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Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

 

A Revolta Comunista de 1935 em Natal
Relatos de Insurreição que gerou o primeiro soviete nas Américas
Luiz Gonzaga Cortez

 

 

 

 

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19. Na Praia do Meio se tramou a revolta

Com 25 anos de idade, João Batista Galvão, natural de Mossoró, secretário do Atheneu Norte-rio-grandense, aclamado nas ruas por uma multidão de insurretos, estudantes e simpatizantes, recebeu o cargo de “Ministro da Viação e Obras Públicas” do curto “Governo Popular Revolucionário”, que dominou a capital durante quatro dias, em novembro de 1935.

Mas, devido a ampla atuação burocrática durante os dias da revolução comunista e da Aliança Nacional Libertadora, organização de fachada do Partido Comunista do Brasil-PCB, João B. Galvão foi cognominado de “Primeiro Ministro” da insurreição que implantou o primeiro governo marxista-leninista no continente americano.

Casado com Maria Amélia da Nóbrega Santa Rosa (prima da esposa de Juvenal Lamartine – um dos “coronéis” do Estado – dona Silvina Lamartine), ele contraiu núpcias no dia 27 de outubro de 1928, quando tinha 18 anos de idade e já era membro do Partido Comunista do Brasil. Participou das lutas estudantis de Natal e do Recife, para onde viajava constantemente para participar das reuniões da Aliança Nacional Libertadora (1935), codinome do Partido Comunista do Brasil.

Seu sogro, Cipriano Bezerra Galvão Santa Rosa, era partidário da Aliança Liberal. Por isso, João Galvão e sua família decidiram assistir ao comício da “Caravana de Batista Luzardo”, caudilho gaúcho, que se realizaria no bairro da Ribeira no dia 7 de fevereiro de 1930. Mesmo sabendo que o comício iria ser metralhado pela Polícia de Juvenal Lamartine, governador do Estado, Galvão e irmãos foram para o Hotel Internacional, na esquina da rua Chile com a TV. Tavares de Lira, onde haveria posteriormente um banquete oferecido à caravana de Batista Luzardo, João Neves de Fontoura, cônego Olímpio de Melo e outros.

Com a revolução vitoriosa de 1930, a família de João Galvão, adversária dos políticos oligarcas e decaídos do Partido Popular, de José Augusto B. de Medeiros, recebeu a Prefeitura Municipal de Acari. Cipriano B. Galvão Santa Rosa, seu sogro, foi nomeado Prefeito Provisório de Acarí. Batista, delegado Regional de Polícia do Seridó, com sede em Acarí. Meses depois abandonou o cargo e veio para Natal, conforme declarações prestadas pelo seu filho, major da reserva remunerada do Exército, Cipriano Olyntho Santa Rosa Galvão, residente na avenida Nascimento de Castro, Morro Branco.


INGRESSO NO COMUNISMO

“Quem iniciou o meu pai no comunismo foi o seu amigo Adamastor Pinto, filho do coronel José Pinto, em 1928. Em Recife, nas reuniões do PC, ele recebia orientações de Lima Cavalcanti que, anos mais tarde, viria a se tornar Interventor de Pernambuco. No meio das suas atividades políticas, ajudava o seu sogro, Cipriano Bezerra Galvão Santa Rosa, na luta contra as oligarquias do Estado, representadas pelo Partido Popular, no tempo da República Velha. Em 1935, a família saiu de Acarí e veio morar em Natal, oportunidade em que meu pai empregou-se como secretário do Atheneu. Alugou uma casa na praia do Meio, na avenida que se chamaria Café Filho, perto do entroncamento do final da Ladeira do Sol, precisamente na frente do antigo “salva-vidas”. Nessa casa, o PC faria as reuniões noturnas. Nós, meninos (eu tinha 5 anos) não gostávamos de ficar do lado de fora da casa, enquanto se realizavam as reuniões. Nessas ocasiões, os chefes do PC daqui se reuniam numa mesa que ficava no centro de uma sala de visitas com portas e janelas fechadas. Adamastor Pinto, Lauro Cortês Lago, José Macedo, Praxedes e outros participavam dessas reuniões. Lembro-me também que um militar de São Paulo, chamado Cabanas, coronel ou tenente da Força Pública de São Paulo, veio a Natal, de navio, e participou de uma reunião, meses antes da revolução de novembro de 1935. Um vizinho, seo Honório, que era eletricista, quis denunciar o “aparelho subversivo” à polícia, mas não deixaram. Além dessa casa, o PC promovia reuniões debaixo dos postes de iluminação pública da cidade, com grupos de três comunistas. As decisões do “Comitê Regional”, que se reunia na nossa casa, eram passadas para os grupos dos postes, que, por sua vez, deveriam retransmiti-las para os outros comunistas. O homem que fazia a ligação do CR com o grupo de poste mais próximo era Waldemar Diniz Henriques, militar do 21º BC. A casa pertencia a um judeu, José Palatnik, que nunca soube das reuniões do PC. À cerca de 20 metros morava Lauro Cortês Lago.

“Aproximando-se a revolução, meu pai mandou-nos para a “Fazenda Fortaleza”, em Acarí, de propriedade do sogro. Minha mãe, Maria Amália, pediu que o meu o pai não entrasse na revolução. Ele respondeu: “Eu já estou no movimento e vou participar”.

Nós fomos para Acari e ele ficou na casa da sua mãe, Cândida de Miranda Fontes Galvão, na avenida Rio Branco, n.º 711. Meu pai me contou que a revolução começou às 21 horas do dia 23 de novembro, mas a minha avó não permitiu que ele saísse de casa, tendo em vista que o tiroteio estava muito intenso. Na manhã de domingo, dia 24, ele disse para a mãe que ia sair para comprar carne no mercado, que ficava na mesma rua, onde hoje é a agência do Banco do Brasil. Minha avó nunca viu essa carne... (risos). Essa carne foi o pretexto para ele sair de casa. Quando ele andava pela avenida Rio Branco, esquina com a rua Ulisses Caldas, uma turba aclamou-o "Primeiro Ministro" e saíram carregando-o nos braços. A multidão levou-o para o Palácio do Governo, na praça Sete de setembro e para a Vila Ciccinato, onde funcionou a sede do chamado Governo Popular Revolucionário. Sem nenhuma atividade militar, apesar de ter pegado uma farda de oficial do Exército no primeiro dia da revolução, durante o período da insurreição ele ficou na Vila Ciccinato, na praça Pedro Velho, em frente ao Palácio dos Esportes "Djalma Maranhão". Exerceu apenas atividades burocráticas com o título de "Ministro da Viação e Obras Públicas" do 1º governo bolchevista das Américas. O comandante militar da revolta foi o sargento Quintino Clementino de Barros, do 21º BC. Durante esse período, ele não apareceu na casa da sua mãe, pois ficou na Vila Ciccinato.

Ele me contou que não chegou a conhecer os planos militares, inclusive o ataque ao quartel da Polícia Militar, pois era outro pessoal que lidava com esses assuntos. Outra coisa que precisa ser desmentida é sobre os famosos "salvos condutos", que apareceram depois do fracasso da revolução, com a assinatura do meu pai. Os salvos condutos com assinatura dele eram assinados "João Batista Galvão". Os que apareceram com "João Baptista Galvão" não foram dados por ele, pois não gostava de colocar o P.", disse Cipriano Santa Rosa Galvão, militar que se orgulha de Ter passado 30 anos no Exército Brasileiro (1).


FUGA DOS ENGRAVATADOS

Cipriano conta que o seu pai lhe revelou que a revolução fracassou porque foi iniciada no dia 23 e não no dia 27 de novembro de 35, conforme estava planejado. A antecipação da revolta foi provocada por erro cometido pela pessoa que traduziu o telegrama codificado que veio do Rio de Janeiro (2).

“Não sei quem foi que descodificou o telegrama. Meu pai me dizia que os revolucionários não estavam preparados para a revolução, pois faltaram-lhes adestramento militar, suprimento, organização e pessoal de apoio. Por isso, muita gente se aproveitou da revolução. No dia 27 ele estava na Vila, quando chegaram Lauro Lago e José Macedo. Os dois disseram: "João, a revolução está fracassada. Vamos fugir!". De imediato, os três pegaram um trem e desembarcaram em Canguaretama. Todos trajados de paletós, gravatas, bolsas e chapéus. Esse foi o erro da fuga. Você já pensou três homens fugindo de paletó? Em seguida, entraram na "Mata da Estrela", uma mata muito fechada, conduzindo 600 contos de réis, muito dinheiro na época. O objetivo era atingir, a pé, Baía Formosa, onde então o grupo se dispersaria. Mas não chegaram às barcaças porque José Macedo cansou, pois era muito gordo, tendo os três decidido parar e dormir no meio da mata. Dormiram na mata perto da linha férrea da "Estrela de Ferro Central do RGN". Depois da dormida, meu pai teve o pressentimento de que iriam ser presos, tendo dito isso para Lauro e José Macedo. "Cachorro por perto é sinal de que tem gente por aqui", disse o meu pai ao amanhecer. Meu pai cavou um buraco para esconder os 200 contos de réis que conduzia. Foi o único que escondeu o dinheiro que levava. Em seguida, os 3 foram cercados e presos pela polícia da Paraíba e o delegado de Canguaretama. Meu pai contou-me que o delegado de Canguaretama notou que em certo local haviam folhas mexidas - era o local em que estava o dinheiro. A polícia apreendeu 20 mil réis que estavam no bolso dele, uma pequena quantia comparada com a que deixou enterrada. O engraçado é que o delegado de Polícia de Canguaretama pouco depois tornou-se próspero comerciante e permaneceu rico até pouco tempo", disse Cipriano Santa Rosa Galvão.


ESPANCAMENTOS E TORTURAS

Cipriano revelou ainda que, João Batista Galvão e José Macedo, "Ministro das Finanças" da revolução, foram os que mais apanharam dos policiais. Galvão passou vários dias incomunicável, inicialmente no quartel da PM, de onde era sempre retirado e levado por uma "tintureira" para as bandas do morro, atrás do Esquadrão de Cavalaria, no Tirol. Lá, os PMs promoviam sessões de fuzilamentos simulados ou encostavam os fuzis na nuca dos presos, enquanto um sargento ou oficial da PM contava até três e dava ordem de "Fogo!". "As torturas psicológicas foram muitas", conta Cipriano Galvão, acrescentando ainda que o sargento PM Aristides Cabral era o mais cruel torturador, apoiado pelo Dr. Ivo Trindade.

Batista Galvão passou 18 meses na cadeia, principalmente na Casa de Detenção (hoje Centro de Turismo de Natal). Nesse período, em consequência dos espancamentos, perdeu um rim. "Ele apanhou tanto que um companheiro de cela, um homicida comum, conhecido por Chico Caetano, certa vez não permitiu que ninguém batesse nele e ainda ameaçou os policiais, dizendo: "esse rapaz já apanhou demais e hoje não vou deixar ninguém bater nele. Quem entrar aqui, morre. Eu não tenho nada a perder". E os policiais não entraram. Depois achando que ele ia morrer, pois estava muito doente, mandaram-no para uma casa da praça André de Albuquerque, transformada em Presídio Político, onde hoje funciona o Sindicato dos Contabilistas. Como disseram que ele ia morrer, a família o conduziu numa cama, pelas ruas da cidade; desde o presídio até a casa de minha avó, na Av. Rio Branco. Mas, na casa de minha avó ele melhorou e novamente retornou para o Presídio e Casa de Detenção. O médico José Ivo Cavalcanti, ao vê-lo em péssimo estado de saúde, decidiu tratá-lo gratuitamente, no Hospital Miguel Couto, (hoje Hospital Universitário "Onofre Lopes", tendo a família se cotizado para mantê-lo em um quarto de segunda classe. Em 1937, chegou uma ordem do Ministro da Justiça, Macedo Soares, para liberar os presos que não tinham roubado dinheiro na revolução. Meu pai e diversas figuras de proa da revolução foram soltas. No mesmo dia, houve uma recepção na casa do professor Joaquim de Fontes Galvão, irmão do meu pai, que foi fotografado por João Alves. Nessa recepção, a família decidiu que teria que ser providenciada a fuga dele, pois todos pressentiram que a ordem de soltura seria revogada. E de fato aconteceu a revogação, mas João Galvão já tinha fugido", disse Cipriano Santa Rosa Galvão.


QUEM RESPEITAVA DIREITOS HUMANOS?

Os que foram soltos pela "Macedada" e permaneceram em Natal, retornaram à Casa de Detenção. Galvão não retornou porque sua família alugou um táxi por 100 mil réis e conduziram-no para Jardim do Seridó, juntamente com a esposa, Maria Amália (viva) e as filhas Dalila e Mariana, homiziando-se na fazenda do Cel. Zuza Gorgônio Nóbrega, e providenciou a remoção imediata para São Mamede, Paraíba, onde ficaram na fazenda "São José", de Janúncio Abdon da Nóbrega, que hospedou e deu guarida a família fugitiva durante vários meses. Mas Cipriano quer falar sobre uma pessoa que teve destacada participação no Governo de Rafael Fernandes, após o fracasso da revolução comunista.

"Durante a revolução, o Governador Rafael Fernandes e alguns dos seus auxiliares ficaram homiziados na casa de Xavier Miranda, primo de João Batista Galvão, que não mandou prendê-los porque não se pretendia a prisão deles. O objetivo era deixar a revolução ser vitoriosa; não era matar o Governador e seus auxiliares.

Quando se aproximava a hora do embarque dos presos de Natal para o Rio de Janeiro, no navio Butiá, minha avó foi falar com o governador Rafael Fernandes, na segunda tentativa, pois na primeira ele não quis recebê-la. Na Vila Ciccinato, na praça Pedro Velho, minha avó pediu que o meu pai não fosse embarcado para o Rio de Janeiro, em virtude do seu grave estado de saúde. Rafael Fernandes perguntou: "Então, o seu filho é um anjo?". A minha avó respondeu: "Sim, é um anjo, pois se não fosse ele, o senhor não estaria vivo. João Batista sabia que o senhor estava na casa de Xavier e não mandou prendê-lo". No mesmo instante, Rafael Fernandes disse para dona Cândida Miranda Fontes Galvão que ele não iria embarcar. Por isso, meu pai continuou preso em Natal e jamais conheceu a cidade do Rio de Janeiro.

Trinta minutos antes do Butiá zarpar do porto de Natal, o chefe de polícia, Dr. João Medeiros Filho, autorizou que João Batista Galvão ficasse em Natal. João Medeiros, como Chefe de Polícia era o maior responsável pela situação dos presos políticos e nada fez para impedir as sevícias e espancamentos sofridos pelo meu pai, apesar de na época, ele ser casado com uma prima da minha mãe. Como ele se diz um democrata, eu desejo declarar que Direitos Humanos só existem para os amigos, pois nós sabemos que ele não respeitou os Direitos Humanos dos presos de 1935", afirmou Cipriano Santa Rosa Galvão.


ABANDONOU O COMUNISMO

Cipriano informa que o seu pai tinha conhecimentos do marxismo, pois chegou a ler obras de autores marxistas, apesar de ter negado ser comunista durante os interrogatórios prestados na polícia de Natal. "Réu-confesso não tem defesa". Cipriano lembra que o seu pai ficou muito magoado com a covardia de inúmeros comunistas de Natal, que tiveram medo de participar da revolução de 35. Também lembrou que João Batista Galvão recebeu a visita de um membro do Partido Comunista do Brasil, com sotaque e aparência de estrangeiro, quando estava internado no Hospital Miguel Couto. O enviado do "Socorro Vermelho" ofertou 200 mil réis para ajudá-los na compra de remédios, etc. O estrangeiro perguntou-lhe se não desejaria morar na União Soviética, após ser solto. Batista respondeu, categórico, que nunca sairia do Brasil.

"Após a redemocratização do Brasil, com a queda da ditadura de Getúlio Vargas, o PC de Natal não prestigiou os comunistas da "Velha Guarda", entregando a direção ao Dr. Manoel Vilaça, Jacob Volfson, Osvaldo Lamartine e muitos outros, conforme afirma Cipriano.

"Em 1946, ele me perguntou o que queria ser na vida. Eu disse que queria ser Oficial do Exército. "O que o partido fez por mim e por vocês? Nada. Abandonou os velhos comunistas. Vou fazer uma carta à direção renunciando a condição de membro do partido, pois não quero mais saber de comunismo. Eu não consegui ser Oficial do Exército. Você quer ser e vá sê-lo". Isso foi o que o meu pai me disse, na oportunidade em que externei a vontade de ingressar na Escola de Cadetes, o que ocorreu em 1947. Em 1953, já era aspirante da Academia Militar das Agulhas Negras - AMAN. Se no Exército sabiam ou não que eu era filho de um comunista, eu não sei, pois nunca houve a menor má vontade e perseguição comigo. O Exército ainda é a organização mais democrática do Brasil e do mundo, apesar da imagem deixada pelos fatos ocorridos após 1964", afirmou Cipriano, que prepara um trabalho biográfico sobre João Batista Galvão.


GALVÃO VIROU CONTRABANDISTA

João Batista Galvão, que foi o "Primeiro Ministro" do "Governo Popular Revolucionário" de Natal, na sua fuga da perseguição policial, após ser liberado em 1937, passou vários meses na Fazenda São José, município de São Mamede, Paraíba, de propriedade de Janúncio Abdon da Nóbrega. "Jamais andou sozinho", afirma o seu filho Cipriano Olintho Santa Rosa Galvão, major da reserva do Exército.

Depois homiziou-se nas fazendas de Pedro Ferreira e Manoel de Souza Lima, em Barra da Santa Rosa - PB, além de outras propriedades da família Queiroga, em Campina Grande e Pombal. "A nossa família mudava sempre de local por causa da perseguição. Por isso, papai teve várias carteiras de identidade na Paraíba, graças as amizades que os familiares tinham no governo de Argemiro Figueiredo, mesmo sabendo que o meu pai era comunista. Os meus tios mandavam dinheiro para nós, mas papai gostava de dar aulas para os empregados das fazendas e de dar uma de médico. Ele fazia isso para não ficar parado e compensar a ajuda dada pelos fazendeiros. Todos esses fazendeiros sabiam que meu pai era comunista, mas ajudavam, pois testemunhei isso. Passei três meses com ele, na Paraíba. Em 1941, ele resolveu ir embora. Foi para o Ceará e Piauí. Tornou-se vendedor de leite em Floriano, PI, com 31 anos e vendia o produto na "Leiteria Rex". Subiu para o Pará e lá tornou-se soldado da borracha para chegar a Manaus, Amazonas e Boa Vista, território de Roraima, onde chegou a vender contrabando. Anistiado, em 19 de abril retornou ao RN no dia 26 de dezembro de 1945 e, em 1951, separou-se de minha mãe, Maria Amália, que hoje tem 80 anos, residente em Acari, disse Cipriano Santa Rosa, lembrando a vida do seu pai, João Batista Galvão, o "Primeiro Ministro" da revolução comunista de 35 em Natal. ( Entrevista. Outubro. de 1985).


A REVANCHE DE ACARI

A segunda parte da entrevista de Cipriano Santa Rosa Galvão, será publicada em outra reportagem. De próprio punho, ele prestou o seguinte depoimento sobre a prisão de familiares, na cidade de Acari, por adversários políticos, em virtude da participação de João Batista Galvão no "Governo Popular Revolucionário" de Natal.

Na íntegra, a declaração de Cipriano: "Os Valentes" de Acari, à frente o prefeito Gil de Brito, prenderam através do tenente Severino Bezerra, delegado local, o Coronel Cipriano Bezerra Galvão Santa Rosa, seu filho Januncio Nóbrega Santa Rosa e os amigos Severino Barroso, Antônio Gouveia, e o motorista Egídio e amigos de Cruzeta. Um ato de covardia personificada. Prenderam-nos em cadeia comum, sem direito a um leito e alimentação, esquecendo-se de que o Cel. Santa Rosa tinha sido Prefeito de Acari cinco vezes, deputado provincial e oficial superior da Guarda Nacional, título lhe conferido pelo Imperador Pedro II, cujos direitos e honras a República não os revogara. Tal ato se traduzia na esperança de que o movimento, se vitorioso, atingisse Acari, eles serviriam de reféns, uma vez que o Cel. Santa Rosa e Janúncio eram sogro e cunhado de João Batista, respectivamente."


NOTAS:

1 - Cipriano Santa Rosa Galvão, da reserva remunerada do Exército, não foi localizado após 10.11.85, data da publicação desta entrevista em "O POTI" (Natal-RN).
Diz-se que mudou-se para um cidade da região Norte.

2 - Em "Natal do Meu tempo", Ivanaldo Lopes (Cia. Editora do RN - CERN - Natal -RN - 1985), dá a sua versão sobre a precipitação da insurreição de Natal: "... Fora um erro de data, consequência de má interpretação de uma mensagem codificada. Esta dizia assim 2 + 3= 12. Entenderam eles tratar-se de 23 de Novembro, pois, pelas convenções, havia sempre o recuo de um mês, daí a falta de unidade no levante que seria geral, isto é, no Brasil inteiro" (p. 67). Ivanaldo Lopes, já falecido, era filho do capitão da Polícia Militar do RN, Genésio Lopes, Delegado de Ordem Social, em 1935 (ob. Cit., p. 73), falecido em 1986 com a patente de Coronel. Ivanaldo Lopes não cita a fonte que originou a versão da tal "mensagem codificada".

Em virtude do tratamento superficial do repórter à palestra do professor Homero Costa, que participou de uma mesa redonda sobre o Movimento de 35, promovida pelo mostrado de Ciências Sociais da UFRN, em setembro de 1985, é nosso dever transcrever o resumo do pensamento do palestrante sobre a "Intentona". Eis o resumo:

São Paulo, dezembro de 1985

Amigo Cortez:

Infelizmente não tive condições de acompanhar pelo "O Poti", o conjunto de suas reportagens sobre "O Comunismo e as lutas policiais no Rio Grande do Norte na década de 30". Há pouco, enviado por um amigo comum, é que pude fazê-lo. Na última, a XX da série, há, entre outras matérias, um resumo de uma exposição que eu fiz, por ocasião de um Seminário promovido pelo Mestrado de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Como, a meu juízo, em face do conteúdo do que foi resumido (fiz uma exposição de pouco mais de 1 hora e foi transcrito 2 parágrafos ), além de não dar uma idéia precisa do que expus, em especial, o último parágrafo, está muito confuso, com frases entrecortadas, o que poderia dar uma idéia de confusão que, espero, não ter feito na exposição... Em função disso e da importância que atribuo a essas matérias cuja tentativa de resgate da história política do Estado e em especial de um acontecimento que, por sua importância, transcende seus limites, gostaria de, em primeiro lugar, fazer alguns reparos, para em seguida, fazer um resumo de minha exposição.

1º) Eu não disse em nenhum momento que a ANL era "uma frente do PCB". Seria uma extrema simplificação. O que eu fiz, dentro dos limites de minha exposição, foi, entre outras coisas, historiar a ANL, de sua formação - final de março de 1935 até o 11 de julho do mesmo ano, quando Vargas a coloca na ilegalidade. A partir de então, as células operativas da ANL, passaram a ser, basicamente células do PCB atuando em nome da ANL...

2º) Eu não afirmei que Miranda era policial. Disse apenas que havia versões nesse sentido -–o que é diferente. A meu ver, ele não era um elemento policial infiltrado no Partido (se não, não fazia sentido seu longo tempo na prisão após o levante...). E, se passou a colaborar com a polícia, deve ter sido após a morte de sua companheira, Elza, a mando da direção do Partido.

3º) Há uma foto na matéria, com uma legenda que “Professor afirma que Revolução foi Marxista”. Na verdade, não cometi tal heresia... Em nenhum momento, durante toda a exposição, me referi a um ou outro termo. Nem considero que foi revolução ( e de resto quem estudou minimamente o tema...) nem muito menos usei, como complemento, o termo marxista...

São esses os reparos principais que eu teria para fazer. No que diz respeito a minha participação no debate sobre o levante de 1935 (que infelizmente não pôde contar com a participação de Prestes e do Giocondo, como estava previsto), faço um brevíssimo resumo:

De início salientei a importância de um estudo aprofundado sobre a insurreição militar de novembro de 1935, que, a despeito das recentes publicações sobre o tema, permanece ainda como um enigma. Daí eu crer que, a nível mais geral, ainda está por ser feita uma rigorosa pesquisa histórica, que torne menos obscuro o levante. Nesse sentido, considero seu trabalho da maior importância.

Após algumas considerações preliminares, tentei mostrar que a história dos acontecimentos que vão culminar em novembro de 1935 tem de necessariamente incorporar uma série de componentes que vão, desde a composição do movimento tenentista até as inflexões da Internacional Comunista. No que diz respeito a IC fiz um breve relato dos seus Congressos e a questão dos “países semi-coloniais”. E, claro, sobre o PCB, cujo nome não sem razão está associado ao movimento. Ele vai representar igualmente um momento de inflexão: significa a ruptura com o PCB anterior (em especial, as direções que assumem pós 1930). Creio que as modificações ocorridas na composição social do partido nesse período é um fator importante na opção pela via insurrecional (com a adesão de alguns militares ao partido): Ao mesmo tempo, claro, que tem a ver com a IC: o levante só pode ser entendido como evento da etapa de transição tática do chamado “III Período” para as “Frentes Populares”. E em relação ao método insurrecional creio que correspondia a tendências de outros períodos no âmbito da IC (citei alguns casos) e nesse sentido, era importante debater a questão da insurreição como via de revolução. Isso tem a ver também com uma determinada leitura, presente dos documentos da IC, que tende a estabelecer uma articulação mecânica entre o imperialismo e as facções políticas internas. No caso do Brasil, há uma certa leitura “militarista”, herança da coluna Prestes.

Finalmente, me referi ao caso específico de Natal, que, a meu juízo, tinha muito mais a ver com a situação política do Estado naquele momento.

É isso aí, caro amigo. Continue firme no seu trabalho. Há muito ainda que ser dito. Talvez não para as classes dominantes – e as forças armadas em particular – que tem repetido à saciedade os mesmos argumentos anticomunistas nos últimos 50 anos – mas para a esquerda que, de um lado, pelo que pude perceber, há uma certa visão apologética e no caso específico no PCB, um silêncio de certa forma constrangido, com uma enorme dificuldade de enfrentar esse problema no curso de sua história. Não desejo alongar muito esta carta. Escrevo na expectativa de que, caso você venha publicar novas matérias sobre o tema, torne público também esses meus “reparos” e considerações.

Um grande abraço,
do amigo
Homero
Mr. BRAUNER QUASE ERA FUZILADO


Hoje os leitores lerão textos referentes ao gerente da empresa Bond and Share, “Mister” Brauner, que explorava o transporte coletivo de Natal, na época da revolução de novembro de 1935; as peripécias do cidadão Luiz Paulo, residente na rua Ari Parreiras, Vila São Paulo, 206, Alecrim, que viu muita gente correndo com medo de comunistas e as retificações de João Wanderley (vide entrevista publicada em outra reportagem desta série) a respeito do 21º Batalhão de Caçadores. Ele explica porque o quartel do Exército em Natal tinha muita gente de fora e a atuação de Giocondo Dias em episódio da Revolução Constitucionalista de São Paulo em 1932. O relato sobre o diálogo de João Galvão, Ministro da Viação no governo revolucionário de 35, com o cidadão Joseph Williams, o Mister Brauner foi me revelado por um filho de participante do tiroteio da Serra do Doutor, José Bezerra de Araújo, Haroldo Bezerra, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. A versão desse fato, segundo informante, foi lhe revelado pelo próprio João Galvão, “que ria pra burro quando contava essa história”. Já as quatro últimas linhas das retificações de João Wanderley referem-se ao fato dele ter dito que tinha visto “três navios branquinhos no estuário do rio Potengi”..


GENRO DE LAMARTINE QUASE MORRE

Entre as muitas histórias que circulam sobre os acontecimentos de novembro de 1935 em Natal, existe uma que me foi contada por um Secretário de Estado, amigo do atual governador que por seu valor histórico, apesar de meio humorístico, não pode deixar de ser revelado. (1)

Conforme me foi contado, no primeiro dia do Governo Popular Revolucionário (noite de 24.11.35), os bondes foram retirados de circulação por ordem do gerente da empresa “Bond and Share”, Joseph Williams, conhecido como Mister Brauner, inglês que era casado com a Sra. Paulina Lamartine, filha do ex-governador Juvenal Lamartine. Mister Brauner já faleceu. Dona Paulina reside em São Paulo. Em virtude da paralisação do sistema de transporte coletivo, o Ministro da Viação, João Batista Galvão, no seu gabinete instalado na Villa Ciccinato, sede do Governo Revolucionário, convocou Mister Brauner para convencê-lo a botar os bondes na linha.

Diante das explicações de Galvão de que o governo e a população da cidade do Natal necessitavam, urgentemente da normalização dos serviços de transportes urbanos, o gerente da empresa britânica disse para João Galvão que o clima revolucionário da cidade impedia que colocasse os bondes em circulação. Galvão tornou a explicar que quem mandava na cidade era o Governo Revolucionário. Mas o britânico, na sua calma peculiar, misturando português e inglês, disse para Galvão: “Doutor Galvão, o senhor é um dos Chefes do Governo da Revolução, mas a situação não inspira confiança. Os bondes são propriedades de sua Majestade Britânica e eu não quero causar prejuízos a ela.”

Tendo observado que Mister Brauner estava teimoso e com medo de colocar os bondes na linha, o Ministro João Galvão chamou o seu ajudante de ordem, conhecido por Tarol e lhe ordenou:
“- Tarol, prepare o pelotão de fuzilamento para agora mesmo”.
Como observou que a ordem era pra valer, Mister Brauner de imediato, disse: “Não precisa chamar o pelotão de fuzilamento. Vou mandar botar os bondes na linha agora mesmo”. Brauner saiu da Vila Ciccinato direto para o escritório da “Companhia de Força e Luz”, que ficava vizinho a Estrada de Ferro Central do RN, outra empresa que sofria forte influência cafeística e comunista. No dia seguinte os bondes voltaram a trafegar com a tarifa 100% mais barata.

PERIPÉCIAS

“Em 1935, eu tinha 17 anos, e cursava a 2ª série no Ateneu da Junqueira Aires. Naquele maravilhoso Ateneu lecionavam grandes Mestres – Pe. Monte, Dr. Luiz Antônio, Luiz Torres, Valdemar de Almeida, Câmara Cascudo Véscio Barreto e tantos outros...

Pouco ou quase nada me lembro do que se falava no Ateneu e nas ruas, sobre a política da época. Porém a estudantada do velho Ateneu era brava, estudiosa imitando a centenária Coimbra em Natal. Estudavam já na última série do Ateneu, em 1935, valores como Geraldo Fernandes, Paulo Pereira Luz, Raimundo Nonato, e outros que ilustram a vida norte-rio-grandense.

Ouvi falar que na novembrada que durou só três dias em Natal; queimaram parte do arquivo do Ateneu e me parece que houve um Decreto promovendo todo mundo em vista da falta dos mapas escolares.

João Galvão, que foi membro da Junta Governativa instalada na Vila Ciccinato, na Praça Pedro Velho, em 1935, se não me engano era da Secretaria do Ateneu; e forte, alto, alvo, bravo, poeta e sonhador, era filho de nobre família natalense. Este foi preso e depois conseguiu meios e ficou guardado muito tempo não sabemos onde.

Mais tarde, João Galvão reaparece e sempre bravo e inteligente demais forma-se advogado e passou a dar “quinau” em muito figurão.

Certa vez ouvi João Galvão contar que passava em uma rua do Grande Ponto, quando ouviu os tiros no velho quartel do Exército e logo lhe apareceu um amigo que lhe disse: “- Olha, já começou o tiroteio. Você vai ou não vai?...” E nisso ele cheio de coragem e mocidade respondeu: “ora vamos até lá...”

Conheci também Rosemiro Henrique de Freitas, isto na Penha ou Canguaretama em 1943. Rosemiro era natalense e perdera o irmão Indaleto de Freitas, de 12 anos, no tiroteio havido contra a caravana de Batista Luzardo, no Hotel Internacional que ficava na Tavares de Lira, em 1930. Aconteceu que Indaleto de Freitas, muito curioso subiu e ficou agarrado num poste apreciando os discursos, quando o tiroteio fechou contra os caravaneiros que pregavam os ideais da Revolução de 1930, veio uma bala doida e matou o menino.

Sei que houve uma rua com o nome de Indaleto, porém algum falso profeta conseguiu apagar depois... (É parecido com o caso do Palácio Djalma Maranhão, amaldiçoado por falsos profetas, e depois reabençoado por eles mesmos forçados pelo remorso, talvez...).

Rosemiro de Freitas era baixo, vibrante, autodidata famoso, e foi condenado como um dos intelectuais da Novembrada, a cinco anos de cadeia: tirou uns três anos na Ilha no Rio e o restante tirou na cadeia de Canguaretama. Certo dia quando Rosemiro fez as contas do tempo de cadeia verificou que já tinha tirado mais 6 meses do que devia e logo reclamou o seu alvará de liberdade. Ele me contou que já na Ilha trabalhavam, mas os guardas da Ilha não permitiram nem chupar uma laranja que caísse no chão. Ele guardava com muito carinho um número do jornal “A LIBERDADE” que ele ajudou a redigir no dia da revolta de 1935.

Eu não era de nada, tinha 17 anos, cursava a 2ª série do lendário Ateneu, ali eu entrara assombrado e quiseram me dá um purgante, como minhas pernas eram muito finas se condoeram e me bateram pouquinho. Em novembro de 1935, numa Quinta-feira 21, eu de férias fui para o sitio Porto, em Nísia Floresta e no sábado pela manhã mandei um bilhete para a professora Germana Silva, (hoje com 74 anos e muito lúcida), e no bilhete eu dizia para ela que era Integralista ou Camisa Verde. No final do bilhete, não sei hoje nada da razão, porque escrevi: Anauê! Anauê! prepara as pernas para correr!; e não é que às 7 horas da noite já corria em Natal muita gente, e dos Anauês e Integralistas, sei que ficou muito pouco...

(Porém na verdade confesso de nada eu não sabia; e de política nada eu entendia. Até uma vez eu ouvia um brilhante intelectual do integralismo discursando na sede do Partido que ficava embaixo do Edifício Leite, Alecrim, e no entusiasmo do discurso, ele exclamou. “Estes Camisas vermelhas ou comunistas”, e eu que estava com uma camisa vermelha fugi... pois entendi que o orador estava me achando com cara de comunista).

A carreira e a surra de muriçocas começa aqui: os meus bons parentes, amigos valiosos, Lermes Silva e Clodoaldo Cruz, ambos moços e gerentes de duas lojas no Alecrim, eram entusiastas Camisas Verdes. Eram de confiança e de bravura, eram mesmo da linha de frente.

Quando começou o tiroteio no quartel da cidade, a população do Alecrim ficou curiosa para saber de que se tratava e não tardou a notícia da revolta no quartel e mais tarde Revolução Comunista. Estes dois amigos com outros passaram a investigar pelas ruas, com muita cautela tudo e acreditavam em alguma reação mais positiva. No domingo já às 16 horas, tudo estavam em poder dos vermelhos, e o Lermes e o Clodoaldo, temendo serem apanhados e jogados na cadeia ou coisa pior, pegaram um revólver 38, cano longo do patrão, José Leopoldino, dono da loja de calçados, e rumaram numa fuga para Nísia Floresta, pois sabiam que lá eu estava num sítio, romperam muito mato, e na segunda-feira, 25, era dez horas, vi eles apontarem no terreiro famintos e rasgados nas roupas. Logo tomei providências de comidas e exigi assombrado que eles fossem ficar no mato próximo e lá eu daria as notícias e lhes levaria o comer. Diante do meu assombro eles me atenderam, acho que mais com pena de mim do que por medo, lá ficaram até 8 horas da noite, quando as muriçocas que eram demais lhes deram em cima e não suportando, eles vieram para a casa onde me achava. Logo na chegada deles em casa, ouvimos uma saraivada de balas, e eu tremendo, os empurrei para o mato e fui com eles mas lá ninguém suportou e viemos para casa outra vez. Depois eu soube que as balas já eram fugitivos da Revolução que passaram ali às tontas. Logo em seguida os meus dois hóspedes foram à sede do município e se incorporaram aos legalistas que armados já prendiam os revoltosos em debandada. Dou fé. Luiz Paulo”.


WANDERLEY CONTA MAIS SOBRE O 21º BC

O 29º BC saiu em fins de 1932 de Natal para SP e retornou em fins do mesmo ano, depois de participar da Revolução Constitucionalista.

O 21º BC também saiu do Recife, em 1932, para combater a Revolução Constitucionalista no interior do Mato Grosso e São Paulo. No nordeste de Mato Grosso, o 21º BC tentou se rebelar e ficar ao lado dos “Constitucionalistas” de São Paulo. Por isso, como castigo, o 21º BC foi removido para o Amazonas, na fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia, que estavam em guerra. O 21º BC não retornou a Recife e somente chegou a Natal no dia 13 de agosto de 1933, ocupando o quartel do 29º BC na rua Junqueira Aires.

“No meio do efetivo do 21º BC estavam soldados, cabos e sargentos de Pernambuco, Bahia e Pará. Eu ingressei no Exército em Recife”. Entre eles diversos soldados, cabos e sargentos que participaram da quartelada contra o interventor de Pernambuco, Carlos Lima Cavalcanti, usineiro e bicha assumido. Giocondo Dias, que esteve no Mato Grosso, São Paulo e Amazonas, veio no meio desse povo e sempre foi impetuoso e líder durante os três meses de Revolução Constitucionalista 9 de julho. Certa vez o capitão Caronbet Pereira da Costa precisou de seis voluntários para uma missão de reconhecimento da posição dos paulistas, nas margens do rio Sucuriú, em Três Lagoas, pois eles estavam com 2 canhões Krupp e nós com dois canhões Scheineder, martelando o nosso efetivo. Então, Giocondo foi o primeiro a dar um passo à frente e, em seguida, cinco homens fizeram o mesmo. Caronbet levou os 6 homens, fez o reconhecimento e o croqui. Depois ordenou 3 disparos de canhão que destruíram os 2 canhões Krupp”.

“Os navios mexicanos ficaram no meio do rio Potengi, na altura do caís do porto. Talvez dois ou três navios estivessem emparelhados. Só vi três navios, mas talvez fossem cinco. Os avisos franceses de Latoécere ficavam ancorados no depósito flutuante, em frente a atual Base Naval”, disse João Wanderley.


NOTA:

1 - O informante foi Haroldo de Sá Bezerra, Secretário da Fazenda do Estado do RN no governo José Agripino Maia. Haroldo é filho de José Bezerra de Araújo, fazendeiro e político em Currais Novos, já falecido.

MENELEU, DE TIPÓGRAFO A INDUSTRIAL, CONTA COMO IMPRIMIU O JORNAL DA REVOLUÇÃO, A LIBERDADE

Para desfazer muitas mentiras divulgadas sobre a revolução de novembro de 1935, principalmente as referentes à sua pessoa, um simples tipógrafo sem envolvimento direto com a insurreição militar, o industrial Francisco Meneleu dos Santos, residente em Fortaleza-CE, concedeu esta entrevista ao Diário de Natal.

Meneleu tinha 18 anos quando foi preso pela primeira vez, na noite de 27 de novembro de 1935, no quartel do Batalhão da Polícia Militar, na “Salgadeira” (hoje rua das Laranjeiras - Cidade Alta), onde centenas de presos políticos estavam trancafiados. Naquela noite, no meio de dezenas de presos (“gente fina”), vestidos de paletó e gravata, ele passou pelo “corredor polonês”, formado por policiais armados com “rabo de galo” (uma espécie de facão que era usado pelos PMs para dar no povo), mas não sofreu nenhuma bordoada por causa do seu corpo franzino.

Natural de Areia Branca/RN, Francisco Meneleu chegou ainda menino na cidade de Mossoró. Onde aprendeu a trabalhar como tipógrafo. Trabalhou em Macau, na tipografia de seu Antunes, quando foi convidado por João Café Filho para trabalhar no “O Jornal”, que funcionava na rua Tavares de Lira, em frente a loja “4.400”, no bairro da Ribeira-Natal.


COMO VIROU “REVOLUCIONÁRIO”

Depois de trabalhar vários meses no jornal de Café Filho, Meneleu ingressou na tipografia “A Comercial”, do major José Pinto, onde trabalhava de dia. De noite, fazia “serão” no jornal católico “A Ordem”, na rua Dr. Barata. Lá, ele tinha um companheiro e amigo, Abner.

Foi num desses “serões” (extra) na Ordem, noite de 23.11.35, que interrompeu o seu trabalho por alguns minutos para ouvir o tiroteio na cidade, pois não sabia do que se tratava.

“Passamos a noite dentro da Ordem, sem dormir direito. Na manhã do dia 24, chegaram vários soldados do Exército, fardados e armados, que mandaram que todos os tipógrafos saíssem do jornal e se dirigissem para A República. Saímos na marra, escoltados e avisados que iríamos fazer um jornal da revolução, A Liberdade. Apesar de termos passado a noite sem dormir, fomos obrigados a aceitar a convocação. E quem não iria? Não estávamos numa revolução? Então, fomos eu, Loiola Barata, Abner, Israel Alves Pedroza, Ubirajara Pedroza, Pedro de tal e outros cujos nomes não me recordo. Era um grupo de 8 a 10 tipógrafos. Passamos dois dias trabalhando na confecção do jornal A Liberdade, cujos nomes dos seus redatores não me lembro porque não tinha contato com eles (1). Eu era considerado como um dos melhores tipógrafos e fiquei com a responsabilidade de fechar o jornal. Quando tinha acabado as matérias, ficou um espaço em branco na última página. Então, procurei alguma coisa para encher o espaço e não encontrei nenhuma matéria. A solução foi colocar um clichê de “Sal de Fruta Eno”, que estava jogado no chão de A República. Não sei se o revendedor de Natal gostou daquilo. Só sei que a solução foi aquela, sem nenhum objetivo de prejudicar ninguém. Também não sei se houve consequências negativas para o vendedor de Sal de Fructa Eno (risos).


NO MEIO DE GENTE FINA

“Na noite do dia 27, um dedo-duro apontou o meu nome para a polícia que foi me prender na “república” em que morava, na rua Frei Miguelinho, na Ribeira. Nos fundos da república, eu tinha uma pequena tipografia, para os meus biscates. Os policiais entraram na casa, depois de arrombarem a porta e levaram a minha mala e 30 mil réis, as minhas economias. Levaram até as minhas calças. Fui conduzido para o quartel do 21º Batalhão de Caçadores, onde o Capitão Aluízio Alves de Moura, um moreno, forte e carrancudo, perguntou o que eu estava fazendo ali. Eu contei o que tinha feito e ele perguntou: “Só fez isso? Então, vá para a sua casa. Não matou ninguém, então vá embora”. Fui para a casa do “major” José Pinto que, por sua vez, mandou que eu fosse para a minha “república”. Foi aí que fui preso novamente pela polícia. Desta vez, fui conduzido para o quartel do Batalhão da PM. Às 22 horas do dia 27 de novembro, depois de escapar ileso do “corredor polonês”, os “tintureiros” (carros da polícia) levaram a gente para a Casa de Detenção, em Petrópolis, onde passamos 6 dias separados dos presos comuns. Em seguida, fomos para a Escola de Artífices, na avenida Rio Branco, Cidade Alta. Passei mais de um mês na Escola de Artífices, tendo sido o melhor período de prisão que passei na minha vida, pois vinha comida de hotel, com sobremesa, para os presos. A maioria era médicos, jornalistas, dentistas, advogados, engenheiros, tudo gente fina. Me lembro bem do Dr. Nizário Gurgel, dentista, João Maria Furtado, Amaro Magalhães e os filhos dele, Ramiro Magalhães e outros. Meu pai, que morava em Mossoró, apesar de muito pobre, foi a Natal quando soube que eu estava preso. Falou com o major Solon, um homem que gozava de muito prestígio no governo de Rafael Fernandes. Só sei que o major Solon conseguiu a minha soltura e fui embora para Mossoró em janeiro de 1936. Como se nada tivesse acontecido, me alistei no Tiro de Guerra de Mossoró, onde permaneci até 1938, trabalhando e vivendo a minha vida, tranquilamente. Certo dia, alguém trouxe um jornal de Natal para mim, com uma notícia que trazia o meu nome como condenado a 6 anos e 6 meses, à revelia. Eu quase caía para trás, porque fiquei sabendo que a minha condenação era resultado das acusações feitas pelos meus companheiros tipógrafos. Eles disseram que eu tinha pegado um fuzil e ameaçado todo mundo para fazer o jornal A Liberdade, inclusive montando guarda na República. Tudo mentira, pois nós, tipógrafos, fizemos a mesma coisa na confecção do jornal da revolução. É claro que eles se aproveitaram do fato de eu estar em Mossoró e jogaram toda a culpa para cima de mim. Todos eles foram absolvidos. O delegado de Mossoró, Capitão Severino Elias, uma ótima pessoa, sabia que eu não era comunista e não mandava me prender, mesmo sabendo que eu era um condenado. Eu era benquisto em Mossoró e ele dizia “enquanto eu não receber ordem de prisão, eu não lhe prendo”. Certo dia, capitão Elias recebeu a ordem e mandou avisar Raul Caldas, engenheiro químico de Mossoró. Uma pessoa boníssima e inteligente. Raul Caldas, meu amigo, me procurou e ofereceu dinheiro e um automóvel para eu ir embora para onde quisesse. Mas resolvemos que eu devia me apresentar, pois eu não tinha feito nada demais, apenas cumprido ordens dos revolucionários para fazer o jornal deles. Mesmo assim, passei um mês em Mossoró, trabalhando na firma de Raul Caldas, onde já estava há vários meses. Por causa de uma denúncia, a polícia teve que me colocar na detenção de Mossoró, ficando lá até meados de 1941, quando veio uma ordem de Aldo Fernandes, Secretário Geral do Governo do Estado. Fui escoltado para Natal e trancafiado na Casa de Detenção de Petrópolis. Minha esposa tinha 14 anos e ficou gravemente doente em Mossoró, mas não conseguimos autorização de Aldo Fernandes para que eu fosse visitá-la. Aldo Fernandes negou a ordem sob a alegação de que eu estava preso por determinação do Ministro da Justiça. Isso era uma grande mentira, pois eu não era um preso de importância. Apesar da negativa de Aldo Fernandes, o capitão José Medeiros, diretor da Detenção, me deu dinheiro e passagem para eu viajar para Mossoró. Fui, visitei a minha mulher e retornei para Natal. Em 1943, retornei a Mossoró para cumprir o resto da pena. Após a minha liberdade, fui empregado no dia seguinte por Vicente Carlos Sabóia Filho, Saboínha, na secção de engenharia da Estrada de Ferro de Mossoró, trabalhando ao lado do Dr. Ciarline. Saboínha era um homem bom e dele jamais esqueci”, conta Francisco Meneleu dos Santos.


GOSTANDO DO COMUNISMO

Francisco Meneleu dos Santos, residente no bairro da Varjota, em Fortaleza-CE, onde o repórter foi entrevistá-lo, é proprietário de uma fábrica de carimbos e etiquetas no centro da capital alencarina. Ele não tem nenhum ressentimento do então chefe de polícia do RN, João Medeiros Filho, autor do livro “82 Horas de Subversão”, no qual Meneleu é descrito como um dos responsáveis pela confecção do jornal A Liberdade e de ter vigiado, armado de fuzil, os tipógrafos de A Ordem e A República.

Esse relato sobre mim foi todo baseado nos processos elaborados pela polícia. A verdade é que os meus colegas tipógrafos se acovardaram e jogaram toda a culpa para cima de mim. É natural que o pessoal, preso em Natal, sofrendo humilhações na prisão, me denunciasse como o culpado. Só que as acusações não eram verdadeiras. João Medeiros não inventou nada contra mim, apenas transcreveu os processos. No ano passado, fui apresentado a ele na porta de um hotel. Já Mário Cabral, que foi tenente da Polícia Militar do RN, seguidor de Mário Câmara, eu fiz questão de visitá-lo em sua residência, em Natal. Mário Cabral sempre foi um homem resoluto e de fibra. Para ganhar uns trocados na Casa de Detenção de Natal, ele aprendeu a ser barbeiro. Em 1935, eu não sabia patavina de comunismo. Mas como sofri muito com a repressão policial, que prejudicou muitos inocentes, principalmente simples adversários políticos de Rafael Fernandes e do Partido Popular, muitos anos depois resolvi ler alguma coisa sobre comunismo. Li muito e hoje gosto do marxismo, mas nunca de filiei a nenhum partido comunista.”


NOTA:

1 - Otoniel Menezes de Melo nasceu em Natal, a 10 de março de 1895, e faleceu no Rio de Janeiro, a 19 de abril de 1969. Era considerado o “Príncipe dos Poetas do Rio Grande do Norte”. Foi promotor Público Interino, em Macau-RN. Participou, em 1926, como sargento do 29o BC, “na expedição de combate à Coluna Prestes”. Jornalista, colaborou em todos os jornais e revistas de Natal. Em 1955, publica o seu livro mais importante, A Canção da Montanha. Em 1958, ingressou na Academia Norte – Rio-grandense de Letras, ocupando a vaga de Bezerra Júnior, para a cadeira que tem como patrono Antônio Glicério. Foi o principal redator do jornal “ A Liberdade”, do efêmero governo comunista de novembro de 1935. ( Fonte: Revista da Academia norte-rio-grandense de Letras, Ano XIV, número 8, maio de 1970 – Natal - RN, página 198 ).

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