Comentários
ao artigo 7
A lei é a mesma para
todo mundo, deve ser aplicada da mesma maneira para todos, sem distinção.
Washington Araújo
A Declaração Universal dos Direitos Humanos chega à meia idade com
alguns excelentes frutos: moldou comportamentos, definiu
responsabilidades, criou laços de solidariedade, dissecou às últimas
conseqüências temas vitais como dignidade humana, justiça, liberdade
e segurança coletiva. Em alguns de seus aspectos fundamentais ainda é,
lamentavelmente, uma carta de boas intenções.
Neste último meio século mais de uma centena de nações vieram à
existência. A Declaração de Direitos Humanos, viu reforçada sua função
de representativa da totalidade das nações emergentes ao ser
gradativamente ratificada pelo dobro dos países signatários originais.
Ela é, por si e em si, o documento básico que articulou os direitos
inalienáveis de todos os membros da família humana e de certa forma,
seu conteúdo poderia ser visualizado como sendo o conjunto de anseios e
esperanças acalentados por gerações de homens e mulheres, crianças e
idosos, das mais variadas raças, etnias e crenças religiosas - anseios
e esperanças essas pelos quais todos de alguma maneira viveram, lutaram
e pereceram. Guerras e conflitos sangrentos foram travados sempre que
temas maiores como soberania nacional, justiça, liberdade ou dignidade,
estiveram ameaçadas pela mão forte do opressor. Esta Declaração
representa o melhor que uma humanidade angustiada saída dos escombros
da segunda Grande Guerra poderia produzir. E tem personificado de certa
maneira uma apólice de seguros - sem data de prescrição - para uma
humanidade nunca acostumada ao bacilo da guerra.
A interdependência entre povos e nações é, à medida que o século
XX rapidamente se aproxima de seu final, tão evidente quanto a constatação
que em 1989 foi derrubado o Muro de Berlim e extirpado da face da
humanidade essa sua última cicatriz conseguida durante a II Guerra
Mundial. É nesse cenário do limiar do século XXI que busca-se um
interlocutor, um poder, um sentimento supranacional que vocalize os
esforços de povos e governos para se alcançar entendimentos comuns
sobre assuntos que afetam e colocam em risco o futuro da humanidade.
É oportuna a afirmação da Casa Universal de Justiça, de que "a
justiça é o único poder que pode traduzir a consciência emergente da
unidade da raça humana em uma vontade coletiva através da qual as
estruturas necessárias à vida comunitária global poderão ser
erigidas com confiança. Uma época que vê os povos do mundo tendo
acesso crescente a todos os tipos de informação e a uma diversidade de
idéias irá descobrir que a justiça se afirma como o princípio
governante da organização social bem sucedida. Com uma freqüência
cada vez maior, as propostas que visam ao desenvolvimento do planeta terão
de submeter-se à luz imparcial dos padrões exigidos pela justiça. Ao
nível individual, a justiça é aquela faculdade da alma humana que
torna cada pessoa capaz de distinguir entre a verdade e a falsidade. Aos
olhos de Deus, assegura Bahá'u'lláh (1817-1892), a justiça é a mais
amada de todas as coisas, pois permite que cada indivíduo veja com seus
próprios olhos e não através dos olhos de outros, conheça através
de seu próprio conhecimento e não por intermédio do conhecimento dos
seus semelhantes ou do grupo.."
Desta forma, a justiça requer imparcialidade de julgamento e eqüidade
no tratamento dispensado aos outros, confirmando assim a regra de ouro
das grandes vertentes religiosas e filosóficas.
Quando observamos via satélite
pela CNN o grau de desamparo em que sobrevive grande parte da
humanidade, quando nossos olhos são violentados por crianças
"vestidas de pele e osso" em tantas nações africanas e asiáticas
em contraponto com o desperdício acumulado no leito da civilização
ocidental, dita cristã, dita européia, ficamos consternados e em
alguns casos indignados: há de um lado, excesso de alimentos e de
outro, excesso de fome e de miséria.
O artigo 7 da Declaração Universal dos Direitos Humanos declara que
"todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção,
a igual proteção da lei. Todos tem direito a igual proteção contra
qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra
qualquer incitamento a tal discriminação."
A que lei nos referimos? A que tipo de direito lhe é assegurado? A que
forma de proteção da lei se refere o legislador? Essas perguntas
parecem estar nas entrelinhas de todo o artigo 7. E as respostas merecem
reflexões, as mais amplas e profundas possíveis.
A necessidade de um novo Discurso sobre os Direitos Humanos
Façamos um breve retrospecto sobre a visão atual dos Direitos Humanos.
As origens das opiniões correntes sobre os direitos humanos podem ser
encontradas nas filosofias igualitárias da antigüidade, mas somente de
alguns séculos para cá foi possível uma formulação clara dos
direitos humanos. Nas últimas décadas, essa formulação tem sido mais
refinada e delineada. Os princípios centrais da moderna lei de direitos
humanos podem ser resumidos da seguinte maneira:
* Todo ser humano tem certos direitos que lhe são inerentes. Tais
direitos podem ser enumerados ou deduzidos; não são conquistados nem
adquiridos, mas são inerentes a todas as pessoas em virtude apenas de
sua humanidade.
* Os direitos básicos de todo cidadão são irrevogáveis ou alienáveis
- isto é, tais direitos nunca podem ser anulados nem negados por partes
externas nem pelos próprios indivíduos envolvidos.
* Os conflitos entre os direitos humanos devem ser resolvidos de acordo
com leis e procedimentos justos e imparciais.
A pesquisa antropológica contemporânea está revendo a evidência que
apoia o universalismo moral. Richard Beis identificou uns vinte
preceitos morais que parecem ser transcultural. Eles incluem a proibição
de assassinato ou mutilação sem justificativa; justiça econômica;
reciprocidade e restituição; provisão para os pobres; o direito à
propriedade; e prioridade para bens imateriais [tais como a
liberdade]". A essência da história aqui é que quando os
pesquisadores quiserem procurar diferenças eles encontrarão diferenças,
e se eles procurarem similaridades culturais cruzadas, estas também
poderão ser descobertas rapidamente.
A Declaração e Viena de 1993 afirma que o desafio relativista aos
direitos humanos é basicamente não plausível - uma declaração em
consenso adotada por 171 nações: "Os direitos humanos e as
liberdades fundamentais são o direito inato de todos os seres humanos;
a sua proteção e promoção é a primeira responsabilidade dos
governantes... independentemente de seus sistemas políticos, econômicos
e culturais." "A natureza universal destes direitos e
liberdades é uma questão infindável..."
Embora os existentes direitos humanos internacionais tenham uma marca
ocidental inconfundível - tanto em termos de origem como em metodologia
de implementação - isto não invalida de nenhuma maneira o conteúdo
moral que eles incorporam. Wole Soyika, o escritor nigeriano laureado do
Prêmio Nobel, rejeitou a afirmação de que os padrões ocidentes de
direitos humanos não são aplicáveis em outras partes do mundo:
"Qualquer pronunciamento de que a liberdade de expressão é uma
luxuria do ocidente insulta as lutas históricas de indivíduos e
comunidades... Nós todos concordamos com o que é tortura. O que
estupro significa. O que é prostituição infantil. O que vem a ser
genocídio. Então não vamos fingir não saber o que os direitos
humanos realmente representam."
Como o laureado do Prêmio Nobel, Aung San Suu Kyi, observou, o conceito
budista de autoridade transmite obrigações multo especificas: "Os
Dez Deveres dos Reis são liberalidade, moralidade, abnegação,
integridade. generosidade, austeridade, bondade, não violência, tolerância
e não-oposição à vontade do povo".
O jurista europeu Karel Vasak ofereceu uma estrutura para se escrever
este processo com a sua noção de três gerações de direitos
humanos."
A primeira geração pertence aos direitos civis e políticos - aqueles
encontrados nos Artigos de 2 a 21 da Declaração Universal que aborda
questões de liberdade: o direito a vida; à liberdade de pensamento, de
expressão, de consciência, de religião, e de ir e vir; o direito à
liberdade de fazer parte de assembléias ou associações pacíficas; à
segurança pessoal; liberdade de Vida, sem escravidão, tortura, e penas
cruéis ou degradantes; o direito à propriedade; o direito à total
igualdade e ao tratamento justo perante a lei. Estes direitos geralmente
refletem as doutrinas filosóficas da teoria política liberal que
colocam supremacia no indivíduo e procuram limitar os poderes de um
estado minimalista.
A segunda geração engloba os direitos econômicos, sociais e culturais
- aqueles relacionados com questões de igualdade, que estão
promulgadas nos Artigos de 22 a 27 da Declaração Universal e mais
especificamente no Acordo Internacional de Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais de 1966: o direito à segurança social; o direito ao
trabalho e à proteção contra o desemprego; o direito ao descanso e ao
lazer; o direito a um padrão adequado de vida quanto saúde e ao
bem-estar próprio e da família; o direito à educação; o direito à
proteção de sua produção científica, literária e artística.
A terceira geração refere-se aos direitos coletivos ou solidários.
Esta categoria de direitos foi esboçada em termos gerais do Artigo 28
da Declaração Universal, que declara que "Todos têm direito a
uma ordem social e internacional na qual os direitos apresentados na
Declaração possam ser completamente realizados." Atualmente, a
terceira geração inclui os seguintes: o direito ao livre arbítrio político,
econômico, social e cultural; o direito ao desenvolvimento econômico;
o direito de participar e beneficiar-se da "herança comum da
humanidade."
Sempre que tratamos dos Direitos Humanos, algo nos salta aos olhos: e os
Deveres Humanos? O desafio é nada menos que aceitar que "o corpo
da humanidade é único e indivisível" é reconhecer que todo ser
humano "nasce no mundo como uma responsabilidade do todo."
Apesar de o Artigo 29.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
especifica que "toda pessoa tem deveres para com a comunidade a
qual o desenvolvimento livre e completo de sua personalidade seja possível,"
a brevidade e a localização proeminente desta declaração mal fazem
justiça à noção de que os direitos devem estar relacionados com as
obrigações.
***
Vivemos um momento crucial da história humana. Um tempo em que as
palavras parecem embriagas e despidas de seus significados intrínsecos
e maiores. Tomemos como exemplo a palavra justiça. Nos dias correntes
ela é vista como o poder punitivo e coercitivo. Justiça está mais
para a ação inibidora do delito que para a busca da verdade, uma
verdade que proteja o bem individual e o bem coletivo, indistintamente.
Um grave problema com que nos defrontamos é a constatação de que,
salvo através do respeito à justiça, será impossível alcançar uma
unidade de pensamento e ação. E o que mais falta na vida organizada
das sociedades é esta unidade que liga o pensamento à ação, pois a
justiça emerge como uma percepção viável de que para se alcançar o
progresso da humanidade, há que se ver os interesses dos indivíduos e
da sociedade como sendo inseparavelmente interrelacionados. Outras
palavras que parecem carecer de significado na roda viva desses anos
finais do século: Direitos Humanos. Para sintetizar, estas duas
palavras quando mencionadas ou escritas nessa seqüência parecem
simbolizar, para uma certa parcela da sociedade brasileira, como
enfeixando o direito dos delinqüentes, dos marginais, dos excluídos
sociais que cometem as ações delituosas. Algo mais equivocado que
isso?
Um dos aspectos impeditivos à realização do preceito de "todos são
iguais perante a lei" é o fato de que a justiça, em uma instância
mais elevada e a lei em um instância mais imediata, tem sido objeto de
manipulação, em geral motivada pelo poder econômico -- desde a aprovação
de uma lei ou um decreto-lei ou uma medida provisória, quantos
interesses econômicos estão subjacentes à tomada do curso de ação?
Quantos lobbies, pressões (legítimas e ilegítimas) trazem à
realidade uma nova lei? Essa não é uma prática brasileira, mas
existente na grande maioria dos países do mundo. Existem as bancadas de
congressistas que se autodenominam defensoras de segmentos econômicos,
sociais e até religiosos: bancada ruralista, bancada dos laboratórios
farmacêuticos, bancada das empreiteiras, bancada evangélica, bancadas
da grande mídia, bancadas dos banqueiros e por aí afora. Urge uma
bancada dos maiores interesses do povo: aquela que tratará de elevar
sua qualidade de vida, de diminuir o fosso existente entre capital e
trabalho, que previna a sociedade contra todo tipo de discriminação,
que impeça a interrupção de vidas pelo uso de drogas, pela insegurança
nas vias públicas ou pelos esquadrões de extermínio.
Um antídoto a esse meio viciado em que muitas das leis são forjadas não
é outro que o da compreensão de que os interesses da sociedade não
podem ser subordinados aos interesses - menores - de determinados
segmentos ou forças econômicas, sociais e ideológicas. Ainda quando
buscamos atentar para o progresso de uma sociedade ou de uma nação a
consideração pela justiça protege-a das tentações de sacrificar o
bem-estar da humanidade em geral - e até mesmo do próprio planeta - às
vantagens que os avanços tecnológicos proporcionariam a minorias
privilegiadas.
Feitas essas considerações, torna-se imperativo buscar refletir sobre
as graves injustiças sociais que colocam o mundo virtualmente à beira
de guerras, não mais as guerras das baionetas e das granadas de mão,
mas a essa visão dantesca que nem as mentes mais criativas podem
antever: a antevisão de um holocausto nuclear.
Apesar dos tropeços de uma humanidade aflita e tantas vezes desiludida
de seu próprio "potencial de humanidade", ainda assim,
podemos constatar o surgimento de uma solidariedade compartilhada, de
uma sociedade mais envolvida na defesa de seus direitos, anseios,
sonhos.
Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção,
a igual proteção da lei.
São estas as palavras iniciais do Artigo 7o. - o tema desta reflexão.
Aqui, diante da tela do microcomputador, fecho os olhos para as teorias
que me ensinaram sobre justiça e direito e abro-os para as lições de
Von Hiering, quando afirma que para se alcançar o Direito há que se
pressupor a existência de uma luta sem tréguas. Penso logo de início
no Brasil, com suas imensas disparidades sociais: serão todos os
brasileiros iguais perante a lei? Terão todos eles direito, sem
qualquer distinção, a igual proteção da lei? Tomo o Brasil para
vasculhar alguns indicadores da realidade social que, de resto, pouco
diferem da grande maioria dos ditos países dos terceiro mundo, países
emergentes ou em desenvolvimento:
- 30% das crianças do Brasil, menores de 5 anos são desnutridas.
- De cada 1.000 nascimentos, 60 crianças morrem antes de completar um
ano de vida.
- Grande contingente da população padece de enfermidades que há décadas
foram erradicadas de países desenvolvidos. Dentre estas, a malária,
esquistossomose e o dengue.
- Milhares de brasileiros sobrevivem em favelas, cortiços ou
simplesmente ao relento.
- Milhões de brasileiros vivem em busca de emprego e não o encontram.
- Milhões de brasileiros subsistem no meio rural sem direito a uma porção
de terra para plantar e produzir seu alimento.
Outro dado que merece reflexão aprofundada é o de que somos a 3a.
maior economia agrícola do mundo e temos nada menos que 18 milhões de
brasileiros em estado de fome e penúria. Ao destacar 18 e não 33 milhões,
busco ser otimista utilizando estatísticas governamentais em detrimento
daquelas divulgadas por instituições da sociedade civil. Em outras
palavras, exportamos alimentamos mas não saciamos a fome desses que a
Declaração Universal de Direitos Humanos busca assegurar que sejam
"iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a
igual proteção da lei".
O desafio é tão grande quanto o nível de mudanças na estrutura
social do país, passando pela vontade política sem a qual nada se
tornará efetivo - para alterar essa alarmante situação. A distribuição
de renda é o próprio coração para a retomada do crescimento econômico
sem efeitos colaterais ou posturas demagógicas e messiânicas tão
comuns no Brasil na época das "safras eleitorais". Da
realidade brasileira podemos transitar facilmente para dezenas de outras
países em situação mais ou menos similar. Ou seja, um dos artigos da
Declaração que necessita uma ampla reflexão por parte dos detentores
do poder e da autoridade, é exatamente o 7o. artigo. É o seu
descumprimento que acarreta a diminuição da dimensão humana, onde um
ser humano pode ou não ser um cidadão e a cidadania está intimamente
relacionada com o "estado de direito" e com o "império
da lei". Não há cidadania em um vilarejo ou em uma nação onde
"alguns cidadãos sejam mais iguais que outros perante a lei".
Copacabana versus Rocinha reedita o conflito Riqueza versus Miséria
Se em Copacabana, afluente bairro da zona sul do Rio de Janeiro, os
jovens até bem pouco exibiam seus vistosos e caros tênis Nike e Reebok;
nas favelas, como a da Rocinha com seus 700 mil moradores, encontramos o
desespero, a dor e a luta dos que não se deixam vencer na busca de um
lugar ao sol. Se para os abastados a liberdade é cercada por grades,
qual presídios domiciliares, nas favelas, a liberdade é tolhida pelas
quatro paredes dos barracos, refúgios improvisados das "balas
perdidas". Esse quadro realça de forma dantesca o imenso abismo
que separa os que têm dos que nada possuem. Em baixo, a afluência, a
riqueza, o supérfluo e também as leis, as mecas do consumo, os bons
estabelecimentos de ensino, os bem equipados postos de saúde e as
guaritas policiais. Em cima, os barracos violando a lei da gravidade e
podendo desabar ante um brevíssimo temporal. As madeiras que servem
como paredes improvisadas dos lares parecem prontas para virar lenha
ante uma ponta de cigarro displicentemente esquecida. O cenário da
Cidade de Deus e de Vigário Geral, na capital carioca, fornecem combustível
para termos no inconsciente coletivo um quadro desolador de revolta
sufocada e do abuso de poder com toda sua devastação.
E então, nas conversas da Fundação Getúlio Vargas, dos Centros de
Estudos Sociais e da Escola Superior de Guerra, surge a inquietante
questão, que a todos cala e aterroriza:
- E se a Rocinha descer o morro?
Na pergunta, nada mais que o temor de que a luta de classes se
generalize e a aparente trégua social ferva em um caldeirão de violência
de incerta previsão quanto aos seus resultados mais imediatos. A
Rocinha representa então a ponta do iceberg social brasileiro e por
conseguinte, de todas as nações que formam o chamado Terceiro Mundo.
Significa que os que não têm podem, a qualquer tempo, reivindicar, na
força, o que julgam ser seu e que se não têm os meios elementares de
sobrevivência, acreditam ser resultado de seculares formas de má e
insidiosa distribuição de rendas.
Reflito então sobre Ruanda, Marrakech, Nova Deli e Islamabad, apenas
para citar alguns países do bloco dos que "não têm" para
imaginar que para a Europa, a América do Norte e para os até bem pouco
tempo atrás irrequietos Tigres Asiáticos (Japão, Taiwan, Singapura e
Hong Kong), o que chamo de Princípio da Rocinha é também sintoma de
temor, preocupação e muitas vezes, desespero. No contexto
internacional, a frase se reformula, mas não muda em sua essência:
- E se o Terceiro Mundo for para o Primeiro?
Com efeito, em contraponto a esta rápida deterioração do
relacionamento entre as nações, encontramos o surgimento da perniciosa
xenofobia, ou seja, o desamor e o ódio aos estrangeiros que "vêm
aos nossos países violar o establishment econômico e social",
quebrar seus sistemas previdenciários, reduzir a renda per capita pelo
emprego de mão-de-obra subalimentada, de educação deficiente e
segundo seus filósofos sociais "de baixo padrão de
civilidade". A realidade do que é expresso pode ser visto pelos
crescentes regulamentos alfandegários e consulares buscando impedir a
cidadãos do Terceiro Mundo de usufruir da tranqüilidade e da paz
veladas de Paris, Londres, Frankfurt, Nova Iorque ou São Francisco. Daí
os vistos serem cada vez mais difíceis e os prazos de permanência
permitidos cada vez mais exíguos. Para a França, 3 dias, para Londres,
um mês e para alguns outros países 90 dias, se comprovada a renda estável
em seu país de origem e também, em qualquer caso, se o cidadão
estiver ingressando com um mínimo de dois a três mil dólares para
consumir nesses países.
Quando em 1955, o filósofo francês designou os países pelo
ordenamento de sua renda per capita, imaginou, como é típico do
pensamento de todo filósofo social, que a expressão Terceiro Mundo
deveria ser a designação daqueles países que poderiam emular,
refletir e lutar pela renovação que ensejou a Terceira República da
França, após sua festejada Revolução de 1789. Mas, lamentavelmente,
hoje e nas últimas décadas, a expressão serviu para envenenar ainda
mais o relacionamento entre as nações prósperas e abastadas e aquelas
outras, mais pobres, com todo tipo de preconceito racial, social,
religioso.
É quando, com tristeza, sentimos que Terceiro Mundo passou a ser sinônimo
de terceira classe, nem mais, nem menos. Quando observamos a marca da
brutalidade alemã contra os cidadãos turcos naquele país ou quando
vemos que para um brasileiro passar algumas semanas no Canadá ou mesmo,
buscar conhecer as maravilhas artísticas do Louvre em Paris ou do
Metropolitan em Nova Iorque, temos que reconhecer que somos tratados
como cidadãos de terceira categoria.
Sabendo dessa situação, o protecionismo do Primeiro Mundo progride célere
e os eixos do poder mundial, antes marcados pelas ideologias,
apresentadas em ambos os casos, seja no capitalismo ou no socialismo,
como "fórmulas salvadoras" do establishment mundial, passam a
ser as novas forças econômicas (e não ideológicas!) das imensas
disparidades da riqueza planetária.
Esgotado o conflito ideológico que embutia como seu bem mais
aprimorado, os estertores da guerra fria e o temor sempre presente de um
holocausto nuclear, muitas vezes iminente, vemos também o esgotamento
de um modelo econômico fadado a perecer, irremediavelmente, uma vez que
se baseia em um sistema injusto de distribuição de renda, onde os
ricos tornam-se cada vez mais ricos e os pobres, avançam desesperados
para a miséria. Aliás, uma miséria que busca suplantar a tragédia
metropolitana que é uma Calcutá ou uma Bombaim e porque não irmos
mais próximos, uma Duque Caixas ou o Xérem, ali na Baixada Fluminense?
Neste contexto soa ignorância explícita, buscar resolver o problema
econômico sem antes passar por uma reflexão inadiável das estruturas
econômicas e ainda que contemple um redirecionamento para os valores
humanos universais. Somente, acredito, através de uma solução
espiritual do problema econômico, quando viermos a compreender que a
dor da parte é a dor do todo e que somos interdependentes pois
participamos do mesmo gênero - o Humano - é que poderemos reverter o
quadro desolador que as sociedades atuais enfrentam, mas lutam em não
identificar suas causas.
A compreensão da unidade do gênero humano é a necessidade vital e
urgente. Sem esta compreensão, o mundo caminhará perigosamente para o
declínio, qual Roma antiga que caiu não pela força do inimigo em suas
fronteiras, mas antes, pela incapacidade de seus líderes de vocalizar
os mais legítimos anseios de sobrevivência dos povos oprimidos de sua
época.
O Império Romano mostrou-se ineficaz para reverter sua decadência
tanto quanto a França mostrou alienação na proteção dos direitos
dos mais fracos e a História foi implacável com um e com outro.
Reeditam-se, em escala internacional as mesmas evidências, os
conhecidos sintomas e não é necessário ter uma visão muito aguçada
para se prever que algo de muito sério está ocorrendo e, parafraseando
Shakespeare, existe algo de podre no mundo, onde antes "existia
algo de podre no Reino da Dinamarca", como praguejava Hamlet.
Não é por acaso que, sentindo a inabilidade e a falta de espírito público
de tantos governantes de nossos países, que surgem à mão cheia,
milhares de entidades não governamentais (ONGs), que representando as
sociedades civis se engajam em campanhas para erradicar a fome e a miséria
(Betinho, no Brasil, foi um bom exemplo), bem como para proteger o
meio-ambiente, os povos indígenas, os meninos de rua, enfim, os
"excluídos sociais". E também as Associações de Moradores
e os Conselhos Comunitários que buscam com seus próprios meios soluções
para os males que lhes afligem e lhes estancam, diariamente, a promessa
de uma nova vida, digna, decente, honrada.
Todos tem direito a igual proteção contra qualquer discriminação que
viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
discriminação
Nos dias de hoje, o órgão ao qual delegou-se a incumbência de criar
essa estrutura e libertar a promoção dos direitos humanos daqueles que
a explorariam é o sistema de instituições internacionais nascido das
tragédias de duas ruinosas guerras mundiais e da experiência da crise
econômica em todo o mundo. É bastante significativo que o termo
direitos humanos tenha se tornado de uso geral somente após a promulgação
da Carta das Nações Unidas, em 1945, e da adoção da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, três anos mais tarde. Nesses dois
documentos históricos, reconheceu-se formalmente o respeito pela justiça
social como um fator correlato ao estabelecimento da paz mundial. O fato
de ter sido aprovada sem um único voto dissidente pela Assembléia
Geral da ONU conferiu à Declaração Universal dos Direitos Humanos,
desde seu nascimento, uma autoridade que foi crescendo firmemente nos
anos subseqüentes.
Muito feliz o legislador que, ainda nesta segunda metade do Artigo 7o.,
buscou vincular a proteção legal a quem viole - não apenas um artigo
ou parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos - mas sim, a
totalidade da Declaração. O axioma de que "o que infelicita a
parte, infelicita o todo" é bem verdadeiro. Para implementação
do texto seria necessário rever os mecanismos existentes que regem sua
aplicabilidade. É notório que muitos documentos - inclusive esta
Declaração ora cinqüentenária - que pretendem proteger, preservar,
elevar a condição humana pecam pela falta de força coercitiva para
fazer valer seus pressupostos básicos. Mas este não é um problema
essencial do documento em si. Antes, é um problema que afeta fóruns
internacionais da amplitude de uma Organização das Nações Unidas,
que embora sinalizem a possibilidade da resolução pacífica de
conflitos entre os países membros e desenvolvam trabalhos altamente
meritórios em prol da dignidade humana, ainda assim, demonstra ser um
organismo lamentavelmente defeituoso e - no caso específico - com um
"defeito de nascença", qual seja, o de contemplar países
membros com superpoderes - como os que formam o seu Conselho de Segurança
- e mais de uma centena de outras nações relegadas a um papel secundário,
algo mais para o homologatório das decisões que os
"privilegiados" tomam em seu nome. A verdade é que a ONU
ainda espelha a realidade do mundo do pós-Guerra, quando emergiram
quatro principais nações consideradas "vencedoras" da II
Grande Guerra e as demais nações foram, de certa maneira, lideradas
por estas nações líderes. Naturalmente que aos vencedores deveria
caber o direito de veto a toda e qualquer decisão tomada por outros dos
países membros da entidade.
Haveria que se repensar uma ampla reforma dos estatutos da ONU, repensar
suas funções básicas, sua representatividade, a eficácia de seus
documentos jurídicos. O mundo mudou e a ONU pareceu estacionada,
incapaz de propor soluções de longo alcance para a manutenção da paz
duradoura no mundo. Conflitos como o árabe/israelense, nacionalismos
sufocados do leste europeu, lutas por fronteiras artificiais no
continente africano, para citar apenas alguns poucos exemplos, requerem
que a ONU ressurja com a legitimidade necessária para se impor perante
seus países membros, podendo convocar para si a tarefa de impor suas
determinações que visam a manutenção da paz, o repúdio aos genocídios
e etnocídios, existência de regimes racistas, a rejeição a países
cujos governos promovam ações de terrorismo, tráfico de drogas,
segurança pública, proteção do meio ambiente, dentre outros tópicos
de igual relevância para o bem-estar da raça humana.
Desafios dos Próximos Anos: "Somos guardiães do todo"
Uma vez que o conjunto da humanidade é uno e indivisível, cada membro
da raça humana nasce neste mundo como um guardião do todo. Essa custódia
constitui o fundamento moral da maioria dos outros direitos -
principalmente os econômicos e sociais - que os instrumentos da ONU
também estão tentando definir. A segurança da família e do lar, o
direito à propriedade e o direito à privacidade estão todos implícitos
nessa custódia. As obrigações por parte da comunidade estendem-se à
oferta de empregos, cuidados com a saúde mental e física, previdência
social, salários justos, repouso e lazer, e a mais uma infinidade de
outras expectativas razoáveis por parte dos membros individuais da
sociedade.
O princípio da custódia coletiva também cria, para cada pessoa, o
direito de esperar que as condições culturais essenciais à sua
identidade tenham a proteção de leis nacionais e internacionais. À
semelhança do papel desempenhado pelo pool genético na vida biológica
da humanidade e de seu meio ambiente, a imensa riqueza de diversidade
cultural conquistada ao longo de milhares de anos é vital para o
desenvolvimento sócio-econômico de uma raça que experimenta sua
entrada coletiva na maioridade. Essa diversidade cultural representa uma
herança que deve ter a oportunidade de produzir seus frutos numa
civilização global. Por um lado, é preciso proteger as expressões
culturais contra o estrangulamento causado pelas influências
materialistas que hoje predominam. Por outro, as culturas devem ser
capazes de interagir umas com as outras dentro de padrões de civilização
em constante mutação, livres de qualquer manipulação para fins políticos
sectários.
A luz dos homens, declara Bahá'u'lláh, é a Justiça. Não a apagueis
com os ventos adversos da opressão e da tirania. O propósito da Justiça
é o surgimento da unidade entre os homens. O oceano da Divina Sabedoria
encapela-se nesta palavra excelsa, embora os livros do mundo não possam
conter Sua significação interior.
É particularmente necessário chamar a atenção para o pensamento de
Shoghi Effendi (1897-1957), o líder mundial da Fé Bahá'í, que fora
enfático ao prenunciar o estabelecimento de uma nova ordem mundial,
como fruto da mais recente revelação divina trazida por Bahá'u'lláh.
Sua visão da humanidade constitui um excelente resumo da história das
nações, dentro de um contexto evolutivo. Ele afirmou que "o princípio
da Unidade do Gênero Humano representa a consumação da evolução
humana - uma evolução que teve seus primórdios no despontar da vida
em família, seu desenvolvimento posterior ao alcançar a solidariedade
de tribo, a qual por sua vez, levou à constituição da cidade-estado,
cuja expansão subsequente resultou na instituição das nações
independentes e soberanas." A visão que compartilhou com a
humanidade em seus escritos é holística, em essência, e nas suas
palavras declara que "a unificação da humanidade inteira é o
distintivo da etapa da qual a sociedade humana atualmente se
aproxima"; e que uma vez estabelecida a unidade da família, de
tribo, cidade-estado e de nação - "a unidade do mundo é agora a
meta à qual a humanidade, em sua aflição, dirige seus esforços."
Longe de expor um libelo contra um patriotismo são e legítimo, ele se
referiu ao nacionalismo desenfreado que ao longo a história humana,
vitimou povos e nações, e afirmara ter chegado o momento em que tal
sentimento deveria ceder lugar "a uma lealdade mais ampla - ao amor
à humanidade como um todo."
Os primeiros indícios de que tal previsão começa a ser, finalmente,
assimilada na vida diária das nações do planeta é a aprovação unânime
de um arrojado plano de unificação do continente europeu. No âmago
desse plano, encontram-se as facilidades de que todos os países signatários
desse Acordo de Unificação continental passarão a desfrutar: extinção
de barreiras econômicas, liberação de fronteiras dos países, adoção
de um padrão monetário comum e de um sistema unificado de pesos e
medidas, favorecimento do intercâmbio cultural, legislação comum - são
alguns dos fatores que reputamos extremamente positivos.
Não se poderia afirmar que o exemplo europeu seja o único, mas talvez
o primeiro nessas proporções. No cenário internacional, bem podemos
discernir variados movimentos de unificação. Na América do Sul temos
um tímido início, com o estabelecimento de um Mercado Comum do Cone
Sul, o Mercosul. Na América do Norte aprovou-se o Acordo de Unificação
dos Estados Unidos, Canadá e México; e tudo nos leva a crer que o
modelo ora existente, em breve cederá lugar "àquela lealdade mais
ampla" de amor ao gênero humano, antes referida.
Nos últimos tempos, constatamos alguns eventos mundiais que lançaram
nova luz sobre a visão de Shoghi Effendi. O primeiro, a realização da
II Conferência Mundial de Meio-Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92, no
Rio de Janeiro, reuniu em uma Cúpula histórica e única nos anais da
história das nações a quase totalidade dos chefes de estado do mundo.
Depois a Cúpula da Habitação e Desenvolvimento (Habitat II) em
Istambul; a Cúpula da Mulher, em Pequim. Nessas mega-reuniões todos os
países representados deixaram de lado suas discordâncias e se
concentraram no bem comum de seus povos e na preservação do planeta.
Dentre os desafios que o século XXI entesoura para esta e futuras gerações,
podemos brevemente rever as lições do humanismo, do positivismo de
Comte, da filosofia de Sartre e também das vertentes espiritualistas e
místicas que sinalizam o renascimento de um novo ser humano. A busca da
felicidade volta a ser a meta atual. Arrisco-me a vislumbrar alguns
sinais de mudanças - sinais muito promissores - de que podemos estar
diante de um novo renascimento:
A visão da justiça, que temos visto ser distorcida ao longo dos séculos,
também parece estar em processo de mutação. Quando os trabalhadores
empunham faixas e cartazes reivindicando menor jornada de trabalho
semanal, aumento salarial, creches para seus filhos, ajudas para saúde,
alimentação e transporte, dentre outros benefícios sociais, bem
sabemos que no fundo o que se deseja é a justiça social. Uma justiça
abrangente, de responsabilidade participativa e motivadora de uma justa
distribuição de renda. Sinais positivos, nesse campo, mostram o
aperfeiçoamento das instituições representativas de trabalhadores:
sindicatos, federações e confederações, associações de moradores.
Organizações Não-Governamentais (ONGs) também proliferam em todo o
mundo. Defendem as mais diversas causas, do urso panda ao mico leão, da
mata atlântica às savanas, dos meninos de rua às prostitutas
infantis, da medicina alternativa à energia nuclear para fins pacíficos,
dos aborígenes australianos aos indígenas da América.
A idéia do nacionalismo, com sua visão limitada da humanidade, não
mais resiste à constatação da crescente interdependência entre as nações
do mundo, ainda mais quando observamos que nenhuma nação é
auto-suficiente na produção de matérias-primas essenciais (alimentos,
por exemplo) e por conseguinte, não conseguirá preços competitivos no
mercado internacional. A par disso, o desenvolvimento tecnológico a que
chegamos exigirá um verdadeiro pool de países para a otimização da
produção mundial. A amplitude de um reconhecimento da unidade do gênero
humano requer a superação do conceito de soberania nacional. Um dos
mais veementes exemplos da necessidade desse novo patamar de relações
internacionais é a preocupação mundial com o meio ambiente e a
ecologia do planeta. O planeta é um bem que interessa a todos,
independente de sua origem nacional. A humanidade avança, então, para
o conceito integral de que "a terra é um só país e os seres
humanos seus cidadãos." Estamos em uma era de planetização. As
lealdades menores cedem espaço a uma lealdade maior, que abarque o
mundo em um processo contínuo, com um sistema monetário e alfandegário
únicos, além de uma série de benefícios que passarão a ser comuns
em qualquer país daquele continente. O cerne da questão não é outro
que o reconhecimento formal de que "a dor da parte é a dor do
todo", isto é, não teremos um tecido social saudável se todos
estes fios que se entrelaçam não estiverem igualmente saudáveis.
O conceito de governo autocrático, com as decisões tomadas de cima
para baixo, deve dar espaço aos postulados da ciência política, que
elabora o governo participativo, onde as bases expressam seus anseios,
esperanças e necessidades; e se engajam em um processo efetivo de mudanças
estruturais, sendo partícipe da construção de seu futuro. Foi-se o
tempo em que o destino de uma cidade ou de uma nação deveria ficar
concentrado nas mãos de um governante. A História mostra o quanto tal
realidade impede o progresso.
O processo decisório que no momento é uma vertente da autocracia e,
portanto, viciado em posturas demagógicas e em "salvadores da pátria",
deve ser substituído pelo princípio da consulta coletiva. As partes
envolvidas em um problema devem ser ouvidas, os fatos devem ser
claramente estabelecidos e a liberdade de voz e voto, na tomada da decisão,
devem constituir as bases de um processo decisório sadio e eficaz.
O conceito de liderança individual que sempre se pautou na supremacia
da personalidade do líder, visto como uma forma de possuir prestígio
pessoal, alimentador de vaidades e meio para a obtenção de recursos
materiais, deve ceder lugar a sentimentos mais nobres e elevados, que
coloquem o bem coletivo acima do desejo individual. E tem na conjugação
de qualidades morais, espirituais e éticas, uma nova senda a ser
trilhada, na qual o ato de servir será a aspiração maior. Serviço
inegoístico passa a ser a característica exigida das novas lideranças.
Cursos de formação de líderes darão especial atenção ao resgate
desses valores.
O sistema de educação, que ora privilegia a aquisição de
conhecimentos técnico-científicos, o uso da razão pura e simples, a
constatação dos fenômenos naturais, deverá ser complementada por uma
visão integral e coesiva do ser humano, dando destaque aos frutos do
espírito humano em um contexto de livre e independente busca da verdade
e de renascimento das qualidades morais e espirituais como honestidade,
veracidade, solidariedade: "Uma flor é bela, não importa em que
jardim floresça. A luz é boa, não importa em que lâmpada
brilhe." Avançamos para uma compreensão toda abrangente de que
"o conhecimento é um ponto, os ignorantes o multiplicaram!"
O sentimento de superioridade racial, com sua longa história de
sofrimentos, guerras e conflitos étnico-raciais cederão espaço à
proposta de unidade racial, onde todos são considerados irmãos,
descendentes de Adão, frutos de uma mesma árvore, chamada humanidade.
Com o ressurgimento de movimentos racistas na Europa, em especial na
Alemanha contra a minoria turca residente no país, os países tendem a
investir na prevenção desse mal, chegando a impor sanções econômicas
drásticas - tal o ocorrido contra o apartheid na África do Sul.
A idéia de ecumenismo, onde as religiões e os diversos credos devem
conviver pacificamente, para uma visão ampla de que a base de todas as
religiões é uma só: servir e adorar o mesmo Deus. Nesse caso, a
teologia moderna deve considerar a revelação divina como progressiva:
a verdade religiosa é relativa, não absoluta. Nessa ótica, o hinduísmo
(Krishna), o budismo (Buda), o judaísmo (Moisés), o cristianismo
(Jesus), o islã (Maomé), a Fé Bahá'í (Bahá'u'lláh) representam
diferentes estágios na evolução da revelação religiosa. Assim, também,
vemos o surgimento do Conselho Mundial de Igrejas, do World Wildlife
Fund (Fundo Mundial para a Natureza) e das Associações Interreligiosas.
São os primeiros passos concretos para um novo paradigma de relações,
onde o maior beneficiário será o espírito humano.
Imaginemos, agora, um mundo com todas essas transformações em sua
plenitude!
Apesar de estarmos vivendo as dores do parto deste novo tempo, ainda não
nos apercebemos disso inteiramente. Não obstante, de maneira inexorável,
seguimos rumo a um belo destino, não importando que temores e
retrocessos tenhamos que enfrentar, ou mesmo que o desânimo vez por
outra venha a recair sobre nós. A verdade é que somos uma geração
forjadora de uma idade áurea, inigualável, única, anseio e meta de
passadas gerações. Com efeito, os próximos anos serão repletos de
novos indícios e, então, veremos que a inescapável missão dessa geração
de governantes e governados, igualmente, não é outra que o
estabelecimento de um novo patamar de relações internacionais, dentro
do conceito enunciado por Bahá'u'lláh de que "a terra é um só
país e os seres humanos seus cidadãos."
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