Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
A
Revolta Comunista de 1935 em Natal
Relatos
de Insurreição que gerou o primeiro
soviete nas Américas
Luiz Gonzaga Cortez
Nosso
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de Produção
05.
A versão do dirigente do PCB sobre as causas
que provocaram a insurreição de novembro
de 35
Para
o secretário-geral do Partido Comunista
Brasileiro, o baiano Giocondo Gerbasi Alves Dias,
ex-cabo do Exército, do 21º Batalhão
de Caçadores de Natal, que perdeu uma cunhada
na entrada do quartel da Polícia Militar,
na insurreição de novembro de 1935
, a revolta foi precipitada.
Em 1981, Giocondo concedeu entrevista a três
jornalistas de São Paulo (José Paulo
Netto, Luiz Arturo Obojes e Regis Fratti, da “Voz
da Unidade”, cujo extrato foi publicado
no livro “Giocondo Dias. Os Objetivos dos
Comunistas”. Na entrevista, Giocondo diz
que a Aliança Nacional Libertadora não
foi instrumento do PCB para realizar a revolução
de novembro de 35.
Depois de explicar a situação política
e social do Brasil nos anos 30, Giocondo afirma
que a revolução que levou Getúlio
Vargas ao poder conseguiu mudar o país,
apesar da estrutura da sociedade não ter
sido tocada.
“Criou-se uma situação onde
os setores que preponderavam no aparelho do Estado
foram afastados, outros subiram. E estes processos
nunca se dão de forma pacífica,
sempre ocorre algum tipo de quebra da hierarquia,
sempre os de “baixo” encontram alguma
fenda para a sua ação. Vejam bem:
a Revolução de 30 trouxe consigo
uma situação de tumulto, de caos,
não só no aparelho do Estado mas,
principalmente nas Forças Armadas. Se não
prestarmos atenção a estes aparentes
detalhes, vamos pensar que o movimento de 35 foi
fruto da vontade e da ação de uns
poucos indivíduos, ou da ANL, ou mesmo
do Partido. Para ilustrar melhor, vou dar exemplos
lá no Rio Grande do Norte, cujo processo
acompanhei de perto.
- Quantos
anos de PCB você tinha, na época?
Giocondo
- Eu tinha cerca de um ano e meio de partido -
ainda não era marxista, não tinha
lido nenhum livro marxista. Bem, a Revolução
de 30 trouxe para as Forças Armadas uma
situação caótica. No processo
de conspiração, cabos, sargentos,
e tenentes passaram a exercer funções
nos quadros das Forças Armadas, muito acima
de sua graduação real. Houve cabos
promovidos, comissionados a sargentos, segundo-tenente
e outros postos. Sargentos foram guindados ao
posto de capitão e houve casos até
de capitães promovidos a general de brigada,
como, por exemplo, o Juarez Távora, que
praticamente passou a ser “vice-rei”
do Nordeste. Ele decidia sobre os destinos dos
coronéis, dos generais - tudo, lá
no Nordeste, era ele que decidia...
- Isto
alterou completamente a estrutura de comando das
Forças Armadas...
Giocondo
- É. Por outro lado, a Revolução
de 30 era a esperança de grandes parcelas
da população...
- Você
está dizendo que houve grande participação
popular?
Giocondo
- Exatamente. Ela teve no seu desenvolvimento
um forte componente popular, que depois não
se refletiu em seus efeitos. Isso trouxe uma grande
decepção para a massa e desencanto
aos que participaram diretamente do processo.
Isto tem a ver com o que eu coloquei antes, a
respeito da hierarquia. No processo de estabilização
do poder oriundo de 30, houve a tentativa de voltar
à situação anterior, em particular
no Exército. Imaginem: o indivíduo
participa, atinge o grau de capitão e depois
da vitória o máximo que consegue
- e com grande esforço - é tornar-se
tenente comissionado.
- As
pessoas foram rebaixadas?
Giocondo
- Foram. Exatamente essa parte da história
não é contada. Afinal é mais
fácil propagar o anticomunismo do que explicar
a base real do descontentamento na corporação...
Vou fazer um pequeno relato, embora superficial,
do que eu via, como cabo. Após a revolução
de 30, progressivamente, a elite dirigente foi
recuperando, retomando o poder, mesmo que não
pudesse fazer as coisas retrocederem à
situação de antes de 30. Uma de
suas principais “frentes de restauração”,
eram as Forçar Armadas. Esta situação
de mudança/restauração foi
criando uma instabilidade, uma quebra de hierarquia,
já citada por mim anteriormente. Por outro
lado, os homens que haviam se destacado em 30
passaram, em muitos casos, a serem pessoas de
prestígio em seus Estados. Juarez Távora,
que passou a mandar no Nordeste; Sergipe foi entregue
a Mainard Gomes, tenente, que foi um dos chefes
do movimento Pernambuco, vejam vocês, ficou
sob a influência de Carlos de Lima Cavalcanti,
que era usineiro, um dos corifeus de 30. Mas,
por outro lado, o que é que aconteceu?
Aqueles cabos e sargentos que participaram como
oficiais, quando se tentou restabelecer a hierarquia,
chegaram ao máximo, à situação
de segundos-tenentes comissionados no batalhão.
Resultado: imediatamente desentenderam-se com
o Carlos de Lima e surgiu o movimento do 21º
Batalhão de Caçadores, de 1931.
- Foram
derrotados?
Giocondo
- De fato. No Recife, em 1931, o 21º Batalhão
de Caçadores, comandados por tenentes comissionados,
pelos tenentes Passos e Hélio Coutinho,
além de vários outros -, levantou-se
contra o Carlos de Lima Cavalcanti. Foram derrotados
e deportados para Fernando de Noronha. No Piauí,
os cabos se levantaram, tomaram conta do batalhão
e do Governo do Estado. Isso entre 31 e 32, não
sei precisar bem a data. Mas eu sei os nomes dos
cabos que comandaram o movimento e governaram
o Piauí durante alguns dias: Cabo Aluísio
e Cabo Amador. O batalhão de Manaus levantou-se
nesse mesmo período. Todos esses dados
são escamoteados, faz-se questão
de apagá-los da História do Brasil.
Não se fala da situação do
Exército de 30 e 35, das figuras e da agitação
no aparelho militar. Se esses dados são
ocultados, fica mais fácil tentar descaracterizar
o Novembro de 35...
- Mas
essa agitação era fruto apenas da
quebra da hierarquia?
Giocondo
- Não. O pano de fundo era insatisfação
econômico-social, a decepção
profunda com os rumos globais tomados pelo movimento
de 30. Por exemplo, Agildo Barata foi um dos comandantes
de 30. Ele - com outros combatentes - acabou vindo
para a ANL; antes disso, havia participado do
movimento constitucionalista de 1932. Este é
um caso, mas há outros. A decepção
com os rumos que a coisa havia tomado levou estes
homens a quê? A procurar uma saída,
uma saída que, efetivamente, enfrentasse
os problemas que o processo de 30 não tinha
resolvido; a dependência ao imperialismo,
a questão agrária, etc. Estes homens
não eram comunistas.
- E
a situação do Rio Grande do Norte
na época?
Giocondo
- no Rio Grande do Norte, entre 30 e 35 - ou melhor,
até a eleição do governador,
em 34 - passaram cerca de 8 interventores. Lembro-me
dos nomes de alguns: Hercolino Cascardo, Irineu
Jofily, Aluísio Moura, Bertino Dutra e
Mário Câmara... No caso do RN, há
uma característica interessante: as forças
civis que participaram do movimento de 30 tinham
uma forte base popular. O Café Filho, vejam
vocês, era um homem bastante popular, talvez
dos mais radicais.
- E
qual foi a posição deles em 1935?
Giocondo
- Ele, pessoalmente, não aderiu ao movimento
de 35, mas os cafeístas foram a grande
base de massas da insurreição de
Natal. Isto tem uma explicação:
por exemplo, quando subia um interventor ligado
às forças que dominavam antes de
30, os perréis...
- O
que é isto?
Giocondo
- Perréis, vem de Partido Republicano.
Essa gente, que vinha de antes de 30, passou a
disputar com o Café Filho a liderança
do Estado. Chegado o momento em que Café
Filho era alijado, a conseqüência era
a mudança de toda a oficialidade da polícia.
Então criava-se o seguinte: a polícia
do Rio Grande do Norte tinha duas oficialidades,
uma para quando subiam os perréis, outras
para os cafeístas. Outro exemplo é
a Guarda Civil. Quando Mário Câmara,
interventor ligado às forças cafeístas,
é substituído pelo Rafael Fernandes,
que foi eleito governador, passaram a dominar
as forças ligadas ao latifúndio,
à elite dirigente do Rio Grande do Norte,
aos perréis, ao pessoal de Mossoró,
donos de salinas, das fazendas de algodão
lá dos Seridós... Aí dissolveram
a Guarda Civil, que era cafeísta e mudou
toda a oficialidade da polícia.
- Um
festival...
Giocondo - Claro. Havia uma grande instabilidade,
permanente. E o que acontecia? Os políticos,
tanto os cafeístas, como os perréis,
trabalhavam a oficialidade do batalhão.
Por exemplo, o capitão Everardo Barros
de Vasconcelos, que depois foi general, era homem
ligado aos perréis. Aluísio Moura,
outro capitão, era ora ligado aos perréis,
ora aos cafeístas, e assim por diante.
Por outro lado, Café Filho, ao lado do
apoio popular, era apoiado pelos Saldanha, pelo
Benedito Saldanha, pelo Aristides Saldanha, que
eram verdadeiros senhores feudais. Tinham um autêntico
exército, forças que giravam em
torno de 500 jagunços, à disposição
deles. Conseguiram manter este status quo exatamente
na medida que apoiaram a Revolução
de 30.
- Nós,
cabos, que já estávamos no movimento
da ANL, abortamos um movimento da oficialidade
para depor Mário Câmara, que era
interventor. Daí decorreu que tiveram de
intervir no batalhão. Foi para lá
um major, Veríssimo, saber dos oficiais
quais os que respeitavam a autoridade do interventor.
Os que não respeitavam foram transferidos.
Havia uma situação na qual a hierarquia
não funcionava. E no caso específico
do batalhão a coisa era mais séria
ainda. Por que?
Giocondo
- Pelo seguinte: o 21º Batalhão de
Caçadores era de Pernambuco... Como eu
disse, o movimento de 31 foi dissolvido. Quase
todo o efetivo foi para Fernando de Noronha. Depois
disto, ele foi reorganizado, e foi aí que
eu entrei nele. Quando cheguei lá, o que
eu vi nas paredes foi “viva o comunismo”,
“viva Luís Carlos Prestes”,
e outras coisas do tipo. Vejam bem, nós,
recrutas, entrando num ambiente deste tipo. Giocondo
contou que o 29º BC, de Natal, foi transferido
para Recife e o 21º BC, que estava na Foz
do Içá, Tocantins, no Amazonas,
veio para Natal. “Um batalhão escalado
na luta paulista de 32, sobrevivente da selva
amazônica... Nós éramos elementos
efetivamente dispostos a qualquer ação
que se voltasse contra o status quo. Em Manaus,
nós chegamos a nos reunir e conspirar para
não saltar em Natal. Quando o navio chegasse
ao porto nós nos levantaríamos,
jogaríamos a oficialidade no mar... Na
hora H foi dada a última forma e nós
desembarcamos. Agora imaginem: chega a tropa em
Natal, revoltada, e encontra um ambiente político
onde várias facções procuram
influir na vida do batalhão e utilizar
a oficialidade para seus objetivos. E, como eu
disse, isto vinha desde 30: se o interventor tinha
o apoio do batalhão, ficava: se não
tinha, saía. E isto tudo, como eu caracterizei
anteriormente, combina-se a uma total desestabilização
da hierarquia. Estava formado o caldo de cultura
para 35.
- Como
chegou ao RN a idéia da ANL?
Giocondo
- No contexto desta efervescência, surge
em todo o Brasil a Aliança Nacional Libertadora,
um movimento de massa, com grande conteúdo
popular. No Rio Grande do Norte, as forças
que apoiavam o Café Filho passaram para
o lado da ANL, que conseguiu, inclusive, o apoio
de certos setores da situação. Nós
mesmos tínhamos contato com oficiais da
polícia que eram simpáticos à
ANL.
- E
o integralismo, chegou a ter influência
junto à tropa?
Giocondo
- Não, junto à tropa, não.
Talvez um pouco na oficialidade. Mas voltando
à ANL e às relações
do 21º BC com a polícia, mesmo no
batalhão da polícia, havia cafeístas
e adeptos da ANL. Colocada esta na ilegalidade,
a coisa passou para o terreno conspirativo”.
(final da 1ª parte da entrevista de Gioconco
sobre a situação política
do RN em 35).
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