º-35º”

[48] Artigo 98:

1 - O Tribunal não pode dar seguimento a um pedido de entrega ou de auxílio por força do qual o Estado requerido devesse actuar de forma incompatível com as obrigações que lhe incumbem à luz do direito internacional em matéria de imunidade dos Estados ou de imunidade diplomática de pessoa ou de bens de um Estado terceiro, a menos que obtenha previamente a cooperação desse Estado terceiro com vista ao levantamento da imunidade.

2 - O Tribunal não pode dar seguimento à execução de um pedido de entrega por força do qual o Estado requerido devesse actuar de forma incompatível com as obrigações que lhe incumbem em virtude de acordos internacionais à luz dos quais o consentimento do Estado de envio é necessário para que uma pessoa pertencente a esse Estado seja entregue ao Tribunal, a menos que o Tribunal consiga, previamente, obter a cooperação do Estado de envio para consentir na entrega.

[49] Acordo entre as Nações Unidas e o Governo de Serra Leoa sobre o Estabelecimento de um Tribunal Especial para Serra Leoa, Freetown, Serra Leoa, 16/01/2002.

[50] Estatuto do Tribunal Especial para Serra Leoa, Anexo ao Acordo entre as Nações Unidas e o Governo de Serra Leoa sobre o Estabelecimento de um Tribunal Especial para Serra Leoa de 16/01/2002, art. 2º e ss; art. 12.

[51] Cf. Cesare Romano, André Nollkaemper & Jann Kleffner (eds.), Internationalized Criminal Courts: Sierra Leone, East Timor, Kosovo, and Cambodia, pp. 1 e ss

[52] Ver: José Pina Delgado, Regulamentação do uso da força e legalidade das intervenções humanitárias unilaterais, Florianópolis, CPGD/UFSC (dissertação de mestrado), 2003.

[53] A respeito do tema, vide: Outi Korhonen, “International Governance in Post-Conflict Situations”, Leiden Journal of International Law, v. 14, n. n. 3, 2001. pp. 495-529; Ralph Wilde, “From Danzig to East Timor and Beyond: The Role of International Territory Administration”, American Journal of International Law, v. 95, n. 3, 2001, pp. 583-606.   

[54] Para esta distinção cf. José Pina Delgado, “Obstáculos constitucionais à ratificação do Estatuto de Roma e (outros) problemas de consolidação do Tribunal Internacional Penal: desenvolvimentos recentes, principalmente relativos a Cabo Verde”; Pedro Caieiro, “O procedimento de entrega previsto no Estatuto de Roma e a sua incorporação no direito português”. In: Vital Moreira; Maria Leonor Assunção; Pedro Caieiro & Ana Luísa Riquito (orgs.), O Tribunal Penal Internacional e a ordem jurídica portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 78.

 

[55] Respectivamente a CS/R/1244 (Kosovo), 10/06/1999 e a CS/R/1272 (Timor Leste), 25/10/1999.

[56] A CS/R/1244, para. 14, “exige plena cooperação de todos, incluindo as forças de segurança internacionais no terreno, com o Tribunal Internacional Penal para a Antiga Jugoslávia” 

[57] CS/R/1272 , Preâmbulo. 


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