Capitulo
III
A Insurreição de novembro
de 1935
3.2 - O Levante
de Natal
O dia amanhecia calmo em
Natal. Os jornais que circularam nesse dia
não traziam novidades dignas de registro.Uma
pequena nota no jornal “A República”
convidava a população para
assistir a uma solenidade de formatura de
alunos do Colégio Santo Antonio(turma
de Contabilistas),à noite, no Teatro
Carlos Gomes, que tinha como presença
confirmada o Governador Rafael Fernandes
e outras autoridades. Seguia-se-ia à
apresentação do drama “O
triunfo da cruz”e vários outros
numeros de declamações e comédias.
“A Republica”- o jornal oficial-
noticia em primeira página a chegada
de diversos telegramas, tanto do sul do
país como do próprio Estado
parabenizando o governador Rafael Fernandes
por sua eleição e posse. Traz
também uma pequena nota informando
a chegada, no dia 17 de novembro, de uma
esquadrilha mexicana, composta de 6 unidades,
tendo como comandante o capitão de
corveta Hector Meixueiro, que junto com
os demais comandantes, são convidados
para a solenidade no teatro Carlos Gomes.
O Cine São Pedro anunciava uma “programação
gigantesca”, “pela ultima vez”exibindo
três filmes : “Quente como pimenta”,
“O tesouro do pirata”e “o
preço do silêncio”. Traz
também um curioso anuncio de um certo
Prof. Pakchank Tonk que morava em Rosário,
Santa Fé, na Argentina. que dizia
“Quer ganhar sempre na loteria? a
astrologia oferece-lhe hoje a riqueza. Aproveite
sem demora e conseguirá FORTUNA e
FELICIDADE...”etc etc(pelo jeito,
devia ser um feliz excêntrico milionário
Argentino...)
No palácio do governo
houve expediente normal pela manhã.
A única novidade, segundo o então
secretário do Governador, Dr. Aldo
Fernandes(que havia sido eleito deputado
estadual pelo Partido Popular) foi ter chegado
ao palácio notícias de “umas
reuniões com um Zé Praxedes,
Lauro Lago, de caráter subversivo”como
Lauro Lago era administrador da Casa de
Detenção , o Governador, junto
com o Secretário, resolvem providenciar
imediatamente a sua demissão(26).
Quartel do 21 Batalhão
de Caçadores. O dia amanheceu calmo,
com a mesma rotina da vida da caserna. Pela
aparente calma reinante, logo após
o rancho do meio-dia, a maioria dos oficiais
e soldados seriam dispensados, devendo retornar
ao quartel às 21 horas para a revista
rotineira de recolher. A novidade desta
manhã é a chegada de um documento
endereçado ao comandante do 21 BC
pelo General Manuel Rabello, da 7a. Região
Militar, autorizando o licenciamento de
praças com tempo vencido e de alguns
envolvidos em incidentes poucos dias antes.
Foram licenciados pouco mais de 30 praças.
Como era sábado, ficou para segunda-feira,
dia 25, a continuação das
dispensas, que atingiriam também
alguns cabos e sargentos(27).
No inicio da tarde, parte da tropa, incluindo
a oficialidade, foram para suas casas, ficando
apenas dois oficiais: O tenente Abel Cabral,
como oficial de dia e o tenente João
Cícero de Souza, da banda de música
do quartel.
Anoitecia. O Governador
jantava com amigos e pouco depois se dirige
para o teatro Carlos Gomes, acompanhado
de seu secretário Dr. Aldo Fernandes.
No teatro, ocupam as cadeiras reservadas
às autoridades, incluindo oficiais
do 21 BC e da Policia Militar e ainda tripulantes
da esquadra mexicana que, de passagem por
Natal, haviam sido convidados a participarem
das solenidades de formatura.
21 Batalhão de Caçadores
: Pouco depois das 19 horas, o pessoal da
guarda, que dava sentinela no quartel, notam
um pequeno movimento no pátio com
deslocamento de alguns praças, cabos
e sargentos, mas não percebem nada
que pudessem qualificar como anomalidade.
Como se aproximava da hora da troca de sentinelas,
imaginaram ser um movimento nesse sentido.
Às l9:30 os sentinelas viram, mais
uma vez, o deslocamento de alguns homens
pelo pátio, só que agora estavam
armados e se aproximando do oficial de dia.
Pensaram de início ser os integrantes
da patrulha de rua, criada há pouco,
em razão dos assaltos a bondes que
tinham ocorrido nos ultimos dias (os assaltos
foram feitos por homens fardados, com máscaras
e haviam inclusive suspeitas de participação
de militares do 21 BC) . Mas não
era a patrulha. Eram três homens:
O sargento (músico) Quintino Clementino
de Barros, o cabo Giocondo Alves Dias e
o soldado Raimundo Francisco de Lima. Estavam
bem armados. Aproximam-se do oficial de
dia e Giocondo, apontando um fuzil, diz
: “Os senhores estão presos
em nome do capitão Luiz Carlos Prestes”.
Não oferecem resistências.
Nesse momento, um grupo de homens armados
ocupam rapidamente os lugares estratégicos
do quartel, sob as ordens de Quintino Clementino
e de outro sargento, Eliziel Henrique Diniz..
Os oficiais são recolhidos de imediato
à prisão, improvisada no cassino
do quartel. Giocondo, à frente de
um grupo armado, manda soltar os presos
que estavam no xadrez do quartel e determina
a execução de repetidos toques
de recolher. Como o quartel era no centro
do cidade (onde hoje fica o Colégio
Winston Churchill) e boa parte dos soldados
estavam nas imediações - alguns
em suas residências e outros divertindo-se
nos bares da vizinhança - a ocupação
do quartel é rápida. Os soldados,
ouvindo os repetidos toques de recolher,
dirigem-se rapidamente ao quartel. No pátio
externo foram colocados estrategicamente
armas e fardas. Ao entrarem eram orientados
por alguns cabos e sargentos para que se
armassem e se fardassem (em depoimentos
posterior, alguns praças disseram
que ao entrar no quartel lhes diziam que
iam ser atacados). Da torre do quartel são
disparados diversos tiros para cima. Os
tiros e os toques de recolher era o sinal
convencionado de que a revolta começara..
Um grupo de civis, incluindo algumas mulheres,
invadem o quartel, se fardando e se armando.
O maior número era constituido de
estivadores, tendo à frente o presidente
dos Sindicato das União dos Estivadores,
João Francisco Gregório.A
todos eram dadas orientações
para se dá vivas a Prestes e a ANL.
Quintino Clementino e Eliziel
Diniz, logo se destacam como chefes militares
da rebelião, e após a conquista
do quartel(sem que houvesse qualquer resistência)
organizam o deslocamento de tropas para
os pontos estratégicos da cidade
(o cabo Giocondo Alves Dias, que se destaca
no início, foi ferido e encaminhado
ao hospital Miguel Couto .Segundo seu depoimento,
depois da tomada do quartel, se dirigia
com alguns soldados para o teatro Carlos
Gomes com o objetivo de prender o Governador
e outras autoridades, quando “no caminho
houve um tiroteio, um dos recrutas que ia
conosco atirou num soldado da policia, na
Delegacia da rua São Tomé.
No tiroteio fui ferido, levei três
tiros e tive de ir ao hospital”(Dias,
1983, p. 152). Constituídas por praças
e civis, sob o comando de um cabo ou sargento,
estes deslocamentos se dão de forma
eficiente e organizada: Rapidamente são
ocupados o palácio do governo, a
residência do Governador, a central
de usina elétrica, estação
ferroviária, a central telefônica
e telegráfica e o aeroporto da cidade,
sendo providenciado ainda nesta mesma noite,
o desligamento do farol que orientava os
navios, localizado no forte dos Reis Magos.
No teatro Carlos Gomes,
onde estava sendo realizada a solenidade,
em função da proximidade com
o 21 BC, são ouvidos inúmeros
disparos. A programação foi
interompida . Como não se soube de
imediato a origem dos tiros, o programa
teve sequência. De qualquer forma,
algumas pessoas sairam do teatro a fim de
se informar sobre o que estava acontecendo.
As pessoas que estavam nas primeiras filas,
começam a se retirar, criando um
ligeiro tumulto. Para abrandar os ânimos,
o Governador se levantou do camarote, pediu
calma e solicitou que a orquestra começasse
a tocar. Não adiantou. As pessoas
continuaram a sair, já que os tiros
não paravam. Os tripulantes da esquadra
mexicana, pedindo licença ao Governador
se retiram, dirigindo-se rapidamente para
os navios. Depois, com a frequência
dos tiros, a saída é desordenada.
O Governador, junto com o seu secretário
e demais autoridades resolvem sair.Os dois
primeiros se dirigem ao quartel da inspetoria
de policia - reformada há pouco e
da estrita confiança do Governador
- localizada bem próxima ao Teatro.
Ao sairem , ouvem tiros na praça
Augusto Severo, em frente ao teatro. Temendo
serem atingidos, embora não fossem
alvo dos tiros nem tivesem sido reconhecidos,
resolvem entrar na casa de Xavier de Miranda,
que era amigo de ambos e cuja residência
ficava também numa pequena rua, quase
em frente ao teatro. Ao chegarem, a porta
da casa estava aberta e em casa apenas à
esposa de Xavier . Explicada a situação
são convidados a ficarem até
serem informados do que estava acontecendo.
Dormem lá e pela manhã ao
tomarem conhecimento do que tinha acontecido
no 21 BC, resolvem ir até à
casa de Guilherme Letiere, consul honorário
da Italia, que morava proximo a residência
onde estavam, onde recebem asilo e ficam
até o final do movimento. Quanto
ao prefeito de Natal, Gentil Ferreira ,
o seu chefe de gabinete Paulo Viveiros e
Edgar Barbosa, diretor do jornal oficial
“A República” abrigam-se
na casa do Sr. Amador Lamas, que transformou
sua residência em consulado chileno,
permanecendo por lá até o
final do movimento.
O chefe de policia, João
Medeiros e o delegado auxiliar major Genésio
Lopes estavam na av. Rio Branco quando foram
surpreendidos pelo tiroteio. Logo perceberam
que se vinham do 21 BC, onde se percebia
haver uma grande confusão. Acharam
mais prudente irem até o quartel
da policia militar, próximo ao 21
BC(onde se localiza atualmente a casa do
estudante) e conversam com o capitão
Joaquim de Moura, recomendando que colocasse
o quartel em rigorosa prontidão.
Em seguida vão à inspetoria
de policia, localizado na av. Duque de Caxias,
na ribeira. Ao passarem na rua Nisia Floresta,
o carro que os conduziam, foi atingido por
uma bala, sem causar danos (provavelmente
uma “bala perdida”). Recomendam
também prontidão na inspetoria.
De lá seguem para o teatro Carlos
Gomes. Naquele momento, em que pesem os
tiroteios, a solenidade continuava. Conversam
com o governador, que também não
sabia o que estava acontecendo. O chefe
de policia ainda tenta telefonar para o
21 BC do colégio Pedro II, vizinho
ao teatro, mas não consegue ligação.
Pouco depois, soube que haviam diversos
soldados do 21 BC defronte a agência
do banco do Brasil, próximo ao teatro,
na rua Tavares de Lira. Se dirige para lá
e conversa com o cabo Waldemar Coelho que
o informa que estava ali com o objetivo
de proteger o banco. Volta ao teatro. Lá
é informado de que o major Jacinto
Tavares, de quem era amigo, tinha sido visto
no centro da cidade. Daniel Serquiz, um
comerciante da cidade que estava assistindo
as solenidades no teatro, se oferece para
levá-lo em seu carro e junto com
outro civil, José Seabra, saem em
direção à rua João
Pessoa. Ao chegarem , encontram com o sargento
Amaro Pereira à frente de um contingente
de homens armados. Perguntam o que estava
ocorrendo. O sargento sugerem que se dirijam
ao quartel do 21 BC, onde se informariam
melhor, seguem para lá e ao chegarem
são reconhecidos e imediatamente
presos.
Os oficiais que estavam
no teatro ao saberem que os tiros partiam
do quartel do 21 BC se dirigem para lá.
Ao chegarem nas imediações
percebem uma grande confusão no quartel,
um entra-e-sai incomum, presença
de civis etc alguns decidem entrar no quartel
e são presos imediatamente. Outros,
preferem fugir e informados do que havia
ocorrido, escondem-se em casas de parentes
ou amigos.
Enquanto isso o sargento
Quintino Clementino, com o 21 BC sob completo
dominio, ordena não só a ocupação
dos pontos estratégicos da cidade
como o deslocamento imediato de patrulhas
para as casas dos oficiais com o objetivo
de prende-los. A patrulha que Giocondo Dias
afirma ter ido ao Teatro prender o governador
e demais autoridades, talvez em função
de seu ferimento, não foi ao teatro,
ou, se foram, chegaram tarde, quando todos
já haviam saído e se escondido.
Soube-se posteriormente que uma patrulha,
comandada pelo civil Carlos Winder esteve
na residência de Carlos Lamas, onde
estavam o Prefeito e outros autoridades,
com o objetivo de prende-los, mas, informado
que se tratava de um consulado e que estes
estavam ali asilados, vão embora.
Uma das patrulhas, constituida
por civis e militares encontram no bairro
da ribeira, fardado, o tenente da policia
militar Mário Cabral que, segundo
seu depoimento, ao ouvir a sequência
de tiros e o local dos disparos ia para
sua residência. O comandante da patrulha
lhe dá voz de prisão. Preso,
é conduzido ao quartel do 21 BC.
Quintino ao saber de sua prisão,
manda chamá-lo e pede para ele ir
ao quartel da policia militar levando uma
mensagem ao sargento Farias que estaria
informado da conspiração e
que logo enviaria tropas para ocupar o quartel,
devendo o sargento convencer aos seus subordinados
a não oferecerem resistência,
aderindo ao movimento.
Nesse ínterim, o
comandante da policia militar, major Luis
Julio, o tenente-coronel José Otaviano
Pinto Soares (nomeado há pouco para
o comando do 21 BC) e os tenentes José
Paulino Medeiros, Francisco Bilac e Pedro
Silvio de Morais, ao saberem da ocupação
do 21 BC dirigem-se para o quartel da policia
militar. Antes porém, vão
à casa do Governador e ao chegarem
já a encontram sob a guarda de uma
patrulha constituida pelos revoltosos. Com
a aproximação dos oficiais,
abrem fogo. Não conseguem ferir ninguém.
Com os tiros, os oficiais se dispensam .
Pouco depois se juntam novamente e decidem
ir para o quartel da policia militar.
O tenente Mário
Cabral se dirige ao quartel da policia mas
não consegue falar com o sargento
Farias. Com os tiros, vários soldados
procuram o quartel , e também em
função dos seguidos toques
de recolher mandado executar pelo oficial
de dia. No quartel a confusão era
grande já que não sabiam do
que se tratava. Aos poucos conseguem reunir
uma força constituida por 42 praças.
Cabral impossibilitado de contactar com
o sargento Farias, que, ao contrário
do que esperava Quintino, organizava a tropa
no quartel(o chefe de policia e o delegado
auxiliar haviam chegado antes e ordenam
que o quartel entre de prontidão),
volta ao 21 BC com a informação
de que o quartel a policia militar se preparava
para resistir.De imediato Quintino ordena
o ataque ao quartel . Com a aproximação
da tropas e ordens para que o quartel se
entregasse sem resistências, os soldados
da policia militar abrem fogo e começa
a fuzilaria. Mário Cabral participa
do ataque ao seu próprio quartel
- e segundo seu depoimento sob a mira de
armas (o que não evitou que, com
a derrota do movimento fosse condenado a
10 anos de prisão)
Logo no início do
tiroteio chegam os oficiais , vindos da
casa do Governador. Não conseguem
entrar no quartel de imediato. Depois de
algumas dificuldades, finalmente conseguem.
Com a presença dos oficiais, entre
os quais os comandantes da policia militar
e do 21 BC a resistência passa a se
dá de forma mais organizada. As 21
horas, o fogo já era intenso e impossibilitava
novos acessos ao quartel, a essas alturas
já cercado pela frente e laterais(a
parte de trás era um matagal e dava
acesso ao rio potengi). A munição
do quartel era pouca, ao contrário
dos que os atacavam, em número superior,
fortemente armados e com uma vantagem a
mais: a proximidade com o quartel do 21
BC permitia reforço constante de
homens e munições.
Mesmo assim,a policia militar
resiste e o combate vai durar até
as 14 horas do dia seguinte quando, esgotadas
as munições, são obrigados
a abandonar o quartel. Mas não se
rendem. Seguindo as orientações
dos comandantes Luis Julio e José
Otaviano Pinto tentam sair pela parte de
trás do quartel. Ao perceberem que
não havia mais resistência
as tropas rebeldes invadem o quartel e prendem
os que tentam fugir pelas margens do rio.
O único que conseguiu fugir foi o
tenente Francisco Bilac, atravessando o
rio potengi a nado, em direção
a ridinha. O tenente José Paulino
- conhecido com tenente “Zuza”
e muito ligado a Mário Câmara
- tenta esconder-se, mas é logo descoberto.
Esboça uma reação e
recebe uma rajada de metralhadora que o
atingiu no tronco e no ante-braço
esquerdo. Preso e ferido, teve pouco depois
de amputar seu ante-braço esquerdo.
Os comandantes Luis Julio e José
Otaviano Pinto tentam seguir pela margem
do rio potengi, rumo à Escola de
Aprendizes de Marinheiros, mas são
presos por uma tropa chefiada pelos motoristas
Sizenando Filgueira e Odilon Rufino Figueiredo,
ambos fardados de sargentos do 21 BC.
No combate ao quartel da
policia militar foram feridos os sargentos
Celso Anselmo Pinheiro e Celso Dantas Neto,
o cabo Severino Mendes e os soldados Antonio
Jósimo e Antonio Gervásio
Medeiros - todos com ferimentos leves e
um morto: Luiz Gonzaga.
Sobre essa morte, há
uma grande polêmica. Transformado
em herói pela policia militar em
função de sua “bravura
no enfrentamento aos comunistas e em defesa
da legalidade” teve, posteriormente
seu heroismo contestado. É o caso
do Dr. João Maria Furtado que , ao
se referir aos acontecimentos de novembro
de l935 em Natal, diz “... outro episódio
a esclarecer : Elementos que tomaram parte
efetiva na revolta e com atuação
destacada nela, sendo presos e posteriormente
condenados, entre eles Sizenando Filgueira,
Ramiro Magalhães e Carlos Wander
linder (...) além de outras pessoas
(...) sempre afirmaram que, realmente morreu
nas proximidades do quartel da policia um
pobre demente que vivia perambulando pelas
ruas de Natal, mas nunca fora soldado da
policia militar. Entretanto o major Luis
Julio resolveu “alistar”depois
de morto luiz Gonzaga como soldado da policia
que, assim, teve uma morte de herói”(Furtado,
l976, p.128)
Sizenando Filgueira, na
época militante do Partido Comunista,
para o qual havia entrada em l932 e que
participou ativamente do movimento(foi ele,
conforme relatamos, que prendeu os comandantes
da policia militar e do 21 BC), em entrevista
no dia 25 de agosto de l985 para o jornal
“O Poti”(Natal/RN), diz a respeito
de Luiz Gonzaga : “... ele não
era nem herói nem militar na época.
Era apenas um débil mental”.
E afirma que fora ele quem o matou “em
legítima defesa.”
No dia 29 de setembro de
1985, o jornal “O Poti” publicou
um artigo do jornalista Luiz Gonzaga Cortez(parte
de uma série de l9 artigos publicados
entre os dias 26 de maio e 24 de novembro
de l985, intitulado “O comunismo e
as lutas políticas no Rio Grande
do Norte na década de 30”)em
que o mesmo afirma que houve uma adulteração
no relatório da insurreição,
no qual Luiz Gonzaga teria sido inscrito
como soldado depois dos acontecimentos.
No dia l2 de outubro de l985, o jornal publica
uma carta do Dr. João Medeiros, chefe
de policia na época, que reconhece
ter adulterado o relatório, mas que
o fez “de boa fé “.
No dia 15 de setembro de
l985, o jornal “O Poti” publica
uma matéria com o titulo “Jornal
oficial não registrou “herói”,assinada
pelo mesmo jornalista, que reproduz a matéria
de capa do jornal “A República”
de 29 de novembro de l935. Embora o fato
do jornal oficial não registrar em
sua primeira edição depois
do movimento o suposto herói nada
signifique(podia ou não ser verdade
independente do registro),o que é
digno de nota na mesma matéria é
uma entrevista com o escritor Norte-riograndense
Manoel Rodrigues de Melo que diz “...
muitos anos depois é quecomeçaram
a falar nesse soldado (...) pois durante
e depois da revolução ninguém
falava nesse homem.”
No livro “ Meu depoimento”
de João Medeiros Filho, publicado
em l937, há em anexo, o relatório
do delegado auxiliar, Enock Garcia, em que
,ao se referir as vítimas do movimento
, consta uma relação em que
não aparece o nome de Luiz Gonzaga(p.111),
no entanto, em l980, em outro livro - “
82 horas de subversão” - ao
transcrever o mesmo relatório, acrescenta,
como primeiro da lista, “o soldado
Luiz Gonzaga, do Batalhão Policial”
(p.100).
No dia 30 de novembro de
1935, portanto, logo após a derrota
da insurreição, o governador
Rafael Fernandes visita os quarteis do 21
Batalhão de Caçadores e da
Policia Militar, acompanhado pela imprensa
e não faz qualquer referência
a morte de soldado da policia militar. No
dia 5 de dezembro de l935, o Cel. Otaviano
Pinto Soares, comandante do 21 BC em longa
entrevista ao jornal “correio da Manhã”do
Rio de Janeiro(transcrita no jornal A “República”de
Natal) , detalha sua participação
e não faz também qualquer
referência a morte de soldado da policia
militar. No entanto, em documento datado
de 7 de janeiro de 1936(anexo 1) o Governador
do Estado, envia ao comandante da 7a.Região
Militar o relatório do comandante
do Batalhão Policial Militar (anexo
2,3 e 4) datado de 23 de dezembro de 1935
em que diz “.. após a retirada
do quartel foi atingido e morto por certeiros
tiros do inimigo o soldado luiz Gonzaga
que na metralhadora pesada se salientara
como um bravo”. O curioso é
que jornal oficial “A República”publica
diversas matérias nos dias subsequentes
a insurreição e não
faz qualquer referência a morte de
soldado da policia militar. Destacam-se
essas matérias pelo fato de serem
muito detalhadas e pela forma como eram
redigidas, com o sugestivo titulo de “a
malograda rebelião extremista”
tal noticia certamente seria explorada ao
limite. E, fato importante : não
há nos autos dos processos referências
a essa morte, entre os centenas de indiciados
e presos e tampouco no julgamento dos processos,
o que não irá ocorrer em dois
outros casos de assassinatos, onde além
de constar os nomes dos envolvidos(e portanto
julgados também sob essas acusações),
está anexado aos autos do processo
cópias das respectivas autópsias.
Um documento importante
é o relatório do Coronel Artur
Silio Portela, encarregado do inquérito
policial militar, datado de 19 de março
de 1936(Rio de Janeiro), que detalha(32
páginas) os acontecimentos do “movimento
subversivo no Rio Grande do Norte”,
inclusive a resistência do quartel
da policia militar(pag.6) e não faz
referências a morte de soldado da
Policia Militar. Como trata-se de um relatório
minuncioso(consta inclusive a relação
de todos os militares do 21 BC indiciados)
caso isso tivesse ocorrido, dificilmente
não constaria no relatório.
Voltemos ao relato dos
acontecimentos: Dos oficiais do 21 BC que
conseguem entrar no quartel e são
presos imediatamente estavam os tenentes
Luiz Abner Moreira e João Telles.
Quintino, ao saber a prisão dos dois
manda chamá-los e tenta convencê-los
a aderir ao movimento. Não consegue.
No dia seguinte, a tarde, o tenente João
Telles foi levado ao hospital Miguel Couto
para conversar com Giocondo Dias, que também
não consegue convencê-lo.
Estavam presos no quartel
do 21 BC além dos 2 tenentes, 1 capitão,
1 major, 1 tenente coronel, o chefe de policia,
7 tenentes, 11 sargentos e alguns praças
e civis.
Afora o quartel da policia
militar a unica resistência encontrada
foi no quartel do pelotão de cavalaria
da policia. Com 9 homens aquartelados, ainda
conseguem resisitir até às
11 horas do dia seguinte quando, esgotadas
as munições, renderam-se.
A cadeia pública
(onde hoje se localiza o Centro de Turismo)
também foi atacada, mas face a superioridade
numérica(e bélica) dos atacantes,
a resistência dura pouco. Invadem
a cadeia e soltam 68 presos.
São ainda invadidas
- e seus ocupantes presos - a inspetoria
de policia, que foi cercada por um grupo
de homens armados, militares e civis tendo
à frente o inspetor fiscal Manoel
Justino Filho , o ex-inspetor da guarda-civil
Agostinho Campos e os civis Carlindo Revoredo
e Antonio Soares Filho que encaminham todo
o armamento ali existente junto com o material
do setor de almoxarifado para o quartel
do 21 BC.
Escola de Aprendizes de
Marinheiro. Esta escola funcionava no prédio
a Capitania dos Portos, no centro da cidade
quase por trás do quartel do 21 BC.
Como era uma escola de aprendizes, seu contingente
era constituido de menores que faziam uma
espécie de “estágio
preparatório”para ingressarem
na Marinha. O número médio
de aprendizes a cada ano era em torno de
l00 homens. No sábado a noite, quando
ocorreu o levante , estavam na escola um
sub-oficial, um sargento, 4 marinheiros
e aproximadamente 50 aprendizes. O comandante,
o capitão de corveta Leonel de Magalhães
Bastos , estava em sua residência.
Ao ouvir os tiros, dirige-se para a escola.
Ao chegar, é informado do levante
no 21 BC, sem que tivesse maiores detalhes
quanto as suas causas e objetivo. Tenta
comunicar-se pelo rádio com o comando
a região, na cidade do Recife, mas
não consegue . Pouco depois de sua
chegada, um contingente de soldados e civis
se aproximam da escola. Vinham ocupá-la.
Como era em número bem superior e
estavam bem armados, o capitão resolve
retirar o pessoal do prédio - cujos
fundos davam para o rio potengi. No rio
estavam alguns escaleres pertencentes a
escola. Ao perceberem que iam fugir os rebeldes
começam a atirar, mas não
conseguem ferir ninguém e mesmo sob
intensa fuzilaria, conseguem fugir dirigindo-se
para um velho navio que estava encalhado
na margem oposta do rio. Nesta mesma noite
o capitão, imaginando que o prédio
havia sido abandonado, tenta voltar, mas
é recebido à bala e retorna
ao navio. Pouco depois , junto com seus
comandados, se dirige para os navios estrangeiros
ancorados no porto, bem próximo ao
local onde estavam . São recebidos
pelo comandante do navio mexicano “G
24” onde ficam até o final
do movimento.
João Francisco Gregório,
o presidente do sindicato União dos
Estivadores, recebe de Quintino Clementino
a missão de ocupar o bairro das rocas(onde
ele e a maioria dos estivadores moravam)
e o cais do porto, não permitindo
a entrada ou saída de navios ou qualquer
embarcação. Estavam ancorados
alguns navios estrangeiros: Os vapores Harriron
Line e Both S.S. Co., uma esquadrilha mexicana
com 6 navios e um vapor brasileiro(“Santos”).
Antes que o grupo de estivadores ocupassem
o cais, algumas familias ricas da cidade
conseguiram chegar aos navios, onde se asilaram.
Manhã do dia 24
de novembro: João Francisco se dirige
ao vapor brasileiro e determina a paralisação
da estação radiotelegráfica
e apreende 20 cunhetas de munição
e 5 caixas de dinamite que estavam destinadas
ao Estado de Pernambuco. Esse material,
levado ao quartel do 21 BC seria pouco depois
empregado nos ataques aos municipios de
Panelas e Baixa Verde. São suspensas
também as operações
de cargas e descargas de todos os navios.
No inicio da tarde, com
a tomada do quartel da policia militar não
haviam mais resistências. A cidade
estava em poder dos revoltosos.
Quintino se reúne
com alguns militantes do partido comunista
a fim de decidirem o que fazer. Entre eles,
Epifânio Guilhermino, um motorista
de 29 anos que, junto com sua mulher, Leonila
Felix, foram um dos primeiros civis a invadirem
o quartel.(Leonila havia pertencido a União
Feminina, criada sob orientação
do partido comunista. Ao entrar no quartel,
onde permanece até a manhã
do dia seguinte, se arma e se farda de soldado,
usando um lenço vermelho no pescoço).
A ele coube a tarefa de trazer para o quartel
alguns carros particulares. Não haviam
muitos na cidade e não era dificil
saber quem eram seus donos e respectivos
endereços. As 7 horas da manhã,
juntamente com os motoristas Manoel Justino
Filho, José Bécora, Domicio
Fernandes e Gaspar Martins e mais 5 praças
do 21 BC saem em busca dos carros. A primeira
residência que teve carros requisitado
foi a do Sr. José Alves Bila, um
rico negociante da cidade. Estava em casa.
Entrega a chave de seus carros. Vistoriados,
apenas uma “baratinha” foi levada,
por se encontrar em boas condições.
Ao sair da casa do Sr.
Alves Bila, Epifânio manda três
dos cinco soldados que o acompanhava irem
até a residência do tabelião
Pedro Dias Guimarães(que havia sido
prefeito de Natal) . Ao chegarem a casa
do tabelião o encontram em casa.
Armados, não foi dificil convence-lo
a entregar a chave do cartório(localizado
no centro da cidade, próximo a Prefeitura)
De posse dela, Epifânio abre o cartório,
manda buscar gasolina num posto de atendimento
que ficava próximo e toca fogo no
cartório. Quando saem, os vizinhos,
alertados pela fumaça, conseguem
debelar o fogo, salvando parte da documentação.
Dalí, Epifânio
segue para o mercado publico onde será
acusado de saquear dois pontos comerciais
e depois vai a casa de um outro conhecido
negociante da cidade, o Sr. José
dos Santos. De lá retiram dois caminhões
e mais 2:000$000(dois mil réis) que
são encaminhados ao quartel do 21
BC. Em seguida, ao passar em frente a residência
do funcionário da costeira Otacilio
Werneck, na rua general Glicério,
encontra-o de pijama na porta da casa e
segundo o depoimento prestado à policia
após os acontecimentos pelos motoristas
Manoel Justino, Gaspar Martins, José
Bécora e Domicio Fernandes disse
: “vou experimentar o meu revólver”
e ato continuo fez diversos disparos (28).
Por tal crime Epifânio terá
a maior pena de todos os indiciados, presos
e condenados: 33 anos de prisão.
Depois disso ainda se dirige para o armazém
da viuva Machado, localizado na rua Chile,
no bairro da ribeira onde retiram diversas
mercadorias, e mais 500$000(quinhentos réis)em
dinheiro. Não se sabe bem o porque
, mas o fato é que houve um desentendimento
entre ele e um dos soldados que o acompanhava
e iniciam uma briga que resulta no ferimento
de Epifânio. Internado no Hospital
Miguel Couto é preso logo após
a derrota do movimento. Quando se recupera
é enviado para a prisão do
Rio de Janeiro no mesmo navio em que viajou
, também preso, o escritor Graciliano
Ramos que, no livro de memórias desse
período (Memórias do Cárcere)
lhe faz referências, assim como a
outros norteriograndenses presos.
Na tarde do dia 24 de novembro,
Quintino Clementino de Barros e Eliziel
Diniz, se reunem com a direção
do partido, na casa de um ferroviário,
no bairro da ribeira. Participam da reunião,
José Praxedes, José Costa
e João Galvão. Decidem pela
constituição de uma junta
composta por membros da direção
do partido, ficando assim constituída
: Quintino Clementino de Barros(36 anos),
Secretário de Defesa; Lauro Lago(36
anos), Secretário do Interior e Justiça;
José Macedo(33 anos), Secretário
de Finanças; João Galvão(33
anos), Secretário de Viação
e José Praxedes(35 anos), Secretário
de Aprovisionamento.
José Praxedes, em
entrevista quase 50 anos após os
acontecimentos, afirma que, definida a composição
oficial do novo governo, ele foi indicado
a fazer a proclamação oficial
ao povo de Natal “...fomos para a
praça do mercado, em frente ao quartel
do 21 BC e ali mesmo, na porta do quartel,
eu subi a murada e lí a proclamação
do Governo Popular Revolucionário.
O povo estava todo na praça e depois
da proclamação saudou o novo
governo com gritos de “viva a revolução”,
“viva o Governo Revolucionário”,
“viva Prestes”. Foi uma verdadeira
festa”(Oliveira Filho, l985, p. 63).
A proclamação em praça
pública realmente ocorreu, embora
seja dificil precisar o numero de pessoas
presentes. João Café Filho
vai se referir a esse episódio para
acusar Praxedes de querer fuzilá-lo
“... outro dirigente do PC, o sapateiro
Praxedes, Comissário do Povo para
os Negócios de Aprovisionamento,
num comicio em frente ao palácio,
pregou a inclusão do meu nome na
lista dos que deveriam ser fuzilados”(Café
Filho, 1966, p. 89) no relatório
do Cel. Artur Silio Portela, encarregado
do inquérito policial-militar, faz
referência a esse comicio dizendo
“...os oficiais presos no 21 Batalhão
de Caçadores puderam ouvir as pregações
dos comicios realizados na praça
fronteira ao quartel, onde foi aclamado
o “comitê” revolucionário
que deveria se encarregar dos destinos da
terra potyguar”(...)(29)
Constituída a junta
- auto-denominada Comitê Popular Revolucionário
- instalam-se na Vila Cincinato, situada
na praça Pedro Velho, no prédio
que servia como residência do Governador
Nessa reunião provavelmente
foi discutida a consolidação
do poder no interior do Estado, uma vez
que à noite começam a se formar
algumas colunas , que se deslocariam para
as principais cidades. Já nesta noite,
saem os primeiros caminhões . Para
cada uma foi nomeado um comandante, e segueriam
dentro de um plano pré-estabelecido.
Quanto a sua composição, naquelas
circunstâncias, não era possível
estabelecer qualquer critério. Iria
uma parte das tropas e os que ficavam, manteriam
a vigilância pontos estratégicos
já ocupados (ver mais adiante detalhes
sobre o deslocamento dessas colunas).
Dia 25 de novembro. Segunda-feira.
Às 9 horas da manhã, Nizário
Gurgel, um dentista de 48 anos, líder
político da Aliança Social(partido
do ex-interventor Mário Câmara)
no municipio de Canguaretama, acompanhado
por soldados do 21 BC vai a bordo do navio
mexicano “G 24” com o objetivo
de negociar a retirada de alguns civis e
militares que haviam se asilado no navio.
Conversa com o comandante, argumentando
que , em caso de negativa, seria proibido
o embarque de qualquer coisa para o navio,
incluindo gêneros alimentícios.
Mesmo com essas ameaças o Comandante
não aceita a retirada de qualquer
um dos asilados. Nizário se retira
e comunica o fato a João Francisco
Gregório, responsável pela
guarda do cais do porto, para que fossem
cumpridas as ordens de impedir a saída
ou entrada no navio sejam de pessoas ou
gêneros alimentícios (no seu
processo, um dos maiores referentes ao Rio
Grande do Norte, Nizário Gurgel anexa
diversas cartas de politicos, autoridades,
religiosos, etc, inocentando-o. Afirma que
sua ida ao navio tinha por unico objetivo
salvaguardar a vida dos que lá estavam)
A participação
do Dr. Nizário Gurgel e, ao que parece,
com ascendência, sugere a alguns analistas
a participação de “maristas”(partidários
de Mário Câmara) no movimento.
Discutiremos esse aspecto mais adiante.
Vitorioso o levante do 21
BC, logo foram instituidas algumas patrulhas
que passam a fazer rondas pela cidade.E
assim várias pessoas foram presas
e encaminhadas para a improvisada cadeia
na Vila Cincinato. Alguns por não
haver motivos que justificassem foram liberados
( Lauro Lago em seu depoimento a policia
diz que mandou soltar alguns por não
ter visto qualquer razão plausível
para terem sido presos). Outros ficaram
na cadeia. É o caso do Sr. Antonio
Quirino. Preso às 9 horas da manhã
quando se dirigia para a feira das rocas,
dizia desconhecer as razões de sua
prisão e acusava um dos integrantes
da patrulha de perseguição,
em função de desentendimentos
pessoais anteriores, ou seja de antigas
e não resolvidoas rixas (é
possível que casos semelhantes tenham
ocorrido). No dia seguinte, aproximadamente
às 22 horas foi retirado do xadrez
pelo sapateiro conhecido como “Moreira”(Manoel
“Pulga”), um cunhado e pelo
motorista Julio Fernandes e conduzido na
direção do municipio de Parnamirim.
Antes de chegarem, o retiram do carro e
o espancam violentamente, deixando-o na
estrada. ( nos autos do processos,há
detalhes sobre esse caso, embora não
fique claro as razões do espancamento.)
O primeiro documento da
Junta é um decreto de poucas páginas,
assinado no dia 25 de novembro pelo “Comitê
Revolucionário” que dissolve
a Assembléia Legislativa “por
não consultar mais os interesses
do povo e do Estado “e a destituição
do Governador Rafael Fernandes “em
virtude de não ter sido encontrado
em parte alguma deste Estado (...) fica
o mesmo destituido do seu cargo, que não
pode mais exercer”.
Foram pensadas também
algumas medidas que pudessem ter algum impacto
popular: Os preços dos bondes foram
reduzidos de 50 para 20 réis, sendo
providenciado também o imediato restabelecimento
dos serviços dos bondes. José
Praxedes, o Secretário de Abastecimento,
assina um boletim, distribuido aos comerciantes,
no qual solicita a reabertura de seus estabelecimentos.
O mesmo procedimento foi feito em relação
aos bancos, em documento assinado pelo Secretário
de Finanças, José Macedo.
Na segunda-feira, da 25
de novembro, nem o comércio nem os
bancos abriram. À tarde, José
Macedo foi pessoalmente à casa do
gerente do Banco do Brasil, junto com alguns
soldados e civis armados, solicitar a chave
do banco e dos respectivos cofres. Encontram
o gerente em casa. Ele informa que a chave
do banco e dos cofres estão com o
contador. Vão a casa do contador.
Não o encontram . Decidem ir ao banco(
localizado na rua Tavares de Lira, no bairro
da ribeira). Ao chegarem arrombam a porta,
mas não conseguem fazer o mesmo com
os cofres. Alguém sugere o trabalho
de um especialista.
Às 20 horas, o serralheiro
mecânico Manoel Severino de 33 anos
estava em sua residência quando chegou
um carro com os motoristas Lauro Teixeira
e João Maranhão, mais conhecido
como João“Pretinho”,(
ambos militantes do PC) acompanhados de
alguns soldados do 21 BC todos fardados
e bem armados, e o intimam a comparecer
à Vila Cincinato, sede do governo.
Ao chegarem na Vila, José Praxedes
o manda ir em companhia de José Macedo
ao Banco do Brasil a fim de que o mesmo
pudesse abrir os cofres do banco. Como ele
não estava com as ferramentas necessárias,
volta à sua residência, acompanhado
de soldados para em seguida, de posse de
uma maçarico, se dirigir ao banco.
Ao chegarem encontram alguns soldados que
haviam ficado dando guarda, uma vez que
a porta tinha sido arrombada na parte da
tarde. Com a ajuda do maçarico, Manoel
Severino abre o cofre, e é retirada
a quantia de 2:944:140$500(dois mil novecentos
e quarenta e quatro contos, cento e quarenta
mil e quinhentos reis)
Todo o dinheiro é
transportado em um caixote do próprio
banco, até a Vila Cincinato. Tomaram
parte, além do mecânico Manoel
Severino, os motoristas Lauro Teixeira,
João “Pretinho”, Arari
Silva, Odilon Rufino Figueirdo os militares
Raimundo Francisco de Lima (O Raimundo “Tarol”)
e José Maria dos Santos, além
de José Praxedes e José Macedo.
Na madrugada do dia 26
de novembro, o mecânico Manoel Severino,
acompanhado por José Canela(fundidor
de obras do porto), Carlos Linder(estudante)
e o tenente da policia militar Moises Costa
Pereira, vão ao prédio da
Recebedoria de Rendas (na rua Duque de Caxias,
na ribeira). A ida do mecânico era
para concluir o arrombamento já iniciado
por José Canelas(e não concluido
por falta de um maçarico). De lá
retiram a quantia de 93:873$797.
Na Vila Cincinato chegaram
ainda dinheiro arrecadado, sob a forma de
“requisição” da
Prefeitura de São José de
Mipibu (3:200$000) e da Agência de
Rendas Estadual (4:376$000) esta, por intermédio
do sapateiro Jaime de Brito, do motorista
Francisco Braz Leopoldo e do engenheiro
Renato Peixoto. É arrombado ainda
o cofre da Recebedoria de Rendas de Natal,
sendo retirado 154:178$140.
A soma desses valores era
uma fortuna para a época. Do total,
uma quantia insignificante voltaram aos
respectivos cofres. Após a derrota
do movimento, a policia consegue recuperar
parte do dinheiro. Há um relatório
policial onde consta a recuperação
de apenas 922:000$000. Do restante, não
há informações (só
com Lauro Lago, João Galvão
e José Macedo foram aprendidos 210:180$000
e com Quintino Clementino e Eliziel Diniz
8:000$000.) Posteriormente, houve diversas
acusações de apropriações
indébitas do dinheiro apreendido.
O próprio chefe de policia. Dr. João
Medeiros, é solicitado pela Assembléia
Legislativa do Estado para prestar informações
sobre “ que destino deu as sindicâncias
(...) sobre o desvio criminoso do dinheiro
apreendido em poder de implicados ou não
no movimento de 23 de novembro do ano passado
e praticado pela própria policia”
(foi chamado também para prestar
esclarecimentos sobre espancamentos de presos
na casa de detenção e a censura
ao “o Jornal” de Café
Filho).
Na manhã do dia
26 de novembro é enviada uma patrulha
à praia da ridinha, constituida por
soldados e civis, tinha à frente
o marceneiro Hemetério Canuto e João
Alves da Rocha. O objetivo era efetuar algumas
prisões e apreender armas, pois haviam
informações de que muitas
pessoas haviam fugido para lá Uma
dessas buscas foi feita na casa da familia
de Arnaldo Lira, que, a exemplo de outras
familias de Natal, estavam passando o final
de semana na praia, e informados do que
ocorrera , decidiram ficar. Indagado por
um dos soldados se haviam armas em casa,
Arnaldo respondeu : “só se
houver no morro mais próximo...”.
Irritado com a resposta, o soldado lhe dá
voz de prisão. Preso, ainda grita
“Anauê!”(saudação
integralista, muito comum na época).
É enviado imediatamente para Natal
e levado para a improvisada cadeia da Vila
Cincinato. Ao chegarem, um dos soldados
manda que ele repetise o que havia dito
por ocasião de sua prisão.
Ele não responde. Como Quintino Clementino
não estava na Vila naquele momento
e fôra ele que havia sugerido a patrulha,
Arnaldo foi encaminhado a uma sala onde
aguardaria à sua chegada. Um dos
soldados porém, antes de colocá-lo
na sala improvisada de cadeia, tira-lhe
a carteira e um relógio de ouro.
Iniciam uma discussão, que termina
em briga tendo o soldado o atingido com
a ponta do sabre. Carregado para o Hospital
em função da gravidade do
ferimento, não resiste e morre poucos
dias depois. Era o segundo assassinato desde
o início do levante.
Terça, 26 de novembro.
Pela manhã, um avião da companhia
Condor, um dos que estavam no aeroporto
quando este foi ocupado por tropas do 21
BC, sobrevoa a cidade, pilotado por Audélio
Silvério, soltando boletins da Junta(
no dia anterior foram impressos pequenos
comunicados à população.
Como os jornais não circularam, foi
dada a idéia de se utilizar um dos
aviões que estavam no hangar do aeroporto)
Necessitando comunicar-se
com a população, a Junta decide
pela circulação de um jornal
com o nome de “A Liberdade”.
A tarde , a redação do jornal
“A República”situado
na rua Junqueira Aires, esquina com a Juvino
Barreto, no bairro da Ribeira, foi ocupada
por soldados e civis armados , tendo à
frente Raimundo Reginaldo da Rocha. Professor
primário, era da direção
do partido comunista e um dos seus fundadores
na cidade de Mossoró, de onde havia
chegado há pouco tempo.
No prédio, apenas
um vigia. E entre os que invadiram não
havia quem soubesse fazer as máquinas
funcionarem. Foram então enviadas
patrulhas com soldados armados às
casas dos operários que trabalhavam
na gráfica do jornal. A partir da
localização da casa de um
deles, foi possível identificar e
localizar os demais. Todos estavam em casa
e são intimados à irem trabalhar.
As matérias já estavam prontas
(algumas batidas à máquina
e outras manunscritas. Ao ser designado
pela Junta governativa, Raimundo Reginaldo
já as trouxera da Vila Cincinato)
faltando dá-lhes apenas “uma
feição jornalística”,
para o qual foram incumbidos Otoniel Menezes
e Gastão Correia, auxiliares de redação
do jornal “A República”(30)
Além de Raimundo
Reginaldo e sua filha Amélia Reginaldo
- uma das mulheres que invadem o quartel
e veste uma farda de soldado e será
uma espécie de secretária
informal da Junta - comandavam as operações
Francisco Menelau e Israel Pedroza, ambos
armados de fuzis e com fardas do 21 BC.
À noite, concluída
a parte de diagramação, o
jornal foi a gráfica, sendo rodados
mais de mil exemplares que deveriam ser
distribuidos à população
no dia seguinte. Trazia em sua primeira
página dois artigos “Delenda
fascista”e “Sob a aleluia Nacional
da Liberdade” e nas demais, várias
notas sobre a revolução, o
hino da Aliança Nacional Libertadora
e na ultima página sobrou um pequeno
espaço que foi devidamente preenchido
com a propaganda do “Sal de fruta
Eno”...No entanto,o movimento foi
derrotado antes que o jornal pudesse ir
às ruas.
Neste dia também
circulavam rumores de que na Vila Cincinato
estavam sendo distribuídos gêneros
alimentícios à população,
o que levou muita gente a se deslocarem
para lá. Não era verdade.
Embora fosse intenção da Junta
não tiveram sequer o tempo necessário
para pensar em medidas como essa (como seriam
feitas as distribuições? onde
arranjariam tantos alimentos? ) e a maior
parte do que havia sido requisitado (ou
foram resultados de saques em lojas comerciais
e armazens), foi encaminhado para o quartel
do 21 BC. Não havia condições,
naquelas circunstâncias, para fazer
distribuição de comidas. José
Praxedes assina diversas requisições
aos comerciantes. Como o comércio
não abriu, alguns armazens foram
arrombados e saqueados, como foram os casos,
entre outros, das casas comerciais de Clóvis
Fernandes, Viúva Machado, a chilenita,
M. Martins e Cia.(representante da Ford
em Natal), companhia Souza Cruz, Armazem
Copacabana, Joalharia M. Alves Afonso, A
Paulista, G. Galvão e cia, A barateira,
Severino A. Bila e Casa Elias.
Haviam também rumores
na cidade de que os presos civis e militares
que estavam no quartel do 21 BC iriam ser
fuzilados. Isso levou os cabos Adalberto
Correia, João Leite Gonçalves
e Erácito Lacerda e os sargentos
Amaro Pereira e Claudio Dutra e o soldado
Joaquim Neves, após conversarem com
outros cabos(entre eles, Giocondo Dias,
que havia saído do hospital nesse
dia) e sargentos, a formarem uma comissão
e falar com os membros da Junta. Queriam
preservar a vida de todos os presos, entre
os quais se encontrava o chefe da policia,
João Medeiros Filho que, em depoimento
posterior afirma que, por três vezes,
o quizeram tirar da prisão, com intenções
de fuzilá-lo(Medeiros Filho, 1937,
p.59 ). A comissão foi formada pelos
cabos Adalberto Correia e Giocondo Dias.
Essa comissão conta com o apoio do
sargento Quintino Clementino de Barros,
que desconhecia qualquer plano nesse sentido.
De qualquer forma, vão até
a Vila Cincinato e conversam com os outros
membros da Junta, que, igualmente, desconheciam
planos de fuzilamento e discordavam desse
procedimento. Mas como o xadrez era improvisado,
temiam algum insensatez do gênero
e concordaram em retirá-los do quartel.
A sugestão da comisão era
que fossem conduzidos para a bordo do navio
mexicano que estava ancorado no porto e
já havia dado asilo a diversas pessoas,
entre civis e militares. À tarde,
os sargentos Claudio Victor e Amaro Pereira
estiveram a bordo do navio negociando com
o comandante a transferência dos presos.
O Capitão Nestor Meixueiro, comandante
da corveta, aceita recebê-los. Na
prática, significava asilo político
dos presos pelo próprio movimento...
um ato que expressava a falta de segurança
de seus dirigentes, uma vez que, quando
isso ocorre, ainda tinham pleno dominio
da cidade.
Noite do dia 26 de novembro.
Crescem rumores na cidade de que Natal iria
ser bombardeada por aviões vindos
da Paraíba, Ceará e Pernambuco,
além do deslocamento de tropas do
exército desses Estados por via terrestre,
ocupando as principais vias de acesso à
cidade. A Junta se reune para avaliar a
situação. De Recife, chegam
noticias do fracasso do levante do 29 BC,
da Paraíba, ao contrário do
que dizia o jornal “A Liberdade”
(“...podemos assegurar a todos os
camaradas deste Estado que a Paraíba
já se encontra sob o governo revolucionário
do intrépido companheiro major João
Costa”) sabem também do deslocamento
do Batalhão de Caçadores da
Paraíba, saindo de João Pessoa
em direção à Natal.
Isso significava que a esperada adesão
de outras unidades militares do Nordeste
- e do país - não ocorrera..
Além disso, tinham informações
da derrrota que acabaram de sofrer na “Serra
do doutor”(localizada entre os municipios
de Santa Cruz e Currais Novos) por tropas
organizadas por Dinarte Mariz , com reforço
de homens recrutados na Paraíba.
Há um consenso na
reunião de que não havia como
organizar uma resistência.(pouco antes,
a Junta tinha decide fazer um comunicado
à população e manda
imprimir panfletos, datado de 27 de novembro,
em que afirmava-se que tais noticias não
passavam de boatos para semear o desânimo
e a ameaçava punir com rigor seus
responsáveis) O movimento estava
derrotado e a única alternativa era
a fuga. Praxedes, um dos membros da Junta
e presente a essa reunião, diz “...
às 11 horas da noite do dia 26(...)
nós estávamos todos no palácio
quando chega um emissário de Quintino
com um telegrama que havia sido enviado
pelo Comandante das forças legalistas
do Recife. O telegrama dizia o seguinte:
“a fim de não derramar precioso
sangue nossos irmãos, deponham armas.
Já consolidados posições
em Recife. Amotinados foram presos. Estamos
vitoriosos”(Oliveira Filho, l985,
p 76-77 ).
Discutem o que fazer com
os presos. Lauro Lago, presente a reunião,
em depoimento prestado à policia
posteriormente acusa Praxedes de querer
fuzilar os presos “só não
o fazendo por não encontrar apoio
nos demais”(31).
Decidem enviá-los ao navio Mexicano,
cujo contato já havia sido estabelecido
na parte da tarde. A entrega dos presos
foi feita na madrugada do dia 27 de novembro
pelos cabos Giocondo Dias, Estevam Guerra
e Adalberto José da Cunha. Além
dos prisioneiros, entregam material belico,
inclusive metralhadoras, fuzis e munições,
para em seguida fugirem, cada um seguindo
rumos diferentes.
Sem os prisioneiros - que
poderiam eventualmente servir como garantia
para a retirada - e com as informações
sobre o fracasso do movimento, o 21 BC recebe
ordem para debandar. E que cada um seguisse
seu próprio caminho...
A junta se divide para
a fuga. O dinheiro que haviam arrecadado(e
guardado em caixotes na Vila Cincinato)
foi dividido entre os que haviam participado
mais ativamente e estavam com eles naquele
momento. Quintino Clementino e Eliziel Diniz,
segueriam de carro rumo ao municipio de
Baixa verde, enquanto Lauro Lago, João
Galvão e José Macedo iriam
em direção à Recife
em outro carro, tendo como motorista Manoel
Justino enquanto José Praxedes segueria
sozinho em outra direção.
Nas primeiras horas do
dia 27 de novembro saem os dois carros com
os membros da Junta. O movimento não
tem mais direção. Lauro Lago,
José Macedo e João Galvão
chegam de madrugada na cidade de Canguaretama,
próximo à divisa com o Estado
da Paraíba. Decidem dormir, se hospedando
na casa do Dr. Nizário Gurgel. Ao
amanhecer, saem em direção
à João Pessoa. Um pouco adiante,
encontram-se com tropas comandadas pelo
major Elias Fernandes da Policia Militar
da Paraíba, que se deslocava para
Natal e são presos. Com eles são
apreendidos a importância de 210.180$000.
Quintino Clementino e Eliziel
Diniz não ficam em Baixa Verde. Seguem
para Pedra Preta, onde são presos
às l8 horas do dia 27 de novembro,
por tropas policiais da Paraíba que
se deslocavam para Natal. São conduzidos
para à cadeia de Baixa verde e no
dia seguinte, levados à casa de detenção
de Natal. Com eles são apreendidas
a quantia de 8.000$000.(32)
José Praxedes e
Giocondo Dias, seguindo rumos diferentes,
conseguem fugir. O primeiro, só reapareceu
com sua verdadeira identidade em l984 (Oliveira
Filho, l985) e quanto a Giocondo Dias, ao
fugir, leva consigo um pacote de dinheiro.
Ao passar em Lages, entrega um pacote a
Manoel Aprigio contendo sete contos de réis
para ser guardado. Mas este, ao invés
de guardar o dinheiro, entrega-o ao prefeito
da cidade que, por sua vez, entrega-o a
policia (33). Giocondo
fica escondido até abril de 1936
na fazenda de um amigo, Paulo Teixeira,
quando houve um desentendimento entre eles
e recebe inúmeras punhaladas. Ferido,
é enviado a um hospital e em seguida
entregue a policia.
A noticia da fuga da Junta
logo chegou aos rebeldes. A fuga é
geral. E assim como disse Nizário
Gurgel : “... sem ordem, sem controle
e sem articulação, o movimento
fracassou, e ficou a confusão esteriotipada
no semblante dos rebelados, a impressão
nítida do fracasso que os aguardava(...)”
(34)
Com a noticia da fuga da
Junta os estivadores, que estavam dando
guarda no cais do porto e no bairro das
Rocas, depõem as armas, entregando-se
a policia sem oferecer qualquer resistência.
É o ultimo ato.
Os comandantes do 21 BC
e da Policia Militar , se dirigem para os
respectivos quarteis e logo organizam patrulhas,
que se deslocariam pela capital e cidade
do interior, prendendo os revoltosos. A
essas alturas, chegam as tropas vindas da
Paraíba e Ceará que os ajudam
na prisão dos foragidos. É
o fim do movimento.
Notas
26 -
Depoimento do então secretário
do governador Rafael Fernandes, Aldo Fernandes,
in “memória Viva”, Nossa
Editora, Natal, l987, p.21