Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
A
Revolta Comunista de 1935 em Natal
Relatos
de Insurreição que gerou o primeiro
soviete nas Américas
Luiz Gonzaga Cortez
Nosso
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Anexos
05. Um episódio sempre distorcido
MAIS
MENTIRAS SOBRE A “SERRA DO DOUTOR”
O “JORNAL DO BRASIL” (Rio de Janeiro,
de novembro de 1975), publicou uma reportagem
sobre a insurreição de 35, assinada
por Tarcísio Hollanda, com o título:
“NOVEMBRO DE 1935 – O GRANDE ERRO
VERMELHO”. O repórter ouviu o então
senador Dinarte de Medeiros Mariz, general Antônio
Carlos da Silva Muricy e o ex-senador Vitorino
Freire. Cada entrevistado deu a sua versão
sobre os acontecimentos de novembro de 1935, mas
o que chama mais atenção deste repórter
foi a matéria com Dinarte Mariz, cujos
conhecimentos de estratégias militar e
da arte da guerra de guerrilha sempre foram desconhecidos
da opinião pública norte-rio-grandense.
Dinarte foi um político astuto, inteligente
e amigo dos seus amigos e correligionários.
E distorcedor dos fatos políticos. Quem
viveu, observou e anotou os acontecimentos e campanhas
políticas das décadas de 50,60 e
70, no Rio Grande do Norte, conhece o estilo,
forma e meios utilizados por Dinarte Mariz para
derrotar os seus adversários. Bom, mas
isso é outra história...
O leitor carioca que leu a matéria supracitada,
no trecho “Dinarte – o arsenal providencial”,
ficou pensando que o velho Dida era um perito
militar e um herói na luta contra os comunistas
no RN. Além disso, a matéria contém
inverdades cabeludas. Senão vejamos essa
pérola: “ ... dia 24 de novembro
(domingo), o comerciante Dinarte de Medeiros Mariz
– hoje Senador da República –
tomava os últimos preparativos para deixar
a cidade potiguar de Caicó e dirigir-se
para as vizinhanças, a fim de comprar algodão.
Absorvido por pequenas preocupações,
carro à porta, não imaginava o que
viria a saber depois: eclodira um levante comunista
em Natal, os comunistas estavam com a cidade praticamente
sob controle. Dinarte soube pelo telégrafo,
da parte do delegado da cidade de Natal, Enoque
Garcia, seu companheiro na Revolução
de 1930.”
Segundo Enock Garcia, “revolucionário”
em outubro de 1930, no Recife , época em
que era telegrafista e estudante de Direito, Dinarte
Mariz, que não foi seu companheiro na Revolução
de 30, soube do levante comunista de 35 na tarde
do dia 24 de novembro, em Caicó, quando
saia para a feira da cidade de Jucurutu, no Seridó
do RN, em virtude de não ter recebido o
seu telegrama. Baseado em informações
fornecidas por Dinarte, o jornalista Tarcísio
Hollanda registra que Enock Garcia era delegado
de policia em Natal. Não é verdade.
Enock Garcia foi nomeado Delegado em janeiro de
1936, “quando fui transferido para cá
e posto à disposição do governo”
(Memória Viva, p. 159).
A reportagem do JB informa que Dinarte Mariz marcou
um encontro com o delegado Enock Garcia, em Santa
Cruz, a 120 quilômetros de Natal, para onde
seria levado o pessoal que ofereceria resistência
com “50 fuzis e munição para
20 mil tiros” (munição superior
a gasta nas 19 horas de tiroteio no quartel da
Policia Militar de Natal, entre 23 e 24 de novembro
de 35). Enock Garcia conta que entre 14 e 15 horas
de domingo, 24.11.35, saiu de Caicó para
Natal, conduzindo os resistentes, como uma “procissão
de cada município”. Não registra
a realização de prisões em
massa de “pessoas suspeitas”.
O 6º parágrafo informa que “tivemos
o primeiro contato com os caminhões carregados
de tropas comunistas, que vinham no rumo do Seridó
– relembra”. “...Depois de um
tiroteio intenso, ambos os lados recuaram para
procurar melhores posições de tiro.
O pessoal de Dinarte Mariz ficou com dois caminhões
atravessados na estrada, enquanto os inimigos
procuravam cercá-lo com manobras de envolvimento,
dando, de quando em vez, pesadas rajadas de metralhadora.
“... Escolhi um cabra valente e mandei que
ele atravessasse o riacho com 20 homens, para
ganhar a retaguarda e atirar nos inimigos pelas
costas. Era a única maneira que tínhamos
de evitar o cerco implacável. Eram 19 horas
do dia 24 de novembro. A manobra tivera sucesso,
enquanto o inimigo se desarticulava, procurando
recuar para a povoação de Panelas,
hoje Bom Jesus, onde se concentrava o grosso da
coluna comunista. Ficaram alguns caminhões
com cadáveres estendidos na carroçaria.
Surpreendidos pelo fogo ainda no caminhão
em movimento, os revoltosos não tiveram
tempo de se defender. Encontramos alguns bois
no curral, deixados pelo inimigo. Há dois
dias sem comer, tínhamos fome. Mandei churrasquear
os bois”.
Enock Garcia disse no programa gravado para a
Televisão Universitária de Natal,
no dia 5 de maio de 1983, que ele e Dinarte Mariz
chegaram em Serra Caiada e “ouviu-se um
tiroteio (ainda hoje tem uma cruz lá).
Depois desse tiroteio, nós fomos nos aproximando
(há uma parte aí que eu não
quero contar ...) e estava Ivo Trindade, com nove
presos e um morto.” Segundo Enock, Ivo Trindade
foi o valente da história, pois foi a única
pessoa que comandou um pequeno grupo de homens
armados com armas curtas que enfrentou os revoltosos
de frente. O tiroteio de Serra Caiada aconteceu
com um pelotão de reconhecimento das tropas
do 21º BC que procurava entrar no Seridó.
Foi um tiroteio ligeiro, com um morto e nove presos
no final da luta. E não foram encontrados
bois em curral para matar a fome dos sertanejos.
“Marchamos para Bom Jesus (Panelas). Quando
chegamos, pedi a Maria Amélia Xavier, minha
comadre que, na fazenda Santa Rita, de Almir,
meu cunhado, arranjasse dois, três ou quatro
novilhetes. Mandasse pedir, lá, a Antônio
Ribeiro (o vaqueiro), em meu nome, e preparasse
o almoço. O que ela fez num instante”.
(Página 152, Memória Viva, Natal,
1987).
Na reportagem “EM 35, os coronéis
fugiram da luta”, Seráfico Batista,
conta que no tiroteio de Panelas (Bom Jesus) “tivéssemos
que recuar e voltar para Currais Novos, Miguel
dos Santos deu a idéia de voltarmos para
a Serra do Doutor, a fim de interditar a estrada
com pedras. Em Panelas, o fogo foi tão
grande que fomos obrigados a recuar às
carreiras, sendo que muitos dos nossos abandonaram
as armas, veículos e equipamentos por lá”.
Mais detalhes sobre o tiroteio de Panelas, ver
o depoimento de José Pacheco em outro capítulo
deste livro.
“... Na manhã do dia 25, Dinarte
Mariz chegava a Panelas, enquanto o adversário
recuava para Macaíba, a 22 quilômetros
de Natal. De Panelas, Dinarte passou um telegrama
para o Presidente Getúlio Vargas, para
o Ministro da Guerra, João Gomes, e o governador
da Paraíba, Argemiro Figueiredo, que prometera
fornecer homens e armas. Às duas da tarde
desse dia, o comandante da coluna inimiga procurou
fazer um reconhecimento do terreno, em Panelas,
e foi preso, sendo mandado para a retaguarda.
Era o sargento Wanderley”, disse Dinarte
a Tarcísio Hollanda.
Não se tem notícia de recuo dos
revoltosos para a cidade de Macaíba, que
foi controlada por um Comitê Popular Revolucionário
a partir do dia 24.11.35. Se os revoltosos controlavam
a cidade de Panelas, como Dinarte poderia passar
telegramas para as autoridades federais do Rio
de Janeiro? Mas foi em Panelas que Enock Garcia
sugeriu a Dinarte que fosse buscar armas na Paraíba,
através do governador Argemiro Figueiredo
(“para quem já havia telegrafado,
quando saímos de Caicó”).
O sargento Wandeley (Aluizio Wanderley Alves,
ex-dirigente do PCB no Rio de Janeiro, já
falecido) se abraçou com Dinarte Mariz,
após ser preso. Wanderley, amigo de Dinarte
e Paulo Teixeira, disse que estava sem dinheiro.
Enock Garcia conta que “aí Dinarte
meteu a mão no bolso, puxou uma nota de
cem mil réis (naquele tempo era dinheiro),
e deu a ele”.
Outro trecho da reportagem de Tarcisio Holanda:
“Dinarte Mariz tomou a precaução
de deixar os caminhões virados para o sertão,
em plena estrada. Assim, quando foi atacado pela
madrugada, não teve dificuldades de se
retirar com todo o seu pessoal, dentro de ordem
absoluta”. Ora, quem leu os depoimentos
de Seráfico Batista e José Pacheco,
sabe que isso não é verdade. José
Pacheco conta que somente não fugiu de
Panelas com medo dos comunistas foram as pessoas
gordas... Já Enck Garcia disse que poucas
pessoas ficaram em Panelas para “oferecer
uma resistência ligeira, como Zé
Franco, Pedro Siciliano, Antônio Castro,
José Epaminondas, Genésio Cabral,
Severino Elias...”. Eles ficaram fazendo
uma resistência na estrada, por conta deles,
e nós fomos buscar socorro. Porque se fosse
continuar aquilo, só com os nossos, sem
armas, sem munição, sem nada...”.
Outro trecho fantasioso: “Mergulhamos numa
imensa várzea, que nos protegia do fogo
inimigo, recuamos sem munição para
a Serra do Doutor. Ali, encontrei os emissários
que tinham ido comprar armas e munição
na Paraíba. Com pedra, havíamos
barrado a estrada em plena Serra do Doutor. “...
Aproveitei a trégua estabelecida, fui a
João Pessoa e trouxe mais 100 fuzis, 20
mil tiros e homens da Policia Militar da Paraíba
continua Dinarte Mariz. Destroçados, nossos
inimigos voltaram para Natal, de onde fugiram
no dia 27 de novembro, quando souberam que a revolta
havia fracassado em Recife e no Rio de Janeiro”.
Os emissários que foram buscar armas em
Campina Grande, com autorização
do governador Argemiro Figueiredo, eram Enock
Garcia e Dinarte Mariz. O depoimento de Enock
Garcia, prestado a Carlos Lyra, é bastante
esclarecedor, pois revela que Dinarte não
tomou parte na Serra do Doutor, não comprou
armas, já que elas foram doadas pelo governo
da Paraíba e nem ocorreu nenhuma “trégua
estabelecida”. (Mais detalhes sobre o tiroteio
da Serra do Doutor, ver “Pequena História
do Integralismo no RN”, páginas 35
a 37 (Fundação José Augusto
– Clima – 1986 – Natal/RN).
Vários livros de autoria de historiadores
brasileiros e estrangeiros relatam o episódio
da Serra do Doutor, entre outros eventos de novembro
de 35 no RN, de forma errônea e/ou propositadamente
deturpada. Os exemplos estão aí;
basta ler-se “História das Revoluções
Brasileiras”, do “Sindicato ao Catete”,
“A Revolta Vermelha”, “82 Horas
de Subversão”, “Anarquistas
e Comunistas no Brasil”, etc.
Dinarte Mariz pode ser considerado como um dos
responsáveis por uma série de deturpações
históricas. Na página 140 do volume
intitulado “Lembrai-vos de 35”, do
general Ferdinando de Carvalho, editado pela Biblioteca
do Exército, Rio, 1981, está registrado
trecho de discurso de Dinarte Mariz em que o falecido
senador potiguar diz que “... a figura impávida,
serena, patriótica, brava do Comandante
Luiz Júlio, que, chefiando um punhado de
soldados, cercado por todos os lados pelos comunistas,
reagiu 2 dias seguidos, retendo-os, na Capital,
até que as outras forças, as forças
da Paraíba, mandadas pelo então
Governador Argemiro Figueiredo, chegassem”.
Ora, essa versão é mentirosa, pois
a resistência do quartel do Batalhão
Policial Militar durou 19 horas, após a
qual o coronel Luiz Júlio foi preso pelos
rebeldes. No mesmo livro, Dinarte informa que
viu 8 comunistas mortos em combate contra os sertanejos
que desceram a Serra do Doutor. Essa “história”
de 8 cadáveres é negada por Enock
Garcia.
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