Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
A
Revolta Comunista de 1935 em Natal
Relatos
de Insurreição que gerou o primeiro
soviete nas Américas
Luiz Gonzaga Cortez
Nosso
Projeto |
Mapa Natal 1935 | Mapa
RN 1935 | ABC
Insurreição | ABC
dos Indiciados | Personagens
1935 | Jornal
A Liberdade | Livros
| Textos
e Reflexões | Bibliografia
| Linha
do Tempo 1935 | Imagens
1935 | Audios
1935 | Vídeos
1935 | ABC
Pesquisadores | Equipe
de Produção
04. Giocondo quase morre com 17 facadas
A
insurreição de novembro de 1935,
em Natal, desenrolou-se de forma totalmente desorganizada,
apesar dos poucos e pequenos saques aos estabelecimentos
comerciais. Não havia coordenação
logística e estratégica. Não
havia comando unificado. Não havia planejamento.
Não se sabia em que iria dar a revolução.
Estas informações foram prestadas
pelo ex-1º cabo telegrafista do Exército,
do 21º Batalhão de Caçadores,
João Wanderley, industrial na área
metalúrgica, aposentado, que participou
do movimento militar de 35, em Natal, ao lado
de Giocondo Dias e do sargento músico Quintino
Clementino de Barros, natural de Serra Negra do
Norte (região Seridó do RN, conterrâneo
do falecido senador Dinarte Mariz, político
ultraconservador).
Quase cinqüenta anos depois da revolução
vermelha, mais conhecida por Novembrada ou Intentona
Comunista de 35, João Wanderley, residente
nas proximidades da Praia do Meio, aos 69 anos
de idade, concedeu rápida entrevista ao
O Poti, a fim de relembrar os fatos e deixar um
depoimento para a história política
do Rio Grande do Norte.
“Durante toda a revolução
houve muita falta de controle. Muitos soldados
ficavam atirando a esmo pelas ruas da cidade e
os grupos desgarrados, sem comandos, eram muitos.
Não existiam comando e disciplina revolucionária.
Apesar dos grupos soltos e desagarrados, até
hoje, fico admirado não ter acontecido
nenhuma ofensa à honra pessoal. É
verdade que ocorreram alguns pequenos saques,
mas o caso da Casa da Viúva Machado, na
Ribeira, não foi um saque, um roubo. Não,
a loja da Viúva Machado foi o centro abastecedor
de gêneros alimentícios da Revolução.
Mesmo assim, eu asseguro que bastava um grupo
de 20 homens, organizados, armados e de direita
para abortar a revolução, tal era
a desorganização. A revolução
não acabou logo porque a direita não
reagiu por causa da surpresa e da apatia. Se fosse
hoje, claro, a coisa teria sido diferente. A direita
hoje é organizada, armada, faz propaganda,
se reúne, etc. Por exemplo: alguns revolucionários
resolveram queimar um cartório que existia
na frente do “Magestic”, no cruzamento
das ruas Ulisses Caldas e Vigário Bartolomeu,
na Cidade Alta. Então, o pessoal foi lá
e queimou o cartório. Não sei quem
mandou queimar, apesar de eu ter assistido tudo.
Talvez alguém interessado em dar fim a
algum ou alguns processos. Bom, o pessoal foi
lá e queimou tudo. Não sobrou nada
e ninguém fez nada para controlar ou apagar
o incêndio. Era assim, uma desorganização
total. Se estivesse aparecido uns 20 homens decididos
e treinados, a coisa tinha acabado no nascedouro.
O sargento Quintino, gente muito boa, caladão
e culto, vivia aperreado. Baixinho, Quintino andava
pra cima e pra baixo com um revólver pequenininho
na cintura e um cinto sobre a túnica. Eu
digo que Quintino (Ministro da Defesa da Junta
Revolucionária Popular de 35 em Natal)
vivia aperreado porque o pessoal vivia em cima
dele, pressionando para fazer isso e aquilo e
ele ficava indeciso. Na realidade, ninguém
sabia o que fazer na área militar”,
disse o aposentado João Wanderley.
PARTICIPAÇÃO DOS PRESOS
Wanderley
entrou no Exercito com 15 anos de idade. Isso
foi possível porque ele aumentou a idade
para 17 anos. Entrou no Quartel do 29º BC
em 1932 e foi mandado para Mato Grosso, a fim
de combater a revolução constitucionalista
de São Paulo. Em Mato Grosso, o efetivo
do 29º BC quis se revoltar e se posicionar
em favor dos paulistas. Como castigo, segundo
conta Wanderley, o contingente do 29º BC
foi transferido para o Amazonas, na fronteira,
em virtude da guerra entre Bolívia e Paraguai,
a Guerra do Chaco. Depois, o batalhão veio
para Natal e no início de 1933, foi transferido
para Recife, sendo substituído pelo 21º
Batalhão de Caçadores, do Recife,
no final de 33.
Apesar de não concordar com as afirmações
de Giocondo Dias sobre a organização
militar e civil durante a insurreição
de 23 a 27 de novembro de 35, em Natal, João
Wanderley assegura que o ambiente político
naqueles anos era de “conspiração
permanente”.
Mas a revolução de 35 não
foi feita em nome do comunismo ou do socialismo.
A Aliança Nacional Libertadora, que tinha
um hino, assim como os integralistas tinham o
seu hino, foi a bandeira de luta da revolução.
Em Natal, todo o efetivo militar do 21º BC
estava ligado a ANL, aliado aos cafeístas,
que estavam debaixo politicamente. A demissão
de 300 guardas-civis pelo governador Rafael Fernandes
foi o estopim da revolução. É
claro que o pessoal militar queria fazer a revolução,
à exceção dos oficiais. Por
isso, eu sempre digo que a revolução
de 35 foi uma revolução de cabos.
Todos
os cabos do Exército participaram da revolução
inclusive eu, que era rádio-telegrafista.
Sobre a soltura dos presos comuns da Casa de Detenção,
onde hoje está o Centro de Turismo, já
escreveram muita coisa, mas eu asseguro para você
que esses presos participaram da revolução
com toda garra. Os presos tiveram uma atuação
decisiva. Centenas de presos foram soltos e, ao
invés de irem para suas casas, para juntos
de seus familiares ou “caírem do
mundo”, eles foram lutar contra o pessoal
da Polícia Militar, no quartel, na rua
da Salgadeira (hoje rua da Misericórdia,
Cidade Alta, onde fica a Casa do Estudante do
RN). Os presos lutaram corajosamente e ficaram
aqui até o fim da Revolução,
isto é, ao final da tarde de terça-feira,
dia 26, quando começou a debandada geral.
No dia 27, não tinha mais ninguém.
Como não tinha mais nenhum dirigente revolucionário
em Natal, os presos resolveram “cair no
mundo”, afirmou João Wanderley.
A PRISÃO VIROU ACADEMIA
Ele
disse que a sua prisão, em virtude de sua
participação na revolução
como rádio-telegrafista, ocorreu quando
estava completando 17 anos de idade (no papel,
sua idade era 19 anos), “O 21º BC era
comandando por um oficial gaúcho, grandalhão
e bonachão. Um dia depois da revolução,
eu fui preso no quartel. O oficial chegou para
mim e perguntou: “Mas, rapaz, você
foi um dos tais?”. Eu respondi na hora:
“Fui revolucionário”. Me prenderam
na hora e jogaram numa alvarenga que estava no
porto, o Butiá, onde passamos o dia sob
o sol quente. Depois fomos para Recife onde ficamos
trancafiados numa prisão imunda, a Casa
de Detenção. Lá, vi, dezenas
de vezes, o sargento Quintino deitado numa rede,
se balançando e calado. Passava dias sem
dizer uma palavra. A prisão em Recife foi
uma verdadeira escola, pois quem não era
e queria, virou comunista. Quem era comunista
e não queria mais saber de comunismo, abandonou
tudo e virou anticomunista. A Casa de Detenção
do Recife foi transformada uma verdadeira academia
de marxismo. Por incrível que pareça,
nas celas se ministravam verdadeiros cursos de
marxismo. Tinha professor e tudo o que uma academia
tem. Mas isso aconteceu depois que a repressão
diminuiu. Lá, a gente ficava sabendo de
tudo o que se passava no mundo. Mas nunca soubemos
quem foi o agente do Partido Comunista que veio
do Rio de Janeiro para dar a ordem de deflagração
da revolução em Natal. O PCB chegou
a fazer um verdadeiro inquérito na Casa
de Detenção do Recife para descobrir
quem foi esse homem que chegou em Natal, dando
ordens para todo mundo, que precipitou os acontecimentos.
Naquele tempo, o partido era tão frágil,
o pessoal era tão verde, imaturo, que todo
mundo não desconfiou desse homem que chegou
dando ordens à torto e a direito. No final
do inquérito, nada foi elucidado. Dizem
que foi a polícia quem mandou esse homem,
mas ainda é um mistério no Partido
Comunista, do qual nunca fui membro. Tudo isso
soube na prisão do Recife, porque eu ficava
ouvindo e participando das conversas dos comunistas
presos. Em tempo: Luiz Cleodon Medeiros, natural
de Currais Novos/RN, revolucionário em
1935, em entrevista dada em 29 de agosto de 1987,
disse que conheceu dois presos na cadeia de Recife,
de nacionalidade russa, conhecidos por Aarão
Glorenquem e Jacó Clingó. Para ele,
os principais chefes do movimento foram Quintino,
Giocondo, cabos Valverde, Mourão, Guerra
e Ponte, além do sargento Wanderley.
Cleodon disse que o disparo que atingiu Giocondo
foi acidental e o seu autor foi um recruta, imediatamente
substituído por Quintino. O tiroteio na
serra do Doutor, segundo Cleodon, foi na quarta-feira,
dia 27. Soldado do 21 BC, participou do ataque
ao Esquadrão de Cavalaria, juntamente com
a soldadesca "desnorteada, sem liderança,
dando tiros na rua" Disse ainda que um grupo
de soldados, numa estrada de Jundiaí, município
de Macaíba, esperou os sertanejos que vinham
de Panelas, mas que eles não apareceram.
Sobre o tenente Rangel: por onde ia passando,
levava o dinheiro das prefeituras. Tenente Roberto,
do 21 BC: foi contra a revolta e ganhou a simpatia
dos soldados. Luiz Albino Moreira, Abel, João
Cícero, Tenente Bezerra, foram os primeiros
presos no quartel do 21 BC quando estourou a rebelião.
"Eles iam chegando e a gente prendendo",disse.
Foram muito atuantes na revolta, segundo Cleodon:
os sargentos José, Waldemar e Eliziel Diniz
Henriques, do 21 BC. O sargento Barradas era do
movimento e fugiu. Preso, foi orientado a denunciar
os companheiros. O interrogador principal foi
o coronel Portela. "Ninguém sabia
nada de comunismo, o que vim conhecer nas aulas
dadas pelo Partido, na cadeia de Recife. Diziam
que a revolução era nacional, trocaram
a senha e deu no que deu, pois era para estourar
no dia 27. O cabo Walfredo, interrogado, disse
que era coisa de comunista. Idem o cabo Farias.
A causa principal da revolta foi a desincorporação
dos cabos e soldados na véspera. Os chefes
dos cinquenta rebeldes que foram para o Seridó,
com o objetivo de dominar a região, foram
os sargentos Aquino e Santos, mas o baluarte da
revolução foi o segundo cabo Antonio
Andrade (falecido em meados de 1998), conhecido
por Totinha. Ele foi preso, sofreu muito, mas
foi anistiado e retornou ao Exército como
sargento. Totinha foi preso comigo no Recife.
Eu tinha 3 meses de caserna, era um matuto",
afirmou Cleodon. "Os civis fizeram a revolta,
os militares deram a sustentação".
Ao autor, Antonio Andrade, que não quis
se aprofundar no assunto, disse que se os comunistas
tivessem sido os vitoriosos, o seu herói
era o soldado Cândido Mariano das Neves,
que morreu no assédio ao quartel da Polícia
Militar. "Foi uma luta de compadres, pois
a grande maioria dos recrutas do BPM, tinha saído
do 21 BC há quatro meses. Luiz Gonzaga,
que era doente mental, foi morto por Sizenando,
um policial civil, sem necessidade, nos mangues",
disse Antonio Andrade. Em fevereiro de 1997, ele
recusou-se a dar entrevista a uma equipe de televisão
da GNT para uma reportagem organizada por Fernando
Morais.
Antonio Andrade revelou que o sargento Abel foi
quem manejou a metralhadora na subida da Serra
do Doutor e, após 10 rajadas, botou os
civis seridoenses para correr. O sargento Cantídio
também atirou com metralhadora no mesmo
local e ficou perturbado depois do fracasso da
revolta comunista. Em Natal, tempos depois, matou
a sogra e a esposa.
NAVIOS MEXICANOS (1)
João
Wanderley afirmou, ainda, que o cabo Giocondo
Dias, seu companheiro e amigo de caserna, era
um homem destemido e líder da revolução
de 35. “Chequei a ficar pálido e
lívido quando vi Giocondo com a cabeça
enfaixada. Causou muita preocupação
o ferimento em Giocondo, pois ele era um dos cabeças
do movimento”, relembra Wanderley.
Sobre os navios mexicanos surtos no Rio Potengi,
perto do porto de Natal durante a Revolução
de 35, nos quais alguns auxiliares do Governador
Rafael Fernandes se refugiaram, além de
vários oficiais do Exército, João
Wanderley disse que se lembra dos oficiais da
Marinha Mexicana que procuraram comida na Vila
Cicinato, sede da Junta Revolucionária
Popular. (2)
Os oficiais desceram dos seus navios e vieram
comprar comida. O governo da revolução
mandou que eles tirassem alimentos na Casa Machado.
Eles tiraram os alimentos que precisavam e depois
perguntaram: “quanto paga? quanto paga?”.
Quintino respondeu: “não paga nada.
Querem mais? Se quiserem, podem levar mais”.
Eles ficaram alegres e foram embora para os seus
três navios, pequenos e branquinhos. Não
eram cinco navios, eram três, afirma João
Wanderley, sargento da reserva não remunerada
do Exército.
AS FACADAS EM GIOCONDO
Na
casa de Detenção do Recife chegou
a informação de que uma mulher tentou
transar com ele. Giocondo recusou porque estava
sendo obsequiado pelo dono da fazenda. Ela, então,
acusou Giocondo de tentar seduzi-la. Mas Giocondo
sempre negou essa versão. Eu acredito na
versão de Giocondo porque ele sempre foi
um rapaz sincero, honesto e corajoso. Acho que
ele não seria capaz de trair um amigo.
Tudo isso eu soube na prisão através
de membros do Partido Comunista. Pessoalmente,
não conversei com Giocondo sobre esse fato,
pois a última vez que vi Giocondo foi durante
a revolução de 35, disse João
Wanderley.
Ele confirma que Giocondo recebeu 17 cutiladas
de faca e punhal em diversas parte do corpo, desferidas
por Paulo Teixeira, um fazendeiro residente no
município de Lages-RN (hoje Jardim de Angicos),
na localidade em que está encravada a Fazenda
Primavera, que pertenceu a Alzira Soriano, a primeira
prefeita da América do Sul. (3).
Ao contrário do que noticiamos em outra
reportagem o cabo Giocondo Dias não foi
salvo pelo sargento Genésio Cabral (existia
um Genésio Cabral de Lima, na Polícia
Militar), mas por Genésio Cabral de Macedo.
O ‘salvador” de Giocondo não
era da PM. Era comerciante. Segundo informações
prestadas por Fátima Cabral, filha de Genésio
Cabral de Macedo, o seu pai nasceu no dia 28 de
agosto de 1905 e faleceu a 26 de janeiro de 1976.
Passou a infância em Touros e Santana do
Matos, onde negociou com algodão. Viajava
muito pelos municípios de Currais Novos,
Santana do Matos, Lages e Angicos, como gerente-sócio
da firma “João Câmara Indústria
e Comércio S.A.”.
Genésio Cabral de Macedo foi juiz Municipal
e vice-prefeito do distrito de São Romão
(F. Pedroza). Foi presidente do BANDERN no governo
José Varela. Deputado Estadual em duas
legislaturas, dirigentes do PSD e 1º Secretário
da Assembléia Legislativa. Secretário
da Fazenda no governo Dinarte Mariz, aposentando-se
como Superintendente de Fiscalização
(Aluízio Alves colocou-o em disponibilidade).
Aposentado, ainda foi prefeito de São Rafael
e Santana do Matos.
Segundo a filha de Genésio C. de Macedo,
é verdade que Giocondo Dias, homiziado
na Fazenda Primavera, pelo seu amigo Paulo Teixeira,
recebeu 18 cutiladas. (4) O fato
foi presenciado por Nezinho Procópio, Capitão
João Pedro, delegado de Polícia
de Lages e autor da prisão de Giocondo
Dias. “Giocondo não foi morto porque
meu pai chegou na hora h. Giocondo estava amarrado
numa árvore e sendo esfaqueado pelo amigo
furioso”, contou Fátima. Ela disse
ao repórter que essas informações
foram transmitidas pelos seus pais. O desembargador
aposentado João Maria Furtado, no seu livro
“Vertentes” registra superficialmente
esse evento. O médico Onofre Lopes da Silva
foi quem tratou dos ferimentos de Giocondo. O
agressor, Paulo Teixeira, autor das facadas, andou
armado, em Macaíba, ao lado de Giocondo
Dias, Cabo do Exército, durante a insurreição,
segundo J. M. Furtado (“Vertentes, página
142). (5)
NOTAS:
1 - Os navios mexicanos, “avisos”,
eram similares, em tamanho às atuais corvetas.
Tinham reduzidas tripulações.
2
- A casa da Vila Ciccinato, antiga residência
oficial do Governador do Estado, localizava-se
na rua Trairi, defronte ao Palácio dos
Esportes “Djalma Maranhão”.
Na década de 70 funcionou como sede da
Secretaria da Educação e Cultura
do Estado e, mais tarde, Centro de Ensino Supletivo
e Centro de Educação Especial (superdotados).
3
- A jornalista Heloísa Galvão, que
integrou o Diário de Natal, pesquisou sobre
Alzira Soriano, segundo notícia publicada
na edição de 05.08.1987 e publicou
livro em Natal sobre a primeira prefeita eleita.
4
- Paulo Teixeira, irmão de Luíza
Alzira Teixeira de Vasconcelos Soriano, em entrevista
exclusiva (única) ao jornalista Carlos
Lyra (Memória Viva, Nossa Editora, Natal,
1987, p. 196 e seguintes, conta que Giocondo Dias
e o cabo Adalberto efetuaram a transferência
dos auxiliares do governador Rafael Fernandes
para o navio mexicano G-24, Alzira Soriano convenceu
Paulo a abrigar Giocondo na Fazenda Primavera,
município de Lages, hoje Jardim de Angicos.
Paulo Teixeira desmente que tenha amarrado e dado
17 facadas em Giocondo. Segundo informações
prestadas por familiares de P. Teixeira, Giocondo
era amigo dele, inclusive bebiam juntos nos bares
de Natal, enquanto Guiomar Matos, irmã
do então deputado Pedro Matos, vivia na
Fazenda Primavera.
Eis
trecho da entrevista de Paulo Teixeira a Carlos
Lyra:
“PAULO
TEIXEIRA - Não, não o conhecia.
Houve esse entendimento da família de Luís
Júlio com Alzira, e levaram Giocondo para
a minha fazenda. Bem, depois de algum tempo, alguns
dias, quando chegou em casa (eu tinha uma turma
de muita confiança, na fazenda), começaram
a me contar umas tantas coisas. Então,
pedi:
- Bem, eu sou um homem de negócio, vivo
fora de casa, vocês dêem cobertura
a isso.
Até quem um dia, um dos moradores me disse:
-
“Seu” Paulo, tá havendo isso,
isso... (entendimentos dele com minha mulher).
E
então perguntei a ela, que já sabia
das minhas atitudes, que eram bastante duras,
e Guiomar me respondeu:
-
Não! Ele procura me conquistar...
Mas,
eu que sou um homem que não acredita nessas
coisas, sempre tenho desconfiança de mulher,
fui a ele, que já estava preso, atrás
de fugir.
-
Você não foge! Agora, você
vai me contar essa história direito.
E
ele, então começou a tentar me levar
na conversa:
- Giocondo, eu não sou menino! Você
sabe como eu sou, minhas atitudes como são.
Isso
durou horas, essa conversa com ele. Ai, tomei
a atitude:
-
Você me perdoe, mas, agora, você vai
confessar o que houve! Então, dei um golpe
de punhal. Não para matar.
Queria,
apenas a confissão dele.
Carlos
Lyra - Quantos golpes?
P.
Teixeira - Uns quatro golpes?
Carlos
Lyra - Onde?
P.
Teixeira - Um no rosto (maçã do
rosto), um debaixo do braço (axila), esse
foi o mais grave, e outros pela barriga. Tudo
isso, beliscão, como se diz: beliscão
para exigir confissão. Mas, como ele não
queria de maneira nenhuma... apliquei.. esse foi
o mais grave! - o último na barriga. Ele,
então:
-
Não me mate, que eu confesso! Aí,
chamei uns três cabras de testemunha, e
ele contou toda a história. Era o que eu
queria: disse que estava sendo conquistado. Nisso,
gritam e me chamam: alarme na fazenda, que mamãe
estava morrendo, essas coisas... Corro até
onde estava minha mãe, dei uma injeção
nela, e saí dizendo:
-
Agora, vou tomar minha atitude. Num momento desse,
eu estava louco, mas, minha mulher já tinha
fugido para a casa de um morador. Eu sabia que
ela estava lá. Procurei, mas ela, nesse
meio tempo (parece que o morador facilitou a ida),
pegou um caminhão na estrada e fugiu. E,
finalmente, ficou nisso. No outro dia, minha mãe
nervosa, eu disse: - Passe um telegrama ao tenente
João Pedro, que é autoridade, para
vir buscar esse homem.
Ausentei-me de casa. Então, chegou um carro
com João Pedro, Nezinho Procópio,
Olinto Procópio, Genésio Cabral
de Macedo e levaram o homem. O negócio
foi este.
João
Medeiros - E essa história de você
ter amarrado o homem?
P. Teixeira - Mentira! É uma mentira. Eu
não amarrei o homem, e nem ninguém
salvou ele. A questão é que tomei
a atitude, porque queria a confissão dele.
Logo que houve a confissão, eu precisava
que ele vivesse. Minha honra estava em jogo e
eu precisava de uma defesa. Depois, fui acusado,
respondi júri, e fui absolvido. Meu advogado
foi Manoel Varela, que foi, também, que
me convenceu, lá, para fazer um desquite
amigável, porque no processo eu estava
com toda a razão”.
5
- No seu livro “Vertentes” Gráfica
Olímpica Editora Ltda, 1976, Rio de Janeiro,
página 141-142) o desembargador aposentado
João Maria Furtado, conta o seguinte: “Em
Macaíba, por exemplo, Paulo Teixeira, populista
de prestígio em Lages, onde era proprietário,
entrou à frente dos revoltosos que estabeleceram
num salão térreo de um sobrado seu
quartel general. E em cima permaneceu João
Severiano da Câmara, amigo de Paulo Teixeira,
que saíra de Baixa-Verde. Ficou resguardado
perfeitamente. E como, quando dos depoimentos
tomados ali, apareceu o nome de Paulo Teixeira,
o escrivão Cornélio Leite, propositadamente
(já tinha uma péssima letra) a fez
tão ilegível que não pode
depois serem decifrados muitos trechos do que
fora escrito.
Tantos envolvimentos teve esse populista Paulo
Teixeira na revolta (nada sofreu e nem seu nome
sequer apareceu em processo) que levou um dos
principais elementos militares revoltosos para
uma de suas fazendas em Lages, o cabo Giocondo,
depois militante ativo do Partido Comunista Brasileiro.
Lá ficou ele ao abrigo de prisão
durante mais de um ano. Posteriormente, porém,
se desavindo com o proprietário, depois
de uma tentativa de morte em que o protegido foi
ferido a punhal, foi entregue à Polícia”.
Na
página 160, João Maria Furtado,
registra mais o seguinte: “Tenho, desde
1935, com dados da época e não pelo
registro de memória, uma lista desses “populistas”-
adeptos do Partido Popular - que elegeu o governador
Rafael Fernandes, com pormenorização
de fatos e circunstâncias elucidativas da
participação de cada um na revolta
vermelha naquele ano. Com relação,
por exemplo, a Paulo Teixeira, além do
que foi narrado anteriormente, ele andou de metralhadora
em punho, juntamente com o cabo Giocondo, do 21º
BC, em Macaíba, ambos se havendo hospedado
na residência de Mesquita Filho, chefe político
populista ali”.
^
Subir
<
Voltar
Nosso
Projeto |
Mapa Natal 1935 | Mapa
RN 1935 | ABC
Insurreição | ABC
dos Indiciados | Personagens
1935 | Jornal
A Liberdade | Livros
| Textos
e Reflexões | Bibliografia
| Linha
do Tempo 1935 | Imagens
1935 | Audios
1935 | Vídeos
1935 | ABC
Pesquisadores | Equipe
de Produção
História
dos Direitos Humanos no Brasil
Projeto DHnet / CESE Coordenadoria Ecumênica
de Serviço
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular
CDHMP |
|
|
|
|