Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
A
Revolta Comunista de 1935 em Natal
Relatos
de Insurreição que gerou o primeiro
soviete nas Américas
Luiz Gonzaga Cortez
Nosso
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Anexos
03. Herói da pantomima
Ao
ser indagado sobre a origem da criação
do “herói” Luiz Gonzaga, morto
nos mangues do rio Potengi, após o término
do tiroteio entre insurretos e defensores do quartel
do “Batalhão de Segurança”
( Polícia Militar), o coronel da reserva
da PM, José Paulino de Souza disse que
“o herói surge no momento e não
muitos anos depois. Eu, pessoalmente, não
acredito nessa estória. Acho que foi uma
pantomima, mas quem melhor explicaria esse fato,
naquela época, teria sido do 1º sargento
Luís César, já falecido”.
Ex-Comandante da PM, ex-Secretário da Segurança
Pública, ex-Chefe da Casa Civil do Governo
do Estado e ex-prefeito do município de
São Gonçalo do Amarante –
RN, José Paulino lembrou que não
participou dos combates ocorridos durante a insurreição
de novembro de 1935 no RN, mas assegura que muitos
fatos acontecidos naquela época não
mereceram pesquisas acuradas e, por isso, foram
divulgadas muitas versões inverídicas,
parciais e tendenciosas.
- Uma versão muito difundida é a
de que a revolta foi de caráter comunista.
Não, não foi. A insurreição
em Natal foi de caráter político
local, aproveitada pela liderança da Aliança
Nacional Libertadora e de alguns poucos comunistas
que tencionavam derrubar Getúlio Vargas.
Tudo se identificava com a ANL, embora tivesse
comunistas nessa organização. Com
a rebelião, o povo de Natal pensava que
se tratava da libertação do país.
Mário Câmara, interventor e que era
muito ligado a Getúlio Vargas, fez uma
administração que não agradou
a todos e perdeu a eleição indireta
para governador, após o pleito que elegeu
os deputados da Assembléia Constituinte
Estadual. Com maioria de três votos, Rafael
Fernandes, do Partido Popular, foi eleito governador,
mas os maristas e cafeístas ficaram descontentes.
Com a revolta dos cabos e soldados do 21º
BC, motivada pela desincorporação
de dezenas de praças, anunciada na véspera,
maristas e cafeístas tomaram parte na insurreição
de 23 de novembro de 35. Além disso, o
governador Rafael Fernandes tinha demitido dezenas
de guardas-civis nomeados na gestão de
Mário Câmara, na sua maioria verdadeiros
cangaceiros, cabras perversos e de péssimos
antecedentes da Paraíba. Asseguro que a
dispensa de praças do 21º BC foi o
que mais concorreu para a insurreição,
pois não havia efervescência social.
Havia tensão política por causa
da acirrada campanha eleitoral feita pelos partidários
de Rafael Fernandes, vitorioso, e Mário
Câmara, derrotado. Na chefia da insurreição
eram comunistas Lauro Cortês Lago, João
Batista Galvão, José Macedo e o
músico Quintino. E durante os quatro dias
de domínio dos revoltosos não se
divulgou nada que caracterizasse como uma ditadura
comunista”, prosseguiu José Paulino
de Souza, 80 anos.
Coronel José Paulino lembra que não
se afinou como interventor Mário Câmara
e, devido as suas divergências, foi perseguido
e transferido para Mossoró. Somente foi
prestigiado no governo Rafael Fernandes, de quem
foi ajudante-de-ordens durante 10 dias “porque
o titular tinha perdido as fardas no período
da revolta” e, tempos depois, nomeado prefeito
de São Gonçalo.
HERÓIS ESQUECIDOS
Sobre
o indivíduo Luiz Gonzaga de Souza, conhecido
por “Doidinho” pelos praças
do quartel do “Batalhão de Segurança”,
onde pegava a chêpa diariamente, o coronel
José Paulino afirma que não tem
certeza se ele foi alistado na Policia Militar
antes de 27 de novembro de 1935. E acrescenta:
“Não sei. É difícil
a gente saber, não é? Só
sei que em 35 não se falava nesse “herói”.
Falava-se mais num tal de “Mão de
Sangue”.
- E
quais os homens da Policia Militar que atuaram
com bravura na resistência que durou 19
horas, entre 23 e 24 de novembro de 35?
Bilac
de Faria, filho de Nelson Faria, e o tenente Pedro
Vicente lutaram contra muita bravura e heroísmo.
O tenente Pedro Vicente, sozinho e com muito sangue
frio, manejou a velha metralhadora pesada do quartel.
A prova de sua coragem foi a permanência
na área da entrada central do quartel,
atirando doidamente, sem alvo, para frente, numa
situação desesperadora em que podia
ter sacrificado a sua própria vida e de
muitos outros. Mas, ao que me parece, ninguém
fez questão de registrar isso em boletim.
Sobre Luiz Gonzaga, botaram alguma coisa depois...(risos).
Já o tenente Bilac Faria foi um figura
destacada, pois no tiroteio ele saia do quartel
para o pátio externo, rolando no chão
e atirando. Fez isso várias vezes e serviu
de estímulo para os que defendiam o quartel.
Bilac se portou com muita bravura.
- Por
que a Polícia Militar não relembra
o heroísmo de Bilac Faria?
R-
Não sei.
- O
tenente Zuza, José Paulino de Medeiros,
também lutou com heroísmo na defesa
do quartel?
R-
O tenente Zuza não foi um herói.
É verdade que ele lutou na defesa do quartel,
mas como marista apaixonado e oportunista foi
para o batalhão para se infiltrar e facilitar
o ataque dos revoltosos. Tenente Zuza ficou permanentemente
vigiado por dois homens de confiança do
capitão Joaquim de Moura, que dirigiu a
defesa com bravura. Por isso, Zuza combateu à
força. Em caso contrário, morreria.
- Quantos
morreram no ataque ao quartel da PM?
R-
Na luta não morreu ninguém, nem
do lado dos atacantes nem dos defensores do quartel.
- E
o herói Luiz Gonzaga?
R-
Não conheci Luiz Gonzaga. Eu tinha o posto
de 2º tenente, mas não participei
da defesa do quartel porque a revolta me pegou
de surpresa na noite do dia 23, quando me encontrava
na residência da viúva de João
Reis, na rua Frei Miguelinho, bairro da Ribeira.
De lá, fui para o Teatro Carlos Gomes,
a fim de buscar duas filhas da viúva de
João Reis. Do teatro, por volta de 22 horas,
levei seis pessoas, em coluna por um, me colocando
na frente, para a rua Frei Miguelinho, sem ser
molestado pelos revoltosos, tendo, antes, perguntado
aos praças que, em posição
de ataque, no chão, se podia passar com
o pessoal que me acompanhava. Fique na referida
casa até às 4 horas do dia 27, quando
tudo estava acabado. Saí de lá com
o tenente Vicente Euclides de Lima e, num bote
de praticagem, rumamos para um dos três
navios de guerra mexicanos, mais próximos
do cais, surtos no rio Potengi, afim de buscarmos
as autoridades ali refugiadas. No retorno, às
6 horas, perto do cais da rua Tavares de Lira,
vi muitos revoltosos abandonando fuzis e fugindo.
Mas sobre o soldado Luiz Gonzaga, que morreu em
consequência do movimento, acho que tornaram-no
herói tempos depois. A tradicional visita
ao Cemitério do Alecrim, onde estava o
túmulo foi iniciada anos depois. Ele foi
atingido e morto dentro do mangue às vistas
do 1º sargento Luís César que
se achava próximo dele.
- O
senhor como comandante da PM chegou a comemorar
o 27 de Novembro?
R-
Não. Eu fui designado para o Comando Geral
por um período muito curto pelo Governador.
E não se pode desfazer uma coisa que está
oficialmente dita. Fica feio, não é?
Mas a verdade, acima de tudo, é contrária
à versão oficial. A verdade é
que deve prevalecer.
- Há
alguma outra mentira divulgada como fato real?
R-
Sim. Há a da “Mão de Sangue”,
a mancha vermelha que ficou numa parede do quartel
da polícia. A mancha foi de alguém
que se feriu no tiroteio e passou a mão
ensanguentada na parede. Só não
foi a mão de Luiz Gonzaga e sabe disso
o coronel Alberto Manso.
- Dinarte
Mariz foi mesmo o “General” da “Serra
do Doutor”?
R-
Não. Dinarte foi para Santa Luzia, na Paraíba,
a procura de meios de defesa. Depois que tudo
terminou, Dinarte voltou com uma tropa da Paraíba,
segundo eu soube, para cooperar na reorganização
da resistência. Mas general ele não
foi.
A respeito do tenente Alberto Gomes, morto em
combate em São Paulo, durante a Revolução
Constitucionalista de 1932, o coronel José
Paulino de Souza não sabe os motivos da
omissão do comando da PM potiguar. “O
tenente Alberto Gomes morreu em combate e recebeu
medalha post-morten do então Ministério
da Guerra (Exército), por atos de bravura.
Ele foi um marista doente e esse deve ter sido
o motivo, dizem. Mas não sei o porquê
dessa omissão da PM.”
- E
só comemoram Luiz Gonzaga?
R-
É verdade, infelizmente. Luiz Gonzaga,
na minha opinião e pelo que ouvi na época,
recebeu um tiro casual, tendo em vista que ele
se encontrava dentro do mangue do rio Potengi,
quando empreendia fuga, juntamente com outros
homens da PM, na tarde do dia 24 de novembro de
1935. É muito difícil acertar uma
pessoa dentro de uma vegetação.
O mangue era fechado e um dos tiros esparsos atingiu-o
mortalmente. Não é questão
de raciocínio, é lógica.
Luiz Gonzaga morreu no meio dos que fugiam da
perseguição dos revoltosos, dentre
eles o 1º sargento Luís César,
falecido no posto de coronel. É certo que
ele morreu sem praticar nenhum ato de patriotismo
e heroísmo. Na época, o tenente
Luís César me disse que viu Luiz
Gonzaga ser baleado por pessoas que estavam fora
do mangue, ao lado dos revoltosos, tendo morte
quase instantânea.
- O
senhor ouviu falar em Sizenando Filgueira da Silva,
que diz ter sido o autor do disparo que matou
Luiz Gonzaga?
R-
Não. Quem baleou Luiz Gonzaga, eu não
sei. Mas que ele morreu no mangue, é verdade.
- E
quem criou o herói Luiz Gonzaga?
R-
Não sei se foi a própria Policia
Militar.
- O
tenente Mário Cabral, da Policia Militar,
teve atuação na insurreição?
R-
Mário Cabral era marista e lutou ao lado
dos revoltosos. Ele instalou uma metralhadora
pesada, do Exército, na casa da esquina
da rua João Mata com praça André
de Albuquerque. Nessa casa moravam uns anões
e, lá, ele ajustou a metralhadora e ficou
atirando no parapeito do quartel da Policia com
a intenção de derrubar o telhado
em cima dos resistentes. Faltou pouco para Mário
Cabral ter êxito na missão. Depois
da revolta, ele foi demitido e reingressou na
PM com a anistia, em 1945, após passar
10 anos na cadeia. Eu mesmo fui nomeado pelo Presidente
da República, Dutra, pelo Decreto-Lei n.º
7.474, de 18/04/45, para tratar de reversão
de oficiais e praças da Policia Militar
do RN, beneficiados pela anistia. Mário
foi reincorporado com um parecer favorável,
pois sabia que ele não era comunista.
José Paulino de Souza adianta ainda que
a unidade do Exército em Natal era mesmo
o 21º Batalhão de Caçadores
e não o 29º BC, conforme versão
do pesquisador Ivanaldo Lopes no seu livro “Natal
do Meu Tempo”, publicado pela “Companhia
Editora do RN-CERN” (Natal – 1985).
Durante
a revolução constitucionalista de
São Paulo, em 1932, o contigente do 21º
BC, sediado em Recife-PE, tentou se rebelar e
se aliar aos revoltosos paulistas. Como castigo,
o 21º BC foi transferido para a fronteira
do Brasil com a Colômbia, devido a guerra
desse país com o Peru. Depois, o 21º
BC veio para Natal. Em novembro de 1935, o 29º
BC estava em Recife, tendo o 21º BC ocupado
as suas dependências, conforme explica o
Sr. João Wanderley, ex-cabo do Exército
e um dos participantes da insurreição
de Natal, onde reside. O coronel José Paulino
de Souza (1) corrobora esta informação,
conforme entrevista gravada (Natal, dez/86).
NOTA:
1 - José Paulino de Souza
faleceu em Natal, em 1989, após curta enfermidade.
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