Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
A
Insurreição Comunista de 1935 –
Natal, o primeiro Ato da Tragédia
Homero de Oliveira Costa
Nosso
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de Produção
Capítulo
II
A Conjuntura política do Rio Grande
do Norte: 1930-1935
2.1
– As Forças Políticas
em Jogo
A Interventoria Mário Câmara
e a reação Oligárquica
Para
se compreender a insurreição
comunista de 1935 em Natal, torna-se necessário
ampliar o marco histórico, retrocendendo
ao inicio dos anos l930 no Rio Grande do
Norte, especialmente a partir de l933 quando
assume a Interventoria do Estado o Sr. Mario
Câmara.
O período compreendido entre os acontecimentos
de outubro de l930 até l933 vai ilustrar
as dificuldades da consolidação
de novas forças políticas
a nível local. Como se sabe, a revolução
de l930 vai significar, entre outras coisas,
a derrota das oligarquias que haviam dominado
a política brasileira durante os
ultimos 40 anos. No entanto, mesmo tendo
sido alterada a correlação
de forças a nível do poder
federal, em muitos Estados as oligarquias
ainda detinham importantes parcelas de poder
a ponto de, com a inevitabilidade da convocação
de uma Assembléia Nacional Constituinte
em l933(consequência da conjuntura
politica pós revolução
Constitucionalista de Sào Paulo em
l932), Vargas, para se manter no poder,
vai novamente se aproximar das oligarquias
a quem, por força das armas, havia
derrotado em l930 .
No Rio Grande do Norte, o período
de l930 a l933 é caraterizado por
um alto índice de “turbulências”
políticas, registrando-se uma grande
rotatividade das interventorias tenentistas.
O Estado tem vários interventores
- a maior rotatividade em termos nacionais
- no geral, bastante atribuladas e de pouca
duração. Por ocasião
da revolução de l930 era governador
Juvenal Lamartine, representante das oligarquias
que há muito detinham o poder político
e econômico do Estado, cuja base de
sustentação estava localizada
na região do seridó, maior
produtora de algodão, principal produto
da economia regional. Lamartine governou
com “ mão-de-ferro” reprimindo
duramente qualquer oposição
e a incipiente organização
dos trabalhadores. l930 encontrará
o Estado com os sindicatos operários
fechados e praticamente sem oposição
organizada. João Café Filho
um advogado que se notabilizou na década
de l920 por organizar diversos sindicatos
e se colocar frontalmente contra as oligarquias
representadas por Juvenal Lamartine - e
será um dos mais influentes políticos
do Estado na década seguinte - estava
com seu jornal proibido de circular e ele
mesmo proibido de entrar no Estado (8).
No dia 5 de outubro de l930, o 29º
Batalhão de Caçadores, unidade
do exército sediada em Natal, marcha
sobre a capital e depõe, sem resistências,
o governador. Constitui-se uma junta militar.
No dia 12 de outubro, Juarez Távora
chega a Natal e em reunião com a
junta, indica o paraibano Irineu Jofily
para exercer interinamente o cargo de presidente
provisório do Estado(as interventorias
foram criadas posteriormente). A posse se
dá no mesmo dia. E tem efêmera
duração: até o dia
27 de novembro, portanto, pouco mais de
um mês. E a partir daí, até
2 de agosto de l933 quando Vargas indica
Mário Câmara, se registra uma
grande rotatividade de interventores, expressão
das dificuldades de se governar o Estado:
a primeira interventoria tenentista é
a de Aluisio Moura - que fica de 28 de novembro
de l930 a 2 de julho de l93l; em seguida
é nomeado Hercolino Cascardo , capitão
da Marinha e fica até 10 de julho
de l932. É substituido pelo tenente
Bertino Dutra que assume no dia ll de julho
de l932 e governa até 01 de agosto
de l933, quando é nomeado Mário
Câmara.(9)
O ano de l933, com Mário Câmara,
o primeiro civil a assumir a interventoria
no Estado , vai marcar o inicio de uma crise
a nível estadual, envolvendo o Interventor
e as oligarquias derrotadas em 1930, cujo
desfecho se dará com a posse de Rafael
Fernandes em 29 de outubro de l935, o que
vai significar o retorno ao poder das oligarquias
que durante toda a primeira república
tiveram o controle absoluto do poder local
(O Rio Grande do Norte, será o ultimo
Estado a dar posse ao Governador, eleito
pela Assembléia Legislativa).
O marco inicial dessa crise será
a realização das eleições
para a Assembléia Nacional Constituinte,
em maio de l933.( A convocação
das eleições para a Constituinte
Nacional, a 3 de maio de l933, e sua consequente
instalação, em novembro do
mesmo ano, vai criar no país um certo
clima de “volta a normalidade”,
após os acontecimentos de l932 em
São Paulo, que deu o impulso decisivo
para a convocação de uma Assembleia
Constituinte em maio de l933).
No Rio Grande do Norte, a convocação
das eleições para a Assembléia
Constituinte trouxe consigo a necessidade
de se organizar as forças partidárias
no Estado. As oligarquias que haviam sido
derrotadas em l930 e que reagiam as interventorias
tenentistas , logo organizam um partido
a fim de disputar as quatro vagas que o
Estado tinha direito. Esse partido recebe
o nome de Partido Popular. Era, fundamentalmente,
a estrutura do velho partido Republicano
que havia dominado o Estado durante toda
a chamada primeira República.
Na edição de 11 de fevereiro
de l933, o jornal “A Razão”
(que havia sido fundado no dia l6 de janeiro
de l933 e era dirigido pelo”coronel”
Dinarte Mariz, liderança política
da região do Seridó) anunciava
a organização de um partido
político, cuja assembléia
de fundação teria lugar no
dia 12 de março de l933. Nesta data,
o jornal anunciará em Editorial:
“... e ali se reuniram os elementos
sadios que vinham do regime que a revolução
destruiu”(...) Eram basicamente os
representantes da elite sócio-econômica
do Estado, vinculados principalmente aos
setores da agro-exportação
do sal e do algodão.
Era Interventor na época o Capitão
Bertino Dutra, Comandante da Escola de Aprendizes
de Marinheiros de Natal que decide também
organizar um partido a fim de concorrer
as eleições. Contando com
a participação ativa de seu
chefe de Policia, João Café
Filho que havia retornado ao Estado e se
destacara como uma expressiva liderança
política, é fundado, em 04
de abril de l933, o Partido Social Nacionalista
do Rio Grande do Norte. No ato de fundação,
Café Filho, traz algumas das lideranças
do movimento sindical, tentando dar um caráter
mais popular ao partido, em contraste com
o partido Popular cujo ato de fundação
e a propria composição de
sua direção, constava basicamente
das elites locais
Organizados os partidos, foi iniciada a
campanha eleitoral. Caravanas de ambos os
partidos se deslocam para o interior do
Estado, onde realizam comícios. Já
no início da campanha, os jornais
“a Razão”e “O Jornal”ligados
respectivamente ao Partido Popular e ao
Partido Social Nacionalista passam a ocupar
as suas páginas denunciando violências
cometidas pelos adversários e que
será o prenúncio de um agitadíssimo
clima que vai caracterizar toda a campanha
eleitoral.
As eleições são realizadas
na data prevista(temia-se que, com as frequentes
denúncias de ambos os lados, as eleicões
fossem adiadas ou não realizadas).Votam
cerca de 17 mil eleitores. O resultado vai
dar a vitória ao Partido Popular,
que elege três dos quatro representantes
do Estado(o Partido nacionalista elege João
Café Filho) e vai significar a primeira
derrota do governo federal no Rio Grande
do Norte(e que irá ocorrer também
em outros Estados), evidenciando dessa forma
que a antiga estrutura coronelística
não havia sofrido alterações
substanciais após a revolução
de l930.
No Rio Grande do Norte Vargas vai nomear,
para substituir Bertino Dutra, derrotado
nas eleições, o seu amigo
pessoal e oficial de gabinete ,Mário
Câmara. Sua nomeação
,como já vimos,se dá em 2
de agosto de l933 e após um conturbado
período de interventorias tenentistas,
fazia parte da estratégia de aproximação
com os setores das oligarquias estadual
que o haviam derrotado nas eleições.
Mário Câmara era filho de uma
tradicional família do Estado. Seu
pai, Augusto Leopoldo Raposo Câmara
, havia sido Governador do Estado e deputado
federal na República Velha. Nascido
em Natal em 3 de setembro de l89l se formou
em Direito na Faculdade de Recife em l911.
Funcionário Público Federal,
foi delegado fiscal do Tesouro Nacional
do Rio Grande do Norte em l923/24,indo depois
para a capital do país onde foi oficial
de gabinete de vários Ministros da
Fazenda. Por ocasião de sua nomeação
para a interventoria do Rio Grande do Norte,
ocupava o cargo de Oficial de Gabinete do
Presidente da República. Mesmo residindo
no Rio de Janeiro, havia concorrido às
eleições para a Constituinte
para uma vaga na Câmara Federal pelo
Partido Social Nacionalista, não
conseguindo eleger-se.
Ao indicar Mário Câmara, Vargas
tinha um objetivo: aproximar-se do grupo
liderado por José Augusto de Medeiros(10)
articulados no Partido Popular.
De início, por se tratar de um membro
de uma familia tradicional do Estado e sem
antecedentes de rixas políticas,
o Partido Popular foi-lhe simpático,
expresso em diversos editoriais do seu jornal(“a
Razão”). A própria bancada
federal do Partido Popular lhe telegrafa,
solidarizando-se com seu governo.
Pouco depois, num gesto que aumentou as
simpatias do Partido Popular, o Interventor
afasta Café Filho da chefia de policia.
Afastado do cargo, ele inicia uma campanha
contra o Interventor, procurando agora vinculá-lo
as oligarquias.
Mario Câmara procura dar consistência
a sua aproximação com o Partido
Popular elaborando um programa administrativo
voltado para as grandes questões
econômicas que envolviam o desenvolvimento
do Estado.Spinelli, num excelente trabalho
de reconstituição histórica
, detalha o programa, tanto em nível
econômico como administrativo (Spinelli,
l989)
Com as medidas tomadas pelo Interventor,
de pleno agrado das oligarquias e expresso
pelos simpáticos editoriais do seu
jornal, tudo parecia caminhar no “melhor
dos mundos”: Café Filho fora
afastado da chefia de policia - e do próprio
Estado - e o seu jornal era constantemente
submetido a censura e não era rara
a prisão de “cafeistas”
sob os mais diversos pretextos. O clima
era de franco entendimento entre a interventoria
e o Partido Popular.
No dia 12 de janeiro de l934 realiza-se
uma assembléia deliberativa do Partido
Popular com o objetivo de se constituir
a primeira Comisão Excutiva para
um período de três anos.Foi
eleito, como Presidente de Honra, José
Augusto de Medeiros. No seu discurso, ele
faz duras críticas ao Interventor.
Uma das razões das críticas
era o fato de que o Partido Popular em algumas
audiências com o Interventor, havia
solicitado a substituição
de vários prefeitos do interior(nomeados
pelo interventor) e tais solicitações
ainda não tinham sido atendidas(
em audiência com Vargas, os deputados
federais do Partido Popular aludem a esse
fato, solicitando ao Presidente que intercedesse
junto ao Interventor).
Em fins de janeiro de l934, Mário
Câmara viaja ao Rio de Janeiro para
tratar de assuntos ligados à administracão
do Estado e na volta é procurado
por Dinarte Mariz e João Câmara,
ambos da direção do Partido
Popular, para negociar uma aproximação
com José Augusto. A conversa gira
em torno de um acordo no qual o Partido
Popular se comprometeria a dar todo o apoio
ao Interventor em troca de cargos na administração
local. Mario Câmara fica de estudar
a proposta. Voltam a se reunir novamente
e o Interventor lança uma contra-proposta,
que é a formação de
um novo partido - que daria sustentação
política ao governo - e assim se
abriria um amplo espaço para troca
de cargos. Esse partido se denominaria “Partido
Liberal” o que significava na prática
a dissolução do Partido Popular.
A reunião é encerrada com
os membros do Partido Popular se comprometendo
a reunirem-se com a direção
regional a fim de se estudar a proposta.
Realizada a reunião, o Partido Popular
decide não aceitar a proposta do
Interventor(o Jornal “A razão
“ em sucessivas edições
de 26 de maio a ll de junho publica 12 editoriais
em que o Partido Popular esclarecia as conversações
em torno de um entendimento). No essencial,
o que ambos propunham era a subordinação
de um grupo por outro. Esse acordo visava
também as eleições
de outubro de l934 para deputados estadual
e federal (11).
O acordo se inviabiliza e conforme um jornalista
da época “dessa forma encerram-se
a tentativa de conciliação
das forças políticas locais
para se iniciar uma das mais ferrenhas campanhas
políticas gravadas na memória
potiguar”(Barbosa,1938, p.31) e que
vai gerar uma crise que se prolongará
até outubro de l935,quando toma posse
Rafael Fernandes, do Partido Popular.
O caso do Rio Grande do Norte, com a frustada
tentativa de acordo entre o Interventor
e o Partido Popular, extrapola os limites
do Estado. Juarez Távora, uma das
mais expressivas lideranças tenentistas
no Nordeste tenta uma proposta de acordo,
escrevendo pesoalmente ao Interventor, se
comprometendo interceder junto ao Partido
Popular. Não deu resultado. Mário
Câmara mantém-se intransigente.
O próprio Getulio Vargas, que contava
com o apoio do Partido Popular da Câmara
Federal (em abril de 1934 os deputados assinam
um documento de apoio a Vargas), estimula-os
a manterem conversações com
o Interventor, que naquele momento parecia
reunir condições extremamente
favoráveis de se viabilizar, uma
vez que o representante do Partido Social
Nacionalista, João Café Filho,
acabava de romper com Vargas em discurso
de críticas à censura por
parte do governo ao jornal “O Globo”.
No entanto o Interventor não aceita
negociar, uma vez que, no seu entendimento,
significaria submeter-se ao Partido Popular.
Na noite de 3 de maio de l934 era assassinado
em sua residência, no municipio de
Apodí(RN) o “cel.”Francisco
Pinto, chefe do Partido Popular no munícipio.
Esse episódio terá ampla repercussão
tanto na imprensa local , com especial destaque
ao jornal “a Razão”,
como na imprensa nacional e deu início
ao clima de conflitos que caracterizaria
toda a campanha para as eleições
marcadas para o dia 14 de outubro. O Jornal
“a Razão” inicia uma
violenta campanha contra o Interventor,
sugerindo, através de diversos editoriais,
a conivência de Mário Câmara
com o crime de Apodí, acusando o
prefeito da cidade, seu aliado, de mentor
intelectual do crime. O Interventor se defende
através do jornal oficial “a
República”, acusando a oposição
de usar o crime com fins “político-eleitoreiro”
e prometendo a instauração
de um rigoroso inquérito para a apuração
dos fatos.
No dia 26 de junho de l934, Mário
Câmara funda o Partido Social Democrático,
tendo como Presidente, o recém desligado
Deputado do Partido Popular, Francisco Martins
Veras e como vice, o prefeito de Mossoró(RN),Antonio
Soares Júnior. A formação
desse partido, assim como o desligamento
do Deputado Francisco Veras do Partido Popular,
foi consequência das articulações
do Interventor, que precisava de um partido
para lhe dar sustentação política
e visava também concorrer as eleições
de outubro.
A partir da fundação do Partido
Social Democrático - que vai contar
com o apoio dos prefeitos nomeados - inicia
sua campanha organizando caravanas e comicios
pelos municipios. O partido Popular, já
organizado e contando com o apoio dos “coronéis”já
estava em campanha há algum tempo.
O clima, com o início efetivo da
campanha eleitoral, passa a ficar cada vez
mais tenso. Pelos municipios do interior,
sucediam-se cenas de violências quando
da realização de comicios
e passagem de caravanas, com mútuas
acusações. O ambiente era
agitado e os jornais da capital traziam
,diariamente, informações
a respeito de conflitos e violências.
Como os dois jornais era facciososos, ficava
dificil, para a opinião pública
saber realmente o que de fato tinha ocorrido.
Cada um, defendendo seu partido, acusava
o adversário de responsável
pelos conflitos.
Edgar Barbosa, então diretor do jornal
“a Razão”- descreve num
livro publicado pouco tempo depois da campanha
eleitoral ,com detalhes, inumeras ocorrências
(esse livro será acusado posteriormente
de grande facciosismo uma vez que seu autor
era do partido popular e logo indicado para
dirigir o jornal oficial “A República”
quando Rafael Fernandes assume o governo
em outubro de l935)(12)
. E uma que teve grande repercusão
foi a que ocorreu no dia 13 de agosto na
cidade Parelhas quando, por ocasião
de um comicio, a caravana de propaganda
do partido popular, chefiada por José
Augusto era “atacada à bala
por cangaceiros a quem o delegado local
fornecera armas, por ordem do prefeito”(Barbosa,1938,
p.31 ). O prefeito, obviamente, era partidário
de Mário Câmara. Nesse incidente,
houve troca de tiros que deixou como saldo
dois feridos e um morto. Ambas as partes,
através de seus respectivos jornais,
acusam-se mutuamente.
Esse acontecimento teve uma grande repercussão
na imprensa do sul do país, em especial
no Rio de Janeiro, através do “Diário
da Noite” que endossa as acusações
do partido popular.
Ao retornar a Natal, a caravana foi recebida
por um grande número de pessoas que
formam um cortejo que foi da entrada da
cidade até o centro, onde realizou-se
um comicio de “desagravo”.
As denúncias de violências
continuam. A situação, à
medida em que se aproximam as eleições,
torna-se mais tensa. Na madrugada de 16
para 17 de fevereiro, o interventor recebe
em sua residência a visita de uma
comissão de oficiais que, segundo
ele, sugerem sua renúncia. Esse episódio
é importante porque vai demonstrar
o envolvimento dos militares, tanto do Exército
(21 Batalhão de Caçadores)
quanto da Policia Militar na política
local e, como deixa claro esse episódio
e outros que veremos a seguir, como aliados
do Partido Popular. Faziam parte dessa comissão
o l? tenente Ney Peixoto - que havia sido
exonerado por Mário Câmara
há poucos dias do comando do batalhão
da Polícia Militar justamente por
suas notórias ligações
com o Partido Popular - e havia conseguido
transferência para o 21 BC, um outro
tenente também do 21 BC e um capitão
da Polícia Militar. Mário
Câmara não só não
aceita os argumentos, percebendo que essa
comisão fazia apenas o jogo do Partido
Popular, como escreve no dia seguinte uma
carta ao Presidente da República
comunicando o fato. Este certamente já
conhecia o tenente, uma vez que, ao exonera-lo,
o interventor comunica sua decisão
ao Presidente, fazendo-o ciente de sua promessa
de que, caso fosse transferido, voltaria
à Natal para fazer-lhe oposição
de qualquer forma. No comunicado acusa o
tenente de ao deixar o comando do batalhão
da policia recolher boa parte dos armamentos,
realizando ainda “um intenso trabalho
de alistamentos e propaganda eleitoral em
favor do Partido Popular entre praças
e sargentos da Policia”.
O pedido do Interventor era para que o tenente
fosse transferido para Minas Gerais, seu
Estado de origem. No entanto, pouco depois
desse comunicado, o tenente viaja ao Rio
de Janeiro e consegue ser transferido para
o 21 BC em Natal e tal como havia prometido
passa a fazer uma oposição
sistemática a Mario Câmara,
se posicionando claramente em favor do Partido
Popular. O fato dele ter sido transferido
para Natal e mais especificamente para o
21 BC como ele reinvidicou e não
para Minas Gerais como queria o interventor,
vai expressar que, naquele momento, Mario
Câmara não contava com o efetivo
apoio do Presidente da República,
ou pelo menos, tinha seu prestigio abalado..
A participação do Tenente
Ney Peixoto na política local, não
era um fato isolado: outros militares, tanto
do 21 BC como era o caso específico
dele, quanto da Policia Militar, participavam
ativamente e a expressão disso foi
a tal comissão, articulada junto
ao Partido Popular, embora, evidentemente,
não parecesse enquanto tal. Quando
a comissão vai a casa do interventor
- depois de uma reunião com vários
oficiais do 21 BC - levam a cópia
de uma carta enviada pela oficialidade do
21 BC ao Ministério da Justiça,
no qual informam a situação
do Estado e a impotência do interventor
em manter a ordem, deixando claro que, a
partir daquele momento, deixariam de prestigiá-lo.
Mário Câmara comunica o fato
também ao general Manuel Rabelo,
comandante da 7a.Região Militar,
sediada em Recife(PE). O general envia a
Natal um representante do Estado Maior das
ForçAs Armadas a fim de proceder
inquérito sobre essses fatos e, ao
mesmo tempo, o Major Adalberto Pompilio,
que havia participado dessas articulações,
foi afastado do 21 BC.
Quanto as eleições, os deputados
federais do Partido Popular, em audiência
com o Ministro da Justiça, Vicente
Rao, conseguiram que fosse enviado ao Rio
Grande do Norte um observador do governo
federal, em função do clima
de grande tensão existente no Estado
e o temor, por parte da oposição,
de que o interventor usasse a máquina
do Estado para assegurar a vitória
de seus candidatos. Esse observador ( seriam
indicados também para outros Estados)
chega à Natal no inicio de setembro
de l934.
A presença do observador, que tinha
como missão acompanhar as eleições,
não consegue alterar o quadro de
tensões existente. Os jornais da
capital noticiam com frequência constantes
denúncias de violências, principalmente
o jornal “A Razão”do
Partido Popular.
O “Diário da Noite”,
do Rio de Janeiro, no dia 23 de setembro
de l934, comentava a situação
do Rio Grande do Norte atribuindo ao Estado
“ “uma das mais tumultuadas
eleições do Brasil”.
Numa de suas notas, intitulada “violência
política”, diz, entre outras
coisas :
“O Supremo Tribunal Eleitoral recomendou
ao Ministro da Justiça a abertura
de um inquérito a fim de apurar as
denúncias recebidas contra o interventor
Mário Câmara, acusado de praticas
de atos atentatórios à liberdade
do eleitorado do Rio Grande do Norte”
e mais adiante “... há poucas
semanas, os telegramas vindos de Natal comunica
a situação de intranquilidade
existente no Estado esses depoimentos que,
partindo de elementos da oposição
pareciam suspeitos, foram confirmados por
pessoas alheias as lutas locais, como é
o caso do General Manuel Rabello, comandante
da 7a.Região Militar ...”
Além de um observador, foi solicitado
pela oposição junto ao Supremo
Tribunal Eleitoral, o envio de tropas federais
a fim de garantir as eleições.
O pedido é atendido e o 21 BC é
solicitado a se deslocar para diversos municipios,
principalmente para aqueles onde as tensões
eram maiores, como Currais Novos, Flores,
São Gonçalo, Lages e Caicó.
Diversos juizes do interior solicitam, junto
ao Tribunal Eleitoral , o envio de tropas
do 21 BC. O Interventor irá perceber
nessas solicitações cumplicidades
com os populistas.
Num livro de memórias escrito pouco
depois desses acontecimentos, o major Josué
Freire, na época comandante do 21
BC, comentando a respeito do deslocamentos
de tropas do 21 BC para o interior do Estado,
diz “... depois que começamos
a atender as requisições de
forças para garantir as eleições
é que passamos a sentir o estado
de angústia que aflingia a população
do interior. Era um nunca acabar de pedidos
de socorros, chegando de todos os quadrantes
do horizonte (...) praticavam-se espancamentos
bárbaros, sequestravam chefes de
conceituadas familias (...) assassinavam
pacatos e inofensivos cidadãos(...)”(Freire,1938,
p.117-118)
Embora esse depoimento possa ser questionado,
devido ao fato do envolvimento do autor
com o Partido Popular é inegável
que havia um clima de muita tensão.
O major Josué Freire havia chegado
em Natal para dirigir o 21 BC no dia 30
de novembro de l934. No mesmo dia em que
assume o comando, recebe em sua residência
a visita do chefe de policia do Estado,
Dr. Potiguar Fernandes e de Aluisio Moura,
ex-interventor e comandante da Policia Militar.
Era uma “visita de cortesia”no
dizer do Major, no entanto, “aproveitam
o ensejo” e desancam a oposição
“desnodando-lhes as mazelas havidas
e por haver”. E para se ter uma idéia
do clima em que vivia a cidade, acompanhemos
o depoimento do major no seu primeiro dia
de comando: “uma meia hora depois(de
ter chegado em casa após a posse
no comando do 21 BC), parou em nossa porta
um automóvel cujo chauffer disse
vir da parte do Comandante da policia Militar,
trazer ao nosso conhecimento que praças
do 21 BC em grande número, se mantinham
à frente da redação
do vespertino “O Jornal”(pertencente
a Café Filho) armados à cacete,
pretendendo depredar as oficinas e agredir
o pessoal da redação”.
O Major expede uma ordem no sentido de que
os praças sejam imediatamente recolhidos
ao quartel. As 23 horas, recebe um chamado
telefônico do comandante da 7a.Região
Militar, general Manuel Rabelo, indagando
sobre esses acontecimentos e ordenando a
abertura de um inquérito para apurar
as responsabilidades. Instaurado o inquérito,
não houve qualquer punição.
Na versão do major esses acontecimentos
visavam atingir alguns oficiais do 21 BC
que eram declaradamente hostis ao interventor.
Pouco depois do telefonema do general, ainda
no mesmo dia da posse, chegam em sua residência
o líder da oposição,
deputado Alberto Rosseli, que lhe pede garantias
para seus partidários, notadamente
para João Câmara e denuncia
violências praticadas pela policia
militar
Acusado de não ter “pulso”para
manter a ordem e não ter interesse
em apurar as denúncias de violências
cometidas contra partidários do Partido
Popular especialmente no interior do Estado
sob o pretexto de não dispor de efetivos,
Mário Câmara resolve aumentar
o efetivo da Força Pública,
constituída por guardas-civis. Isto
resultou em severas críticas da oposição
que o acusa de “encher a guarda-civil
de elementos fichados na policia estadual
e na de outros Estados, importando jagunços
para o seu serviço”(Barbosa,
l938,p.57)
No dia 7 de setembro de l934, realiza-se
o congresso do Partido Social Nacionalista,
fundado por Café Filho que é
indicado presidente e ao mesmo tempo lançado
para concorrer a uma vaga na Câmara
Federal. Mário Câmara, que
dirigia o Partido Social Democrático,
procura Café Filho e iniciam uma
série de conversações,
visando uma composição para
as eleições de outubro de
l934. As conversações têm
êxito, uma vez que ambos sabiam das
dificuldades em se concorrer sozinho contra
o Partido Popular. Resulta um acordo que
implica na formação de um
novo partido, a Aliança Social
Com a formaçâo da Aliança
Social - que passa a contar com dois jornais
diários - “ A República”
e “ O Jornal” - a campanha eleitoral
ganha novo impulso. A Aliança Social,
através de seus jornais passa a apresentar
o Partido Popular como “ o partido
da grande burguesia” ; dos “
açambarcadores” e do “
alto comércio”, enquanto que
a Aliança Social se apresentava como
representante da “pequena burguesia,
da maioria dos pobres e humildes”
e o que mais se aproximaria do “operariado
sofrido”.
Além do Partido Popular e da Aliança
Social concorrem ainda as eleiçôes
a Açâo Integralista Brasileira,
que vinha se organizando no Estado, tendo
sido fundada ,em ato solene, no dia 14 de
julho de l934 (durante a campanha recebe
a visita de Plinio Salgado e pouco depois,
de Gustavo Barroso, dirigentes nacionais
da AIB) e ainda o Partido da Uniâo
Operária e Camponesa do Brasil, que
na verdade era a saída legal para
que o Partido Comunista pudesse concorrer
às eleiçôes.
Estes dois ultimos nâo tinham condiçôes
de percorrer o Estado em caravanas, se limitando
a contatos em algumas cidades do interior
(a Açâo Integralista havia
formado alguns núcleos, noticiados
no jornal “A República”em
pequenas notas) e a Uniâo Operária
e Camponesa, se restringia, fundamentalmente,
a regiâo Oeste do Estado, em particular
a cidade de Mossoró. De qualquer
forma, lança uma chapa completa:
cinco candidatos a Deputados Federais :
Lauro Reginaldo da Rocha , conhecido como
“ Bangu” que pouco depois, por
ocasiâo da IX conferência do
PCB foi eleito para a secretaria do Comitê
Central), Agostinho Dias da Silva, Acrísio
Joâo de Araújo, José
Tertuliano da Mota e Luiz Gonzaga dos Santos.
E 25 para Deputados Estaduais: Lauro Reginaldo
da Rocha, Agostinho Dias da Silva, Adamastor
Pinto, Luiz Saraiva Quaresma, Raimundo Oliveira,
Elias Dias de Oliveira, Mário Inácio
Pereira, Lauro Teixeira Nunes, Francisco
Sérgio de Carvalho, Manoel Feitosa,
Manoel Cruz Coutinho, Luiz Valentim de Paula,
Tancredo Fonseca, José Farias Santos,
Angelo Gemines, Teodosio Cassemiro, José
Gadelha dos Santos, Sebastiâo Geraldo,
José Teixeira dos Santos, Amaro Américo
Souza, José Maria dos Santos, Epaminondas
Fernandes Oliveira, Manoel Antonio Aguiar,
Joâo José de Lima e Luiz Alfredo
da Cruz. A Ação Integralista
lança apenas três candidatos
a constituinte estadual : Oto de Brito Guerra,
Waldemar de Almeida e Ewerton Dantas Cortez.
No início de outubro de l934, o presidente
de honra do Partido Popular, José
Augusto, encaminha um documento ao Supremo
Tribunal Eleitoral relatando a situaçâo
do Estado, fazendo inúmeras denúncias
de irregularidades : no alistamento eleitoral;
na divisâo dos cartórios dos
municipios; a substituçâo dos
delegados de polícia( trocados por
homens de confiança do interventor)
e a “ importaçâo de cangaceiros
para a guarda-civil” (força
policial criada pelo interventor). Conclui
a representaçâo solicitando
a presença de tropas federais a fim
de garantir as eleiçôes.
No dia 8 de outubro, o TSE realiza uma sessâo
e decide que, em vez do envio de tropas
federais, a força pública
estadual ficaria `a disposiçâo
dos juizes das zonas eleitorais. Decide
também, por unanimidade, pela concessâo
de um grande número de “ Habeas
corpus” impetrados por candidatos
do Partido Popular, que alegavam sofrer
coaçôes da policia.
No dia 14 de outubro, como estava previsto,
sâo realizadas as eleiçôes.
Foram inscritos 47.702 eleitores( um crescimento
significativo em relaçâo as
eleiçôes de 3 de maio de l933
para a Assembléia Constituinte, na
qual foram inscritos l9 mil eleitores) e
realizada dentro do mesmo clima de tensôes
que a antecedeu. No dia seguinte, o jornal
“ a Razâo” publica diversas
matérias, acusando a Aliança
Social de subornos e o interventor de conivente
com inumeras violências, ocorridas
principalmente nas cidades do interior “
... em Currais Novos, o ambiente do dia
14 de outubro foi aterrorizante”;(...)
“ Em Acari, Jardim do Seridó
e Serra Negra policiais se desenfreiam no
dia das eleiçôes, praticando
correrrias, ameaças”(...) etc.
Por outro lado, os jornais partidários
da Aliança Social denunciam o uso
da violência por parte de membros
do Partido Popular, especialmente no interior,
por “ jagunços dos coronéis
a serviço dos populistas”.
Os dias que se seguem com a apuraçâo
dos resultados, sâo tensos. Tanto
o Partido Popular quanto a Aliança
Social encaminham recursos ao Tribunal Eleitoral
denunciando o uso de violências contra
os seus partidários. Os jornais,
partidários, publicam materias com
acusaçôes mútuas.
No dia 25 de novembro, portanto mais de
um mês após a realizaçâo
das eleições, sai o resultado,
dando vitória ao Partido Popular.
A Aliança Social entra com um recurso,
solicitando a impugnação de
várias urnas em cidades do interior.
O Tribunal Eleitoral julga o recurso e decide
acatá-lo, marcando eleições
suplementares que deveriam ser realizadas
entre os dias 3 e 28 de fevereiro de l935,
com os municipios devendo faze-las em datas
diferentes. Estas eleições
seriam para 39 seções eleitorais
de 23 municipios(na época, o Estado
tinha 41 municipios).
A impugnação de um número
tão expressivo de seções
foi um reconhecimento da violência
que caracterizou as eleições.
Nos meses de dezembro de l934 e janeiro
de 1935, inumeros conflitos se verificam,
especialmente no interior do Estado. Edgar
Barbosa numa espécie de “ calendário
de violências” enumera 24 casos
de “ terríveis cenas”
que ilustrariam o ambiente preparado para
as eleições suplementares(Barbosa,1938,
p.57)
O Partido Popular, mais uma vez, requisita
garantias de tropas federais. Desta vez,
levando em conta os disturbios que se verificaram
nas eleições de outubro envolvendo
a policia estadual(acusada de partidária
do interventor ), o Tribunal Superior Eleitoral
defere o pedido. Tropas federais são
enviadas a Natal e colocadas á disposição
dos juizes eleitorais.No entanto não
consegue impedir as violências, que
a oposição volta a denunciar.
Segundo Barbosa “ iniciava-se o segundo
ato de uma dolorosa tragédia, com
o recrudescimento de violências em
quase todos os municipios do Estado”
(Barbosa, l938, p.164 ).
Pouco antes das eleições Mario
Câmara viaja ao Rio de Janeiro onde
teria audiência com o Presidente da
República. Essa viagem, segundo o
Interventor, teria um caráter meramente
administrativo. No entanto, será
acusado posteriormente pelo Comandante do
21 BC de ter como motivo principal a transferência
do 21 BC de Natal (Freire,1938, p.30).
Uma carta datada de 20 de janeiro de l935,
encabeçada pelo Monsenhor João
da Mata, do Partido Popular (será
eleito deputado estadual e lider da partido
na assembléia) na qual acrescenta-se
mais 123 assinaturas de “populares”
é enviada ao Presidente da República,
ao Ministro da Justiça e ao Ministro
da Guerra, onde diz, entre outras coisas
“Em nome da familia potiguar atribulada
e aflita diante dos atentados, violências
de toda sorte ordenada pelo interventor
Mario Câmara que promete convulsionar
nossa terra, ensanguentada, já infestada
de cangaceiros de outros Estados pelos agentes
do governo, vimos apelar a V.Excia no sentido
de assegurar a paz, tranquilidade, etc(...).
Articulada por partidários do Partido
Popular, visava claramente atacar o Interventor
Mario Câmara.
No dia 13 de fevereiro, 4 dias antes das
eleições suplementares no
municipio de Acari, foi assassinado em sua
fazenda( ingá) o engenheiro agrônomo
Otávio Lamartine, filho do ex-governador
do Estado, Juvenal Lamartine, um dos fundadores
e dirigentes do Partido Popular. A noticia
do crime, como era de se esperar, teve enorme
repercussão, tanto na imprensa local
como nacional(através, principalmente
do “ Diário da Noite”
do Rio de Janeiro). Segundo as denúncias
do jornal “Razão” ,endossada
pelo “ Diário da Noite”
, o engenheiro fora asssassinado por uma
força policial comandada pelo tenente
comissionado da policia militar Oscar Mateus
Rangel, “ homem de confiança
do Interventor”. E mesmo antes de
qualquer investigação, já
atribuía o crime a motivações
políticas. O Jornal “ A República”,
em defesa do Interventor, criticava a oposição
pela precipitação das denuncias
e pelo fato de, nas vésperas das
eleições, usar o crime com
fins “ político-eleitoreiro”.
Em março de 1935, em pleno carnaval,
ocorre um conflito no bairro da ribeira,
em Natal, envolvendo soldados do 21 BC e
guardas-civis. O resultado foi a morte de
6 pessoas( dois soldados, dois guardas-civis
e dois “populares”). O Comandante
do 21 BC, major Josué Freire acusa
o interventor de ser culpado pelo conflito,
uma vez que teria sido provocado pelos guardas-civis.
A essas alturas, a posição
do comandante do 21 BC era de franca hostilidade
ao interventor.
Acontecimentos como esses, envolvendo membros
da guarda-civil e soldados do 21 BC, também
ocorrera em Fortaleza e Manaus, sem no entanto
atingir a gravidade do conflito de Natal..
Os jornais locais, como era de se esperar,
deram grande destaque a esses acontecimentos,
com versões opostas. O “O jornal”
e a “Republica” defendendo o
interventor e a “Razâo”
acusando-o.
No dia 16 de março de 1935, Mario
Câmara escreve ao Ministro da Guerra,
Gois Monteiro, comunicando que teve conhecimento
de que “rebentaria um movimento geral”
no dia 30 de março, estando em Natal,
como “elemento de ligação”
o capitão Otacilio Alves do 29º
BC(sediado em Recife-PE) “ a pretexto
de inquérito de insubmissos no 21
BC”. Embora não tendo relação
direta com as eleições, há
dois aspectos nesse informe: primeiro,a
presença do capitão Otacilio
Alves, que havia participado ativamente
dos acontecimentos de outubro de l930 em
Pernambuco e posteriormente será
um dos fundadores da ANL no seu Estado e
um dos elementos de destaque do levante
do 29º BC no dia 25 de novembro de
1935. A vinda do capitão a Natal
pode ser considerado como o inicio da preparação
para o levante do 21 BC em Natal - que estava
sendo articulado em outros quartéis
do nordeste, conforme veremos mais adiante.
E em segundo lugar, é provável
que o interventor procurasse envolver o
21 BC, que lhe era declaradamente hostil,
com denuncias de tentativa de golpe. No
entanto na carta não fica explicitada
essa intenção e tampouco a
fonte de tais informações.
De qualquer forma, não era fato isolado.
Gois Monteiro, em entrevista no dia 7 de
agosto ao jornal “ Diário da
Noite” afirma que tinha conhecimento
de que rebentaria um movimento que “
era a explosão de um plano criminoso,
que deveria deflagrar concomitantemente
no Rio, São Paulo e outros estados”
No dia 2 de abril de l935, o Tribunal Regional
Eleitoral divulga os resultados das eleições.
A vitória é da Aliança
Social que elege l5 deputados, e o Partido
Popular, 10 . A Ação Integralista
e a União Operária e Camponesa
não conseguem elegem ninguém.
São anulados aproximadamente 17 mil
votos, um numero muito expressivo considerado
o total de eleitores inscritos.
No entanto esses resultados dependiam ainda
de deliberações do Supremo
Tribunal Eleitoral. Com a anulação
de um numero tão grande de votos
e o acúmulo de denúncias por
parte da oposição, que contesta
de imediato os resultados encaminhando inúmeros
recursos ao Supremo Tribunal Federal.
No dia 20 de abril, telegramas vindos do
Rio de Janeiro e publicados no jornal “A
Razão” adiantavam que o parecer
do Ministro indicado como relator das eleições
do Rio Grande do Norte daria a vitória
do Partido Popular, o que significava o
atendimento de suas reinvidicações.
No final de setembro , o comandante do 21
BC viaja ao Rio de Janeiro. Na Bahia, onde
o navio aportou por algumas horas, ele concedeu
uma entrevista a um jornal de Salvador e,
indagado sobre os incidentes do carnaval
, reafirma as acusações ao
Interventor. Café Filho, que era
deputado federal pela Aliança Social,
aproveita o fato de que havia proibição
expressa de pronunciamentos políticos
de militares e faz um longo discurso na
Câmara destacando esta entrevista.
Este pronuciamento surte efeito : Pouco
depois o comandante do 21º BC é
afastado e assume o capitão Liberato
Barroso, do 25º BC do Ceará.
que ficará até o dia 4 de
novembro de l935, quando é nomeado
o tenente-coronel José Otaviano Pinto
Soares.
Houve também tentativas de reverter
os resultados das eleições
potiguares fora do Estado. Foi o caso do
Governador de Pernambuco, Carlos Lima Cavalcanti.
Em carta ao Ministro do Trabalho, o pernambucano
Agamenon Magalhães, datada de 26
de setembro de 1935, diz:
“ Agamenon
Acaba de chegar de Natal o capitão
Aluisio Moura, comandante da Policia do
Rio Grande do Norte.
Para a solução do caso político
daquele estado como desejamos, faz-se necessário
que o Ministro da Guerra, chame sem demora
ao Rio, o coronel Brasil, Comandante do
21 BC (...) assim como os tenentes Manoel
Castro, José Alves Morais e Antonio
Oscar Fernandes do mesmo batalhão.
Com a saída do cel. Brasil ficará
no comando o capitão Liberato Barroso,
oficial decente e mal visto pela troupe
de José Augusto. Estou informando
que o Capitão liberato não
dará asilo aos deputados de José
Augusto sem ordens expressas do Ministro.
Este poderá fazer corpo mole. A solução
seria, porém, a classificação
imediata do cap. Aluisio Moura no 21 BC
e ordem ao capitão Liberato para
recolher-se ao corpo a que pertence, que
é o 25 BC de Fortaleza. Assim, o
Aluisio Moura assumiria o comando do 21
BC e tudo seria resolvido do melhor modo.
Há dois deputados do Partido Popular
que com um pequeno aperto entregarão
os pontos.
Há no 21 BC uns sargentos que o Ministro
precisa retirar do 21 BC. Dirigindo-se para
isso ao general Rabelo. A minha ação
junto ao Rabelo, não pode ser senão
por meios indiretos. Não quero melindrá-los,
mantendo-se em assuntos militares. Dos sargentos
do 21 BC que precisam ser afastados são:
Pedro Ágapito F. Pinto, Antonio José
C. Bastos, Julião Tomaz de Aquino,
Francisco Cordeiro de Araújo, Amaro
Pereira Silva, Waldemar Tavares Guerreiro,
Teobaldo de Araújo Rego, Henrique
Espíndola, Oscar Alves Wanderley
e Ademar Guilherme Paiva.
Deveria voltar para o 21 BC, os sargentos
Celso Bezerra Andrade, José B. de
Oliveira, os dois transferidos para o 22º
BC já perto de um mês.
No 29 BC aqui aquartelado, há 4 sargentos
de confiança de Aluisio Moura que
poderão ser transferidos para o 21º
BC. As providências por parte do Ministro
da Guerra não devem tardar. O Ten.Cel.
Brasil continua em Natal, inteiramente a
serviço da política de José
Augusto. Retirando o cel. Brasil, as coisas
melhorarão imediatamente.
Fico aguardando noticias suas. Abraços
Carlos (13)
Parece claro que a ida a Recife de Aluisio
Moura, comandante da Policia Militar , fazia
parte da estratégia de afastar o
comandante do 21º BC e alguns oficiais
que eram hostis ao Interventor. Como disse
o próprio comandante do 21º
BC :
“ Desde o inicio das eleições
suplementares, eram tensas nossas relações
com a Interventoria, e depois da intrigas
urdidas pelo Sr. Mário Câmara
sobre os conflitos do carnaval, podemos
considerá-la rotas sem possibilidades
de reatamento (...) o homem se tornara violento
com a presença do 21º BC em
Natal(...) continuaram a nefasta obra difamatória
até que o Ministro da Guerra para
lhes dá uma satisfação,
dirigiu ao comando da região um telegrama
determinando a nossa ida ao Rio de Janeiro.
No telegrama do gen. Manuel Rabello, o gen.
Gois Monteiro explicou não se tratar
de retirada definitiva, por transferência
e sim da necessidade de o Comandante, pessoalmente,
perante o Sr. Presidente da República,
se defender das intrigas políticas
movidas contra o 21º BC e seus oficiais”(Freire,
l938, p.223-224)
A tentativa de Aluisio Moura era de ser
nomeado comandante do 21 BC. Não
consegue.No entanto, consegue ser transferido
para o 21º BC como comisionado, ficando
responsável pelo setor de almoxarifado
(em audiência com o Ministro da Guerra,
General João Gomes, os deputados
federais do Partido Popular conseguem fazer
com que ele se comprometesse a nâo
indicar Aluísio Moura para o comando
do 21 BC). A trajetória de Aluisio
Moura é no mínimo curiosa.
Revolucionário em l930, foi nomeado
interventor do Rio Grande do Norte em l931
e, de todas as interventorias tenentistas
foi a que mais se aproximou das oligarquias
há pouco derrotadas. Na sua gestão
ficou patente sua incapacidade de se manter
imune ao facciosismo e será em função
disso que Vargas decide substituí-lo
por Hercolino Cascado. Depois, se aproxima
do Interventor Mário Câmara,
conseguindo ser nomeado para o comando da
Policia Militar e assim se incompatibilizando
com as forças oligarquicas representadas
pelo Partido Popular. Depois da derrota
dos insurretos em novembro de l935 em Natal,
foi acusado de cumplicidade com os revoltosos,
sendo inclusive indiciado em processo (No.233)
junto com mais três oficiais. No entanto,
nada ficou provado e foram absolvidos.
O resultado final das eleições
no Rio Grande do Norte é finalmente
anunciada no dia 16 de outubro de l935,
quando o TSE, por unamidade de votos, proclama
a vitória do Partido Popular, que
elege 14 deputados contra 11 da Aliança
Social(os deputados eleitos pelo Partido
Popular foram: Felismino Dantas, Nominando
Gomes, Monsenhor João da Mata Paiva,
Gonzaga Galvão, João Marcelino
de Oliveira, Aldo Fernandes, Pedro Matos,
Julio Regis, Glicério Cícero,
Felinto Elísio, João Severiano
da Câmara, José Augusto Varela,
José Tavares e Maria do Ceu Pereira.,
enquanto a Aliança Social elege :
Djalma Marinho, Cincinato Chaves, José
Lopes Varela, Gil Soares, Raimundo Macedo,
Abelardo Calafange,Manoel Amancio Leite,
Sandoval Wanderley, Felipe de Brito Guerra,
Sebastião Maltez Fernandes e Benedito
Saldanha.) e 3 dos 5 deputados federais(José
Augusto Bezerra de Medeiros, Alberto Roselli
e José Ferreira de Souza pelo Partido
Popular e pela Aliança Social João
Café Filho e Francisco Martins Veras).
Fica decidida também a convocação
para a instalação da Assembléia
Constituinte para o dia l9 de outubro e
a eleição do primeiro Governador
Constitucional do Estado, para o dia 29
de outubro de l935.
Proclamada a vitória do Partido Popular
Mário Câmara viaja ao Rio de
Janeiro e em audiência com o Presidente
da República ao informar a situação
do Rio Grande do Norte salienta que a maior
dificuldade da Aliança Social se
devia ao envolvimento de oficiais do exército
no Partido Popular. Mas como diz Spinelli,
essas divergências antecediam a Mario
Câmara : “ ... as divergências
entre as forças do exército
e o Interventor tinham sido acentuadas sobretudo
durante as administrações
de Irineu Jofily e Bertino Dutra e se repetiam
agora com Mário Câmara. Isto
já tinha ocasionado a transferência
de um comandante, o Major Adalberto Pompilio
e vários oficiais (...) agora, sob
o comando de major Josué Freire,
estas divergências voltam a se acentuar”
(Spinelli, l989,p.190). O Interventor informa
ainda que alguns amigos seus estavam dispostos
à luta armada para não entregar
o poder aos populistas. Marlene Mariz, ao
estudar esse período, informa que
o Interventor teria escrito diversos cartas
aos amigos do sul, nas quais “ nota-se
o plano de vencer a qualquer custo e a esperança
de receber, a qualquer momento uma ajuda
federal. Procurava saber das disposições
de Vargas a seu respeito, sentindo que as
atitudes de seus correligionários
seriam inuteis se não contassem com
o apoio das autoridades. Com o Exército
sabia que não contaria. Considerava
uma desmoralização a sua derrota.(Mariz,
l982, p.132).
Barbosa, comentando a ida de Mário
Câmara ao Rio, afirma: “ O Interventor,
regressando ao Rio, procurava aparentar
uma força que não tinha. Em
conciliábulos com amigos afirmava
de pés juntos que não entregava
o governo e que ia fazer o impossível
para que a assembléia constituinte
não se reunisse” (Barbosa,
l938, p.193).
Todos os jornais do nordeste comentavam
os acontecimentos do Rio Grande do Norte.
Na Câmara Federal o deputado Otavio
Mangabeira ocupa a tribuna e denuncia o
interventor Mário Câmara que,
segundo ele, ameaçava convulsionar
o Estado. O caso do Rio Grande do Norte
foi também tema de conversas mantidas
entre o deputado Antunes Maciel, da Guanabara
e o Presidente da República , na
qual o deputado reitera às criticas
ao interventor se posicionando ao lado do
partido popular, salientando o apoio do
partido ao governo, ao contrário
do que ocorrera com a Aliança Social(que
tinha como deputados Café Filho e
Kerginaldo Cavalcanti)
Os Deputados do Partido Popular, logo após
a divulgação dos resultados
das eleições, seguiram para
a cidade de João Pessoa, onde pediram
asilo ao Interventor Argemiro Figueiredo
até o dia 29 de outubro, quando a
assembléia se reuniria para eleger
o governador. A alegação era
de que não se sentiam seguros no
Estado. O Partido Popular entra também
com uma representação junto
ao Tribunal Superior Eleitoral , solicitando
garantias de tropas federais para a data
da votação. O Tribunal concede,
em sessão realizada no dia 21 de
outubro.
No dia 25 de outubro, chega a Natal no navio
Pedro II, o general Manuel Rabello e alguns
oficiais do estado Maior da 7a. Região
Militar a fim de acompanhar pessoalmente
a votação para governador.
No dia 27 de outubro, Mário Câmara
entrega o cargo de Interventoria ao capitão
Liberato Barroso, comandante do 21º
BC. Neste mesmo dia chegam da Paraíba,
vindos de trem, os deputados do Partido
Popular, acompanhados por tropas do 22º
BC e do candidato ao governo Rafael Fernandes.
Na manhã do dia 29 de outubro, Mário
Câmara embarca de navio para o Rio
de Janeiro. No cais Tavares de Lira, situado
no bairro da ribeira, o movimento era grande,
com a presença de centenas de partidários
do interventor que tinham ido se despedir.
A eleição para governador
era apenas para confirmar o nome do indicado
pelo Partido Popular, uma vez que o partido
tinha maioria na assembléia. Em função
disso, já haviam sido mobilizadas
caravanas do interior do Estado, que iam
chegando a Natal. A ribeira, onde se localiza
o cais, era também a parte mais importante
do comércio da cidade, e além
disso era onde ficavam os melhores hoteis
onde se hospedariam as autoridades convidadas
para as solenidades de posse do novo governador.
Neste dia era comprensivelmente grande o
numero de pessoas que circulavam pelo bairro.
Com a aglomeração nas imediações
do cais do porto, começam pequenas
discussões envolvendo partidários
do interventor e do Partido Popular. Na
hora do embarque, com a chegada do interventor,
dá-se início a uma grande
confusão, com brigas de rua que terá
como resultado dois mortos(no café
Cova da onça, na rua Tavares de Lyra)
e diversos feridos, sendo necessário
a intervenção de tropas do
21 BC e da policia Militar. Muitos são
presos e encaminhados para o quartel do
21 BC.
Às 13 horas, com a assembléia
legislativa cercada de policiais, tanto
do exercito quanto da policia militar, inicia-se
a votação com a presença
de todos os 25 deputados eleitos. O resultado
era o esperado: 14 votos do Partido Popular
para Rafael Fernandes e 11 da Aliança
Social para o desembargador Elviro Carrilho,
que concorreu sabendo com antecipação
o resultado. Rafael Fernandes é eleito
e empossado imediatamente.
Se havia um clima de intranquilidade na
capital, como evidenciam as ocorrências
pouco antes do embarque do Interventor,
no interior do Estado a situação
não era diferente: entre outras ocorrências,
a mais séria aconteceu no municipio
de Apodi, quando, no dia seguinte a posse
de Rafael Fernandes, um grupo com cerca
de 300 homens armados e tendo à frente
Baltazar Meireles, amigo e partidário
de Mário Câmara(havia sido
candidato a deputado estadual pela Aliança
Social e teve 1.182 votos, não se
elegendo) invade alguns municipios da zona
oeste do Estado dando “vivas”
a Mário Câmara e “morras”
a Rafael Fernandes. Como noticia o jornal
“ A República” do dia
30 de outubro “ de ante-ontem para
hoje, um grupo de cerca de 350 homens armados,
ao que se diz chefiados por Baltazar Meirelles,
fez depredações no povoado
de Aparecida, no vizinho Estado da Paraíba
e em Luiz Gomes, João Pessoa, Vitória
e Pau dos Ferros, nesse Estado. Foram cortados
fios telegráficos e danificados casas
e propriedades”.
Ao saber dessas ocorrências, o Governador
recém empossado envia uma tropa da
Policia Militar, comandado pelo também
recém nomeado delegado de policia,
Dr. João Medeiros Filho. Com o reforço
das policias do Ceará e da Paraíba,
conseguem dispersá-los. Acusados
de praticarem “ toda sorte de depredações,
desatinos e crueldades” conforme os
termos do noticiario local, chega ao conhecimento
do Presidente da República que de
imediato telegrafa aos governadores da Paraíba,
Ceará e Rio Grande do Norte ordenando
medidas enérgicas.
Esses tumultos causados por Baltazar Meirelles,
segundo Spinelli “... era parte de
uma articulação mais ampla
arquitetadas pelos partidários da
Aliança Social que contariam para
isso com decisivo apoio federal. Este foi
retirado de ultima hora, o que talvez tenha
motivado as declarações de
Câmara, após entregar o cargo
de que havia sido traído por Vargas”
e acrescenta “ é provável
que Vargas tenha levado em conta, ao retirar
o seu apoio a um golpe contra Rafael Fernandes,
a falta de respaldo militar de Mário
Câmara” (Spinelli, l989, p.326).
João Maria Furtado crê que
esse acontecimento foi provavelmente resultado
de um acerto político para perturbação
da ordem para uma possível (ou prometida)
intervenção no Estado por
parte do governo federal e, assim, uma solução
intermediária para a eleição
de outro governador. Diz ele “ parece
que houve um acerto nesse sentido. Dr. Paulo
Câmara, irmão do interventor,
a fim de desfazer a teia do levante, veio
do Rio de Janeiro, mas Baltazar Meirelles
não foi avisado” (Furtado,
l976, p. 122). A hipótese de apoio
federal no entanto nos parece improvável.
Ao longo do processo eleitoral e em especial
após a proclamação
oficial dos resultados das eleições
, não há qualquer indicio
de que Vargas apoiaria ou estimulasse o
interventor em relação a eventuais
golpes em relação a Rafael
Fernandes.
O Major Josué Freire também
faz alusões a um levante envolvendo
alguns militares do 21ª BC com ramificações
na guarda-civil e no Estado da Paraíba
para o dia 29 de outubro “...com o
fim de praticar atos de terror de tal modo
impressionante que forçariam, pelo
pânico, a eleição de
Mário Câmara para governador
do Estado(...). os denunciantes foram dois
praças aliciados que, receosos de
serem descobertos, desligaram-se do compromisso.
O chefe do movimento era Café Filho
(...) e faziam parte do conluio, do 21 BC,
diversos sargentos” (Freire, l938,
p. 290).
Essa alusões, partindo do major Josue
´Freire é no minimo suspeita,
em função de suas notórias
ligações com o Partido Popular.
De qualquer forma, são as unicas
referências a esse tal levante. Não
há, nos volumosos autos dos processos
do Tribunal de Segurança Nacional
a respeito dos acontecimentos de l935 no
Rio Grande do Norte, qualquer alusão
a respeito (Baltazar Meirelles será
inclusive um dos indiciados, embora não
tenha tido qualquer participação
no levante do 21 BC poucos dias depois).
Segundo o major, a rebelião foi malagrada
com a prisão dos implicados. Aberto
um inquérito, os implicados nada
soferam, sendo apenas transferidos de Natal
“ por inteferência do interventor
e de Café Filho junto a Vargas”
( Freire, l938, p. 292).
Robert Levine também se refere a
um possível levante nesse período
: “ ...a 20 de outubro, Câmara
e seus assessores discutiram a possibilidade
de uma resistência armada à
posse de Rafael Fernandes como governador,
Mas eles foram desencorajados por noticias
de que o 21 BC permanecia leal ao governo”
(Levine, l976-1977, p.124).
O fato é que havia uma inequívoca
intranquilidade e a expressão disso
é o deslocamento de tropas do exército
de outros Estados para Natal e sua permanência
até o dia 7 de novembro, 9 dias depois
da posse de Rafael Fernandes.
O Governador, logo ao assumir, toma algumas
medidas que irão contribuir para
a continuidade do clima de tensão
existente , como a demissão de funcionários
ligados ao Interventor, a transferência
de uns e a ida para a reserva de oficiais
da Policia Militar, tidos como aliados de
Mário Câmara . E como parte
das mudanças político-administrativas,
no dia 20 de outubro, dissolve a Guarda
Civil, acusada durante toda a campanha eleitoral
de abrigar cangaceiros e desordeiros à
soldo do Interventor. Esta guarda havia
sido criada em l932, por Café Filho,
quando chefe de policia de Bertino Dutra
e no momento de sua dissolução
era composta por cerca de 300 homens. Alguns
autores vâo atribuir a esse fato,
que gerararia grandes descontentamentos,
um papel importante para o levante que ocorreria
3 dias depois no 21 BC. Outros relativizam,
como o Dr. João Maria Furtado que
diz a respeito “... com esse decreto
nº l9 foram postos à rua, cerca
de 300 mantenedores da ordem, que passaram
a sofrer fome com suas familias. Era um
problema social artificial e criminosamente
criado pelo novo governo, além de
um caldo de cultura de revolta dos injustiçados
sem culpa e daí porque alguns deles,
um número aliás insignificante
malgrado tudo, tomaram parte do levante
vermelho, imaginando-o um meio de derrubar
o governo que lhe tirava o pão de
cada dia (Furtado, l976, p. 122) É
uma análise correta, pois conforme
veremos mais adiante, considerado o total
de demitidos e dos efetivamente envolvidos
no levante, o numero era realmente insignificante
e não teve a importância decisiva
que alguns lhe atribuem.
Nesse mesmo decreto o Governador cria a
Inspetoria de Policia cujos efetivos, conforme
expressa orientação, deveriam
ser homens de sua inteira confiança.
Além disso chama ao serviço
ativo os oficiais que haviam sido reformados
administrativamente por Mário Câmara,
como o major Luiz Julio Pinto Soares - que
passa a comandar a Policia Militar - Jacinto
Tavares, os capitães Genésio
Lopes da Silva, José Bezerra de Andrade,
Joaquim Teixeira Moura e Laurentino ferreira
Morais, além do 2º tenente Francisco
Bilac de Farias (todos eles aliás
haviam sido presos em l932, acusados de
simpatias aos Constitucionalistas de São
Paulo).
Três dias depois, ocorre uma insurreição
no 21 Batalhão de Caçadores
em Natal. Por que ? o que aconteceu ? é
o que discutiremos no próximo capítulo.
Antes porém faremos algumas breves
considerações a respeito da
classe trabalhadora do Rio Grande do Norte,
do Partido Comunista e da Aliança
Nacional Libertadora, que são elementos
importantes que ajudarão a compor
o quadro em que se poderá compreender
a insurreição do 21 BC.
Notas
8
- João Café Filho nasceu em
Natal no dia 3 de fevereiro de l899. Fez
seus estudos secundários no Colégio
estadual do Atheneu Norte-riograndense.
Formou-se em Direito e com a criação
de seu próprio jornal, passou a ser
um atuante jornalista político. Foi
deputado federal em várias legislaturas.
Eleito vice- presidente da República
em l950, assume, com o suicidio de Getulio
Vargas a Presidência em agosto de
l954, tendo seu mandato sido interrompido
em novembro de l955. Depois disso, ainda
foi Ministro do Tribunal de Contas do então
Estado da Guanabara. Faleceu em 11 de fevereiro
de l970. Sobre Café Filho, consultar
sua auto-biografia “Do sindicato ao
Catete” Rio de Janeiro, Editora José
Olimpio, l966
9
- Para maiores detalhes a respeito das inteventorias
tenentistas no Rio Grande do Norte, consultar
Marlene Mariz “A revolução
de 1030 no Rio Grande do Norte”, Dissertação
de Mestrado, UFPE,1982 e José Antonio
Spinelli “A reação da
oligarquia potiguar ao modelo centralizador
de Vargas: 1930-1935”, Dissertação
de Mestrado, UNICAMP, l989.
10
- Nascido em Caicó no dia 22 de setembro
de 1884, José Augusto de Medeiros
foi um dos mais influentes politicos do
estado. Bacharel em Ciências Jurídicas
e Sociais pela Faculdade de Direito de Recife
em l905, foi Juiz de Direito, deputado por
várias vezes, senador e governador
do Rio Grande do Norte durante a 1a. República.
Foi fundador e presidente do partido popular
em l933, sendo eleito deputado federal em
l934. Para maiores detalhes sobre sua vida,
consultar “José Augusto B.
de Medeiros, um democrata”de Nilo
Pereira, Fundação José
Augusto, Natal, 1982
11
- Por decisão da Assembléia
Nacional Constituinte os deputados fedrais
e estaduais seriam eleitos por voto direto,
enquanto os governadores e senadores pelas
assembleías legislativas. O Rio Grande
do Norte teria direito a 5 vagas para deputado
federal e 25 para deputados estaduais.
12
- João Maria Furtado irá qualificar
esse livro como “uma condensação
de fatos totalmente invertidos e todos completamente
desfiguradores da realidade”(Furtado,
l976, pp.138-139)
13
- Esta carta está no arquivo de Agamenon
Mgalhães - CPDOC/Fundação
Getulio Vargas, Rio de Janeiro
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