Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
A
Insurreição Comunista de 1935 –
Natal, o primeiro Ato da Tragédia
Homero de Oliveira Costa
Nosso
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de Produção
Capítulo
II
A Conjuntura política do Rio Grande
do Norte: 1930-1935
2.2 - A organização
da classe trabalhadora no Rio Grande do
Norte
Durante
a chamada República Velha (l889-l930)
a classe trabalhadora no Rio Grande do Norte
era bastante reduzida. Para se ter uma idéia,
basta lembrar que, de acordo com o Censo
Demográfico de 1920 o Estado possuia
l97 estabelecimentos industrias, todos classificados
como micro industrias (pequenas fábricas
de sabão, bebidas,etc), com um no
total geral de apenas 2.l46 operários(uma
média de 11 operários por
industria).
As primeiras organizações
da classe trabalhadora vão surgir
nas cidades portuários, pois como
salienta Itamar de Souza era “ onde
sempre foi mais fácil o contato com
idéias que circulavam nos centros
populacionais mais desenvolvidos no país”
(Souza, l989, p.78). As primeiras organizações
sindicais foram criadas, de um lado, com
a participação do Partido
Comunista que, a partir de l926, forma os
primeiros nucleos no Estado, organizados
principalmente na importante região
salineira de Mossoró e por outro,
pelo então advogado João Café
Filho, que ajuda a organizar diversos sindicatos
e vai liderar as primeiras manifestações
grevistas que se tem noticias no Estado,
especialmente a partir de l926. O governo
Juvenal Lamartine(1926-l930) vai reagir
de forma violenta: manda fechar inúmeros
sindicatos que começavam a se organizar
(como o dos ferroviários da Great
Western e sapateiros em Natal), reprimindo
os trabalhadores com a ação
da policia, tendo inclusive não só
empastelado o jornal criado por Café
Filho,( “O Jornal”) como expulsando-o
do Estado . No que diz respeito ao trabalho
de organização realizado pelo
partido comunista, diz José Praxedes,
um de seus fundadores no Estado “
... num Estado praticamente sem indústrias
de grande ou médio porte e sob um
governo que reprimia qualquer tentativa
de organização das classes
subalternas, o trabalho do partido enfrentou
grandes limitações”
(Oliveira Filho, 1985, p.33). De qualquer
forma, tem influência direta na fundação
de alguns sindicatos, como o de salineiros
em Mossoró e o dos sapateiros em
Natal e, posteriormente, contribuindo decisivamente
para a organização de outros
sindicatos.
Veio a revolução de l930.
Juvenal Lamartine é deposto e tem
inicio pouco depois , a exemplo do que ocorrerá
em outros Estados, as interventorias tenentistas.(14).
Do ponto de vista da classe trabalhadora,
em que pese a repressão do governo
deposto no inicio da década de l930
já haviam inúmeros sindicatos
organizados.
No entanto o período que vai de l930
até meados de l932 pode ser considerado
como um período de estagnação
do movimento operário no Estado.
De um lado, a ascendência de Café
Filho, que identificado com os vitoriosos
de outubro de l930, havia voltado ao Estado
gozando de enorme prestígio e logo
é nomeado chefe de policia, passando
assim a integrar o aparelho de Estado e
salienta Spinelli “ ... neste momento
o cafeismo perdeu suas características
heróicas da primeira fase. Se nos
anos 20, ele fôra instrumento de revolta
e protesto contra uma ordem liberal| excludente
que marginalizava inapelavelmente as massas
urbanas e a classe operária em particular,
agora, nos anos 30, ele se convertera em
mera ideologia, ideologia de manipulação,
de imposição do projeto de
sindicalização nos moldes
corporativos, apoiado no aparato repressivo
e centrado na idéia de colaboração”
(Spinelli, l989, p.170)
Ao Partido Comunista, concentrado basicamente
em Natal e Mossoró, com poucas células
organizadas e um trabalho de sindicalização
e organização dos trabalhadores,
que além da repressão policial,
concorriam com os sindicatos “cafeistas”(mais
preocupados em manter a ordem do que ampliar
a organização dos trabalhadores)
restava denunciar o “cafeismo”
como aliado das oligarquias
No período de 31 de julho de 1932
a 10 de junho de 1933 julho a 31 de Julho
de 1932, o Rio grande do Norte terá
a mais progressista das interventorias :
a de Hercolino Cascardo(que será
o presidente da Aliança Nacional
Libertadora)É nesse período
que haverá o ambiente mais favorável
à organização da classe
trabalhadora, sem a repressão que
caracterizara o período anterior.
Ele incentivará a sindicalização,
assegurando a liberdade de organização.
E a maior expressão disso será
a criação, em 1932, da União
Geral dos Trabalhadores, sob orientação
do partido comunista e que irá atuar
à margem da legislação
sindical imposta pelo Ministério
do Trabalho e ao mesmo tempo que significará
uma ameaça a hegemonia cafeista.
Uma listagem, possivelmente incompleta(não
há praticamente registro em arquivos
e jornais da época) das organizações
sindicais só em Natal no inicio de
l933, inclui : o Sindicatos dos Estivadores
Natalenses(depois União dos Operários
Estivadores); Sindicato dos Sapateiros (ambos
sob a direção de militantes
do partido comunista), Sindicato dos Pedreiros
de Natal, União Social Beneficente
dos Motoristas, Sindicato dos Ferroviários
da Great Western, Sindicato dos Marceneiros
e Pintores de Natal, União Sindical
da Prefeitura de Natal, Sindicato dos trabalhadores
das Docas do Porto(em oposição
a União dos Estivadores), Sindicato
dos Pintores, Sindicato dos Professores
Norte-Riograndense e Centro Operario Natalense.
O de maior número de filiados eram
os sindicatos dos Estivadores em Natal e
dos Salineiros em Mossoró, ambos
com os respectivos presidentes militantes
do partido comunista. No caso dos estivadores,
sua organização se dá
a partir de 1934. Nesse período passou
a ser conhecido como sindicato da “estiva
livre” porque não se submetia
a burocracia estatal (os sindicatos oficiais
precisavam ser reconhecidos junto ao Ministério
do Trabalho. O dos estivadores, precisavam
ainda da autorização do Ministério
da Marinha, através da Capitania
dos portos) ao contrário dos sindicatos
formados por Café Filho, que se submetia
à burocracia estatal, e outros que
foram formados sem sua influência
direta. Uma explicação para
a recusa do sindicato dos Estivadores a
influência do partido comunista, em
especial da liderança de João
Francisco Gregório. É um sindicato
importante porque congregava um numero expressivo
de trabalhadores, devido ao fato de Natal
possuir um porto que, naquele momento, tinha
um grande movimento, com a presença
constante de navios estrangeiros(que transportavam
algodão e sal do Estado principalmente
para a Europa) e navios brasileiros, tanto
cargueiros, quanto de passageiros. Foi o
sindicato dos estivadores o primeiro a formalmente
aderir a Aliança Nacional Libertadora
em Natal, em abril de l935. Quanto aos salineiros,
concentrava um significativo numero de operários,
variando conforme a época, de 3 a
5 mil trabalhadores( Ferreira, 1989, p.
102). O partido comunista terá um
papel fundamental não apenas na sua
organização, como de outros
sindicatos na região oeste do Estado
e, segundo Ferreira, com uma particularidade
: em todos os casos a fundação
do sindicato era precedida da organização
do núcleo do partido(l989,p.106).
O sindicato é organizado em finais
da década de 1920 e vai eleger, sucessivamente,
militantes comunistas em sua direção.(15)
Quanto aos enfrentamentos dos trabalhadores
com o patronato, podemos dizer que no período
compreendido entre l932 e l934 - que vai
corresponder no Estado a organização
de inúmeros sindicatos (entre outros,
o sindicato do Comércio de Natal,
o Sindicato Misto dos Proletários
Natalenses e Sindicato Gráfico Natalense)-
não há registro de qualquer
movimento grevista.
A partir daí, diversas categorias
passam a utilizar a greve como forma de
luta (16) . No início
de julho de 1934 o Interventor Mário
Câmara se ausenta do Estado e assume
interinamente o diretor do Departamento
da Fazenda Estadual, José Lagreca.
Poucos dias depois, os operários
da estrada de ferro em Mossoró entram
em greve, reivindicando um aumento salarial
de l00% . Os diretores da Great Western
não aceitam e sugerem a concessão
de 50%. O sindicato rejeita a proposta.
No dia seguinte, outras categorias, como
a dos salineiros de Mossoró e Macau,
decidem também entrar em greve, reividicando
melhorias salariais. O governo intervém,
preocupado com a extensão do movimento,
formando uma comissão mista, constituida
pelos patrões e os trabalhadores
e acaba-se chegando a um acordo.
No dia 12 de fevereiro de l935 os operários
da Companhia Força e Luz(na realidade
era a ligth, empresa canadense que atuava
em todo o país e que em Natal tinha
o monopólio dos serviços de
bondes, água,luz e telefone)pela
primeira vez entram em greve, reividicando
um aumento salarial de 40% o cumprimento
da jornada de 8 horas de trabalho e ainda
melhorias no serviço de saúde
prestado pela empresa. A direção
da Companhia não aceita as reinvidicações
e se mantém intransigente , não
reconhecendo o sindicato como representante
dos trabalhadores. Essa greve se prolongará
até o dia l9 de fevereiro, tendo
os operários inclusive ocupado as
instalações das empresas .Como
se tratava de serviços essenciais
(principalmente água, luz e transportes)
trouxe transtornos significativos à
cidade e era matéria constante nos
jornais locais. O comandante do 21 BC, Major
Josué Freire, que havia assumido
o comando do Batalhão em fins de
l934, preocupado com os desdobramentos dessa
greve, envia uma carta, datada de 16 de
fevereiro de l935, ao comandante da 7ª
região militar, general Manuel Rabello,
na qual acusa o Interventor Mario Câmara
e a Policia Militar de serem coniventes
com o movimento paredista. Ao se referir
especificamente a greve, diz “...
a capital continua sem luz, sem bondes,
sem água e a partir de amanhã
será privada de carne verde ,pão
e outros alimentos” (Freire,l938,
p.132). No dia seguinte recebe um telegrama
do general, autorizando-o a se entender
com o Interventor visando a manutenção
da ordem e garantir que os operários
não solidários com a greve
pudessem trabalhar. Com o telegrama em mãos,
o comandante do 21 BC é recebido
pelo Interventor. Discutem a greve e surge
a proposta de se formar uma comissão
de conciliação, composta por
membros do governo, representantes dos trabalhadores
e de um representante do Ministério
do Trabalho. Essa proposta é aceita
pelos trabalhadores. No dia l8 de fevereiro
chega à Natal, proviniente do Rio
de Janeiro o representante do ministério.
A noite, a comissão de reúne
e chegam a um acordo. A greve acaba no dia
seguinte.
No dia 5 de março de l935, tem inicio
uma greve inédita em Natal : a dos
motorista de Taxi, motivada pela expulsão
de três motoristas do bar do Aero
Club de Natal e que dura alguns dias, com
os motorista reividicando às autoridades
punição àqueles que
os haviam discriminados.
No mês de agosto é realizado
na sede da União dos Estivadores
em Natal, o I Congresso da Unidade Sindical
, marcado em junho quando da realização
de uma reunião “pró
unidade sindical do Nordeste” que
se constituiu numa tentativa de alguns sindicatos(entre
eles, o dos estivadores) de congregar diversos
sindicatos do nordeste. O objetivo era a
formação da União Geral
dos Trabalhadores, tentativa realizada em
l932, mas que não conseguiu reunir
um numero expressivo de sindicatos. Articulado
pelo partido comunista, tem entre suas principais
lideranças João Francisco
Gregório, presidente do Sindicato
da União dos Estivadores ( eleito
em 12 de junho de l935 para o exercício
l935\l936)que neste congresso é eleito
lº tesoureiro. Não há
registro das deliberações
do congresso e tampouco de sua representatividade,
mas o fato é que a formação
da pretendida Uniâo Geral dos Trabalhadores
não foi realizada, especialmente
porque três meses depois ocorre o
levante em Natal e a repressão que
se segue vai inviabilizar, por vários
anos, a organização dos trabalhadores,
não apenas no Estado do Rio Grande
do Norte, como do Brasil..
De junho a novembro de l935, o palco das
agitações operária
estará na região oeste do
Estado. Em novembro, no dia 7, data em que
as tropas do 22º BC da Paraíba
retorna de Natal para João Pessoa,
é iniciada uma greve dos ferroviários
da Great Western que terá ramificações
na Paraíba, Pernambuco e Alagoas.
No Rio Grande do Norte, a companhia não
apenas recusa a proposta de aumentos salariais,
como não recebe uma comissão
de trabalhadores. Na madrugada do dia 8
de novembro, os operários em greve
inutilizam 2 quilômetros de linha
férrea, postes e isoladores e cortam
ainda todos os fios da rede a partir de
quilômetro 9 (saindo de Natal).
Neste dia o chefe de policia do Estado indefere
um requerimento da “ frente popular
pela liberdade” organizada há
pouco( provavelmente resultado do congresso
da Unidade Sindical realizado em agosto,
uma vez que se apresentava como representantes
de várias categorias ) a qual através
do seu representante, Joaquim Fontes Galvão
- que havia sido presidente da ANL no Estado
- solicita autorização para
a realização de um comicio
que seria realizado no dia 8 de novembro,
às l9 horas, na rua João Pessoa
, no centro da cidade. Na justificativa
do indeferimento, diz o chefe de policia
“ ... seria um atentado a situação
atual e a sociedade” e que “a
frente popular pela liberdade faz propaganda
de idéias comunistas, com excitação
das massas à prática de violências”
. Mesmo assim, os organizadores tentam realizar
o comicio, mas, ao chegarem no centro da
cidade encontram um grande numero de policiais,
com o reforço da cavalaria de policia
e são obrigados a se dispersarem.
Enquanto isso, a greve dos ferroviários
continua. No dia 9 de novembro estão
parados os trens que saiam de Natal para
Nova cruz. No dia seguinte o Governador
Rafael Fernandes ordena o deslocamento de
um grande contingente policial para a cidade
de Nova Cruz, contando com a participação
não apenas da policia militar, como
do 21ºBC e da policia da Paraíba.
Com a chegada da policia e soldados do 21
BC, os trabalhadores realizam uma assembléia
no dia 13 de novembro e decidem aceitar
a proposta da companhia que oferecia 50%
de aumento e não punição
aos grevistas. Como se estendia a outros
estados essa greve vai praticamente paralizar
todo o movimento ferroviário do Nordeste.
Tem maiores proporções em
Pernambuco onde, face a trruculência
policial, passou a contar com a simpatia
da população e segundo Gregório
Bezerra até mesmo de alguns soldados
do 29ª BC que haviam sido mobilizados
para reprimir a greve.(Bezerra, 1979, 239-240).
Ele inclusive crê que a adesão
de praças do exército talvez
tenha contribuido de forma decisiva para
que o Governo Federal preparasse uma desmobilização
em massa nos quarteís do Nordeste,
- e os governos estaduais em relação
as policias militares e as guardas-civis
- o que levou, segundo ele, a direçao
do Partido Comunista a baixar uma resolução
para o Nordeste, ordenando que, no caso
da desmobilização em massa,
se poderia dar inicio ao movimento revolucionário
(Idem, p. 239-240)
Conforme veremos, a desmobilização
no quartel do 21ºBC vai ser um aspecto
importante, talvez decisivo para a insurreição
no dia 23 de novembro em Natal.
Notas
14
- Para melhor conhecimento desse processo
no Rio Grande do Norte, consultar Mariz(l982)
e Spinelli(1989)
15 - Para melhores informações
sobre o sindicato dos salineiros, consultar
Brasilia Carlos Ferreira, “O Sindicato
dos Garranchos”, Dissertação
de Mestrado, Pontificia Universidade Católica
de São Paulo, l988.
16 - Ricardo Antunes mostra
como a partir de 1934 o movimento grevista
ressurgiu no Brasil de forma vigorosa favorecido
pela conjuntura política - a vigência
da Assembléia Constituinte e a relativa
liberalização que marca o
governo provisório(Antunes, 1982)
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