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Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

 

A Revolta Comunista de 1935 em Natal
Relatos de Insurreição que gerou o primeiro soviete nas Américas
Luiz Gonzaga Cortez

 

 

 

 

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20. Havia até dentista entre os presos

O jornal oficial “A República”, controlado pelo governo de Rafael Fernandes, no dia 30 de novembro de 1935, três dias depois do fracasso da insurreição vermelha, também não noticiou nada sobre o soldado LUIZ GONZAGA DE SOUZA, considerado como herói-mártir da Polícia Militar do Rio Grande do Norte. É de se estranhar a omissão de um jornal governamental sobre esse propalado “herói” de uma corporação estatal que defendeu a ordem estabelecida durante 19 horas de tiroteio. Na próxima reportagem, publicaremos o relatório do delegado de “Ordem Social”, Enock Garcia, sobre a insurreição de 35 em Natal, conforme está inserto no livro de João Medeiros Filho, “Meu depoimento”, 1ª edição (1937), Imprensa Oficial do RN. O relatório está nas páginas 107 a 112 do livro de João Medeiros Filho, que defende intransigentemente a versão do herói da Polícia Militar no seu livro “82 horas de Subversão” (edição do autor). O relatório do delegado Enoch Garcia, autor do inquérito policial sobre a revolução comunista em Natal, não traz uma linha a respeito da morte de um soldado da PM chamado Luiz Gonzaga, vulgo Doidinho. A reportagem ouviu, na semana passada, na cidade de Fortaleza-CE, o industrial Francisco Meneleu dos Santos, 68 anos, natural de Mossoró, um dos responsáveis pela impressão do jornal “A Liberdade”, órgão do “Governo Popular Revolucionário” de novembro de 35. Meneleu esteve em Natal, em agosto passado, tendo se avistado com João Medeiros Filho e Mário Cabral de Lima que estiveram em campos opostos durante a revolução de 35. Meneleu contou muitos detalhes sobre a confecção do jornal oficial da revolução que os leitores conhecerão na próxima reportagem (1).

A REPÚBLICA – NATAL, SÁBADO, 30 DE NOVEMBRO DE 1935.
N.º 1467 – 1ª Página.

A MALOGRADA REBELIÃO EXTREMISTA NO ESTADO.

A CHEGADA DAS FORÇAS DA POLÍCIA MILITAR DA PARAÍBA E DO 20º BC E A POLÍCIA DE ALAGOAS A ESTA CAPITAL – O 23º B. C. E A POLÍCIA DO CEARÁ EM MOSSORÓ – PRISÃO DE MEMBROS JUNTA EXTREMISTA – A ENÉRGICA RESISTÊNCIA DO SERIDÓ – LANCES DA BRAVURA SERTANEJA – A ATITUDE DA DIGNA OFICIALIDADE DO 21º B. C. E DO SEU BRAVO COMANDANTE – MORTOS E FERIDOS – SAQUES E DEPREDAÇÕES NO INTERIOR DO ESTADO – O ASSALTO DO ATHENEU – PRISIONEIROS CIVIS E MILITARES.

Cada hora que passa nesses dias de recomposição da ordem malbaratada pela intentona extremista que abateu o nosso estado, nos traz, por entre alegrias insopitáveis da vitória, as notícias do fatos tristes, do trem dos sucessos que se desencadearam nos momentos de desespero e horror sofridos pelo Rio Grande do Norte. Históriar esses acontecimentos, descrevê-los em toda a nudez crua da verdade, transmite-os ao papel através da pena revoltada e comovida eis a tarefa a que nos obriga neste instante a função de informadores conscienciosos do povo.

Com estas notícias, nos chegam também os batalhões legais que se movimentaram urgentemente para o teatro da luta e que aqui aportam quando, felizmente, ao rumor de sua vinda, os criminosos salteadores já haviam fugido, em louca debandada, o 23º BC e a policia do Ceará em Mossoró.

Desde o dia 25 que, em marchas forçadas forte batalhão da policia cearense chegara a Mossoró, tendo neste sentido o governador Menezes Pimentel telegrafado ao governador Rafael Fernandes.

Anteontem, à noite, segundo telegrama do prefeito Duarte Filho, o 23º BC , de Fortaleza, chegou aquela cidade sob o comando do major Rodirico Dantas Barreto. Sob entusiasmos vivas da população mossoroense, os 600 homens e 26 oficiais da unidade do Ceará entraram naquele importante império rio-grandense.

As forças Paraibanas e o 20º BC de Alagoas.

Ontem à tarde desembarcou nesta capital, na gare da Great Western, a gloriosa policia da Paraíba, que tão grande atuação exerceu, nas fronteiras do Estado, na luta de repressão às hordas dispersas dos extremistas. Com a policia paraibana, veio também o heróico 20º BC, de Alagoas.

São as seguintes as tropos chegadas ontem a esta capital: Um destacamento sob o comando do major José de Andrade Farias, composto do BC, uma companhia, da policia paraibana e uma secção da Bateria de Artilharia de Dorso de João Pessoa.

A oficialidade do 20º BC se compõe dos Srs. capitão Romeu Azevedo, comandante do 20º BC, capitão Jansen Milher, subcomandante; 2º tenente João Tibuvitino Porto, comandante da 1ª companhia; tenente Geroncio Quinteiro, comandante da 2ª Cia. de Metralhadores; 1º tenente Mário Lima, ajudante do Batalhão; 2º tenente Macario G. Melo; 1º tenente Dr. Aristides Meireles; 2º tenentes Amaro Apoluceno, Luiz Casado de Lima, Adolfo José A Filho, Arthur Sales, Manoel Rocha de Lima, José Augusto dos Santos e José Mário Carneiro.

O 20º BC conta um efetivo de 300 homens, inclusive oficiais, sargentos e praças.

A policia paraibana se compõe de 350 homens, entre oficiais e praças.

A secção da Bateria de Dorso, também incorporada ao Desviamento, consta de 60 praças, sob o comando do 2º tenente Portela.


PRISÃO DE MEMBROS DE COMITÊ REVOLUCIONÁRIO EXTREMISTA

Os inspetores de policia Francisco Pontes, João Severino Batista, Heronides Gonçalves e o soldado João Inácio, prenderam em Canguaretama, três membros do comitê popular revolucionário que fugiam da perseguição das tropas legais. Chamam-se José Macedo, que ocupava o cargo de tesoureiro dos Correios e se fizera Secretário da Finanças do comitê; Lauro Cortês Lago, ex-diretor da Casa de Detenção, demitido como elemento perigoso à ordem , por ato de 22 deste do governador Rafael Fernandes e que se constituíra ministro do Interior; e João Batista Galvão, ex-Secretário do Atheneu também exonerado pelo governo, e que ocupava no comitê o lugar do Ministro da Viação: José Macedo e Lauro Lago conduziam dinheiro num total de 210:632$6000, sendo que último escondera entre as pernas e as meias várias notas de contos de réis.

Na Repartição dos Correios verificou-se que o tesoureiro José Macedo dera um desfalque de quarenta e seis contos nos cofres a seu cargo. Esses três elementos foram há muito denunciados pelo deputado José Augusto, no Rio, como declaradamente comunistas, ligados à interventoria passada. Os seus nomes, durante os dias de terror que chefiaram, assinaram inúmeras requisições violentas ao nosso comércio.

Mais dois cabeças da rebelião extremista foram presos pelas nossas forças entre outros implicados; - são o soldado Quintino, músico do 21o , e Eliziel Diniz Henriques, inferior dessa unidade, sendo o primeiro Ministro da Defesa do comitê daqui e o segundo, prócer extremista dos mais famigerados, que foi detido com 8 contos de réis no bolso.

O sapateiro José Praxedes, que se atribuíra o lugar de Secretário do Abastecimento e que lançou boletins de ameaças ao comércio natalense, ainda não foi encontrado, mas em sua residência foram apreendidos mais de vinte contos de réis.

A RESISTÊNCIA IMPAVIDA DO SERIDÓ – LANCES DA BRAVURA SERTANEJA.

FOI ADMIRÁVEL DE ENERGIA E HEROÍSMO A RESISTÊNCIA DOS SERTANEJOS SERIDOENSES CONTRA A AVALANCHE EXTREMISTA QUE PROCURAVA DOMINAR A RICA E HERDEIRA ZONA DO SUDOESTE DO ESTADO. O CEL. DINARTE MARIZ, ENTRANDO EM LIGAÇÃO COM O DR. ENOCH GARCIA, QUE PARTIRA DE MACAÍBA PARA O SERIDÓ PREVENINDO TODOS OS SETORES EM QUE TRANSITAVA, CHEFIOU A RESISTÊNCIA, MOVIMENTANDO-SE COM INCRÍVEL ENERGIA POR TODAS AS LOCALIDADES SERIDOENSES, COMUNICANDO-SE COM OS PREFEITOS E AUTORIDADES DA REGIÃO E VIAJANDO A CAMPINA GRANDE, PARAÍBA, ONDE RECEBEU DO GOVERNADOR ARGEMIRO DE FIGUEREDO TODO AUXÍLIO BÉLICO NECESSÁRIO À DEFESA.

Forças paraibanas sob o comando do major Elias Fernandes e oficiais cap. Benicio e ten. Marques, penetraram em nosso estado imediatamente ajudados brilhantemente pelos Drs. Mariano Coelho, Humberto Gama, Oscar Siqueira, João Agripino Filho, Ivo Trindade, Srs. Florêncio Luciano, Vivaldo Pereira e João Medeiros, Dinarte Mariz e Dr. Enoch Garcia se desdobraram na organização da resistência, concentrando as nossas forças em pontos estratégicos e se reunindo em Santa Cruz. Ao seu lado, combateram os bravos oficiais de nossa polícia capitão Severino Elias, os heróicos tenentes Pedro Ceciliano e Antônio de Castro. O Sr. José Epaminondas, brava figura de seridoense, foi um dos baluartes da resistência, defendeu corajosamente a sua terra com um reduzido número de combatentes.

Sob todos os aspectos foi homérica a coragem da gente sertaneja, que guiada por Dinarte Mariz, reuniu-se em poucas horas em números de 800 homens, para dominar, com munição reduzidíssima e inferioridade absoluta de armas, os troços insurretos. As nossas forças, sob o comando dos dignos oficiais capitão Severino Elias e tenentes Pedro Ceciliano a Antônio de Castro, contribuíram decisivamente para a derrota definitiva dos rebeldes, desbaratados na Serra do Doutor fugindo desordenadamente deixando mortos, feridos e prisioneiros.

Entre os prisioneiros que tomaram parte no movimento subversivo e que estão envolvidos nas diferentes prisões desta capital, com plenas garantias e o relativo conforto dados pelo governo acham-se o Dr. João Maria Furtado, Antônio Alves de Oliveira, Mário Paiva, Severino Ribeiro, Austriclinio Vilarim, Odilon Rufino, João Alves da Rocha, Garibaldi Sobrinho, Rosemiro Freitas, Camilo Avelino e muitos outros.


A ATITUDE DA DIGNA OFICIALIDADE DO 21O BC DO SEU BRAVO COMANDANTE.

Diante da súbita erupção da rebeldia, tomado de surpresa, o cel. Pinto Soares, não podendo penetrar no quartel do seu comando, seguiu para o Batalhão da Polícia Militar, onde ao lado do major Luiz Júlio, dirigiu a defesa heróica da unidade estadual.

Ao mesmo tempo, os oficiais do 21o procuravam, sob o nutrido tiroteio aos sediciosos, aproximar-se do quartel. Os que lá penetraram foram logo detidos pelos extremistas e obrigados a rendição. Entre outros, os tenentes Ivo Borges, Moreira, Hélio e Vicente Euclides, estiveram prisioneiros dos seus comandos rebeldes, mas sempre fiéis à honra e à dignidade da farda que vestem para o defender as instituições e o regime.


MORTOS E FERIDOS.

Ainda não nos é possível fornecer um lista pormenorizada e completa dos mortos e feridos nos diversos pontos do Estado onde, em defesa das instituições, vidas preciosas se sacrificaram. Contra os rebeldes de repente se mobilizou, em luta implacável ao extremismo. Por isso, temos a registrar diversos mortos e feridos, principalmente da parte das sediciosos, que na Serra do Doutor sofreram tremenda derrota. Entre as forças legais, podemos desde já tranqüilizar a família conterrânea, poucas foram as vítimas, havendo apenas alguns dos nossos combatentes recebido ferimentos sem grandes gravidades.


NOTAS:

1 - “O Doutor 129 Nicacio Gurgel foi, durante o movimento, elemento extremista de destaque.
No quartel do 21º BC foi visto em atitude de chefe, dando ordens a rebeldes (fls. 38 v.) tendo sua atividade observada por várias testemunhas a fls. 114, 51, 112,117 v., 120 v., 124, 127 v., 282 e 288 verso. Destacou-se, principalmente, com descabidas exigências em nome do governo revolucionário, à esquadrilha mexicana, então fundeada nas águas do Potengy, impondo de modo descortês e ameaçador a entrega de alguns brasileiros que ahi tinham procurado e encontrado asilo carinhoso contra a violência dos rebeldes. E fel-o, acompanhado de dois soldados rebeldes, e lamentavelmente de seu filho, uma irresponsável criança de 10 anos de idade, como tudo consta de fls. 47 v. e 48 e 49 e verso, 50 v., 52 e 65 v”. Denúncia do Procurador da República Carlos Gomes de Freitas, in “ 82 Horas de Subversão”, de João Medeiros Filho, p. 138.
Segundo João Maria Furtado (Vertentes), o escrivão trocou o nome do dentista Nizário Gurgel para Nicacio Gurgel. A criança de 10 anos trata-se de Romildo Fernandes Gurgel, mais tarde jornalista e Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte. Nizário Gurgel passou 36 meses preso na antiga Escola de Artífices de Natal, na avenida Rio Branco, onde funcionou a Escola Industrial de Natal e abrigou os estúdios da Televisão Universitária da UFRN.

Anexos

Meu caro jornalista sr. Cortez:

Parabenizo-o pela série de reportagens que tanto esclarecimento trouxe sobre aquela Revolta – quando Natal tinha só 35.000 habitantes e a figura mais conhecida em Natal – era uma velhinha que semanalmente percorria as ruas gritando: juá, jucá, pimenta, fedegozo, mutamba, arruda, alecrim, marcela... em vez de bom-bril – as “donas de casa” compravam areia fininha dos morros para o trato das panelas.

Um abraço

Luiz Paulo_______________

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