Capitulo
V
Revisão crítica da Bibliografia
sobre a insurreição de novembro
de 1935 em Natal
5.4
- O levante de Natal: uma tentativa de explicação
As explicações
a respeito da insurreição
no 21 Batalhão de Caçadores
de Natal tem variado muito. Do que nos foi
permitido perceber ao longo da pesquisa
cremos que a rebelião de Natal, em
que pese a articulação do
partido comunista para levantes militares
em nível nacional , teve muito mais
a ver com a situação local.
Fundamentalmente, as razões para
a eclosão e a vitória, mesmo
que fugaz da insurreição,
devem ser buscadas na conjugação
de alguns fatores, tais como a situação
política do Estado naquele momento,
com o agravamento das contradições
no interior do bloco do poder( que se expressou,
no plano político, na atmosfera anormalmente
tensa na véspera da insurreição
como procuramos demonstrar, detalhando todo
esse processo) , a ascensão do movimento
operário e popular no Estado (expresso
na organização sindical, aumento
de greves, a guerrilha no baixo açu
etc) e finalmente a situação
específica do 21 Batalhão
de Caçadores: embora inserido no
quadro mais geral das insatisfações
nos quartéis do exército,
tinha como particularidades péssimas
condições físicas e
materiais (que geravam insatifações
constantes) assim como uma trajetória
de insubordinações e conspirações,
acrescido de um descontentamento generalizado
face às ameaças de desmobilização.
No primeiro caso, é
reconhecido pelo próprio comandante
do 21 BC em seu relatório “...
enquanto o 22 BC da Paraíba se achava
confortavelmente instalado, o 29 BC de Recife
luxuosamente instalado, o 21 BC jazia num
padieiro velho, sem higiene, sem conforto.
Os materiais de instrução
eram tão precários que o soldados
não tinham munição,
nem alvos para atirar ”. Tentando
compreender as razões do levante,
acrescenta “... para tanto não
era desfavorável o ambiente da caserna,
com o afroxamento da disciplina, resultante
da falta de instrução dos
praças, as mutações
constantes dos oficiais do batalhão,
não permitindo a esses oficiais firmarem
uma sólida autoridade sobre seus
subordinados”(51)
As insubordinações
e conspirações não
era específica do 21 BC. Como mostra
a pesquisa feita por José Murilo
de Carvalho as insatisfações
nos quartéis, principalmente dos
sargentos - que em l934 tiveram suspensas
suas promoções - remontavam
a década de 1920. Logo após
a revolução de l930, o governo
assina um decreto(n.19.507 de l8 de dezembro
de l930) que permite aos sargentos com mais
de dez anos de serviços servir até
25 anos sem necessidade de reengajamentos,
como era a norma anterior. Aqueles que não
tinham ainda os dez anos de serviço,
segundo a nova lei, ficavam na dependência
de reengajamentos que poderiam ser concedidos
ou não. Na década de l930,
os sargentos passam a fazer reinvidicações
de forma mais organizada, que abrangiam
desde a estabilidade de quem não
tivesse dez anos de serviços à
ausência de promoções,
salários baixos, falta de assistência
social etc. “... conflitos menos visíveis,
mas mais sérios do ponto de vista
da organização eram os que
envolviam os praças, particularmente
os sargentos(...) além de intensa
participação na própria
revolução de l930, os sargentos
se salientaram em l932 e em todas as revoltas
lideradas por oficiais subalternos, particularmente
os de l935”( Carvalho, l980)
No que diz respeito ao
21 BC, ele era originário de Recife,
antes de estabelecer-se em Natal. Por ocasião
da revolução de l930, o tenente
Mendes de Holanda subleva uma parte do quartel,
juntando-se aos milicianos do Tiro de Guerra
333, enquanto o governador Estácio
Coimbra tenta resisitir. No entanto, superioridade
numérica dos revoltosos o faz fugir.
O 21 BC se divide, mas o grosso da tropa
embarca no navio Itanage, que estava ancorado
no porto de Recife, para não aderir
a revolta.
Com a vitória do
movimento de outubro de l930, tem início
as interventorias tenentistas no nordeste.
Em Pernambuco é indicado um civil,
Carlos de Lima Cavalcante e, como ocorre
em vários outros Estados, o primeiro
ano de governo foi muito tumultuado(a gestão
dessas interventorias, em especial quando
os interventores não são oriundos
do próprio Estado, criaram inúmeros
conflitos com as velhas oligarquias derrotadas).
E o foco do inconformismo era o 21 BC. Na
madrugada do dia 29 de outubro de 1931,
portanto um ano após a revolução
que pôs Getulio Vargas à frente
do governo, o 21 BC subleva-se contra Carlos
Lima, comandados pelos tenentes Helio Coutinho
e Passos. “... a cidade do Recife
amanheceu sob intensa fuzilaria, ouvindo-se
os disparos para os lados do QG da 7a. Região
Militar. Em poucas horas, os revoltosos
dominaram os bairros da Boa Vista e Santo
Antonio, distribuindo armas com o povo “(
Cavalcante, l978, p.90). Essa revolta conta
com a adesão da maioria dos praças,
do qual participam também alguns
oficiais e sargentos comissionados em tenentes,
integrantes da guarda-civil e alguns operários.
Houve combates, resultando na morte do comandante
do batalhão e um tenente que combatiam
em defesa da legalidade além centenas
de feridos, de ambos os lados. Os revoltosos,
não apenas subleva a unidade militar,
prendendo diversos oficiais, como ocupam
alguns lugares da cidade, como a estrada
de ferro, paralisando os serviços
de trem.
A reação
foi violenta. As forças leais ao
governo contam com a ajuda da força
pública, de tropas policiais de outros
Estados, como da Bahia e Ceará e
os 22 ,24 e 29 Batalhão de Caçadores
da Paraíba(comandada pelo tenente
Ernesto Geisel) Alagoas e Rio Grande do
Norte e acabam com o movimento rapidamente.
Os revoltosos são presos e deportados
para a ilha de Fernando de Noronha.
Em função
desses acontecimentos, o 21 BC só
foi reorganizado em l932. Por ocasião
da Revolução Constitucionalista
de São Paulo, foi enviado para combater
os paulistas, contando com a participação
de combatentes do levante de outubro de
l93l que foram anistiados. Terminado o movimento,
o 21 BC prepara-se para voltar a Recife.
No entanto, o interventor do Estado de Pernambuco,
Carlos de Lima opôs-se ao seu retorno.
Depois de muitas negociações
o batalhão é enviado para
a fronteira do Brasil com a Colômbia(municipio
de Tocantins, em foz do Içá
, Estado do Amazonas) em função
dos conflitos entre Peru e Colômbia.
Meses depois, resolvido o conflito e o apasiguamento
na fronteira e com as doenças causando
baixas entre os soldados(bériberi,
malária,etc) fica decidido a sua
transferência para outro lugar. Como
o Interventor de Pernambuco não o
aceitava em Recife, foi feita uma negociação
com o 29 Batalhão de Caçadores
que estava em Natal. Este também
tinha ido combater os revoltosos paulistas
só que, ao chegar em Mato Grosso
parte do batalhão se rebela, se posicionando
em favor dos paulistas. O movimento foi
debelado, seus líderes presos e como
castigo, em vez de voltarem para Natal,
foram transferidos para a fronteira com
a Venezuela, só retornando em l933.
Haviam chegado há pouco em Natal,
quando houve a troca com o 21 BC.
Em Natal, como vimos no
capítulo II, o 21 BC, principalmente
com o governo Mário Câmara,
passa a ter uma ativa participação
na política local, se posicionando
em favor dos adversários do interventor
, congregados no partido popular. Não
por acaso, Mário Câmara tentou
por diversas vezes a transferência
do batalhão, não conseguindo.
Mas não era apenas a participação
política dos oficiais. Haviam nos
quartéis(e não apenas em Natal)
um estado de indisciplina muito grande,
que toma conta do exército, como
pode ser demonstrado através da listagem
de revoltas, levantes, conspirações,
agitações, protestos coletivos
e até mesmo greves que irão
marcar o período posterior a outubro
de l930 e que vai até, pelo menos,
l937(52)
No caso do 21 BC, há
certas especificidades. Nos meses de março
a julho de l935 esteve na guarnição
o capitão Otacilio Alves de Lima,
que servia no 29 BC de Pernambuco. Era um
“tenente histórico”muito
ligado a Luis Carlos Prestes, e terá
uma destacada participação
no levante do 29 BC no dia 25 de novembro
de 1935. A sua vinda se devia a investigações
como parte de um inquérito instaurado
no 21 BC em função de insubordinações.
No dia 16 de março,
pouco depois de sua chegada em Natal, o
interventor escreve ao Ministro da Guerra,
general João Gomes comunicando que
teve conhecimento de que rebentaria um movimento
geral até o dia 30 de março
“estando em Natal, como elemento de
ligação, o capitão
Otacilio Alves, a pretexto de serviços
de justiça”e continua “o
tenente Dutra, do 21 BC, já aconselhou
a familia vizinha para mudar-se daqui o
quanto antes”(53)
O alegado “movimento
geral” não se deu. No entanto,
é muito provável que sua estada
em Natal tenha sido exatamente em função
da preparação de um levante
armado, como demonstra também suas
frequentes idas ao 22 BC da Paraíba
e a confirmação de uma articulação
que se estabelecia a nível nacional.
José Praxedes faz alusão a
uma articulação golpista coordenada
pelo capitão Otacilio Alves para
agosto de 1935, cuja confirmação
havia sido dada por Silo Meireles, que teria
vindo de Recife e se reunido com a direção
local do partido comunista . Na sua versão,
a direção do partido discorda
do golpe - que teria por objetivo colocar
os militares no poder - e decide fazer um
manifesto “para desmascarar esse golpe
que estava sendo articulado “(Oliveira
Filho, l985, p. 50 ).
Como não existem
documentações a respeito(pelo
menos nos autos dos processos do Tribunal
de Segurança Nacional ) fica dificil
confirmar ou desmentir essas informações.
É apenas curioso, caso seja verdadeiro
o manifesto, que ele tenha sido acusado
pelo partido comunista de golpista sendo
“desmascarado” e pouco depois
ser um dos principais articuladores e liderar,
junto com outros militantes comunistas,
a insurreição do 29 BC em
Recife.
O período em que
esteve em Natal, compreende exatamente ao
período de legalidade da Aliança
Nacional libertadora(ANL), e tudo indica
que tenha contribuido para a formação
de alguns núcleos dentro do quartel.
Com a ilegalidade da ANL
em ll de julho de l935 e volta do capitão
Otacilio Alves para o 29 BC em Recife, há
um fator importante entre esse período
e o desencadeamento da insurreição.
Trata-se da estada em Natal do também
capitão do 29 BC e militante comunista
Silo Meireles , em agosto de l935(havia
chegado há pouco de Moscou). Com
a ANL na ilegalidade o partido comunista
articulava o levante nas unidades militares
e assim intensificam-se os contatos. É
nesse momento que diversos militares aderem
ao partido, como são os casos, entre
outros, dos sargentos Quintino Clementino
de Barros e Eliziel Diniz, que serão
as lideranças militares da insurreição
do 21 BC de 23 de novembro de 1935 . Quantos
militares aderem é uma resposta dificil
de ser dada. A unica referência é
do general Antonio Carlos Muricy que diz
“... o número de elementos
comprovadamente pertencentes as células
comunistas do batalhão montava seguramente
a 57” e completa “muito maior
porém foi o número dos que
pegaram em armas, demonstrando já
estarem trabalhados pelas idéias
extremistas”(Muricy, l966, p. 31 )
em função da situação
privilegiado do autor, com fácil
acesso aos arquivos policiais, é
possível que esses dados estejam
corretos, considerado o número dos
que foram indiciados, presos e condenados.
Um aspecto fundamental
para a eclosão do movimento será
um documento enviado pelo comandante da
7a. Região Militar general Manoel
Rabelo, que chega ao 21 BC na manhã
do dia 23 de novembro de l935. Este documento
autoriza o comandante do 21 BC, ten.cel.
José Otaviano Pinto Soares a dar
baixa dos serviços de alguns soldados,
cabos e sargentos. Esta autorização
veio em função de denúncias
sobre fatos ocorrido alguns dias antes (ocorrência
de alguns assaltos a bonde promovido por
individuos fardados de soldados do exército,
que, para não serem reconhecidos
usavam máscaras). Instaurado um inquérito
não foi possível identificar
os autores dos assaltos. Haviam, porém,
indícios contra determinados cabos,
alguns dos quais serviam na secretaria do
batalhão, onde o capitão Aluisio
Moura era secretário(cumulativamente
com a função de ajudante).
Na incerteza da autoria de tais atentados
“... foi providenciado a baixa de
cabos e praças com estavam com o
tempo findo(...) essas providências
foram ultimadas no dia 23 de novembro(54).
Associado a esse fato, tinha havido uma
semana antes um atentado contra um tenente,
Francisco Rufino de Santana, resultando
em ferimentos graves. Aberto um inquérito,
descobriu-se que os autores eram militares
do 21 BC(um soldado e um cabo) e dois sargentos
da força pública.
A noticia de dispensas,
como era de se esperar, gerou insatisfações.
Como era sábado, haveria continuidade,
com novas dispensas que seriam anunciadas
na segunda-feira, dia 25 de novembro. Às
19:30 do mesmo dia, ocorre o levante.O que
explica ? O que aconteceu entre o anúncio
das dispensas e a eclosão do movimento
poucas horas depois ?
A resposta está
num relatório, enviado ao comitê
central do partido comunista, assinado por
“Santa” e datado de 16 de janeiro
de l936. Nesse documento há referência
a realização no dia 23 de
novembro de l935 de duas reuniões
do partido comunista. A primeira, iniciada
as 9 horas da manhã, em que não
se tratou do levante “de acordo com
uma carta da Secretaria nacional nos mandou
que na mesma nos pedia que o momento não
permitia que se fizesse alguma loucura.
Tudo isso foi discutido e todos cientes”(55).
Esta reunião, conforme relatamos,
chegou ao conhecimento do governador Rafael
Fernandes, que ao saber da participação
de Lauro Lago, então diretor da casa
de detenção, assinou sua demissão
nesta mesma manhã. A tarde o partido
se reune novamente em caráter de
urgência “as 15 horas soube
que três militares(Quintino e mais
2 sargentos) do 21 BC estavam a minha procura”
continua o relatório, e o informam
que iriam levantar o quartel as 4(quatro)
horas da tarde. Ele é contra, argumentando
que esperassem pelo menos mais dois dias,
mas não foi aceito. O argumento decisivo
foi o de que pela manhã haviam sido
desincorporados 28 militares. “Santa”não
aceita e procura o secretário do
comitê regional, José Praxedes,
que já estava ciente e também
o procurava. e vão para a reunião.
O partido se reune as 15:30. “Santa”argumenta
que não se devia fazer o movimento
sem consultar o secretariado nacional. Ainda
tentam mandar alguém de avião
à Recife mas, àquela hora,
não havia como. Os argumentos dos
militares foram decisivos. Ou o quartel
se sublevava, aproveitando as insatisfações
generalizadas com as dispensas, que poderiam
atingir os militantes comunistas, ou sua
possibilidade em data posterior seria remota.
Diante do inevitável, decidem pelo
levante a ser iniciado no início
da noite, cabendo aos presentes, mobilizarem
o maior número de pessoas possíveis.
Segundo o relatório “mobilizamos
mais de 150 homens e mulheres”. Giocondo
Dias faz alusão a uma reunião
que teria havido com a direção
da ANL na qual “eles achavam que deveríamos
levantar o batalhão às duas
horas da tarde. Nós discordamos disto.
Tinha que ser às sete horas”(Dias,
1983, p.151). É pouco provável
que essa reunião tenha ocorrido.
A ANL não existia mais e não
houve qualquer tentativa de atuação,
mesmo na clandestinidade, após a
decretação de sua ilegalidade
no dia 11 de julho . O levante não
teve nada a ver com a ANL (o próprio
presidente da ANL no Estado, Sr. Fontes
Galvão, não foi sequer indiciado
nos rigorosos processos instaurados no Rio
Grande do Norte).
José Praxedes ao
se referir a esse episódio responsabiliza
Giocondo Dias “o que aconteceu lá
foi sem dúvida uma precipitação
dos militares do 21 BC, cujo principal responsável
foi o cabo Giocondo Dias”(Oliveira
Filho, l985, p.56).É também
pouco provável . Embora tenha participado
ativamente do levante, com ascendência
sobre os demais, havia entrado há
pouco no partido e ao que tudo indica não
participou da reunião em que se decidiu
pelo levante.
Quanto ao desfecho do levante,
já foi relatado.
Em relação
ao relatório de “Santa”
é preciso salientar que contém
uma série de exageros, como por exemplo,
alusões a “comicios em toda
parte”, “distribuição
de víveres em todos o cantos da cidade”,
“pagamento de todos os funcionários”,
“queima de todos os papelotes dos
cartórios” e fantasia como
“crianças, mulheres, soldados,
pelas ruas afora cantando os hinos da ANL
e da Internacional”.
Afinal , quem era esse
“Santa”? Robert Levine ao se
referir a João Galvão, um
dos membros da junta revolucionária
diz “acredita-se mesmo que fosse ele
o “santa”,que se correspondia
com o comitê central do PCB no Recife
nos dias que se seguiram à revolta”(Levine,
l980, p. 167 ).João Wanderley, na
época cabo do 21 BC e preso por sua
participação no levante afirma
numa entrevista ao jornal “O Poti”(Natal/RN)
em 21 de julho de 1985, que “... na
prisão , em Recife, ninguém
ficou sabendo quem era Santa, o agente que
veio do Rio dar ordens para a deflagração
da revolução em Natal. O PCB
chegou a fazer um verdadeiro inquérito
na casa de detenção em Recife
para descobrir”. Na verdade o nome
verdadeiro de “Santa” era João
Lopes, um mestre de obras assessor do comitê
central do partido comunista do Brasil,
que veio assessorar o partido no Estado.
Num livro organizado por Angela de Castro
Gomes (Gomes, l988) no qual constam depoimentos
prestados entre maio e julho de l982 , mas
só tornando público com a
publicação do livro em 1988,
o próprio João Lopes é
entrevistado e dá sua versão
a respeito dos acontecimentos de novembro
de l935 no Rio Grande do Norte. Diz que
veio para Natal no início de l935
designado pela direção nacional
do partido para resolver algumas questões
internas. Ao chegar reune-se com a direção
do partido e o problema é resolvido.
Fica mais um tempo em Natal. Pouco depois
recebe orientação para que
o partido entre na ANL. Discorda e é
chamado de volta ao Rio. Reunido com o partido
diz que “o secretariado do nordeste
estava envolvido num golpe que estava preparando
em Natal”(Gomes, l988, p. 103 ). É
enviado a Natal com o objetivo de contactar
Horácio valadares , que era do comitê
central, com o objetivo de mandá-lo
de volta ao Rio(pressupõe-se que
o mesmo estava envolvido e que o partido
era contra). Ao chegar em Natal entra em
contato com Valadares que o informa que
estava tudo pronto para o movimento e que
contava ainda com os Estados do Amazonas,
Ceará e Paraíba. Ao que parece
não consegue dissuádi-lo “...
depois de eu falar com Valadares, Praxedes,
sapateiro, que era o secretário de
lá, veio me dizer: olha, o 21 BC
vai fazer o movimento agora, temos que tomar
parte. Eu disse: não tenho nada com
isso, não sou do CC, não sou
do secretariado. O Valadares é que
é do CC, você fala com ele
e faz o que ele mandar”(Gomes, l988.
p.106).
Avaliar o verdadeiro papel
de João Lopes não é
uma tarefa fácil. Que ele teve uma
participação importante, é
inegável. Há várias
referências a ele nos depoimentos
de vários indiciados, salientando
sua participação e o documento
que foi apreendido pela policia se constitui
num elemento importante para se compreender
a insurreição. Sobre sua participação
em Natal, João Medeiros Filho,o chefe
de policia que foi preso , por exemplo,
atribui a ele um bilhete com ordem de fuzilá-lo
(Medeiros Filho, l980, p. 63) e segundo
José Praxedes, ele teria sido o escolhido
para ser o presidente do governo revolucionário(Oliveira
Filho, l985, p 62) . Mas tanto em seu depoimento,
quanto no de José Paraxedes, há
vários equívocos que talvez
possam ser atribuídos a lapsos de
memória, uma vez que os depoimentos
foram dados cerca de 50 anos depois dos
acontecimentos. Ambos, por exemplo, se referem
a Valadares como estando em Natal por ocasião
do levante. José Praxedes diz inclusive
que ele ajudou na elaboração
do jornal “a Liberdade” e que
teria ido pessoalmente à rádio
difusora de Natal, “fazer uma proclamação
ao povo pelo rádio “(Oliveira
Filho, l985, p.69). Na verdade ele não
estava em Natal e sim em Mossoró.
Foi um dos integrantes da caravana da ANL
que percorria diversas capitais e foram
surpreendidos com a decretação
de sua ilegalidade. Ao passar em Mossoró,
a caminho de Fortaleza, depois de ter ficado
uns dias em Natal, resolve ficar e passa
a ter uma participação ativa
no partido. Foi ele o responsável
pela ligação entre o grupo
de Baltazar Meireles(que se insurge com
mais de 300 homens no dia da posse de Rafael
Fernandes ) e a guerrilha “a ligação
entre o grupo de bandoleiros de Baltazar
Meireles e o grupo que o interrogado dizia
pertencer, foi feita por um tal de Horácio
Valadares que muito viajou por aquela zona,
comunicando-se sempre com os chefes dos
dois grupos”(56).
O grupo aludido era o “bandoleiros
vermelhos”organizado por Manoel Torquato
e Miguel Moreira em l935 e contava , entre
outros, com Marcelino Pereira Oliveira,
seu irmão, Feliciano Pereira , José
Mariano, Herculano José Barbosa,
Gonçalo Izidro e Julio Porto. Era
na verdade, o nome do grupo que aderira
a guerrilha. Horácio Valadares inclusive
participou da reunião em que se decidiu
pelo levante, se posicionando em contrário
(Ferreira, l989, p.181 ) .O que é
curioso , levando em consideração
a rigorosidade dos inquéritos e a
violenta repressão que se seguiu
à derrota da insurreição
é ele não tenha sido sequer
indiciado em processo.
João Lopes ao ser
indagado como se formou o governo revolucionário,
disse que como nada tinha sido resolvido
antes “falaram com Aluisio Moura,
mas ele não aceitou. O Café
Filho também não quis, fugiu”(Gomes,
l988, p.109 ). Não foi verdade. Aluisio
Moura, como já vimos, só não
foi preso pelos insurretos por não
ter sido encontrado em sua residência,
como testemunham participantes e o próprio
Aluisio Moura . Quanto a Café Filho
sequer estava em Natal neste dia.
Notas
51 -
Relatório do tenente-coronel José
Otaviano Pinto Soares. Processo N. 76, Volume
III, Tribunal de Segurança Nacional,
Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.
52 - A
esse respeito, consultar Vanda Costa “Com
rancor e com afeto: rebeliões militares
na década de 30. in : Política
e Estratégia. Volume IV N. 2, abril/junho,
1986, Rio de Janeiro.
53 - Arquivo
Mário Camara. CPDOC(Centro de Pesquisa
e Documentação, ) /Fundação
Getulio Vargas, Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro.
54 - Depoimento
de Aluisio Moura. Tribunal de Segurança
Nacional, processo N. 233 , Volume I, Arquivo
Nacional, Rio de Janeiro.