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Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

 

A Revolta Comunista de 1935 em Natal
Relatos de Insurreição que gerou o primeiro soviete nas Américas
Luiz Gonzaga Cortez

 

 

 

 

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01. Gastão queria derrubar governo em 35

Sobre a insurreição militar e civil de 23 de novembro de 1935, em Natal, planejada e chefiada por inferiores do Exército e integrantes civis do Comitê Regional do Partido Comunista do Brasil-PCB, que liderava as ações da Aliança Nacional Libertadora no RN, ainda não se escreveu sobre a participação de Gastão e Costa Nunes, hoje com 81 anos de idade (1).

Muitos livros, teses e conferências foram produzidas sobre a fracassada revolução de 35, que contou com a participação de elementos do PCB, socialistas, sociais-democratas, da burguesia, da classe média, seguidores do ex-interventor Mário Câmara, de João Café Filho e alguns componentes do Partido Popular, de José Augusto Bezerra de Medeiros, estes pensando que o movimento era para derrubar Getúlio Vargas que, em 1930, tinha provocado a marginalização dos políticos oligarcas do Seridó potiguar. (O envolvimento dos maristas e populistas na intentona será enfocado em outra reportagem).

Assim como os chamados “grandes historiadores” patrícios da política brasileira nunca se preocuparam no aprofundamento do estudo científico dos movimentos de massa de direita, no Brasil e no RN, os pesquisadores norte-rio-grandenses não tiveram a iniciativa de pesquisar a participação da “arraia-miúda” no Movimento Comunista de 35, no território potiguar. (Os comunistas da Nova República odeiam a denominação Movimento Comunista de 35, mas não se pode ir contra as afirmações comprovadas com fatos e documentos). Como a pesquisa histórica e política do Rio Grande do Norte sempre foi elitista e acomodada, a figura de Gastão Costa Nunes, gazeteiro em 1935, não aparece em nenhum estudo acadêmico ou matéria jornalística, de autor conterrâneo, sobre a insurreição que constituiu o primeiro e único governo marxista na América do Sul.

Doente de erisipela e de glaucoma, sobrevivendo com uma pequena pensão do INPS, Gastão Nunes reside hoje numa modesta casinha da rua São Francisco, 48, no bairro do Alecrim, juntamente com duas das quatro filhas. Apesar de doente e cansado, está lúcido e afirma gostar de falar sobre a sua participação na revolta de 1935.


REVOLUCIONÁRIO

“Naquele tempo, eu trabalhava com Luiz Romão, na Agência Pernambucana, na Ribeira, loja que vendia jornais, revistas e livros de todo o mundo. Eu lia o que podia ler, nas folgas, pois o meu trabalho era vender jornais pela cidade. Bom, nasci revolucionário, pois comecei a me revoltar em casa, e assim continuei. Em 1926, era enfermeiro e viajei para Pau dos Ferros-RN, a fim de entregar munição aos fazendeiros que iriam dar combate aos tenentes da Coluna Prestes, que estava para passar por São Miguel-RN. Então, quando estourou a revolução de 35 em Natal, eu aderi logo, como muita gente fez, sem saber nada de comunismo, que o negócio era de comunistas etc. Eu era seguidor fanático de Café Filho e quando os cafeístas entraram no movimento, apesar de Café não ter mandado ninguém participar ou pegar em armas, eu me apresentei logo. Entrei no meio do povo que queria lutar para derrubar o governo. Todo mundo pensava que o governo ia cair, pois o quartel da Política Militar, onde hoje é a Casa do Estudante, na rua da Misericórdia, já estava praticamente dominado na tarde de domingo (dia 24.11.35).

“Mesmo sendo anticomunista, como ainda sou, fui para o quartel do Exército, o 21º Batalhão de Caçadores (o 21º BC foi demolido e no seu lugar foi construído o Colégio Estadual Winston Churchill, na avenida Rio Branco, Cidade Alta), onde vi um bocado de gente que não gostava de mim. Miguel Moreira, Mário Cabral e Lauro Lago não gostavam de mim. Não sei quem deu a ordem, mas eu terminei recebendo um mosquetão, farta munição e mais 9 homens armados, fardados e municiados, com a missão de fazer uma vistoria no Hotel Internacional, na rua Chile, de Theodorico Bezerra (hoteleiro que tinha contribuído para o fracasso do comício da Aliança Liberal, em 1930, que trazia Batista Luzardo para falar ao povo de Natal, na Ribeira).

“Peguei o pessoal e fui fazer a vistoria na madrugada do dia 25, segunda-feira, tudo transcorreu direitinho e depois mandei o Sr. Santana botar dez cafés para meu pelotão. E assim foi feito, tranqüilamente. Depois que tomamos o café no hotel, uma pessoa disse para mim: “rapaz, a revolução pode fracassar e vão denunciar que você tomou café de graça aqui”. Pensei um pouco e resolvi pagar a conta. Acho que foi por isso que o “seo” Santana não depôs contra mim, no inquérito. O engraçado é que, anos depois, já solto, eu botei um ponto de verduras e frutas no mercado da Cidade e me tornei vendedor de frutas no hotel de Theodorico, pois ‘seo” Santana era o gerente e não ficou com raiva de min. Na verdade, a minha entrada na Revolução de 35 era para me vingar de um deputado (Gastão não forneceu o nome) que tinha me ameaçado de fazer engolir um exemplar do jornal de Café Filho, “O Jornal”, que era impresso nas proximidades da igreja de Bom Jesus, na Ribeira. O deputado disse que eu ia engolir o jornal com cerveja. Mas a revolução foi tão curta que não deu tempo para me vingar, pois o homem sumiu e foi até bom eu não ter-me vingado. Se tivesse feito a vingança, eu tinha “puxado” uma cadeia mais longa”, contou Gastão Nunes.


PRISÃO PERPÉTUA

Ele informou que, após o fracasso da insurreição, vários líderes comunistas reuniram-se numa casa da Praia do Meio, a fim de tentar reunir os revolucionários para uma segunda investida contra as forças governamentais.

Na reunião, ficou decidido que seria infrutífera qualquer ação militar, tendo em vista que as tropas federais, vindas da Paraíba, já estavam nas proximidades da capital e as principais lideranças da revolução tinham debandado. Dois dias depois foi preso pela polícia e trancafiado no quartel do 21º BC, onde chegou a ser visitado pelo então industrial e fazendeiro Dinarte Mariz. “Dinarte me viu e disse que eu ia pegar prisão perpétua”, diz, sorrindo, Gastão Nunes, que passou meses recolhido na prisão da Ilha Grande, no Rio de Janeiro.


PESCARIA

Gastão disse que em 1936 foi embarcado num paquete para Recife, onde dezenas de presos, civis e militares, do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba, foram transferidos para outro navio. Ele não se lembra do nome da embarcação (“parece que era o Baependi”), mas se recorda que um sargento do Exército, do 21º BC, de Natal, o professor João Bastista Galvão (que integrou a junta revolucionária que governou Natal durante quatro dias),. um tabelião da cidade de Baixa Verde, hoje João Câmara e o escritor Graciliano Ramos viajaram com ele para o Rio de Janeiro. Na Ilha Grande, fez amizades com Hercolino Cascardo, Luiz Carlos Prestes, capitão Agildo Barata (chefe da rebelião numa guarnição do Exército do Rio de Janeiro) e o capitão Sisson, entre outros. (2)

“Na viagem de navio, a fome era muito grande, além dos maus tratos. Reclamei comida ao comandante do navio. Ele disse que não tinha comida, o que me revoltou. Então, pedi iscas e anzóis para pescar. O comandante demorou para me atender e eu fiquei gritando que ali tinha muita gente inocente, que não era comunista, que era revolucionário cafeísta e topava qualquer parada. O professor Galvão e Graciliano Ramos ouviram eu dizer isso. Pesquei vários peixes no meio da viagem, em alto mar e matei a fome de muita gente. Na Ilha Grande, os presos sofriam muito. Comigo não fizeram maus tratos porque eu tinha feito amizades com vários homens da Polícia Especial do Rio de Janeiro, onde trabalhei em 1928, como o delegado Dr. Brandão, do 2º Distrito. Na Ilha Grande, passei alguns meses e depois me mandaram para Natal, onde fiquei preso até 1941. Botei uma fábrica de tamancos na prisão e consegui sobreviver”, relatou Gastão.

UM EXEMPLAR DO DN

“Agora eu quero deixar registrado o seguinte: tive o grande prazer de conhecer gente como Luiz Carlos Prestes, capitão Agildo Barata, capitão Sisson, Hercolino Cascardo e outros, cujos nomes não me lembro. Eu não era comunista, mas me dei bem com esse pessoal. Eles eram muito solidários. O capitão Agildo era macho, muito brabo e inteligente.

“Hoje durmo tranqüilo e sou um homem calmo, pois não fiz mal a ninguém e não levei dinheiro de ninguém. Sou um homem pobre.

Quando estou doente, corro para o meu primo legítimo, Dr. Helen Costa. Olhe, depois que publicar essa reportagem, traga um jornal para mim, porque eu não posso comprar, concluiu Gastão Nunes, citado no livro “Memórias do Cárcere”, 1º volume, do escritor Graciliano Ramos.


NOTAS:

1 - Esta entrevista foi publicada na edição de “O Poti”, jornal de Natal, edição de 26 de maio de 1985.

2 - Luiz Carlos Prestes e João Batista Galvão não foram companheiros de viagem de Gastão Nunes. Prestes e Galvão não cumpriram pena na Ilha Grande. A propósito ver entrevista de Cipriano Galvão (O Poti, 10.11.1985, p. 24), na matéria intitulada “Na Praia do Meio se tramou a revolta”.

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