Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
A
Revolta Comunista de 1935 em Natal
Relatos
de Insurreição que gerou o primeiro
soviete nas Américas
Luiz Gonzaga Cortez
Nosso
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Anexos
09
Ex-companheiro fala sobre Djalma Maranhão
ENTREVISTA
DE JAIR SIQUEIRA CALÇADA, COMPANHEIRO DE
CASERNA DE DJALMA MARANHÃO, EM JUNDIAÍ,
SÃO PAULO.
POR
EDUARDO MAFFEI, ESPECIAL PARA ESTE LIVRO.
JAIR
SIQUEIRA CALÇADA X DJALMA CARVALHO MARANHÃO
– ENTREVISTA
Jair Siqueira Calçada, industrial paulista
de boa cultura, durante alguns dos anos 30, conviveu
estreitamente com Djalma Carvalho Maranhão,
o grande prefeito de Natal caçado e cassado
pelos que se apoderaram do poder em abril de 1964.
Esse contacto aconteceu por dois motivos, um dos
quais é acontecimento histórico
do nosso país. Deu ao historiador Eduardo
Maffei, seu amigo, a entrevista que se segue sobre
como viu e ainda vê Maranhão.
Conheci Djalma Maranhão em outubro de 1933
como praça de pré no 1º Batalhão
do 6º R. I. (Sexto Regimento de Infantaria)
composto de quatro companhias – 1ª,
2ª, 3ª, e de metralhadoras. Eu fazia
parte da primeira e ele da segunda, mas com sua
arte de fazer amizades, tornou-se amigo de todos
nós, tendo mais estreito contacto comigo.
A sede fixa desse regimento era em Caçapava
mas como, em virtude do movimento constitucionalista
de 1932, havendo aderido aos rebelados, o 2º
C.A. do (Segundo Grupo de Artilharia de Dorso)
de Jundiaí foi dissolvido, a unidade militar
passou a ser reconstituída com 1º
Batalhão do 6º R.I., com sede em Caçapava
em Jundiaí. E para essa reconstituição
foram recrutados muitos convocados de Campinas
nos quais me achei incluído. Logo mais,
para complementar, transferido de Natal, chegou
um contigente composto na maioria de potiguares,
entre os quais se achava Djalma Maranhão.
Lembro-me de outros, além dele: Rubem Sampaio,
Elisiolino Santana, Lucas Ferreira da Silva, Alfredo
Pegado Cortez e Adalberto Alves de Souza.
Durante praticamente todo ano de 1934 fizemos,
primeiramente o concurso de candidatos a cabo
e logo em seguida de sargentos. O que mais se
sobressaiu de todos nós foi Djalma Maranhão.
Era o de maior cultura, tinha muita curiosidade
pelos seus problemas e lia muito. No mesmo logradouro
em que se sediava o quartel à praça
Rui Barbosa, havia o Gabinete de Leitura com o
mesmo nome e Maranhão, desde logo passou
a influir sobre todos nós para que tornássemos
sócios do mesmo, sempre dizendo que a boa
leitura era necessária para a boa formação
do homem. Como a maioria de nós era virgem
em matéria de ilustração,
passou a nos indicar livros. Grande parte da minha
formação cultural devo a ele. Lembro-me
ainda – todos nós éramos de
origem pobre – de um livro por ele indicado
que nos fez vibrar, tornando-se tema de nossas
conversas. Foi O Germinal de Emile Zola. Explicava-nos
que esse autor, contra a opinião pública
francesa dirigida por calúnias, defendera
o capitão Dreyffus da falsa acusação
de traidor da pátria.
Passou-nos, mas sigilosamente a alguns companheiros
em quem mais confiava, entre os quais eu me achava
incluído, para ser lido, um livro de autoria
do marechal Klementi Vorochilov, comissário
para os negócios de guerra da URSS, equivalente
ao nosso ministro da guerra e de Luís Carlos
Prestes, exilado na república dos sovietes.
Explicava a necessidade e do porque tornar apto
o Exército Vermelho, quantitativa e qualitativamente,
para revidar eventuais agressões aos país
sob cerco permanente, embora já armado,
mas em paz, desde a Revolução Bolchevista
de outubro de 1917. Durante a intervenção
estrangeira nos negócios internos da novel
república socialista, para cobrir os sangrentos
acontecimentos, Assis Chateaubriand como correspondente
do “Correio da Manhã”, no dia
18 de novembro de 1919, portanto 30 anos antes
que, em sentido inverso, Churchill usasse a expressão,
escreveu: “Por detrás da cortina
de ferro, em que os aliados envolveram a República
dos Sovietes”. Foi, portanto, Chateaubriand
e não Churchill quem cunhou a expressão
cortina de ferro.
Djalma Maranhão revelou-se um recrutador
político de fino senso. Abriu-me os olhos
para muita coisa que, mesmo existindo, eu não
via. Quase todos os dias trazia um exemplar de
“A Platéia”, jornal popular
que viria a ser em São Paulo o órgão
oficioso da Aliança Nacional Libertadora
Paulista. Em fins de 1934 começou a nos
demonstrar porque razões se desiludira
da revolução de 30. Não pelo
que fora, mas pelo que não conseguira ser.
Nesse tempo a maioria do povo que vivera o entusiasmo
eufórico dos dias que se seguiram à
vitória, estava também desiludida.
Havia desemprego e carestia. Passou a sondar quem
de nós poderia ser recrutado para a luta
de libertação do latifúndio
e do imperialismo, as duas maiores pragas, como
nos dizia, que afligiam o Brasil. Nem se falava
em Aliança Nacional Libertadora que viria
a ser lançada em 23 de março de
1935. Quando ela surgiu, tomou-se de entusiamo
que nos contagiou. Mas, no quartel, a coisa não
passou a ser senão entusiasmo. E quando
se realizou o comício aliancista em Jundiaí
que foi realizado na praça em que se situava
o quartel, a maioria da tropa, aliciada por Maranhão,
o assistiu e mesmo fardada batia palmas às
tiradas oratórias. O comandante da unidade
não se opôs à nossa presença
e, inclusive, fez parte da assistência.
Esse comandante Vitor Cesar da Cunha Cruz, depois
de transferido, viria a ser muito lealmente bem
descrito, por sua fidelidade aos amigos, por Fernando
de Morais em seu livro OLGA, como participante
daqueles angustiosos momentos da undécima
hora do movimento que irromperia logo depois no
Rio de Janeiro, na madrugada de 27 de novembro
de 1935. Demos pois a palavra a Fernando de Morais:
“ Quando a noite caiu, Prestes e Olga mudaram-se
da casa de Ipanema para outra de Vila Isabel,
a meio caminho da Vila Militar, a mais importante
guarnição da capital. No momento
que os revoltosos tomassem as unidades, bastariam
uns poucos minutos para que Prestes assumisse,
da Vila Militar, o comando do país. Movidos
por alguma arte do instinto, Prestes e Olga resolveram
que não seriam levados para Vila Isabel
por Erika, a jovem mulher de Gruber (Gruber era
um agente da Gestapo infiltrado, como informante,
no movimento comunista internacional) que até
então servira como motorista do casal.
Por isso, Prestes chamou um velho amigo seu, o
major Vitor Cesar da Cunha Cruz, naquela época
cursando a Escola de Comando e Estado Maior do
Exército. EMBORA NÃO COMUNISTA,
Cunha Cruz era de total confiança, e, sendo
oficial do Exército eliminava os riscos
de serem interceptados por alguma patrulha (Fernando
Morais, Olga, 3ª edição, editora
Alfa-Ômega, 1986, pgs. 98/9 e 100). “Fracassado
o movimento, logo na manhã do mesmo dia,
eles puderam, apesar das barreiras que a polícia
estabelecera em cada esquina da cidade, chegar
de Vila Isabel para Ipanema, levados pelo major
Cunha Cruz sem ser importunados” (Ob. cit.
pg. 107)
Depois do major Vitor Cesar, assumiu o comando
da tropa em Jundiaí o major Iberê
Leal Ferreira, muito educado, apartidário,
bom militar e amigo da tropa, mas creio que era
subretipciamente simpatizante da A.N.L, pois conversava
sempre mais que o necessário militarmente
com Djalma Maranhão que era conhecido aliancista.
Maranhão pediu licença para o dia
7 de outubro de 1934, o que lhe foi concedido.
Dirigiu-se à capital, tendo participado,
integrando a frente única popular de forças
antifacistas, na dissolução violenta
do desfile e concentração de 10
mil integralistas que haviam programado para a
tarde daquele dia uma demonstração
de força na praça da Sé.
Foi o único do batalhão que participou
da luta, mas transmitiu aos companheiros como
viria o entrevere, pois, muito cuidadoso, não
baixava a guarda e dizer que participara seria
ser incriminado.
Em junho de 1935 esse batalhão foi transferido
de Jundiaí para Caçapava afim de
se reintegrar à sua verdadeira unidade
e a Aliança Nacional Libertadora, lançada
em março, ia de vento favorável
e Maranhão fez permanentemente nas conversas
com os companheiros explicações
sobre seus objetivos. Sempre preocupado com a
cultura e o antifacismo, passou a editar um jornalzinho
humorístico, custeado por nós, seus
companheiros, “O Misterioso”, juntamente
com Elisolino Santana e Rubem Sampaio, satirizando
a civilização mussolínica
que atirava bombas sobre aldeias indefesas da
Abissínia, país ao qual, sem mais
aquela , para ampliar no seu ridículo Império
Romano.
Dias depois da insurreição de Natal,
Recife e Rio, foi lida no quartel uma ordem do
dia do Ministro da Guerra João Gomes (o
mesmo, como se soube depois, que numa reunião
do ministério, depois do esmagamento das
três insurreições, propôs
o fuzilamento dos comunistas e que tais), ditando
que se abrisse um inquérito em todos corpos
de tropa e “fosse imediatamente detido todo
e qualquer elemento que houvesse demonstrado o
mais leve indício ou suspeita de ser comunista,
demonstrando que se o movimento apanhara de surpreza
os aliancistas, não apanhara a reação
que, segundo a história demonstrou posteriormente,
já se achava preparada.
Antes da eclosão do movimento, havia um
ambiente de insatisfação entre muitos
dos subgraduados que, por isso mesmo, tornaram-se
prosélitos da ANL, porque fora baixada
uma ordem de Ministro da Guerra com o objetivo
de elitizar o exército, que todo aquele
que fora promovidos lutando em 30 e 32, ao lado
de Getúlio e na repressão ao movimento
constitucionalista, se não fizesse o necessário
curso e fosse aprovado para o posto, deveria ser
rebaixado. Um dos que seria atingido era o 3º
sargento José Maciel que, desgostoso, tornou-se
alcoolatra, embebedando-se com frequência.
Apesar de não participar da Aliança,
no dia em que chegou a nova da insurreição
de Natal, alegre por isso mesmo e porque bebera
além da conta, em comemoração,
postou-se no local do Corpo de Guarda, declamando
repetidas vezes o seu repente: “No norte
desabrochou uma flor / No sul está em botão”.
Foi o primeiro a ser preso e agradeceria o acontecido
porque, além de se tornar abstêmio,
aculturou-se na Universidade do presídio.
Quando a ANL foi posta na ilegalidade Djalma Maranhão
passou a conspirar, dizendo: “Não
respeitam mais a vontade popular; isso não
pode ficar assim”. Entre os que toparam
achava-se o sargento Milton Miranda que fora condenado
há mais de 20 anos, preso, portanto já
afastado da sociedade, porque assassinara um colega
por motivos fúteis, aguardando a transferência
para a penitenciária. Todos os dias o cabo
Antônio Balotta, o branco – pois que
havia, com o mesmo sobrenome, o preto –
postava-se frente às grades por largo tempo,
doutrinando-º Este cabo, pouco mais que alfabetizado,
foi um dos muitos detidos que muito ganharam na
permanência no presídio, o que Maranhão
apelidava, sempre com a mesma verve, de colégio
interno. Balotta aprendeu, na universidade, com
João Baptista Dubieux falar corretamente
o japonês. Quando, 19 meses depois, no começo
de julho de 1937, foram soltos todos aqueles que
não tivessem culpa formada, exigência
que, para ser nomeada Ministro da Justiça,
José Carlos de Macedo Soares fizera, pelo
ato que viria a ser historicamente conhecido por
“macedada”, o presídio praticamente
se esvaziou e entre os que foram soltos achava-se
o criminoso condenado há mais de 20 anos
que ganhou liberdade depois de 19 meses, por artes
de mágica do arbítrio reacionário.
Costumava, depois, bendizer a prisão, desaparecendo,
em seguida, do mapa.
Foram presos na unidade do 6º R. I. em Caçapava
em seguida à insurreição
aliancista, entre 30 – 35 elementos, todos,
menos um que era soldado, cabos e sargentos, a
maioria dos quais nada tinha que ver com o movimento.
Obrigado, pela ordem do dia que fora lida em todas
guarnições do país, a informar,
o comandante major Iberê Leal Pereira, procedeu
com muita lealdade, relatando que nada havia contra
os detidos, pois nada acontecera no quartel, não
encontrando motivo para abertura de inquérito,
além do que todos eram ótimos militares
cumpridores dos seus deveres. Entretanto, um capitão
integralista forçou a barra. Este pouco
sabia como exercer o oficialato, pois fora anistiado
e promovido em 1930, desligado que fora –
também por suspeita – da Escola Militar
em 1924, onde era aluno. Era muito posudo. Tratava
a tropa fria e autoritariamente. Certa vez –
ele tinha a mania de se mostrar -, montado num
cavalo, resolveu pôr sua companhia em forma
para assistir sua demonstração.
Caiu do cavalo e recebeu uma sonora vaia dos comandantes
mesmo quebrando a disciplina militar. Como os
apupadores eram em sua maioria do 1º e 2º
batalhões, passou a votar aversão
aos seus componentes, especialmente Djalma Maranhão
que levava tudo aquilo na flauta como dizia. Esse
integralista, capitão João Batista
Mondini Beletti, publicara um livreco chinfrim,
A Esfinge, de proselitismo verde e insinuou aos
seus comandados sua leitura. Os poucos que o leram
faziam troça e ele soube disso. Afinal
ele conseguiu, à força de tanto
fazer, a abertura do inquérito e, no sumário
de culpa, em fevereiro de 36 o comandante do regimento,
Iberê Leal Ferreira, militar decente, apesar
das perguntas capciosas do promotor, respondeu
que nada tendo acontecido no quartel não
via motivos para indiciar os sumarizados. Mas
o integralista fez pé firme. Indiciou,
segundo sua interpretação, todos
os detidos no artigo 10 da Lei de Segurança
Nacional que previa penas para todos aqueles que
incitassem militares uns contra outros. Djalma
Maranhão, nessa ocasião, estudou
a dita lei e nos disse: “A lei diz uma coisa,
mas os reacionários a interpretam à
sua moda”.
Quando o Inquérito Policial Militar chegou
às vistas do juiz federal Bruno Barbosa,
apegando-se ao espírito da lei, ridicularizou-º
Haviam enquadrado, forçando esse espírito,
arbitrariamente. Disse que procurara no IPM, onde
eram indiciados, mais de três dezenas de
incitadores, os incitados e não encontrara
nenhum que fizesse a prova. Mas despachou que
os presos deveriam ficar à disposição
da polícia até que fossem apuradas
as responsabilidades. Maranhão nos disse,
sem perder o humor: “Se não temos
culpa de nada não haverá responsabilidades,
e, então estamos fritos porque vão
ficar procurando-as durante a eternidade; assim
estamos condenados à prisão perpétua”.
Não foi à prisão perpétua,
mas foram 19 meses de detenção sem
culpa formada. No presídio, de vez em quando,
me dizia: “Viu no que deu você não
ler A Esfinge? E dar vaia em quem cai do cavalo?
Ignoro quais as ligações políticas
que Maranhão mantinha antes. Eu mesmo o
seu amigo mais chegado, por ele me haver dito,
só soube no presídio que desde que
morava em Natal pertencia à Juventude Comunista,
organização de jovens do PCB. Entretanto,
quando a insurreição eclodiu em
novembro de 1935, disse-nos, ainda livres, no
quartel: “Precipitaram a coisa: não
era para agora”.
Estiveram presos comigo, entre outros de que não
me lembro, além de Maranhão, Elisiolino
Santana, Lucas Ferreira da Silva, Rubem Sampaio,
Alfredo Pegado Cortez, Adalberto Alves de Souza,
Ubaldo Marino, Antônio Balota e Marcelino
Ferreira, pois fazíamos parte de um grupo
mais estreitamente ligado. E lembro-me bem de
outros dois: o cabo Marcelino Ferreira e Milton
Miranda, este porque viera de uma prisão
dura para outra mais branda.
Lucas Ferreira da Silva foi um dos que, mais tarde,
transferido para o presídio do Paraizo,
fugiria por um tunel escavado pelos presos. A
idéia desta fuga foi do militar José
de Castro Correia, Issa Maluf e Jorge Raful. O
projeto de autoria, tanto quanto a supervisão
de sua construção, foi da cabeça
do engenheiro Alexandre Weinstein. Foi o primeiro
editor (editora Pax) que, no Brasil, em 1931,
editou obras de ficção e esclarecimento
sobre a URSS, pelo que, sem culpa formada também,
esteve preso. Rompera a “cortina de ferro”
cultural. E por isso o prenderam também.
Era um judeu nascido em Odessa, na URSS, muito
inteligente e irônico. Quando esse tunel
estava pronto Paulo Emílio Salles Gomes
foi convidado a evadir-se por ele, o que aconteceu.
Pouco depois o seu exílio para a França
foi negociado por seu pai, uma vez que a polícia
política não desejava ser desmoralizada
com a fuga. Ele viveu em Paris até quando
os exércitos nazistas romperam, aparentando
invencibilidade, as fronteiras da França.
Retornando, procurou antigos prisioneiros que
conviveram com ele no presídio fazendo
derrotismo hitlerista sobre a invencibilidade
dos exércitos nazistas, pedindo que se
conformassem. procurou inclusive a mim. Mas passou
a assoalhar, por um estelionato histórico,
à sua claque, para cuja formação
demonstrou-se hábil, que a idéia
e supervisão da construção
do tunel fora dele. Fora preso em 1936, ao retornar
do Peru, entusiasmado com a APRA (Associação
Peruana da Revolução Anti-imperialista),
criada por Haya della Torre, intitulando-se aprista,
não sendo, no presídio – ele
estivera no Maria Zélia e fora logo transferido
para o Paraizo – levado a sério por
ninguém. Era então um meninão
ingênuo de 19 anos. Entre os que puxaram
o cordão da claque esteve Jorge da Cunha
Lima que foi secretário de cultura do governo
montoro. Escreveu, em setembro de 1977, na revista
“Isto é” que “em Paris
convivera com Trotsky, Bukharin e Kamenev”.
Todos ex-membros do comitê central do partido
belchevique que cooperaram para a vitória
da Revolução de outubro). Paulo
Emílio nunca deixou por menos. Transformou-se
num dos mais sábios conhecedores de cinema,
mas fazia cinema também com sua mitomania.
Quando Paulo Emílio achava-se em Paris
nos anos 30, Trotsky estava rigorosamente confinado
na Noruega, passando logo a residir no México
e os outros dois jamais sairam da União
Soviética, países onde ele não
esteve.
Os militares presos em Caçapava, antes
de ser recolhidos ao presídio político,
foram removidos de Caçapava para a Delegacia
de Ordem Política e Social na capital.
Viemos num trem leitero que parava exasperantemente
em todo lugar onde tivesse galões de leite
a recolher, em péssimas condições
como se fizessemos parte de uma manada de animais
– e Maranhão sempre fazendo humor
-, sob a guarda de um pelotão de maior
número que nós, armado até
os dentes sob o comando do sub tenente Cid, sempre
amável, pelo que Maranhão nos disse
que tanto soldados armados para nos vigiar fazia-o
começar a se sentir muito perigoso à
sociedade! Chegando à uma e meia da madrugada
fomos levados, como se fossemos uma vara de porcos,
num caminhão em que transitamos como sardinhas
em lata, para o Quartel General da 2ª Região
Militar do Exército, de onde o oficial
de dia nos encaminhou para a delegacia de Ordem
Política e Social (DOPS). O desconforto
era temperado pelo sal do espírito de Maranhão
que fazia até os homens do pelotão
se rir. Quando todos nós chegamos, presos
e escoltadores, subindo as escadas do prédio,
à delegacia de Ordem Política e
Social foi um tal de corre-corre. Os tiras da
portaria, ao ver tanta gente e muitos armados,
deram no pé. E assim fomos subindo todos
os andares e em cada qual todo mundo, inclusive
o delegado de plantão, fugira pelo elevador.
Maranhão fazia piadas e todo mundo se ria
da poltronice. Enfim encontramos um tira escondido
e apavorado, e único que não conseguira
se escafeder. Enfim o subtenente Cia, entregou-nos
a ele, dizendo que nos tratasse bem porque éramos
boa gente. E passamos o resto da noite, mais de
30, presos por um só. Maranhão lhe
disse: “Se fossemos tão perigosos
como se fala de nós, acabaríamos
com você, destruiríamos a delegacia
com seu arquivo e íriamos embora, sem mais
aquela. O inspetor apavorou-se, mas quando percebeu
que se tratava mesmo de “boa gente”
passou a nos interrogar policialanescamente. E
ele estava no blá-bla quando Maranhão
lhe perguntou: “Enfim aqui não se
dorme?” Então o funcionário
nos serviu café e depois nos deitamos espalhados
pelo chão, até que aparecesse, de
manhã o novo delegado de plantão.
Dali fomos removidos para o presídio Paraizo,
o único que havia como detenção
política. Mas como logo superlotou, o governo
de São Paulo alugou a fábrica de
tecidos Maria Zélia de dois grandes pavilhões
contíguos, aproveitando só um, porque
no outro ficaram armazenados as máquinas.
Para ali fomos removidos logo em janeiro de 1936,
sempre sem culpa formada e sempre para averiguações...
Ali o cabo Ubaldo Marino de Oliveira, com quem
Djalma Maranhão dava-se bem – Maranhão
dava-se bem com todos – enlouqueceu e Djalma
o tratou, no pouco tempo que continuou a permanecer
entre nós como amigo e enfermeiro. Ele
combatera em 1930 ao lado das tropas getulistas
e fora ferido por um estilhaço de granada
que penetrara por um dos olhos, alojando-se no
cérebro de onde, por não causar
danos, pois o local era neutro, não foi
extirpado. Usava, para encobrir a cicatriz ocular,
óculos pretos. Desde que fomos detidos,
não suportando a injustiça de sua
prisão ele já se desesperava e quando
fomos atirados ao presídio, percebendo
que ali ficaríamos por muito tempo, enlouqueceu,
conclusão a que chegaram os médicos
presos.
Desde o início Djalma Maranhão procurou
transmitir sua cultura e receber de quem sabia
mais que ele. Ficava horas conversando com o historiador
e sociólogo Caio Prado Júnior de
quem se tornou amigo. Caio apreciava-o muito e
não fazia mistério do seu apreço,
vaticinando, para ele, um grande futuro político.
E Maranhão nos dizia que, quando retornasse
à vida civil, sairia com grande débito
cultural para com ele.
Ele sempre foi um aficcionado pela prática
de esportes e, no quartel lhe demos o apelido
de Farol, porque, quando nos cumprimentava, tomava
a posição clássica dos boxeadores.
Por isso transformou-se, no presídio, em
instrutor de ginástica. Mas não
foi só disso que participou. Havia ali
um jornal interno, editado e caligrafado à
mão, num só número que corria
de mão em mão, saindo sempre que
era materialmente possível seus redatores
– home se chama editores – eram Ermelindo
Maffei, Clóvis Gusmão, Reginaldo
de Carvalho e Hilário Correia, o poeta.
Maranhão nele escreveu um artigo demonstrando
que o cangaço era uma consequência
da equação em que um dos termos
era aquilo que o camponês subconscientemente
deseja e aquilo que o latifúndio impede-o
de conseguir, procurando resolver o problema pela
revolta.
Havia no Maria Zélia uma universidade pela
direção do coletivo – coletivo
é uma assembléia democrática
que elege seus diretores como administradores.
Seus organizadores foram Roberto Silva, um corretor
de café de Santos, Quirino Puca, verdadeiramente
um sábio, Caio Prado Júnior, Ermelindo
Maffei, Clóvis Gusmão e Reginaldo
de Carvalho. Era seu diretor Roberto Silva. Com
ela também aconteceu a escamoteação
assoalhada pela claque de Paulo Emílio
que propalou aquilo que ele dizia ter sido, o
seu organizador. Nela Djalma Maranhão,
assessorado por Caio Prado Júnior, fez
palestras sobre a sociologia do cangaço,
fixando-se no problema camponês brasileiro.
Esse vezo de mascarar e ignorar os precurssores,
não é só de Paulo Emílio;
é da esquerda e especialmente dos trotsquistas.
Assim na biografia de Pagu, uma figura apagada
na prisão no Maria Zélia, e no Rio
onde não foi sequer entrevistada por Graciliano
Ramos, à página 261 está
transcrito o necrológio dela por Geraldo
Ferraz, o último dos homens com quem ela
viveu que, presa em agosto de 1931 num comício
comunista em Santos, tornara-se “a primeira
mulher detida no Brasil em virtude da luta ideológica
revolucionária”. Como se qualquer
luta revolucionária não fosse ideológica.
Quem não conhece a história, inventa.
Para citar só uma mulher antes que Pagu
fosse a “primeira”, lembrarei uma
das heroínas do tenentismo, Nuta Bartlett
James que ficou presa dias seguidos, depois de
detida em casa, dormindo, à noite, jogada
num cubículo da Polícia Central
em promiscuidade com taradas, viciadas, assassinas
e prostitutas, segundo Maurício de Lacerda,
à página 261, História de
uma Covardia e também em Seara de Caim,
de Rosalina Coelho de Lisboa, pág. 399
e em Memórias de um Revoltoso ou Legalista,
de Carlos Avelino, pgs. 221/2.
Maranhão foi o organizador dos quadros
de voleibol. Quando se pensou na construção
de um túnel para a evasão dos presos
– note-se que o do Paraizo foi antes –
Djalma Maranhão participou da comissão
do seu planejamento. Por sugestão dessa
comissão coube a ele uma tarefa muito importante.
Promover um torneio de quadras de volei que se
realizava todas as manhãs sob intensa algazarra
dos quadros e torcidas, incitada por ele, para
encobrir o ruido gerado pelo uso das ferramentas,
o que só se fazia nesse período.
E quando ficou pronto, Djalma Maranhão
participou da comissão que selecionou quais
os que deveriam se evadir. Muito pouco dos presos
estavam ao par do túnel construído
bastante sigilosamente. A escolha recaiu sobre
os militares e dirigentes políticos mais
diferenciados. Especialmente os militares mais
visados para os quais não se pensava em
libertá-los, com culpa formada ou não.
O que, entretanto, não aconteceu com a
aplicação da “macedada”.
A evazão fracassou e foram assassinados
friamente e indefesos, depois de aprisionados
Augusto Pinto, João Varlotta, José
Constâncio Mendes e Naurício Maciel
Mendes, cujo nome se grafava e se pronunciava
como ene. A polícia de choque, organização
criada durante a interventoria do “constitucionalista”
Armando Salles de Oliveira, especializada na luta
antipopular foi a responsável. Embora criada
por um poder que se intitulava democrático
fora moldada segundo as tropas de assalto nazista.
Nela se sobressaíam dois russos brancos,
facinorosamente anti-esquerdistas, Gregório
Kovalenke e Francisco Dulink que comandaram o
trucidamento. Eu e Maranhão atravessamos
o túnel e quando atingimos o pátio
do pavilhão contíguo que deveríamos
percorrer – a fuga fora bem planejada, mas
ignorando que seria realizado numa noite de lua
cheia – antes de escalar o muro para adquirirmos
a liberdade, verificando que seríamos cercados,
pelo que retornamos para o presídio. Dias
depois nosso companheiro do 6º R.I., o cabo
Adalberto Alves da Silva, natural de Palmares
em Pernambuco onde sustentava sua família
da qual era arrimo, desesperado por não
o poder fazer repentista, cantador de emboladas,
que vivia angustiado, alguns dias depois enlouqueceu,
pois antes ficara reduzido a um trapo de gente,
pois não suportara a idéia que não
merecesse confiança dos planejadores, admitindo
que não o haviam convidado para a fuga
supondo-o capaz de delação. Maranhão
sintetizou muito bem a situação
ao dizer que ele enlouquecera por companheirismo
Pouco tempo depois fomos transferidos para a Delegacia
de Ordem Política e Social, de onde saimos
na noite de 9 de julho de 1937. Maranhão
liderou o grupo que não tinha para onde
ir, dormiram ali e de manhã sairam. Os
potiguares organizaram-se em seguida numa república
que se situou numa água-furdada de um prédio
velho da Praça de Sé, e para se
manterem, inclusive Djalma Maranhão, trabalharam
em armazens, carregando sacos. Vi-o, depois disso,
pela última vez nos últimos anos
30, mantendo o mesmo entusiasmo antifacistas apesar
das avassalantes vitórias das tropas hitleristas.
Trabalhava então numa agência de
publicidade.
Foi esse o homem com quem convivi intensamente
nos anos 30 e do qual orgulho-me de ter sido amigo.
______________
Eduardo Maffei
_____________________
Jair Siqueira Calçado
Carta do Dr. Juvenal Lamartine de Faria
a d. Marcolino Dantas
Natal,
31 de janeiro de 1936.
Exmo. Senhor D. Marcolino Dantas.
Para que V. Ex. não dê uma interpretação
diferente ao meu gesto recusando-me a aceitar
a sua visita, escrevo-lhe esta carta, que contem
as razões do meu procedimento, expostas
com a lealdade e a franqueza com que sempre agi,
quer na minha vida privada quer na minha vida
pública.
Durante os dias em que estive acamado fui confortado
com a visita de inumeras pessoas, desde as mais
ilustres às mais humildes desta terra.
A todos recebi com o mesmo carinho e gratidão.
V. Ex. porém, cavou entre V. Ex., aqui
recebido por mim com as mais significativas demonstrações
de apreço e respeito, e a minha pessoa,
um abysmo intransponivel. Exercendo uma funcção
que o devia manter sempre superior a todos os
partidos e paixões politicas, V. Ex. achou
por bem desertar dessa posição privilegiada
para se tornar o cortesão de todos os interventores,
que passaram por este maltratado Rio Grande do
Norte, até se solidarisar, acumpliciando-se,
com o ultimo delles... esse monstro, que pretendeu
dobrar a dignidade do povo de minha terra, praticando
os mais hediondos crimes: desde o espancamento
de homens e sacerdotes respeitáveis até
aos assassinios dos seus adversarios.
Aos autores materiaes da morte do meu querido
filho, um sacerdote infame, a quem V. Ex. confiou,
por espirito de baixa politicagem, a regencia
de uma das mais importantes freguezias da diocese,
offereceu a Egreja do Rosario da cidade do Caicó
para servir-lhes de abrigo. Isso foi feito se
não com a autorização de
V. Ex. pelo menos com a sua tolerancia, pois o
sacerdote indigno la se ficou até o movimento
de Novembro ultimo que aplaudiu, só então
sendo transferido e isso mesmo para uma das melhores
freguezias do litoral. Pessoas insuspeitas do
Caicó informaram-me que noite avançada
os soldados assassinos levavam rameiras para o
templo, que se transformara em “boite de
nuit”.
Os sacerdotes que não quizeram se curvar
ao suborno ou às ameaças do monstro
interventor, V. Ex. perseguiu transferindo-os
para as peiores e mais longiquas freguezias da
diocese, concorrendo directa e deliberadamente
para o desprestigio do nosso clero.
Para avaliar do conceito de que V. Ex. gosa entre
nós, basta lembrar a anedocta que foi espalha
e na qual muita gente acreditou; de que V. Ex.
mandara cumprimentar a junta comunista reunida
na Villa Cincinato afim de levar-lhe o seu apoio,
como já fizera a todos os governos que
depois de 30 passaram pela administração
deste Estado.
Se V. Ex. quizer experimentar até onde
vae o seu desprestigio no Rio Grande do Norte,
submetta a sua permanencia a frente da nossa diocese
a um plebiscito, e verá que a maioria da
população catholica, votará
gostosamente, pelo afastamente de V. Ex.
Posso ter sido demasiadamente rude em fallar a
V. Ex. com essa franqueza, mas o que lhe posso
affirmar, sob minha palavra de honra, é
que esse é o sentir de todos os homens
de bem de minha terra.
Os meus antepassados foram velhos sertanejos que
souberam transmitir aos seus descendentes a lealdade
e o amor à familia, como um culto sagrado,
como um verdadeiro dogma religioso, do qual não
posso, não devo, nem quero apostatar.
Saudações.
Juvenal
Lamartine.
N.
R. : Foram vigários de Caicó –
Luiz Teixeira de Araújo (1932 a 1935),
Luiz Gonzaga do Monte (1935 a 1936), segundo o
livro “Caicó” editado pela
Fundação José Augusto, em
1982, na página 73.
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