Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
A
Revolta Comunista de 1935 em Natal
Relatos
de Insurreição que gerou o primeiro
soviete nas Américas
Luiz Gonzaga Cortez
Nosso
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de Produção
19. Na Praia do Meio se tramou a revolta
Com
25 anos de idade, João Batista Galvão,
natural de Mossoró, secretário do
Atheneu Norte-rio-grandense, aclamado nas ruas
por uma multidão de insurretos, estudantes
e simpatizantes, recebeu o cargo de “Ministro
da Viação e Obras Públicas”
do curto “Governo Popular Revolucionário”,
que dominou a capital durante quatro dias, em
novembro de 1935.
Mas, devido a ampla atuação burocrática
durante os dias da revolução comunista
e da Aliança Nacional Libertadora, organização
de fachada do Partido Comunista do Brasil-PCB,
João B. Galvão foi cognominado de
“Primeiro Ministro” da insurreição
que implantou o primeiro governo marxista-leninista
no continente americano.
Casado com Maria Amélia da Nóbrega
Santa Rosa (prima da esposa de Juvenal Lamartine
– um dos “coronéis” do
Estado – dona Silvina Lamartine), ele contraiu
núpcias no dia 27 de outubro de 1928, quando
tinha 18 anos de idade e já era membro
do Partido Comunista do Brasil. Participou das
lutas estudantis de Natal e do Recife, para onde
viajava constantemente para participar das reuniões
da Aliança Nacional Libertadora (1935),
codinome do Partido Comunista do Brasil.
Seu sogro, Cipriano Bezerra Galvão Santa
Rosa, era partidário da Aliança
Liberal. Por isso, João Galvão e
sua família decidiram assistir ao comício
da “Caravana de Batista Luzardo”,
caudilho gaúcho, que se realizaria no bairro
da Ribeira no dia 7 de fevereiro de 1930. Mesmo
sabendo que o comício iria ser metralhado
pela Polícia de Juvenal Lamartine, governador
do Estado, Galvão e irmãos foram
para o Hotel Internacional, na esquina da rua
Chile com a TV. Tavares de Lira, onde haveria
posteriormente um banquete oferecido à
caravana de Batista Luzardo, João Neves
de Fontoura, cônego Olímpio de Melo
e outros.
Com a revolução vitoriosa de 1930,
a família de João Galvão,
adversária dos políticos oligarcas
e decaídos do Partido Popular, de José
Augusto B. de Medeiros, recebeu a Prefeitura Municipal
de Acari. Cipriano B. Galvão Santa Rosa,
seu sogro, foi nomeado Prefeito Provisório
de Acarí. Batista, delegado Regional de
Polícia do Seridó, com sede em Acarí.
Meses depois abandonou o cargo e veio para Natal,
conforme declarações prestadas pelo
seu filho, major da reserva remunerada do Exército,
Cipriano Olyntho Santa Rosa Galvão, residente
na avenida Nascimento de Castro, Morro Branco.
INGRESSO NO COMUNISMO
“Quem
iniciou o meu pai no comunismo foi o seu amigo
Adamastor Pinto, filho do coronel José
Pinto, em 1928. Em Recife, nas reuniões
do PC, ele recebia orientações de
Lima Cavalcanti que, anos mais tarde, viria a
se tornar Interventor de Pernambuco. No meio das
suas atividades políticas, ajudava o seu
sogro, Cipriano Bezerra Galvão Santa Rosa,
na luta contra as oligarquias do Estado, representadas
pelo Partido Popular, no tempo da República
Velha. Em 1935, a família saiu de Acarí
e veio morar em Natal, oportunidade em que meu
pai empregou-se como secretário do Atheneu.
Alugou uma casa na praia do Meio, na avenida que
se chamaria Café Filho, perto do entroncamento
do final da Ladeira do Sol, precisamente na frente
do antigo “salva-vidas”. Nessa casa,
o PC faria as reuniões noturnas. Nós,
meninos (eu tinha 5 anos) não gostávamos
de ficar do lado de fora da casa, enquanto se
realizavam as reuniões. Nessas ocasiões,
os chefes do PC daqui se reuniam numa mesa que
ficava no centro de uma sala de visitas com portas
e janelas fechadas. Adamastor Pinto, Lauro Cortês Lago, José Macedo, Praxedes e outros participavam
dessas reuniões. Lembro-me também
que um militar de São Paulo, chamado Cabanas,
coronel ou tenente da Força Pública
de São Paulo, veio a Natal, de navio, e
participou de uma reunião, meses antes
da revolução de novembro de 1935.
Um vizinho, seo Honório, que era eletricista,
quis denunciar o “aparelho subversivo”
à polícia, mas não deixaram.
Além dessa casa, o PC promovia reuniões
debaixo dos postes de iluminação
pública da cidade, com grupos de três
comunistas. As decisões do “Comitê
Regional”, que se reunia na nossa casa,
eram passadas para os grupos dos postes, que,
por sua vez, deveriam retransmiti-las para os
outros comunistas. O homem que fazia a ligação
do CR com o grupo de poste mais próximo
era Waldemar Diniz Henriques, militar do 21º
BC. A casa pertencia a um judeu, José Palatnik,
que nunca soube das reuniões do PC. À
cerca de 20 metros morava Lauro Cortês Lago.
“Aproximando-se a revolução,
meu pai mandou-nos para a “Fazenda Fortaleza”,
em Acarí, de propriedade do sogro. Minha
mãe, Maria Amália, pediu que o meu
o pai não entrasse na revolução.
Ele respondeu: “Eu já estou no movimento
e vou participar”.
Nós fomos para Acari e ele ficou na casa
da sua mãe, Cândida de Miranda Fontes
Galvão, na avenida Rio Branco, n.º
711. Meu pai me contou que a revolução
começou às 21 horas do dia 23 de
novembro, mas a minha avó não permitiu
que ele saísse de casa, tendo em vista
que o tiroteio estava muito intenso. Na manhã
de domingo, dia 24, ele disse para a mãe
que ia sair para comprar carne no mercado, que
ficava na mesma rua, onde hoje é a agência
do Banco do Brasil. Minha avó nunca viu
essa carne... (risos). Essa carne foi o pretexto
para ele sair de casa. Quando ele andava pela
avenida Rio Branco, esquina com a rua Ulisses
Caldas, uma turba aclamou-o "Primeiro Ministro"
e saíram carregando-o nos braços.
A multidão levou-o para o Palácio
do Governo, na praça Sete de setembro e
para a Vila Ciccinato, onde funcionou a sede do
chamado Governo Popular Revolucionário.
Sem nenhuma atividade militar, apesar de ter pegado
uma farda de oficial do Exército no primeiro
dia da revolução, durante o período
da insurreição ele ficou na Vila
Ciccinato, na praça Pedro Velho, em frente
ao Palácio dos Esportes "Djalma Maranhão".
Exerceu apenas atividades burocráticas
com o título de "Ministro da Viação
e Obras Públicas" do 1º governo
bolchevista das Américas. O comandante
militar da revolta foi o sargento Quintino Clementino
de Barros, do 21º BC. Durante esse período,
ele não apareceu na casa da sua mãe,
pois ficou na Vila Ciccinato.
Ele me contou que não chegou a conhecer
os planos militares, inclusive o ataque ao quartel
da Polícia Militar, pois era outro pessoal
que lidava com esses assuntos. Outra coisa que
precisa ser desmentida é sobre os famosos
"salvos condutos", que apareceram depois
do fracasso da revolução, com a
assinatura do meu pai. Os salvos condutos com
assinatura dele eram assinados "João
Batista Galvão". Os que apareceram
com "João Baptista Galvão"
não foram dados por ele, pois não
gostava de colocar o P.", disse Cipriano
Santa Rosa Galvão, militar que se orgulha
de Ter passado 30 anos no Exército Brasileiro
(1).
FUGA DOS ENGRAVATADOS
Cipriano
conta que o seu pai lhe revelou que a revolução
fracassou porque foi iniciada no dia 23 e não
no dia 27 de novembro de 35, conforme estava planejado.
A antecipação da revolta foi provocada
por erro cometido pela pessoa que traduziu o telegrama
codificado que veio do Rio de Janeiro (2).
“Não sei quem foi que descodificou
o telegrama. Meu pai me dizia que os revolucionários
não estavam preparados para a revolução,
pois faltaram-lhes adestramento militar, suprimento,
organização e pessoal de apoio.
Por isso, muita gente se aproveitou da revolução.
No dia 27 ele estava na Vila, quando chegaram
Lauro Lago e José Macedo. Os dois disseram:
"João, a revolução está
fracassada. Vamos fugir!". De imediato, os
três pegaram um trem e desembarcaram em
Canguaretama. Todos trajados de paletós,
gravatas, bolsas e chapéus. Esse foi o
erro da fuga. Você já pensou três
homens fugindo de paletó? Em seguida, entraram
na "Mata da Estrela", uma mata muito
fechada, conduzindo 600 contos de réis,
muito dinheiro na época. O objetivo era
atingir, a pé, Baía Formosa, onde
então o grupo se dispersaria. Mas não
chegaram às barcaças porque José
Macedo cansou, pois era muito gordo, tendo os
três decidido parar e dormir no meio da
mata. Dormiram na mata perto da linha férrea
da "Estrela de Ferro Central do RGN".
Depois da dormida, meu pai teve o pressentimento
de que iriam ser presos, tendo dito isso para
Lauro e José Macedo. "Cachorro por
perto é sinal de que tem gente por aqui",
disse o meu pai ao amanhecer. Meu pai cavou um
buraco para esconder os 200 contos de réis
que conduzia. Foi o único que escondeu
o dinheiro que levava. Em seguida, os 3 foram
cercados e presos pela polícia da Paraíba
e o delegado de Canguaretama. Meu pai contou-me
que o delegado de Canguaretama notou que em certo
local haviam folhas mexidas - era o local em que
estava o dinheiro. A polícia apreendeu
20 mil réis que estavam no bolso dele,
uma pequena quantia comparada com a que deixou
enterrada. O engraçado é que o delegado
de Polícia de Canguaretama pouco depois
tornou-se próspero comerciante e permaneceu
rico até pouco tempo", disse Cipriano
Santa Rosa Galvão.
ESPANCAMENTOS E TORTURAS
Cipriano revelou ainda que, João Batista
Galvão e José Macedo, "Ministro
das Finanças" da revolução,
foram os que mais apanharam dos policiais. Galvão
passou vários dias incomunicável,
inicialmente no quartel da PM, de onde era sempre
retirado e levado por uma "tintureira"
para as bandas do morro, atrás do Esquadrão
de Cavalaria, no Tirol. Lá, os PMs promoviam
sessões de fuzilamentos simulados ou encostavam
os fuzis na nuca dos presos, enquanto um sargento
ou oficial da PM contava até três
e dava ordem de "Fogo!". "As torturas
psicológicas foram muitas", conta
Cipriano Galvão, acrescentando ainda que
o sargento PM Aristides Cabral era o mais cruel
torturador, apoiado pelo Dr. Ivo Trindade.
Batista Galvão passou 18 meses na cadeia,
principalmente na Casa de Detenção
(hoje Centro de Turismo de Natal). Nesse período,
em consequência dos espancamentos, perdeu
um rim. "Ele apanhou tanto que um companheiro
de cela, um homicida comum, conhecido por Chico
Caetano, certa vez não permitiu que ninguém
batesse nele e ainda ameaçou os policiais,
dizendo: "esse rapaz já apanhou demais
e hoje não vou deixar ninguém bater
nele. Quem entrar aqui, morre. Eu não tenho
nada a perder". E os policiais não
entraram. Depois achando que ele ia morrer, pois
estava muito doente, mandaram-no para uma casa
da praça André de Albuquerque, transformada
em Presídio Político, onde hoje
funciona o Sindicato dos Contabilistas. Como disseram
que ele ia morrer, a família o conduziu
numa cama, pelas ruas da cidade; desde o presídio
até a casa de minha avó, na Av.
Rio Branco. Mas, na casa de minha avó ele
melhorou e novamente retornou para o Presídio
e Casa de Detenção. O médico
José Ivo Cavalcanti, ao vê-lo em
péssimo estado de saúde, decidiu
tratá-lo gratuitamente, no Hospital Miguel
Couto, (hoje Hospital Universitário "Onofre
Lopes", tendo a família se cotizado
para mantê-lo em um quarto de segunda classe.
Em 1937, chegou uma ordem do Ministro da Justiça,
Macedo Soares, para liberar os presos que não
tinham roubado dinheiro na revolução.
Meu pai e diversas figuras de proa da revolução
foram soltas. No mesmo dia, houve uma recepção
na casa do professor Joaquim de Fontes Galvão,
irmão do meu pai, que foi fotografado por
João Alves. Nessa recepção,
a família decidiu que teria que ser providenciada
a fuga dele, pois todos pressentiram que a ordem
de soltura seria revogada. E de fato aconteceu
a revogação, mas João Galvão
já tinha fugido", disse Cipriano Santa
Rosa Galvão.
QUEM RESPEITAVA DIREITOS HUMANOS?
Os que foram soltos pela "Macedada"
e permaneceram em Natal, retornaram à Casa
de Detenção. Galvão não
retornou porque sua família alugou um táxi
por 100 mil réis e conduziram-no para Jardim
do Seridó, juntamente com a esposa, Maria
Amália (viva) e as filhas Dalila e Mariana,
homiziando-se na fazenda do Cel. Zuza Gorgônio
Nóbrega, e providenciou a remoção
imediata para São Mamede, Paraíba,
onde ficaram na fazenda "São José",
de Janúncio Abdon da Nóbrega, que
hospedou e deu guarida a família fugitiva
durante vários meses. Mas Cipriano quer
falar sobre uma pessoa que teve destacada participação
no Governo de Rafael Fernandes, após o
fracasso da revolução comunista.
"Durante a revolução, o Governador
Rafael Fernandes e alguns dos seus auxiliares
ficaram homiziados na casa de Xavier Miranda,
primo de João Batista Galvão, que
não mandou prendê-los porque não
se pretendia a prisão deles. O objetivo
era deixar a revolução ser vitoriosa;
não era matar o Governador e seus auxiliares.
Quando se aproximava a hora do embarque dos presos
de Natal para o Rio de Janeiro, no navio Butiá,
minha avó foi falar com o governador Rafael
Fernandes, na segunda tentativa, pois na primeira
ele não quis recebê-la. Na Vila Ciccinato,
na praça Pedro Velho, minha avó
pediu que o meu pai não fosse embarcado
para o Rio de Janeiro, em virtude do seu grave
estado de saúde. Rafael Fernandes perguntou:
"Então, o seu filho é um anjo?".
A minha avó respondeu: "Sim, é
um anjo, pois se não fosse ele, o senhor
não estaria vivo. João Batista sabia
que o senhor estava na casa de Xavier e não
mandou prendê-lo". No mesmo instante,
Rafael Fernandes disse para dona Cândida
Miranda Fontes Galvão que ele não
iria embarcar. Por isso, meu pai continuou preso
em Natal e jamais conheceu a cidade do Rio de
Janeiro.
Trinta minutos antes do Butiá zarpar do
porto de Natal, o chefe de polícia, Dr.
João Medeiros Filho, autorizou que João
Batista Galvão ficasse em Natal. João
Medeiros, como Chefe de Polícia era o maior
responsável pela situação
dos presos políticos e nada fez para impedir
as sevícias e espancamentos sofridos pelo
meu pai, apesar de na época, ele ser casado
com uma prima da minha mãe. Como ele se
diz um democrata, eu desejo declarar que Direitos
Humanos só existem para os amigos, pois
nós sabemos que ele não respeitou
os Direitos Humanos dos presos de 1935",
afirmou Cipriano Santa Rosa Galvão.
ABANDONOU O COMUNISMO
Cipriano
informa que o seu pai tinha conhecimentos do marxismo,
pois chegou a ler obras de autores marxistas,
apesar de ter negado ser comunista durante os
interrogatórios prestados na polícia
de Natal. "Réu-confesso não
tem defesa". Cipriano lembra que o seu pai
ficou muito magoado com a covardia de inúmeros
comunistas de Natal, que tiveram medo de participar
da revolução de 35. Também
lembrou que João Batista Galvão
recebeu a visita de um membro do Partido Comunista
do Brasil, com sotaque e aparência de estrangeiro,
quando estava internado no Hospital Miguel Couto.
O enviado do "Socorro Vermelho" ofertou
200 mil réis para ajudá-los na compra
de remédios, etc. O estrangeiro perguntou-lhe
se não desejaria morar na União
Soviética, após ser solto. Batista
respondeu, categórico, que nunca sairia
do Brasil.
"Após a redemocratização
do Brasil, com a queda da ditadura de Getúlio
Vargas, o PC de Natal não prestigiou os
comunistas da "Velha Guarda", entregando
a direção ao Dr. Manoel Vilaça,
Jacob Volfson, Osvaldo Lamartine e muitos outros,
conforme afirma Cipriano.
"Em 1946, ele me perguntou o que queria ser
na vida. Eu disse que queria ser Oficial do Exército.
"O que o partido fez por mim e por vocês?
Nada. Abandonou os velhos comunistas. Vou fazer
uma carta à direção renunciando
a condição de membro do partido,
pois não quero mais saber de comunismo.
Eu não consegui ser Oficial do Exército.
Você quer ser e vá sê-lo".
Isso foi o que o meu pai me disse, na oportunidade
em que externei a vontade de ingressar na Escola
de Cadetes, o que ocorreu em 1947. Em 1953, já
era aspirante da Academia Militar das Agulhas
Negras - AMAN. Se no Exército sabiam ou
não que eu era filho de um comunista, eu
não sei, pois nunca houve a menor má
vontade e perseguição comigo. O
Exército ainda é a organização
mais democrática do Brasil e do mundo,
apesar da imagem deixada pelos fatos ocorridos
após 1964", afirmou Cipriano, que
prepara um trabalho biográfico sobre João
Batista Galvão.
GALVÃO VIROU CONTRABANDISTA
João Batista Galvão, que foi o "Primeiro
Ministro" do "Governo Popular Revolucionário"
de Natal, na sua fuga da perseguição
policial, após ser liberado em 1937, passou
vários meses na Fazenda São José,
município de São Mamede, Paraíba,
de propriedade de Janúncio Abdon da Nóbrega.
"Jamais andou sozinho", afirma o seu
filho Cipriano Olintho Santa Rosa Galvão,
major da reserva do Exército.
Depois homiziou-se nas fazendas de Pedro Ferreira
e Manoel de Souza Lima, em Barra da Santa Rosa
- PB, além de outras propriedades da família
Queiroga, em Campina Grande e Pombal. "A
nossa família mudava sempre de local por
causa da perseguição. Por isso,
papai teve várias carteiras de identidade
na Paraíba, graças as amizades que
os familiares tinham no governo de Argemiro Figueiredo,
mesmo sabendo que o meu pai era comunista. Os
meus tios mandavam dinheiro para nós, mas
papai gostava de dar aulas para os empregados
das fazendas e de dar uma de médico. Ele
fazia isso para não ficar parado e compensar
a ajuda dada pelos fazendeiros. Todos esses fazendeiros
sabiam que meu pai era comunista, mas ajudavam,
pois testemunhei isso. Passei três meses
com ele, na Paraíba. Em 1941, ele resolveu
ir embora. Foi para o Ceará e Piauí.
Tornou-se vendedor de leite em Floriano, PI, com
31 anos e vendia o produto na "Leiteria Rex".
Subiu para o Pará e lá tornou-se
soldado da borracha para chegar a Manaus, Amazonas
e Boa Vista, território de Roraima, onde
chegou a vender contrabando. Anistiado, em 19
de abril retornou ao RN no dia 26 de dezembro
de 1945 e, em 1951, separou-se de minha mãe,
Maria Amália, que hoje tem 80 anos, residente
em Acari, disse Cipriano Santa Rosa, lembrando
a vida do seu pai, João Batista Galvão,
o "Primeiro Ministro" da revolução
comunista de 35 em Natal. ( Entrevista. Outubro.
de 1985).
A REVANCHE DE ACARI
A segunda parte da entrevista de Cipriano Santa
Rosa Galvão, será publicada em outra
reportagem. De próprio punho, ele prestou
o seguinte depoimento sobre a prisão de
familiares, na cidade de Acari, por adversários
políticos, em virtude da participação
de João Batista Galvão no "Governo
Popular Revolucionário" de Natal.
Na íntegra, a declaração
de Cipriano: "Os Valentes" de Acari,
à frente o prefeito Gil de Brito, prenderam
através do tenente Severino Bezerra, delegado
local, o Coronel Cipriano Bezerra Galvão
Santa Rosa, seu filho Januncio Nóbrega
Santa Rosa e os amigos Severino Barroso, Antônio
Gouveia, e o motorista Egídio e amigos
de Cruzeta. Um ato de covardia personificada.
Prenderam-nos em cadeia comum, sem direito a um
leito e alimentação, esquecendo-se
de que o Cel. Santa Rosa tinha sido Prefeito de
Acari cinco vezes, deputado provincial e oficial
superior da Guarda Nacional, título lhe
conferido pelo Imperador Pedro II, cujos direitos
e honras a República não os revogara.
Tal ato se traduzia na esperança de que
o movimento, se vitorioso, atingisse Acari, eles
serviriam de reféns, uma vez que o Cel.
Santa Rosa e Janúncio eram sogro e cunhado
de João Batista, respectivamente."
NOTAS:
1 - Cipriano Santa
Rosa Galvão, da reserva remunerada do Exército,
não foi localizado após 10.11.85,
data da publicação desta entrevista
em "O POTI" (Natal-RN).
Diz-se que mudou-se para um cidade da região
Norte.
2
- Em "Natal do Meu tempo", Ivanaldo
Lopes (Cia. Editora do RN - CERN - Natal -RN -
1985), dá a sua versão sobre a precipitação
da insurreição de Natal: "...
Fora um erro de data, consequência de má
interpretação de uma mensagem codificada.
Esta dizia assim 2 + 3= 12. Entenderam eles tratar-se
de 23 de Novembro, pois, pelas convenções,
havia sempre o recuo de um mês, daí
a falta de unidade no levante que seria geral,
isto é, no Brasil inteiro" (p. 67).
Ivanaldo Lopes, já falecido, era filho
do capitão da Polícia Militar do
RN, Genésio Lopes, Delegado de Ordem Social,
em 1935 (ob. Cit., p. 73), falecido em 1986 com
a patente de Coronel. Ivanaldo Lopes não
cita a fonte que originou a versão da tal
"mensagem codificada".
Em virtude do tratamento superficial do repórter
à palestra do professor Homero Costa, que
participou de uma mesa redonda sobre o Movimento
de 35, promovida pelo mostrado de Ciências
Sociais da UFRN, em setembro de 1985, é
nosso dever transcrever o resumo do pensamento
do palestrante sobre a "Intentona".
Eis o resumo:
São Paulo, dezembro de 1985
Amigo
Cortez:
Infelizmente
não tive condições de acompanhar
pelo "O Poti", o conjunto de suas reportagens
sobre "O Comunismo e as lutas policiais no
Rio Grande do Norte na década de 30".
Há pouco, enviado por um amigo comum, é
que pude fazê-lo. Na última, a XX
da série, há, entre outras matérias,
um resumo de uma exposição que eu
fiz, por ocasião de um Seminário
promovido pelo Mestrado de Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Como, a meu juízo, em face do conteúdo
do que foi resumido (fiz uma exposição
de pouco mais de 1 hora e foi transcrito 2 parágrafos
), além de não dar uma idéia
precisa do que expus, em especial, o último
parágrafo, está muito confuso, com
frases entrecortadas, o que poderia dar uma idéia
de confusão que, espero, não ter
feito na exposição... Em função
disso e da importância que atribuo a essas
matérias cuja tentativa de resgate da história
política do Estado e em especial de um
acontecimento que, por sua importância,
transcende seus limites, gostaria de, em primeiro
lugar, fazer alguns reparos, para em seguida,
fazer um resumo de minha exposição.
1º) Eu não disse em nenhum momento
que a ANL era "uma frente do PCB". Seria
uma extrema simplificação. O que
eu fiz, dentro dos limites de minha exposição,
foi, entre outras coisas, historiar a ANL, de
sua formação - final de março
de 1935 até o 11 de julho do mesmo ano,
quando Vargas a coloca na ilegalidade. A partir
de então, as células operativas
da ANL, passaram a ser, basicamente células
do PCB atuando em nome da ANL...
2º)
Eu não afirmei que Miranda era policial.
Disse apenas que havia versões nesse sentido
-–o que é diferente. A meu ver, ele
não era um elemento policial infiltrado
no Partido (se não, não fazia sentido
seu longo tempo na prisão após o
levante...). E, se passou a colaborar com a polícia,
deve ter sido após a morte de sua companheira,
Elza, a mando da direção do Partido.
3º)
Há uma foto na matéria, com uma
legenda que “Professor afirma que Revolução
foi Marxista”. Na verdade, não cometi
tal heresia... Em nenhum momento, durante toda
a exposição, me referi a um ou outro
termo. Nem considero que foi revolução
( e de resto quem estudou minimamente o tema...)
nem muito menos usei, como complemento, o termo
marxista...
São
esses os reparos principais que eu teria para
fazer. No que diz respeito a minha participação
no debate sobre o levante de 1935 (que infelizmente
não pôde contar com a participação
de Prestes e do Giocondo, como estava previsto),
faço um brevíssimo resumo:
De início salientei a importância
de um estudo aprofundado sobre a insurreição
militar de novembro de 1935, que, a despeito das
recentes publicações sobre o tema,
permanece ainda como um enigma. Daí eu
crer que, a nível mais geral, ainda está
por ser feita uma rigorosa pesquisa histórica,
que torne menos obscuro o levante. Nesse sentido,
considero seu trabalho da maior importância.
Após algumas considerações
preliminares, tentei mostrar que a história
dos acontecimentos que vão culminar em
novembro de 1935 tem de necessariamente incorporar
uma série de componentes que vão,
desde a composição do movimento
tenentista até as inflexões da Internacional
Comunista. No que diz respeito a IC fiz um breve
relato dos seus Congressos e a questão
dos “países semi-coloniais”.
E, claro, sobre o PCB, cujo nome não sem
razão está associado ao movimento.
Ele vai representar igualmente um momento de inflexão:
significa a ruptura com o PCB anterior (em especial,
as direções que assumem pós
1930). Creio que as modificações
ocorridas na composição social do
partido nesse período é um fator
importante na opção pela via insurrecional
(com a adesão de alguns militares ao partido):
Ao mesmo tempo, claro, que tem a ver com a IC:
o levante só pode ser entendido como evento
da etapa de transição tática
do chamado “III Período” para
as “Frentes Populares”. E em relação
ao método insurrecional creio que correspondia
a tendências de outros períodos no
âmbito da IC (citei alguns casos) e nesse
sentido, era importante debater a questão
da insurreição como via de revolução.
Isso tem a ver também com uma determinada
leitura, presente dos documentos da IC, que tende
a estabelecer uma articulação mecânica
entre o imperialismo e as facções
políticas internas. No caso do Brasil,
há uma certa leitura “militarista”,
herança da coluna Prestes.
Finalmente, me referi ao caso específico
de Natal, que, a meu juízo, tinha muito
mais a ver com a situação política
do Estado naquele momento.
É isso aí, caro amigo. Continue
firme no seu trabalho. Há muito ainda que
ser dito. Talvez não para as classes dominantes
– e as forças armadas em particular
– que tem repetido à saciedade os
mesmos argumentos anticomunistas nos últimos
50 anos – mas para a esquerda que, de um
lado, pelo que pude perceber, há uma certa
visão apologética e no caso específico
no PCB, um silêncio de certa forma constrangido,
com uma enorme dificuldade de enfrentar esse problema
no curso de sua história. Não desejo
alongar muito esta carta. Escrevo na expectativa
de que, caso você venha publicar novas matérias
sobre o tema, torne público também
esses meus “reparos” e considerações.
Um
grande abraço,
do amigo
Homero
Mr. BRAUNER QUASE ERA FUZILADO
Hoje os leitores lerão textos referentes
ao gerente da empresa Bond and Share, “Mister”
Brauner, que explorava o transporte coletivo de
Natal, na época da revolução
de novembro de 1935; as peripécias do cidadão
Luiz Paulo, residente na rua Ari Parreiras, Vila
São Paulo, 206, Alecrim, que viu muita
gente correndo com medo de comunistas e as retificações
de João Wanderley (vide entrevista publicada
em outra reportagem desta série) a respeito
do 21º Batalhão de Caçadores.
Ele explica porque o quartel do Exército
em Natal tinha muita gente de fora e a atuação
de Giocondo Dias em episódio da Revolução
Constitucionalista de São Paulo em 1932.
O relato sobre o diálogo de João
Galvão, Ministro da Viação
no governo revolucionário de 35, com o
cidadão Joseph Williams, o Mister Brauner
foi me revelado por um filho de participante do
tiroteio da Serra do Doutor, José Bezerra
de Araújo, Haroldo Bezerra, conselheiro
do Tribunal de Contas do Estado. A versão
desse fato, segundo informante, foi lhe revelado
pelo próprio João Galvão,
“que ria pra burro quando contava essa história”.
Já as quatro últimas linhas das
retificações de João Wanderley
referem-se ao fato dele ter dito que tinha visto
“três navios branquinhos no estuário
do rio Potengi”..
GENRO DE LAMARTINE QUASE MORRE
Entre
as muitas histórias que circulam sobre
os acontecimentos de novembro de 1935 em Natal,
existe uma que me foi contada por um Secretário
de Estado, amigo do atual governador que por seu
valor histórico, apesar de meio humorístico,
não pode deixar de ser revelado. (1)
Conforme me foi contado, no primeiro dia do Governo
Popular Revolucionário (noite de 24.11.35),
os bondes foram retirados de circulação
por ordem do gerente da empresa “Bond and
Share”, Joseph Williams, conhecido como
Mister Brauner, inglês que era casado com
a Sra. Paulina Lamartine, filha do ex-governador
Juvenal Lamartine. Mister Brauner já faleceu.
Dona Paulina reside em São Paulo. Em virtude
da paralisação do sistema de transporte
coletivo, o Ministro da Viação,
João Batista Galvão, no seu gabinete
instalado na Villa Ciccinato, sede do Governo
Revolucionário, convocou Mister Brauner
para convencê-lo a botar os bondes na linha.
Diante das explicações de Galvão
de que o governo e a população da
cidade do Natal necessitavam, urgentemente da
normalização dos serviços
de transportes urbanos, o gerente da empresa britânica
disse para João Galvão que o clima
revolucionário da cidade impedia que colocasse
os bondes em circulação. Galvão
tornou a explicar que quem mandava na cidade era
o Governo Revolucionário. Mas o britânico,
na sua calma peculiar, misturando português
e inglês, disse para Galvão: “Doutor
Galvão, o senhor é um dos Chefes
do Governo da Revolução, mas a situação
não inspira confiança. Os bondes
são propriedades de sua Majestade Britânica
e eu não quero causar prejuízos
a ela.”
Tendo observado que Mister Brauner estava teimoso
e com medo de colocar os bondes na linha, o Ministro
João Galvão chamou o seu ajudante
de ordem, conhecido por Tarol e lhe ordenou:
“- Tarol, prepare o pelotão de fuzilamento
para agora mesmo”.
Como observou que a ordem era pra valer, Mister
Brauner de imediato, disse: “Não
precisa chamar o pelotão de fuzilamento.
Vou mandar botar os bondes na linha agora mesmo”.
Brauner saiu da Vila Ciccinato direto para o escritório
da “Companhia de Força e Luz”,
que ficava vizinho a Estrada de Ferro Central
do RN, outra empresa que sofria forte influência
cafeística e comunista. No dia seguinte
os bondes voltaram a trafegar com a tarifa 100%
mais barata.
PERIPÉCIAS
“Em 1935, eu tinha 17 anos, e cursava a
2ª série no Ateneu da Junqueira Aires.
Naquele maravilhoso Ateneu lecionavam grandes
Mestres – Pe. Monte, Dr. Luiz Antônio,
Luiz Torres, Valdemar de Almeida, Câmara
Cascudo Véscio Barreto e tantos outros...
Pouco ou quase nada me lembro do que se falava
no Ateneu e nas ruas, sobre a política
da época. Porém a estudantada do
velho Ateneu era brava, estudiosa imitando a centenária
Coimbra em Natal. Estudavam já na última
série do Ateneu, em 1935, valores como
Geraldo Fernandes, Paulo Pereira Luz, Raimundo
Nonato, e outros que ilustram a vida norte-rio-grandense.
Ouvi falar que na novembrada que durou só
três dias em Natal; queimaram parte do arquivo
do Ateneu e me parece que houve um Decreto promovendo
todo mundo em vista da falta dos mapas escolares.
João Galvão, que foi membro da Junta
Governativa instalada na Vila Ciccinato, na Praça
Pedro Velho, em 1935, se não me engano
era da Secretaria do Ateneu; e forte, alto, alvo,
bravo, poeta e sonhador, era filho de nobre família
natalense. Este foi preso e depois conseguiu meios
e ficou guardado muito tempo não sabemos
onde.
Mais tarde, João Galvão reaparece
e sempre bravo e inteligente demais forma-se advogado
e passou a dar “quinau” em muito figurão.
Certa vez ouvi João Galvão contar
que passava em uma rua do Grande Ponto, quando
ouviu os tiros no velho quartel do Exército
e logo lhe apareceu um amigo que lhe disse: “-
Olha, já começou o tiroteio. Você
vai ou não vai?...” E nisso ele cheio
de coragem e mocidade respondeu: “ora vamos
até lá...”
Conheci também Rosemiro Henrique de Freitas,
isto na Penha ou Canguaretama em 1943. Rosemiro
era natalense e perdera o irmão Indaleto
de Freitas, de 12 anos, no tiroteio havido contra
a caravana de Batista Luzardo, no Hotel Internacional
que ficava na Tavares de Lira, em 1930. Aconteceu
que Indaleto de Freitas, muito curioso subiu e
ficou agarrado num poste apreciando os discursos,
quando o tiroteio fechou contra os caravaneiros
que pregavam os ideais da Revolução
de 1930, veio uma bala doida e matou o menino.
Sei que houve uma rua com o nome de Indaleto,
porém algum falso profeta conseguiu apagar
depois... (É parecido com o caso do Palácio
Djalma Maranhão, amaldiçoado por
falsos profetas, e depois reabençoado por
eles mesmos forçados pelo remorso, talvez...).
Rosemiro de Freitas era baixo, vibrante, autodidata
famoso, e foi condenado como um dos intelectuais
da Novembrada, a cinco anos de cadeia: tirou uns
três anos na Ilha no Rio e o restante tirou
na cadeia de Canguaretama. Certo dia quando Rosemiro
fez as contas do tempo de cadeia verificou que
já tinha tirado mais 6 meses do que devia
e logo reclamou o seu alvará de liberdade.
Ele me contou que já na Ilha trabalhavam,
mas os guardas da Ilha não permitiram nem
chupar uma laranja que caísse no chão.
Ele guardava com muito carinho um número
do jornal “A LIBERDADE” que ele ajudou
a redigir no dia da revolta de 1935.
Eu não era de nada, tinha 17 anos, cursava
a 2ª série do lendário Ateneu,
ali eu entrara assombrado e quiseram me dá
um purgante, como minhas pernas eram muito finas
se condoeram e me bateram pouquinho. Em novembro
de 1935, numa Quinta-feira 21, eu de férias
fui para o sitio Porto, em Nísia Floresta
e no sábado pela manhã mandei um
bilhete para a professora Germana Silva, (hoje
com 74 anos e muito lúcida), e no bilhete
eu dizia para ela que era Integralista ou Camisa
Verde. No final do bilhete, não sei hoje
nada da razão, porque escrevi: Anauê!
Anauê! prepara as pernas para correr!; e
não é que às 7 horas da noite
já corria em Natal muita gente, e dos Anauês
e Integralistas, sei que ficou muito pouco...
(Porém na verdade confesso de nada eu não
sabia; e de política nada eu entendia.
Até uma vez eu ouvia um brilhante intelectual
do integralismo discursando na sede do Partido
que ficava embaixo do Edifício Leite, Alecrim,
e no entusiasmo do discurso, ele exclamou. “Estes
Camisas vermelhas ou comunistas”, e eu que
estava com uma camisa vermelha fugi... pois entendi
que o orador estava me achando com cara de comunista).
A carreira e a surra de muriçocas começa
aqui: os meus bons parentes, amigos valiosos,
Lermes Silva e Clodoaldo Cruz, ambos moços
e gerentes de duas lojas no Alecrim, eram entusiastas
Camisas Verdes. Eram de confiança e de
bravura, eram mesmo da linha de frente.
Quando começou o tiroteio no quartel da
cidade, a população do Alecrim ficou
curiosa para saber de que se tratava e não
tardou a notícia da revolta no quartel
e mais tarde Revolução Comunista.
Estes dois amigos com outros passaram a investigar
pelas ruas, com muita cautela tudo e acreditavam
em alguma reação mais positiva.
No domingo já às 16 horas, tudo
estavam em poder dos vermelhos, e o Lermes e o
Clodoaldo, temendo serem apanhados e jogados na
cadeia ou coisa pior, pegaram um revólver
38, cano longo do patrão, José Leopoldino,
dono da loja de calçados, e rumaram numa
fuga para Nísia Floresta, pois sabiam que
lá eu estava num sítio, romperam
muito mato, e na segunda-feira, 25, era dez horas,
vi eles apontarem no terreiro famintos e rasgados
nas roupas. Logo tomei providências de comidas
e exigi assombrado que eles fossem ficar no mato
próximo e lá eu daria as notícias
e lhes levaria o comer. Diante do meu assombro
eles me atenderam, acho que mais com pena de mim
do que por medo, lá ficaram até
8 horas da noite, quando as muriçocas que
eram demais lhes deram em cima e não suportando,
eles vieram para a casa onde me achava. Logo na
chegada deles em casa, ouvimos uma saraivada de
balas, e eu tremendo, os empurrei para o mato
e fui com eles mas lá ninguém suportou
e viemos para casa outra vez. Depois eu soube
que as balas já eram fugitivos da Revolução
que passaram ali às tontas. Logo em seguida
os meus dois hóspedes foram à sede
do município e se incorporaram aos legalistas
que armados já prendiam os revoltosos em
debandada. Dou fé. Luiz Paulo”.
WANDERLEY CONTA MAIS SOBRE O 21º
BC
O
29º BC saiu em fins de 1932 de Natal para
SP e retornou em fins do mesmo ano, depois de
participar da Revolução Constitucionalista.
O 21º BC também saiu do Recife, em
1932, para combater a Revolução
Constitucionalista no interior do Mato Grosso
e São Paulo. No nordeste de Mato Grosso,
o 21º BC tentou se rebelar e ficar ao lado
dos “Constitucionalistas” de São
Paulo. Por isso, como castigo, o 21º BC foi
removido para o Amazonas, na fronteira do Brasil
com o Peru e a Colômbia, que estavam em
guerra. O 21º BC não retornou a Recife
e somente chegou a Natal no dia 13 de agosto de
1933, ocupando o quartel do 29º BC na rua
Junqueira Aires.
“No meio do efetivo do 21º BC estavam
soldados, cabos e sargentos de Pernambuco, Bahia
e Pará. Eu ingressei no Exército
em Recife”. Entre eles diversos soldados,
cabos e sargentos que participaram da quartelada
contra o interventor de Pernambuco, Carlos Lima
Cavalcanti, usineiro e bicha assumido. Giocondo
Dias, que esteve no Mato Grosso, São Paulo
e Amazonas, veio no meio desse povo e sempre foi
impetuoso e líder durante os três
meses de Revolução Constitucionalista
9 de julho. Certa vez o capitão Caronbet
Pereira da Costa precisou de seis voluntários
para uma missão de reconhecimento da posição
dos paulistas, nas margens do rio Sucuriú,
em Três Lagoas, pois eles estavam com 2
canhões Krupp e nós com dois canhões
Scheineder, martelando o nosso efetivo. Então,
Giocondo foi o primeiro a dar um passo à
frente e, em seguida, cinco homens fizeram o mesmo.
Caronbet levou os 6 homens, fez o reconhecimento
e o croqui. Depois ordenou 3 disparos de canhão
que destruíram os 2 canhões Krupp”.
“Os navios mexicanos ficaram no meio do
rio Potengi, na altura do caís do porto.
Talvez dois ou três navios estivessem emparelhados.
Só vi três navios, mas talvez fossem
cinco. Os avisos franceses de Latoécere
ficavam ancorados no depósito flutuante,
em frente a atual Base Naval”, disse João
Wanderley.
NOTA:
1 - O informante foi Haroldo
de Sá Bezerra, Secretário da Fazenda
do Estado do RN no governo José Agripino
Maia. Haroldo é filho de José Bezerra
de Araújo, fazendeiro e político
em Currais Novos, já falecido.
MENELEU,
DE TIPÓGRAFO A INDUSTRIAL, CONTA COMO IMPRIMIU
O JORNAL DA REVOLUÇÃO, A LIBERDADE
Para desfazer muitas mentiras divulgadas sobre
a revolução de novembro de 1935,
principalmente as referentes à sua pessoa,
um simples tipógrafo sem envolvimento direto
com a insurreição militar, o industrial
Francisco Meneleu dos Santos, residente em Fortaleza-CE,
concedeu esta entrevista ao Diário de Natal.
Meneleu tinha 18 anos quando foi preso pela primeira
vez, na noite de 27 de novembro de 1935, no quartel
do Batalhão da Polícia Militar,
na “Salgadeira” (hoje rua das Laranjeiras
- Cidade Alta), onde centenas de presos políticos
estavam trancafiados. Naquela noite, no meio de
dezenas de presos (“gente fina”),
vestidos de paletó e gravata, ele passou
pelo “corredor polonês”, formado
por policiais armados com “rabo de galo”
(uma espécie de facão que era usado
pelos PMs para dar no povo), mas não sofreu
nenhuma bordoada por causa do seu corpo franzino.
Natural de Areia Branca/RN, Francisco Meneleu
chegou ainda menino na cidade de Mossoró.
Onde aprendeu a trabalhar como tipógrafo.
Trabalhou em Macau, na tipografia de seu Antunes,
quando foi convidado por João Café
Filho para trabalhar no “O Jornal”,
que funcionava na rua Tavares de Lira, em frente
a loja “4.400”, no bairro da Ribeira-Natal.
COMO VIROU “REVOLUCIONÁRIO”
Depois
de trabalhar vários meses no jornal de
Café Filho, Meneleu ingressou na tipografia
“A Comercial”, do major José
Pinto, onde trabalhava de dia. De noite, fazia
“serão” no jornal católico
“A Ordem”, na rua Dr. Barata. Lá,
ele tinha um companheiro e amigo, Abner.
Foi num desses “serões” (extra)
na Ordem, noite de 23.11.35, que interrompeu o
seu trabalho por alguns minutos para ouvir o tiroteio
na cidade, pois não sabia do que se tratava.
“Passamos a noite dentro da Ordem, sem dormir
direito. Na manhã do dia 24, chegaram vários
soldados do Exército, fardados e armados,
que mandaram que todos os tipógrafos saíssem
do jornal e se dirigissem para A República.
Saímos na marra, escoltados e avisados
que iríamos fazer um jornal da revolução,
A Liberdade. Apesar de termos passado a noite
sem dormir, fomos obrigados a aceitar a convocação.
E quem não iria? Não estávamos
numa revolução? Então, fomos
eu, Loiola Barata, Abner, Israel Alves Pedroza,
Ubirajara Pedroza, Pedro de tal e outros cujos
nomes não me recordo. Era um grupo de 8
a 10 tipógrafos. Passamos dois dias trabalhando
na confecção do jornal A Liberdade,
cujos nomes dos seus redatores não me lembro
porque não tinha contato com eles (1).
Eu era considerado como um dos melhores tipógrafos
e fiquei com a responsabilidade de fechar o jornal.
Quando tinha acabado as matérias, ficou
um espaço em branco na última página.
Então, procurei alguma coisa para encher
o espaço e não encontrei nenhuma
matéria. A solução foi colocar
um clichê de “Sal de Fruta Eno”,
que estava jogado no chão de A República.
Não sei se o revendedor de Natal gostou
daquilo. Só sei que a solução
foi aquela, sem nenhum objetivo de prejudicar
ninguém. Também não sei se
houve consequências negativas para o vendedor
de Sal de Fructa Eno (risos).
NO MEIO DE GENTE FINA
“Na
noite do dia 27, um dedo-duro apontou o meu nome
para a polícia que foi me prender na “república”
em que morava, na rua Frei Miguelinho, na Ribeira.
Nos fundos da república, eu tinha uma pequena
tipografia, para os meus biscates. Os policiais
entraram na casa, depois de arrombarem a porta
e levaram a minha mala e 30 mil réis, as
minhas economias. Levaram até as minhas
calças. Fui conduzido para o quartel do
21º Batalhão de Caçadores,
onde o Capitão Aluízio Alves de
Moura, um moreno, forte e carrancudo, perguntou
o que eu estava fazendo ali. Eu contei o que tinha
feito e ele perguntou: “Só fez isso?
Então, vá para a sua casa. Não
matou ninguém, então vá embora”.
Fui para a casa do “major” José
Pinto que, por sua vez, mandou que eu fosse para
a minha “república”. Foi aí
que fui preso novamente pela polícia. Desta
vez, fui conduzido para o quartel do Batalhão
da PM. Às 22 horas do dia 27 de novembro,
depois de escapar ileso do “corredor polonês”,
os “tintureiros” (carros da polícia)
levaram a gente para a Casa de Detenção,
em Petrópolis, onde passamos 6 dias separados
dos presos comuns. Em seguida, fomos para a Escola
de Artífices, na avenida Rio Branco, Cidade
Alta. Passei mais de um mês na Escola de
Artífices, tendo sido o melhor período
de prisão que passei na minha vida, pois
vinha comida de hotel, com sobremesa, para os
presos. A maioria era médicos, jornalistas,
dentistas, advogados, engenheiros, tudo gente
fina. Me lembro bem do Dr. Nizário Gurgel,
dentista, João Maria Furtado, Amaro Magalhães
e os filhos dele, Ramiro Magalhães e outros.
Meu pai, que morava em Mossoró, apesar
de muito pobre, foi a Natal quando soube que eu
estava preso. Falou com o major Solon, um homem
que gozava de muito prestígio no governo
de Rafael Fernandes. Só sei que o major
Solon conseguiu a minha soltura e fui embora para
Mossoró em janeiro de 1936. Como se nada
tivesse acontecido, me alistei no Tiro de Guerra
de Mossoró, onde permaneci até 1938,
trabalhando e vivendo a minha vida, tranquilamente.
Certo dia, alguém trouxe um jornal de Natal
para mim, com uma notícia que trazia o
meu nome como condenado a 6 anos e 6 meses, à
revelia. Eu quase caía para trás,
porque fiquei sabendo que a minha condenação
era resultado das acusações feitas
pelos meus companheiros tipógrafos. Eles
disseram que eu tinha pegado um fuzil e ameaçado
todo mundo para fazer o jornal A Liberdade, inclusive
montando guarda na República. Tudo mentira,
pois nós, tipógrafos, fizemos a
mesma coisa na confecção do jornal
da revolução. É claro que
eles se aproveitaram do fato de eu estar em Mossoró
e jogaram toda a culpa para cima de mim. Todos
eles foram absolvidos. O delegado de Mossoró,
Capitão Severino Elias, uma ótima
pessoa, sabia que eu não era comunista
e não mandava me prender, mesmo sabendo
que eu era um condenado. Eu era benquisto em Mossoró
e ele dizia “enquanto eu não receber
ordem de prisão, eu não lhe prendo”.
Certo dia, capitão Elias recebeu a ordem
e mandou avisar Raul Caldas, engenheiro químico
de Mossoró. Uma pessoa boníssima
e inteligente. Raul Caldas, meu amigo, me procurou
e ofereceu dinheiro e um automóvel para
eu ir embora para onde quisesse. Mas resolvemos
que eu devia me apresentar, pois eu não
tinha feito nada demais, apenas cumprido ordens
dos revolucionários para fazer o jornal
deles. Mesmo assim, passei um mês em Mossoró,
trabalhando na firma de Raul Caldas, onde já
estava há vários meses. Por causa
de uma denúncia, a polícia teve
que me colocar na detenção de Mossoró,
ficando lá até meados de 1941, quando
veio uma ordem de Aldo Fernandes, Secretário
Geral do Governo do Estado. Fui escoltado para
Natal e trancafiado na Casa de Detenção
de Petrópolis. Minha esposa tinha 14 anos
e ficou gravemente doente em Mossoró, mas
não conseguimos autorização
de Aldo Fernandes para que eu fosse visitá-la.
Aldo Fernandes negou a ordem sob a alegação
de que eu estava preso por determinação
do Ministro da Justiça. Isso era uma grande
mentira, pois eu não era um preso de importância.
Apesar da negativa de Aldo Fernandes, o capitão
José Medeiros, diretor da Detenção,
me deu dinheiro e passagem para eu viajar para
Mossoró. Fui, visitei a minha mulher e
retornei para Natal. Em 1943, retornei a Mossoró
para cumprir o resto da pena. Após a minha
liberdade, fui empregado no dia seguinte por Vicente
Carlos Sabóia Filho, Saboínha, na
secção de engenharia da Estrada
de Ferro de Mossoró, trabalhando ao lado
do Dr. Ciarline. Saboínha era um homem
bom e dele jamais esqueci”, conta Francisco
Meneleu dos Santos.
GOSTANDO DO COMUNISMO
Francisco
Meneleu dos Santos, residente no bairro da Varjota,
em Fortaleza-CE, onde o repórter foi entrevistá-lo,
é proprietário de uma fábrica
de carimbos e etiquetas no centro da capital alencarina.
Ele não tem nenhum ressentimento do então
chefe de polícia do RN, João Medeiros
Filho, autor do livro “82 Horas de Subversão”,
no qual Meneleu é descrito como um dos
responsáveis pela confecção
do jornal A Liberdade e de ter vigiado, armado
de fuzil, os tipógrafos de A Ordem e A
República.
Esse relato sobre mim foi todo baseado nos processos
elaborados pela polícia. A verdade é
que os meus colegas tipógrafos se acovardaram
e jogaram toda a culpa para cima de mim. É
natural que o pessoal, preso em Natal, sofrendo
humilhações na prisão, me
denunciasse como o culpado. Só que as acusações
não eram verdadeiras. João Medeiros
não inventou nada contra mim, apenas transcreveu
os processos. No ano passado, fui apresentado
a ele na porta de um hotel. Já Mário
Cabral, que foi tenente da Polícia Militar
do RN, seguidor de Mário Câmara,
eu fiz questão de visitá-lo em sua
residência, em Natal. Mário Cabral
sempre foi um homem resoluto e de fibra. Para
ganhar uns trocados na Casa de Detenção
de Natal, ele aprendeu a ser barbeiro. Em 1935,
eu não sabia patavina de comunismo. Mas
como sofri muito com a repressão policial,
que prejudicou muitos inocentes, principalmente
simples adversários políticos de
Rafael Fernandes e do Partido Popular, muitos
anos depois resolvi ler alguma coisa sobre comunismo.
Li muito e hoje gosto do marxismo, mas nunca de
filiei a nenhum partido comunista.”
NOTA:
1 - Otoniel Menezes
de Melo nasceu em Natal, a 10 de março
de 1895, e faleceu no Rio de Janeiro, a 19 de
abril de 1969. Era considerado o “Príncipe
dos Poetas do Rio Grande do Norte”. Foi
promotor Público Interino, em Macau-RN.
Participou, em 1926, como sargento do 29o BC,
“na expedição de combate à
Coluna Prestes”. Jornalista, colaborou em
todos os jornais e revistas de Natal. Em 1955,
publica o seu livro mais importante, A Canção
da Montanha. Em 1958, ingressou na Academia Norte
– Rio-grandense de Letras, ocupando a vaga
de Bezerra Júnior, para a cadeira que tem
como patrono Antônio Glicério. Foi
o principal redator do jornal “ A Liberdade”,
do efêmero governo comunista de novembro
de 1935. ( Fonte: Revista da Academia norte-rio-grandense
de Letras, Ano XIV, número 8, maio de 1970
– Natal - RN, página 198 ).
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