Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
A
Revolta Comunista de 1935 em Natal
Relatos
de Insurreição que gerou o primeiro
soviete nas Américas
Luiz Gonzaga Cortez
Nosso
Projeto |
Mapa Natal 1935 | Mapa
RN 1935 | ABC
Insurreição | ABC
dos Indiciados | Personagens
1935 | Jornal
A Liberdade | Livros
| Textos
e Reflexões | Bibliografia
| Linha
do Tempo 1935 | Imagens
1935 | Audios
1935 | Vídeos
1935 | ABC
Pesquisadores | Equipe
de Produção
Prefácio
Por
Eduardo Maffei
A Ideologia Alemã fora escrita, como viria
a ser o Manifesto Comunista por Marx e Engels.
Onze anos depois da publicação desta,
ainda os manuscritos de colaboração
não se haviam transformado em livro. Marx,
então, em 1859, diria que “circunstâncias
diversas” haviam impedido sua publicação,
pelo que ambos abandonaram o projeto editorial,
entregando os manuscritos “à crítica
roedora dos ratos”, como disse Marx. Felizmente
isso não aconteceu porque, em 1932, 73
anos depois, foi publicado em alemão, violando
o ineditismo, pelo Instituto de Marxismo Leninismo
de Moscou. Se não fora essa circunstância
feliz, não poderíamos vir a saber
da única caracterização científica
do que representa a História. Destacando
o papel da mesma escreveram: “Conhecemos
apenas uma ciência, a ciência da História.
A História pode ser examinada sob dois
aspectos: história da natureza e história
dos homens. Os dois aspectos, contudo, não
são separáveis: enquanto existirem
homens, a história da natureza e a história
dos homens se condicionarão reciprocamente.
Desde, entretanto, que a sociedade se dividiu
em classes, remontando ao princípio dos
acontecimentos, criaram-se, de acordo com os interesses
dessa divisão, dois tipos de história.
Uma, a oficial, ao sabor das classes dominantes
que ignora o povo que a faz, deixando-o à
sombra dos figurões, da crônica de
fatos, eivada de datas e nomes como acontece com
a Bíblia e dos faraós. Essa crônica
foi que a conferiu a Herodoto o cognome de Pai
da História. Aconteceu, entretanto, só
com Tulcídedes, história passou
a ser tratada como ciência e não
como crônica. Em sua História esse
sábio grego, cuidando das guerras do Peloponeso,
de tão precisa e tal forma abordou a Peste
de Atenas, doença avassalante já
extinta, que é ao seu livro que os médicos
e epidemilogistas recorrem para estudá-la,
ignorando Hipócrates que a assistiu e,
mesmo considerado o Pai da Medicina, nada de válido
deixou sobre ela, não percebendo o que
representava. Os cronistas herodoticos, e Hipócrates
entre eles, preocuparam-se em assinalar a morte
de uma vítima ilustre dessa peste, Péricles,
mas não a estudaram.
Há
portanto, desde há muito, duas histórias.
Uma, a oficial e outra, ciência, que, infelizmente,
em virtude do mascaramento oficialista, só
pode ser feita, na maioria dos casos, sob prospecção.
Reza a sabedoria hindu que a verdade é,
como a luz, branca. Que uma vez decomposta pelo
prisma adquire as sete cores do arco-íris.
E a cada mais tempo que o mundo acontece, a oficial
vai mascarando os acontecimentos à sua
imagem e semelhança. E há então
tantas verdades que não dizem respeito
à verdade. No que se refere à intentona,
esse mascaramento sedimentou muita mentira. Ainda
recentemente, defendendo na UNICAMP, uma tese
sobre o PCB e a Internacional Comunista, o historiador
herodotico Paulo Sérgio Pinheiro, tomando
partido, investiu contra a lógica dos fatos,
estabelecendo a sua verdade mascarada oficial,
fazendo por ignorar que, em História, é
do nosso dever, considerar a verdade, liberta
de preconceitos, como uma imposição
de honestidade indispensável para a elaboração
de uma consciência crítica e positiva.
A simples triagem da documentação
existente, com opiniões contraditórias,
sobre a intentona, demonstra que o levantamento
da verdade tulcídidica materialista, impessoal,
está por ser feita. Daí a importância
deste livro de Luiz Gonzaga Cortez que, por procurar
a verdade, vai desgostar muita gente desmascarada
que procurou edificar a história com fanfarronice,
seja o que de conservadorismo Dinarte Mariz ou
de que “companheirismo” Giocondo Dias
procurou perpetuar.
No
Brasil, onde as classes dominantes têm o
mesmo desprezo pelo povo que faz a História
que suas congêneres d’além
mar, isso se torna mais evidente porque tem o
seu núcleo central no que houver de pior
em nossa formação, os degredados.
O que, por uma subconsciência histórica,
explica a extrema ferocidade do “paizinho”
Getúlio e seus “filhinhos”
contra os vencidos de novembro de 1935. É
celebre o fato contado por João Ribeiro
em sua História do Brasil, daquele bispo
português de Leiria que assim se despedia
da escória extraditada para a colônia:
“Vá degredado para o Brasil, donde
voltará rico e honrado”. Enfim é
a história oficial de gente de bem porque
possui bens!... Mas essa escória preferiu
permanecer, dedicando-se ao roubo de terras aos
índios e à sua escravização.
Tendo por pano de fundo o desastroso episódio
das capitanias hereditárias que deu origem
à essa praga nacional, o latifúndio,
mas escravista que feudalista.
Toda
a história do Brasil é caracterizada
por episódio de descompasso e subseqüente
acomodação. A Independência
foi uma acomodação entre as classes
dominantes lusas e nossas, tendo por denominador
comum a permanência do latifúndio.
E assim, como acontece com a crosta terrestre
que, quando se descompassa em sua estrutura, origina
terremotos, no Brasil os terremotos sociais foram
substituídos por mansos fenômenos
de acomodação. Orgulhamo-nos de
uma história sem sangue, ignorando que
ele não se fez por acomodação.
O povo de que as páginas da história
oficial não tomava conhecimento, limitando-se
à mansidão do “Independência
ou Morte”, continuou a luta pelos seus direitos
que se opunham ao escravismo e ao latifúndio,
eixos dos interesses do poder dominante. As lutas
populares que se seguiram à Independência,
entre as quais a Balaiada no Maranhão e
especialmente a Cabanagem na Amazônia, são
provas disso. A Cabanagem, foi, realmente, a mais
importante, através da qual, pela primeira
vez, no Brasil, o povo atingiu o poder, embora
carente de ideologia da qual pudesse se ter aproveitado
da relação de forças existente.
A tomada do poder pelo povo repetir-se-ia no Brasil,
precisamente um século depois em Natal,
em 1935. A Cabanagem, entretanto, cumpriu sua
função histórica de proporcionar
a independência da Amazônia que vinha
sendo mascarada por brasileiros de parceria com
os também dominantes “caramurua”,
portugueses que enchiam seus bolsos aqui, mas
tinham o coração e a cabeça
naquilo que, para eles , continuava sendo o Reino,
Portugal. Com todas as características
de uma aventura, a Intentona, entretanto, não
cumpriu a missão a que se destinava e que,
foi utilizada, pelas classes dominantes para,
através de uma campanha de calúnias,
impor a ferocidade do terror, daqueles desgraçado
últimos anos 30 e primeiros 40. Os cabanos
foram, também, uma vez derrotados, massacrados
pela gente luso-brasileira com extrema ferocidade,
porque lutavam por uma independência real
que trouxesse uma modificação em
benefício das extensas camadas populares,
índios e escravos, inclusive.
Caio
Prado Jr. Em Formação do Brasil
Contemporâneo, 1943, pgs. 5 e 6, explicando
aquele tempo de começo do século
XIX, escreveu: “Tínhamos, naquele
momento, chegado a um ponto morto. A obra colonizadora
dos portugueses, na base em que se assentava e
que, em conjunto, formava aquele sistema, esgotara
suas possibilidades. Perecer ou modificar, tal
era o dilema que se apresentava ao Brasil. “Com
o sete de setembro o Brasil não perecera
mas também pouco se modificara. Oficialmente
se acomodara. E o artífice dessa acomodação,
quem coordenou as forças reacionárias
que não desejavam uma independência
total, foi Feijó que, com sua tirania de
liberdade limitada, não pode compreender
o quanto de ruim representava essa acomodação
para que tivéssemos um Brasil unido, como
de acordo com os interesses acomodatícios,
moldou, mas com seu povo independente. Padecemos
dessas acomodações até hoje.
Disso que se diz jeitinho brasileiro...
Duvido que não só a Internacional
Comunista como o PCB, quando se enveredaram pelo
caminho da, até então renegada e
condenada, Frente Única das forças
progressistas, conhecessem qualquer coisa sobre
as lutas populares brasileiras, especialmente
a Cabanagem. Não se estudava Canudos e
conselheiro, mas aceitava-se o cangaço,
forma degenerada de luta, e Lampião! O
que importava era a Revolução de
Outubro e os sovietes, considerados antimarxisticamente
como modelos e não como simples referência
como convinha. O arquivo da Cabanagem acha-se
em Belém, praticamente virgem, sem que,
até agora alguém se interessasse
pelo tesouro representando por esses documentos
para o melhor conhecimento do Brasil. E, para
escrever um ensaio sobre essa ilíada paraense,
tive que lançar não de processo
dedutivos e de prospecção sócio-histórica
porque a melhor, e praticamente única,
obra, redigida e publicada paulatinamente em cinco
volumes entre 1865 e 1890, por Domingos Antônio
Raiol, que pela Cabanagem se interessou, porque
procurava pelo seu pai que fora vereador em Vigia,
morto quando os cabanos tomaram a cidade. A obra
– reeditada pela Universidade do Pará
em três volumes em 1970 – do ponto
de vista da classe dominante é séria
mas tremendamente contra os cabanos, embora mantendo
um mínimo respeito pelos acontecimentos.
Raiol pertencera à elite burocrática
do Império, havendo atingido e baronato.
Paralelizando os dois acontecimentos populares,
o livro sob prefácio, de Luiz Gonzaga Cortez
transformar-se-á num documento obrigatório
para a historiografia tulcídidica brasileira.
Entrevistando muitos sobreviventes prestou inestimável
serviço à história das nossas
lutas populares.
Tudo demonstra que os marxistas (?) do PCB e da
IC (Internacional Comunista) que influíram
decididamente no movimento que eclodiu em novembro
de 1935, não tivessem dado conta do valor
da história como ciência segundo
Marx e Engels, como da importância de estudá-la
e conhecê-la para lhe dar o rumo certo.
Marx estudou profundamente o episódio da
Comuna de Paris para que fosse aproveitado como
experiência. Lenine fez do levante de 1905
tese e estudo experimental, rompendo com Plekanov
que fora seu mestre mas não compreendera
aquele espontaneismo dos trabalhadores russos.
E Trotsky escreveria sobre esse novembro um livro
monumental: 1905. Eles transformaram a derrota
em tese para estudo. Pergunta-se: os responsáveis
pelo nosso novembro de 1935 fizeram qualquer coisa
parecida? Como se propunha a modificar a estrutura
do sistema econômico russo, Lenine estudou-o
a fundo, escrevendo a obra O Desenvolvimento do
Capitalismo na Rússia. Caio Prado Jr. e
Nelson Werneck Sodré, que melhor estudaram
as condições do nosso desenvolvimento,
são quase que ignorados pela militância.
Depois da derrota de 1905 a intelectualidade russa,
frustrada no campo político, tal como aconteceu
e acontece entre nós, começou a
se enveredar pelos atalhos do idealismo e misticismo.
Então Lenine estudou profundamente filosofia.
Transformou-se num rato de bibliotecas. Conta-se
até que, muitos anos depois, já
dirigente da URSS pós outubro de 17, um
funcionário de certa biblioteca inglesa
perguntava: “Porquê” aquele
russo, baixinho e calvo nunca mais apareceu? Morreu?”
Escreveu então sua mais extraordinária
obra sobre os princípios filosóficos
do marxismo, Materialismo e Empírio-Criticismo.
Pergunta-se: onde estava e onde está a
nossa frente de luta ideológica? E quando
a questão de poder se lhe apresentou, homisiado
na Finlândia, escreveu algo extraordinário:
O Estado e a Revolução. Nossos marxistas,
até hoje não tem uma visão
marxista do Estado brasileiro. Contentam-se com
essa miscelânea dos sociólogos que
andam, por aí, nas universidades, impondo
suas opiniões, quase sempre idealistas.
E quando, dias depois, retornou à Rússia,
pela primeira das duas vezes em 1917, como líder
revolucionário inconteste, ao desembarcar
na estação Finlândia em Retrógrado
- hoje Leningrado -, lançou as célebres
Teses de Abril. E assim, os bolchevistas, na antevéspera
de se tornarem o dínamo do povo russo a
caminho do poder já sabiam o que queriam
e o que podiam. No Brasil os comunistas não
sabiam, em 1935, o que queriam e nem o que podiam.
O movimento de novembro de 1935 não contava
com um estudo preliminar sobre as questões
de nossa sociedade que foi esteriotipada como
feudal-burguesia, um híbrido só
possível a primários. E, até
hoje, acham-se perdidos. Uns porque sendo o latifúndio
a dominante, o confundem com feudalismo, ignorando
que ele, que perdera Roma - Plínio, citado
por Engels, dissera: “latinfundia perdidere
Itálian”- não era feudal;
era escravista. Da mesma forma que existe um processo
peculiar de produção asiático,
o latifúndio moldou um processo peculiar
brasileiro. Há quem afirma e quem infirme
a existência do feudalismo como etapa do
nosso desenvolvimento. Mas caberia - o que não
foi feito - aos militantes intelectuais estudar
profundamente a influência do latifúndio
no emperramento da nossa evolução
e conscientizar as massas.
Quando
o alemão tão brasileiro como o italiano
Garibaldi, Harry Berger, ligou-se ao movimento
comunista brasileiro nos anos 30 para emprestar
sua colaboração, transmitindo seus
conhecimentos teóricos e sua experiência
revolucionária internacional, procurou
se contactar com o movimento camponês, partindo
da premissa que o latifúndio era o peso
morto fundamental de que padecia, desde suas origens,
o Brasil. Manteve uns tantos contatos com uns
poucos camponeses que a irresponsabilidade, não
só de Miranda, como de todo PCB que não
se opusera às suas fanfarronices, multiplicara
por milhares e milhares. Berger era experiente.
Verificou que não havia movimento camponês
suficiente, condenando qualquer movimento precipitado.
Como ele outros, porque verificaram que não
havia condições revolucionárias,
também se opuseram e foram marginalizados,
embora experiente, tais como Christiano Cordeiro,
Heitor Ferreira Lima, Eduardo Xavier, o Abóbora
e mais que eles porque deixou sua opinião
documentada, João Barreto Leite Filho.
Mas pela total inexistência de democracia
interna não foram ouvidos. Quando o levante
foi irresponsavelmente precipitado em cadeia em
Natal, Recife e Rio de Janeiro os renitentes aceitaram
a, já não mais precipitação,
provocação. O mesmo não aconteceu
com Roberto Morena, elemento altamente capacitado,
que era dirigente em Porto Alegre. Carregou, apesar
de haver depois lutado contra o fascismo nas Brigadas
Internacionais na Guerra Civil Espanhola, a pecha
de covarde porque não se aventurara ao
levante. O livro atual de Cortez é de muita
importância porque demonstra que não
houve, durante os dias de domínio revolucionário
no Rio Grande do Norte, nenhuma participação
camponesa favorável. Pelo contrário,
a que houve foi de oposição. E também,
diferentemente do que Giocondo Dias viria a contar,
a não ser meia dúzia de cidades
do Agreste, em virtude da militância de
cafeistas que supunham lutar, ao lado da oligarquia
dos Câmaras, e não da ANL as tropas
revolucionárias não ocuparam dois
terços do estado!
Nelson Werneck Sodré, em seu recente livro,
A Intentona Comunista de 1935, editado por Mercado
Aberto, estudando, com a fina argúcia que
lhe é própria, as condições
de então, concluiu: “O fato é
que no tormentoso quadro entre 1930 e 1935, não
havia, no Brasil, uma situação revolucionária”
(pg. 15). O levante de 1935 teve todas as características
golpistas e tenentistas. Seus responsáveis
acreditavam muito nos quartéis, ignorando
o povo. Nem os militantes do PCB tiveram conhecimento
antecipado de sua eclosão. Foram surpreendidos.
O que, entretanto, não aconteceu com o
governo que não só o esperava como
auxiliou sua precipitação. Faltava,
essa é que é a realidade, capacitação
política e conhecimento da realidade brasileira
da parte dos dirigentes comunistas. No livro de
Cortez vamos encontrar documentos que justificam
estas palavras, especialmente no de Santa que
alertou que não era “hora de se cometer
qualquer loucura”.
No citado livro, à pag 47, Nelson Werneck
Sodré escreveu: “E a decisão
deveria caber, portanto, às forças
que aqui lutavam. As informações
que levariam à decisão eram fornecidas
pelo PCB, como era norma da IC. À direção
do PCB, pois, coube a decisão de partir
para a luta armada”. Em fins de 34 e começo
de 35 a IC, em virtude dos informes apoteóticos
que lhe vinham sendo transmitidos pelo PCB, realizou
muitas reuniões para ampla discussão
das possibilidades apresentadas pela situação
brasileira de, através da frente única,
chegar-se à insurreição.
O grupo liderado pelos capacitados e experientes
Dimitrov e Togliatti que conheciam o fascismo
na pele, opôs-se à aventura, mas
foi vencido pelo encabeçado por Miranda,
moleque internacional e dirigente máximo
do PCB e que atingira esse posto por manobras
de audácia e aventura políticas,
Prestes que desconhecia as tropas que comandaria
e pelo temperamental - ele exigiu a aceitação
de Prestes pelo PCB, que reagia (e como estavam
certos os membros do PCB!) à sua possível
influência tenentista pequeno burguesa,
dando murro na mesa - Manuilski. Foi uma decisão
tomada à base de informações
fantásticas.
A Aliança Nacional Libertadora lançada
em 30 de março de 1935, agitou profundamente
o país, tomando o caráter de conscientização
das massas, no mais empolgante movimento que a
nação conhecera. Mas fora mais criação
de tenentistas inconformados com ainda grande
prestígio junto ao povo, sobretudo porque
sentiam-se traídos por Getúlio,
que do PCB. É verdade que desde os primeiros
instantes foram os militantes deste partido os
melhores da ANL, jogando todas suas forças
no processo de agitação. E à
medida que esta se radicalizava pelas palavras
de ordem avançadas demais do PCB e, especialmente,
de Prestes, a frente única estreitou-se
e, depois de sua ilegalização, restrita
ao PCB que não analisou essa primeira derrota,
insistindo na tese da luta armada. O povo não
mexera uma pena de protesto contra o fechamento
da ANL mas, ignorando o objetivo, o PCB passou
a agir no subjetivo, confundindo aquilo que havia
sido extensa agitação com profunda
organização, preparando aquilo que,
segundo frisei na conferência feita em 05-03-87,
no campus da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, a convite de sua associação
de docentes, a ADURN, como episódio encerrou
o ciclo do tenentismo. A intentona foi o último
ato do tenentismo. À página 91 do
citado livro de Nelson Werneck Sodré, lançado
posteriormente, minhas iguais palavras aos potiguares,
ecoaram como letras: “Em tudo e por tudo”,
escreveu esse historiador, “foi a derradeira
manifestação do Tenentismo inconformado
com a sua marginalização e superação”.
O que é importante sobre o histórico
novembro de 35 é seu estudo cada vez mais
profundo como lição. E daí
a importância deste livro de Cortez que
buliu num formigueiro aparentemente extinto, cutucando
o diabo com vara curta. A Comuna de Paris teve
a análise de Marx, o 1905 russo teve a
análise de Lenine. O nosso novembro ficou
órfão de análises. E então
aconteceu o que ainda está acontecendo,
por falta de análises. Um jogo de empurra
da derrota por quem não deveria ignorar
que uma derrota bem estudada já é
meio caminho andado para a vitória. O PCB
em novembro de 1935 não se achava preparado
nem para a vitória; o governo contra o
qual lutava, sim. Ainda fumegavam as armas quando
se desencadeou a campanha de calúnias adrede
preparada. Que moças haviam sido violentadas,
que os comunistas cometeram excesso contra inocentes.
As reportagens de Cortez demonstram como o getulismo
se cevou de calúnias. E, enquanto isso,
assassinava presos indefesos, amplamente derrotados,
nas grotas de Currais Novos. Malvino Reis, no
Recife, também fuzilou inermes prisioneiros
sem qualquer julgamento. Mas em Natal, Cortez
demonstra que ninguém foi morto, enquanto
dormia, por camaradas de armas. Como de resto,
embora essa calúnia seja assoalhada, à
cada terroristica comemoração pelas
forças vitoriosas, todos os 27 de novembro,
ninguém disse até hoje o nome da
vítima, do algoz e onde isso aconteceu.
Agildo Barata conta, em seu livro Vida de um Revolucionário,
como encostou na parede Adauto Lúcio Cardoso
e Carlos de Lacerda nos seus tempos de vereança
no Distrito Federal do Rio de Janeiro. Está
em ata da Câmara de Vereadores a retratação
de Cardoso e Lacerda. Mas, tão pronto livres
de quem os desafiasse, esses dois anti-getulistas
voltaram a propagar as calúnias.. getulistas!
E foram muito bons assoalhadores. Nunca Getúlio
teve aliados no campo da calúnia tão
eficazes como esses dois! E em Natal, conforme
documenta Cortez, até a gente “bem”
que assistia uma solenidade junto com o governador,
foi escoltada, com segurança e respeito,
para suas residências nos bairros chiques.
Conta Renan, se não me engano, nos Os Evangelhos,
um dos seus livros sobre as origens do cristianismo,
estranhando a uniformidade, quase que decalcada,
das diferentes narrativas, que era de se colocar
em dúvida que os Evangelhos tivessem sido
escritos por quatro pessoas diferentes. E se perguntássemos
a diferentes veteranos das campanhas napoleônicas
pela seqüência das batalhas empenhadas,
haveria um baralhamento de datas. Luiz Gonzaga
Cortez, através de suas entrevistas enfeixadas
neste livro, com os participantes do movimento
em Natal, prestou inestimável serviço
para elucidação de fatos importantes.
O “valente” Dinarte Mariz covarde
e simplesmente fugiu; Giocondo Dias quando viria
a afirmar que eles, os revolucionários,
haviam tomado conta de dois terços do estado,
dava vazão à mitomania. Gastão
Costa Nunes que se confessa, até hoje,
81 anos, medularmente anticomunista, “fanático
seguidor de Café Filho, queria lutar para
derrubar o governo”. Foi, depois de preso,
parar na Ilha Grande onde diz ter feito amizade
com Luiz Carlos Prestes etc. Prestes nunca esteve
preso na Ilha Grande! Mas, embora esses lapsos
de depoentes, dos quais se originam as lendas,
em mãos de um estudioso do episódio,
este livro é de muito valor. Quem viver
verá.
Desde o primeiro dia, como se já tivessem
a palavra no arsenal de guerra psicológica,
o movimento foi qualificado de intentona. E desde
então os revolucionários puseram-se
na defensiva também com respeito a essa
qualificação. Pois bem, os dicionaristas,
denominam de intentona qualquer intento louco
e o intento de novembro de 1935 foi realmente
louco. Marx não renegou os comunardos quando
apelidou a Comuna de Paris como “assalto
ao céu por bravos loucos”. Para os
revolucionários brasileiros a expressão
intentona - e é preciso que se dê
legitimidade a esse termo - deve ser entendida
como os patriotas brasileiros entenderam Tiradentes
- que, aliás, foi vilipendiado por Getúlio
Vargas quando transformou o 21 de abril em Dia
da Polícia - e a Inconfidência. E,
inconfidência, significa deslealdade ou
infidelidade. O que dá nobreza às
palavras são os fatos que com elas tentam
menosprezar ou menoscabar. E, então, a
menos que se aceite o menoscabo, ou se considere
desprezível, porque não intento
louco, intentona?
Eduardo
Maffei
OBS:
Este texto foi escrito em 1987.
Eduardo
Maffei foi médico, polígrafo e historiador,
autor da tetratologia Maria da Greve e o Etopeu
(A Greve, Maria da Greve, Vidas sem Norte, A Morte
do Sapateiro) além do depoimento-histórico
A Batalha da Praça da Sé. Integrou
o Conselho Consultivo da Revista dos Profissionais
de História do Rio Grande do Sul, História
- ensino e pesquisa.
^
Subir
<
Voltar
Nosso
Projeto |
Mapa Natal 1935 | Mapa
RN 1935 | ABC
Insurreição | ABC
dos Indiciados | Personagens
1935 | Jornal
A Liberdade | Livros
| Textos
e Reflexões | Bibliografia
| Linha
do Tempo 1935 | Imagens
1935 | Audios
1935 | Vídeos
1935 | ABC
Pesquisadores | Equipe
de Produção
História
dos Direitos Humanos no Brasil
Projeto DHnet / CESE Coordenadoria Ecumênica
de Serviço
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular
CDHMP |
|
|
|
|