Capitulo
III
A Insurreição de novembro
de 1935
3.3
- A interiorização do movimento
De todos os aspectos do
levante do 21 BC em Natal e o dominio da
cidade por alguns poucos dias, talvez o
menos conhecido seja a ocupação
de várias cidades do interior do
Estado(17 dos 41 municipios de então).
Já nos referimos
à decisão da Junta governativa
de consolidar o poder no interior do Estado,
formando “colunas”composta por
civis e militares. Detalhemos.
Formaram-se três
colunas : Uma que iria para o Oeste do Estado(a
caminho de Mossoró), outra que segueria
ao longo da estrada de Ferro, até
a cidade de Nova Cruz(próxima à
divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba)
e uma terceira que segueria rumo à
cidade de Goianinha, à caminho de
João Pessoa. Foram indicados comandantes
das respectivas colunas, o tenente da Policia
Militar Oscar Mateus Rangel (que na ocasião
do levante estava preso, acusado de ser
um dos assassinos do engenheiro Otavio Lamartine,
crime ocorrido em fevereiro de l935) , o
sargento do 21 BC Oscar Wanderley, e o civil
Benilde Dantas.
Conforme fora planejado,
já na madrugada do dia 25 de novembro,
vários caminhões cheios de
soldados e civis armados se dirigem para
o interior do Estado.
A coluna dirigida por Benilde
Dantas , constituida por caminhões
com soldados e civis armados, se dirige
inicialmente para a cidade de Ceará
Mirim. Poeta e natural desta cidade, foi
um dos fundadores da ANL no Estado ,ajudando
a formar diversos comitês, inclusive
na sua cidade. Era militante do partido
comunista. Vinha na sua coluna, como “tenente”
nomeado pela Junta Governativa, um outro
militante do Partido comunista: o motorista
e ex-guarda-civil Sizenando Filgueira. Além
deles, se destacavam na coluna os militares
do 21 BC : cabo Antenor Cardoso Santos,
os sargentos Pedro Mauricio, EliezerDiniz
e João Rosendo, o soldado Manoel
Albuqurque S. Filho e o civil Ramiro Magalhães.
A cidade é facilmente
ocupada. Foram presos, o prefeito , o delegado
de policia e o secretário da prefeitura.
Ocupada a cidade, uma parte da tropa, tendo
à frente o soldado Manuel Albuquerque,
nomeado “tenente”pelo comandante
da coluna, segue para o vizinho municipio
de Baixa Verde.
Ao amanhecer, entre as
7 e 8 horas , chegam diversos caminhões
com soldados e civis armados. Como haviam
noticias do levante ocorrido no dia 23 em
Natal , no dia seguinte o Prefeito e o delegado
de policia, tenente Francisco Germano Filho,
discutem a possibilidade de resistências
e armam um pequeno contingente de voluntários
e junto com o destacamento local, ficam
entricheirados na entrada da cidade. Com
a aproximação dos caminhões,
abrem fogo, e mesmo pegando-os de surpresa,
não atingem ninguém. Os que
vinham nos caminhões eram em numero
superior e estavam melhor armados. A resistência
dura pouco. Os entricheirados se rendem.
A cidade é ocupada, o Prefeito destituído
e o cofre da prefeitura é arrombado(havia
4.000$900 e logo enviado à Junta
governativa em Natal). Destituido o prefeito,
foi constituida uma “junta proletária”
composta por Genésio Moreira, Pedro
Paulo e Raimundo Antunes de Oliveira, e
presidida por Manuel Albuquerque Filho,
designado como “tenente Lins”.
Requisitam víveres das casas comerciais
e institui-se um “salvo conduto”
para entrada e saída da cidade, assinado
pelo presidente da “junta proletária”.
Como lº ato requisita 8 sacos de farinha
e l saco de açucar bruto num armazém
e manda que sejam distribuidos entre a população.
Um parte da tropa, comandada
por Sizenando Filgueira se dirige para a
praia de Muriú, onde estavam vereneando
algumas autoridades, como os Drs. Nestor
Lima, Otavio Varela e João Maria
Furtado(respeitado advogado , foi indiciado
posteriormente com a derrota do movimento.
Tratou-se no entanto de pura perseguição
política. Julgado, foi absolvido)
Ainda na manhã do
dia 26 de novembro, a cidade de Nova Cruz
foi invadida por três grupos que não
faziam parte das colunas. O primeiro desses
grupos era dirigido pelo ex-guarda-civil
José Joaquim, conhecido como “mossoró”(
já fichado na policia de Natal como
“comunista”), integrado por
individuos com farda do exército.
O segundo era dirigido por Miguel Bezerra
Morais , conhecido como “Miguel Ludovico”
e um terceiro chefiado pelo médico
Orlando Azevedo, que residia na vizinha
cidade de Santo Antonio do Salto da Onça.
Esses grupos foram organizados pelo médico
Orlando Azevedo, um conhecido partidário
da Aliança Social(35)
A invasão e ocupação
da cidade é rápida. Dura apenas
2 horas. Invadem a cadeia pública(entram
na cidade a cavalo), soltam os presos e
prendem a guarda, ficando com sua armas.
Em seguida saem dando vivas à ANL
e a Luiz Carlos Prestes.
A segunda coluna sai em
direção a região do
Seridó domina facilmente os municipios
de Panelas(depois Bom Jesus) e Serra Caiada.
E as l0 horas da manhã chegam à
cidade de Santa Cruz. Esta será a
unica cidade onde passam a contar com a
adesão de alguns civis, que os ajudam
na distribuição de boletins.
Como nas demais cidades, destituem o prefeito
e ao meio-dia é nomeado Pedro Nunes
Carvalho, que imediatamente manda soltar
os presos Francisco Segundo Rocha, Francisco
Tito Teixeira e João Cardino que
a policia local havia prendido logo após
saber do levante de Natal, sob o pretexto
de serem “notórios comunistas”.
A terceira coluna, comandada
pelo tenente Oscar Rangel, segue em direção
a João Pessoa. Ainda na madrugada
do dia 25 chega na cidade de São
José de Mipibu. Ocupam a prefeitura
- onde é redigida uma portaria nomeando
um novo prefeito - e a cadeia pública,
soltando todos os presos. O novo prefeito,
sob orientação do comandante
da coluna, requisita o dinheiro do cofre
da prefeitura (4.376$400) e da Recebedoria
de Rendas (3.200$000). Ainda se dirigem
ao cartório local onde alguns processos
são rasgados.
A poucos quilômetros
dali fica a cidade de Arês. Ainda
na madrugada uma parte da coluna, chefiada
por Rangel e Pedro Hermógenes da
Cunha, entram na cidade. Se dirigem a prefeitura,
destituem o prefeito e “por ordem
do Exmo.Sr.Comandante das Forças
Revolucionárias do Rio Grande do
Norte, tenente Rangel “ é nomeado
prefeito Moacir Ferreira Furtado, que era
natural do municipio e fazia parte da coluna.
Como primeiro ato, ele exonera todos os
funcionários da prefeitura.
Adotando o mesmo procedimento
referente a São José de Mipibu,
ou seja, deixando parte da tropa ocupando
a cidade, vão para a cidade de Goianinha.
São agora dois caminhões com
soldados e civis armados. Ocupam facilmente
a cidade ( não havia como resistir:
além de chegarem de surpresa, com
homens bem armados, os contingentes policiais
dos municipios eram inexpressivos e, em
geral, não sabiam o que ocorrera
em Natal) É nomeado como prefeito,
Davi Simonneti, curiosamente um rico proprietário
de terras, residente no próprio municipio(36)
Nomeado o prefeito, o tenente
Rangel segue com aproximadamente 80 homens
para a vizinha cidade de Canguaretama. O
procedimento é o mesmo: invadem a
prefeitura, destituem o prefeito, soltam
os presos da cadeia pública. É
nomeado como prefeito o Dr.Fernando Dias
Abreu e ainda o Secretário da Prefeitura,
o delegado de policia e o tabelião.
Requisitam o dinheiro da prefeitura (cerca
de 500$000) e da mesa de rendas (400$000).
Na manhã do dia
26 de novembro, o tenente Rangel segue com
uma parte da tropa para a cidade de Pedro
Velho. Chegam por volta de l0 horas da manhã.
Invadem a prefeitura, destituem o prefeito
e nomeiam Pedro José da Costa. Foi
um dos poucos atos solenes, com discursos,
vivas a Luiz Carlos Prestes e a Aliança
Nacional Libertadora. É nomeado também
o delegado da cidade, Cirineu Galvão,
integrante da coluna.
Com a cidade sob completo
dominio, Rangel segue com uma parte da tropa
para a cidade de Montanhas. O procedimento
foi o mesmo, sendo nomeado como novo delegado
de policia , o agente de rendas do municipio
Vicente Alves Neto, ficando o prefeito para
ser nomeado depois pelo próprio comandante
da coluna.
Estas colunas formavam
uma espécie de “sub-colunas”.
É o que ocorre, por exemplo, em São
Gonçalo. No dia 26, às 11
horas da manhã, chega a cidade um
pequeno contingente de homens armados, tendo
à frente o cabo do 21 BC Joaquim
França. Acompanhado de José
Bento Oliveira, Antonio Azevedo Mangabeira,
João Dias de araújo, Joquim
Fonseca e Manoel Raimundo. O prefeito não
estava na cidade. José Bento é
designado prefeito e lavra a nomeação
de Antonio Azevedo como secretário
e tesoureiro da prefeitura, enquanto João
Dias, soldado da Policia Militar, é
nomeado delegado de policia. Na assinatura
do ato de posse, que conta com a presença
de alguns populares, José Bento declara-se
“prefeito por aclamação
da ANL”. Como prefeito, requisita
ainda as chaves da cadeia pública
, solta os presos e manda que sejam feitas
apreensões de armas e munições
nas residências.
No dia 26 de novembro de
l935 praticamente a metade dos 41 municipios
do Estado estão ocupados pelos rebeldes.
A tarde, uma parte da tropa que estava na
cidade de Santa Cruz, se desloca para a
vizinha cidade de Currais Novos. No caminho,
numa serra conhecida como “serra do
doutor” foram surpreendidos por uma
grande fuzilaria. Alguns fazendeiros, tendo
à frente o “cel”Dinarte
Mariz, que residia na cidade de Caicó,
já informados sobre as ocorrências
em Natal e o deslocamento de tropas para
o interior do Estado, se articulam para
resistir. Vão a Campina Grande, na
Paraíba, e conseguem, além
de armas, arregimentar um considerável
contingente. O objetivo era se dirigirem
para Natal( provavelmente já tinham
conhecimento de deslocamentos de tropas
policiais de outros Estados). No caminho,
sabem da ocupação de Santa
Cruz e ficam entricheirados na serra do
doutor. Com a passagem de dois caminhões
que saia de Santa Cruz em direção
a Currais Novos, abrem fogo, pegando-os
de surpresa, e vão impor a primeira
derrota pelas armas aos insurretos.
Sobre esse episódio
há várias versões.Enock
Garcia, delegado auxiliar de Natal na época,
responsavel pela Delegacia de Ordem Social,
em relatório datado de 18 de abril
de l936, encaminhado ao chefe de policia,
diz “... o bravo Dinarte Mariz à
frente de uma coluna de sertanejos deficientemente
armados e pior municiada, desceu de Caicó
com destino a esta capital, travando o primeiro
combate com os rebeldes em Serra Caiada,
no qual foram estes fragorosamente batidos
e destroçados, deixando um morto,
três feridos, nove prisioneiros, algum
material bélico e um caminhão.
No dia seguinte, a coluna sertaneja ocupou
o povoado de Panellas, fazendo prisioneiros
4 rebeldes (...) em Panellas, resisitiram
os sertanejos durante cinco horas de fogo,
recuando, por fim para serra do doutor por
falta absoluta de munição.
(...) Ali se entricheiraram os sertanejos
e foi travado o ultimo e decisivo combate
no qual, mais uma vez, ficou patenteada
a homérica e indomável coragem
dos filhos do sertão. Nesse combate
tiveram os inssurretos numerosas baixas,
e recuaram abandonando armas e munições
pelas estradas em fora”(Medeiros Filho,
1937, pp.109-110). O jornalista Luiz Gonzaga
Cortez contesta esta versão. Entrevistando
Manoel Lúcio M. Filho, um dos chefes
integralistas de Acarí(RN) entre
l933 e 1937, este afirma que a batalha da
serra do doutor foi travada entre comunistas
que viajavam em dois caminhões e
os integralistas aliciados pelo padre Walfredo
Gurgel, também integralista e vigário
de Acari.(posteriomente será Governador
do Estado). Este , com medo, não
foi até a serra, viajando para Santa
Luzia, no vizinho Estado da Paraíba.
Quanto a Dinarte Mariz, não participou
de qualquer combate, só aparecendo
na serra por volta das 19 horas, quando
tudo já havia acabado( Cortez, 1986,p.36).Esta
versão é depois confirmada
pelo próprio Enock Garcia, que em
depoimento prestado em l987, afirma que
tanto ele como Dinarte Mariz só chegam
ao local, com 400 homens, na madrugada da
quarta-feira(Lyra, l987, p.155)
O fato é que, com
a fuzilaria, as tropas se dispersam e voltam
a Santa Cruz. Lá, além de
analisarem a derrota, os dirigentes da coluna
tem informações a respeito
de deslocamento de tropas de outros Estados
em direção à Natal.
Tentam contatos telefônicos com a
Junta em Natal, mas não conseguem.A
alternativa era a fuga. E é o que
resolvem fazer, cada um seguindo rumos diferentes...
Não há informações
detalhadas nos autos dos processsos do Tribunal
de Segurança Nacional a respeito
de decisões semelhantes em outros
municipios, mas é provável
que o procedimento tenha sido o mesmo. Ou
seja, ao saberem de deslocamentos de tropas
policiais vindas dos Estados vizinhos ,
isolados e sem articulações
entre as colunas, fogem como podem.(na repressão
ao movimento muitos são presos em
outros Estados. Alguns conseguem se esconder
e foram condenados à revelia)
Notas
35 - A
maior parte do processo relativo à
cidade de Nova Cruz é constituida
de documentos de e sobre Orlando Azevedo,
médico, formado na Alemanha, era
muito conhecido e respeitado. Nos autos
do processo constam depoimentos de autoridades
do Estado, inúmeras cartas de politicos,
padres etc, inocentando-o. De qualquer forma,com
a derrota do levante é indiciado,
preso e condenado a 2 anos de reclusão.
36 - No
processo do Tribunal de Segurança
Nacional alega inocência e diz ter
aceitado o convite “a fim de evitar
mal maior”.Anexa aos autos do processo
diversas cartas, inclusive de autoridades
do Estado, inocentando-o. Julgado, foi absolvido.
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