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Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

 

A Revolta Comunista de 1935 em Natal
Relatos de Insurreição que gerou o primeiro soviete nas Américas
Luiz Gonzaga Cortez

 

 

 

 

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02. Ex-cabo do 21º BC quase mata vinte

“Hablo de coisas que existem. Dios me libre de inventar cosas cuando estoy cantando” Pablo Neruda.

“O jornalismo investigativo nunca se deu bem com a história oficial. Freqüentemente gosta de sacudi-la com revelações, incômodas, graças à fascinação por detalhes obscuros que os historiadores acadêmicos costumam desprezar”. Jorge Escosteguy (In “Isto é”, n.º 460, p. 84, de 16.10.85).

Entre os fatos desconhecidos dos historiadores que pesquisaram sobre a revolução de 35, no Rio Grande do Norte, está o episódio ocorrido no local hoje denominado Praça Dom Vital, Cidade Alta, em Natal, especificamente no trecho compreendido entre o prédio do Tribunal Regional Eleitoral e a casa de 1º. andar, onde funcionou a assessoria de imprensa do Palácio Potengi.

Naquele local, por volta de 22 horas do dia 23 de novembro de 1935, quando estava no auge o tiroteio entre os insurretos e os defensores do quartel do Batalhão da Polícia Militar, na rua “Salgadeira (hoje rua da Misericórdia), aconteceu o episódio que quase se transformava numa tragédia. Quem evitou a liquidação de um grupo de 20 homens da Polícia Militar (soldados, cabos e sargentos) foi o então cabo radiotelegrafista do 21º Batalhão de Caçadores do Exército, João Wanderley.


A GRANDE RAJADA

Em entrevista concedida no dia 24, quinta-feira, em sua residência na rua Pinto Martins, Petrópolis, o industrial aposentado João Wanderley, 68 anos, contou mais detalhes sobre a sua participação na revolta militar de 35.

“Durante a vigência do governo revolucionário de novembro de 35, eu tive uma participação discreta, pois era radio-telegrafista do quartel do 21º BC. Muito novo, com 18 anos, o ataque contra o Quartel da Polícia Militar se efetuava pelo lado direito. Na esquina da rua João da Mata com a Praça André de Albuquerque, uma metralhadora nossa despejava balas em cima do quartel do PM. Naquela hora ninguém atacava pelo outro lado, onde está hoje a Praça João Tibúrcio. Sai do quartel do 21º BC, a pé, com uma metralhadora leve, marca Hotkiss, fabricada em Herstal, Bélgica, juntamente com um companheiro chamado Lauro, sobrinho de João Pegado Cortez, (Conde de Miramonte) . Quando cheguei perto da praça Dom Vital, que era um descampado, já tinham feito um buraco para colocar nossos homens, protegidos por sacos de areia. Mas só havia o buraco. Então notei que o beco que dá acesso à rua Presidente Passos (essa rua se une com a “Salgadeira”, que passava em frente ao antigo Quartel da PM, hoje Casa do Estudante do RN), estava completamente livre. Por ali poderia passar um efetivo da PM com o objetivo de atacar o 21º BC. De imediato, procurei instalar a metralhadora no buraco e ficar de sobreaviso e atento. Foi só o que deu: em poucos minutos apareceu um grupo de uns 20 homens da Polícia, andando tranqüilamente armados e fardados, demonstrando que iam em missão de combate. Puxei o gatilho da metralhadora e esperei que o grupo se aproximasse mais, porque estava meio escuro. O meu companheiro, Lauro, disse para mim: “Cabo velho, bem na caixa dos peitos”. Como eu não era doido, pensei no que ia fazer e calculei a rajada para 40 centímetros acima da cabeça do pessoal. Mirei, puxei o gatilho e segurei a metralhadora quando ela começou a disparar. Olhe, foi um Deus nos acuda! Não ficou ninguém no beco. Todos correram para a rua Presidente Passos, deixando no beco bonés, botinas, mochilas e fuzis. A debandada terminou no quartel da PM, sem o registro de nenhuma baixa”, conta, sorrindo, João Wanderley.


“SÓ MORREU UMA GALINHA”

Depois da rajada de metralhadora, na praça Dom Vital, o cabo Wanderley rumou, rastejando por alguns buracos, para a outra extremidade da praça André de Albuquerque. Numa casa situada nas proximidades da “Praça João Tibúrcio”, ele tomou nova posição de combate.

O tiroteio estava muito grande. Deixei outro pessoal no buraco da praça Dom Vital e consegui entrar numa casa vizinha à residência de Felinto Manso. A família estava muito nervosa, mas permitiu que entrássemos, pois se tratava de uma revolução e estávamos fardados. Quando cheguei no quintal da casa, onde existia um galinheiro, fiquei observando os atiradores do quartel da Polícia Militar, na minha frente, a uns 150 metros. Em cada janela do quartel havia um atirador. O meu objetivo era silenciar esses atiradores. Atravessei o galinheiro e alcancei uma balaustrada, que ainda hoje existe no mesmo local. Lá, instalei a metralhadora e fiquei dando rajadas nas janelas do quartel, cujos atiradores pararam de atirar. Sei que eles deram uns tiros em minha direção porque, quando deixei de atirar, vi uma galinha morta no galinheiro e fiquei com um calombo na testa provocado por um pedaço de concreto. Foram as duas missões de combate que tive durante a Revolução de 35”, adiantou João Wanderley, militar da reserva não remunerada do Exército.


TESTEMUNHA DA MORTE DO SOLDADO

O major da reserva da Polícia Militar do RN,. Enéas de Araújo, 83 anos, residente na rua Joaquim Fagundes, 670, Tirol, juntamente com o seu sobrinho, José Eurípedes de Vasconcelos, concedeu entrevista ao repórter sobre alguns fatos da revolução de 35. Bastante lúcido, Enéas de Araújo disse que somente agora tomou conhecimento de que Sizenando Filgueira foi o autor do disparo que matou o soldado da PM, Luiz Gonzaga de Souza.

Enéas Araújo, respondeu algumas indagações do repórter.

-Quando terminou o tiroteio na rua da Salgadeira?

Enéas - “Alguns autores dizem que terminou na tarde do dia 24 de novembro, mas às 6 horas da manhã daquele domingo, eu estive nas proximidades do quartel e não havia tiroteio. Pode ter sido um descanso, mas não havia tiroteio. Depois do meio-dia os homens que estavam no quartel começaram a fugir. Em torno de 80 homens estavam no quartel (1). Entre os que se feriram na fuga estava o meu irmão, Leopoldo José de Vasconcelos, pai de Euripedes, mas Joaquim Gomes de Melo, José Ananias Pereira e Antônio Ananias Pereira quebraram as pernas. Anísio Vasconcelos levou um tiro na perna quando estava pulando o muro do quartel. Leonel de Souza Cabral, o músico José Tito de Medeiros, Luiz Gonzaga César de Paiva, Euclides Moreira e Silva, o mestre da banda, estavam no quartel durante todo o tiroteio”.

- O senhor viu o soldado Luiz Gonzaga lutando?

Enéas - “Eu não era da Polícia. A nossa família morava perto do quartel e eu desejava ingressar na polícia. Bom, mas quando terminou o tiroteio, procurei os meus familiares e não os encontrei em casa. Rumei para a rua João da Mata e encontrei-me com Mário Cabral junto a um caminhão, cheio de soldados do Exército. Fui na casa do tenente José Pedro, no Alecrim e, de lá, saí a cavalo a procurar do meu irmão, Leopoldo, que naquele instante estava na rua do Arame, todo ferido”.

- Eu quero saber se o senhor viu o soldado Luiz Gonzaga?

Enéas - “Antes de chegar na rua do Arame, passei na rua da Salgadeira, perto do quartel e encontrei um grupo de rapazes. Em seguida, apareceu o tenente Pm Moisés da Costa Pereira, tendo os rapazes dito pra ele: “Tenente, tem um soldado morto na lama do Passo”. “E tem? Então vamos fazer uma caridade de ir buscar”, respondeu o tenente. Aí, ele saiu com os rapazes para retirar o cadáver de Luiz Gonzaga, que era recruta do quartel e ainda não tinha vestido farda”.

- O senhor também ajudou?

Enéas - “Eu não, pois estava receoso de me meter naquilo, por causa das revoluções de 30 e 32. Em 30, eu tinha visto a revolução em Recife. Não fui buscar, mas fiquei observando todo o trabalho. O tenente Moisés foi quem trouxe o cadáver de Luiz Gonzaga para cima da calçada do lado direito do quartel. De soldado ele só tinha as botinas, trajando calça e camisa. Não estava nu da cintura para cima, como disse Sizenando Filgueira. Eu só vim saber que foi Sizenando que matou Luiz Gonzaga porque ele declarou isso, pois nesses últimos 50 anos ninguém sabia nada a respeito. O 2º sargento Pedro Vicente, que morreu como coronel, foi o homem que manejou a metralhadora do quartel da Polícia, sendo auxiliado por Luiz Gonzaga. O 1º Sargento Luiz Gonzaga César de Paiva, mestre da banda, me contou que ele e Euclides Moreira da Silva, fugiram para o mangue, com o recruta Luiz Gonzaga, em direção à Base Naval, quando ouviu o tiro que jogou Luiz Gonzaga dentro da lama. Sizenando disse que Luiz Gonzaga estava armado e fazendo pontaria para ele, antes de matá-lo. Mas Luiz Gonzaga César de Paiva me disse que ele não morreu em combate e caiu sem fuzil. Depois consideraram Luiz Gonzaga como herói porque ele ajudou a municiar a metralhadora. Homens como o tenente Zuza Paulino, Bilac Faria, Pedro Vicente, Joaquim de Moura e outros foram verdadeiros heróis na luta. Na verdade, Luiz Gonzaga de Souza era recruta e foi alistado uns 30 dias antes da revolução. Outra coisa que eu queria dizer: Quintino, um dos chefes da revolução, não era sargento, mas músico de 1ª classe do Exército”. (João Wanderley, confirma e adianta que havia equivalência ao posto de 1º. sargento).

Quando Enéas de Araújo concedia a entrevista, apareceu o motorista aposentado pelo INPS, José Batista da Silva, 76 anos, residente na rua Romualdo Galvão, 32, Tirol. Batista disse que em novembro de 1935 era motorista da esposa do governador Rafael Fernandes, Leonila Fernandes de Queiroz. Ele contou que passou os três dias do governo revolucionário no bairro do Alecrim e que não viu muita coisa.

“Quando estourou a rebelião, me mandaram buscar um carro de dona Leonila. Consegui pegar o carro e escondê-lo no quintal da casa de dona Anunciada Vilar, debaixo de umas mangueiras. O carro ficou lá durante o governo comunista.

- Ouviu falar sobre o soldado Luiz Gonzaga?

Batista - “Eu sei que começaram a comemorar a sua morte por volta de 1943”.

- Onde estava quando estourou a revolução?

Batista - “Na Vila Ciccinato, a casa do governador. Vi quando mandaram um sargento baixinho, vexadinho, avisar às autoridades que estavam no Teatro Carlos Gomes, que a revolução tinha começado”.

- Ouviu falar que o Governador Rafael Fernandes ou a alguns dos seus auxiliares foram asilados nos navios mexicanos, no rio Potengi?

Batista - “Eu soube que esse pessoal ficou no rebocador “Heitor Perdigão”, da Marinha Brasileira, que estava na boca da barra a uns três quilômetros do rio Potengi”.

- Conhecia Sizenando Filgueira?

Batista - “Conheci. Era um homem bem relacionado com as autoridades. Era da Guarda Civil, no governo de Mário Câmara. Sizenando foi o meu chefe, no tempo da guerra, em Parnamirim, quando trabalhávamos na Esso Standard Oil. O chefe dele era Mister Calabria, com quem Sizenando brigava muito no serviço. Não tenho nada contra Sizenando. Só posso dizer que ele deve continuar como um homem de bem, pois foi um bom colega”.

- Enéas Araújo, interrompe e diz:

“ Bote aí os nomes do tenente José Rosa, capitão José Nicácio e Abílio Campos, pois eles foram presos como comunistas. Não eram comunistas, mas maristas e cafeístas”. Ao lado, Eurípedes Vasconcelos assiste a conversa e confirma as declarações do seu tio, Enéas de Araújo.


NOTA:

1- Enéas Araújo errou; no quartel da Polícia Militar estavam 49 militares.

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