ENTREVISTA
Alain Touraine - Sociólogo, professor da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, França
Nascido
na França em 1925, Alain Touraine é autor de textos considerados
fundamentais para o debate sobre as questões da democracia
e a cidadania como Crítica à Modernidade e Que é Democracia. Neles, elaborou a concepção
da democracia não apenas como "um conjunto de
garantias institucionais, mas uma luta da cidadania em liberdade
contra a lógica dos sistemas", um processo
que - na sua visão - segue dois caminhos: a criação
de espaços para a participação popular e o respeito às diferenças
individuais. Alain Touraine participou da Conferência Internacional
Democracia, Participação
Cidadã e Federalismo, que teve lugar nos dias
2 e 3 de dezembro em Brasília, onde esteve entre os palestrantes
do último painel do evento, intitulado Uma
Agenda para a Democracia e para a Redução das Desigualdades
Sociais. Depois do painel, concedeu este breve
entrevista a Tecido Social.
Por
Antonino Condorelli
Na sua opinião,
este sistema que temos na América Latina, que não foi capaz
de reduzir as desigualdades e garantir os direitos fundamentais
da população, pode se definir mesmo assim “democracia”?
A resposta é simples: há que perguntar às pessoas. O
PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
n. d. r.) elaborou um relatório e este mostra que as pessoas não estão
convencidas disso. Elas dizem: se uma ditadura me der mais,
para mim está ótima, não preciso de democracia. Então, a
que há hoje na América Latina é evidentemente uma democracia
muito limitada e que conta com um apoio frágil e superficial.
Temos que lembrar que neste continente nenhuma ditadura
foi derrubada por um movimento popular: nem no Brasil, nem
na Argentina, no Uruguai, no Chile, etc. O que eu vejo é
uma atitude passiva perante a democracia e uma falta de
participação efetiva nela. As pessoas têm a percepção de
que seus direitos sociais, seus direitos culturais, suas
condições materiais não dependem da democracia. Em todos
os países da América Latina, a população de dá conta de
que a ela é basicamente formal. Essa minha visão é pessimista
porque comparo esta situação com a de outros países, como
os da Europa e os Estados Unidos, e em todos eles eu só
vejo retrocessos e nenhum avance. Existe uma enorme concentração
de poder econômico e político a nível mundial e é muito
difícil se defender deste mecanismo; além do mais, a liberdade
de pensamento da opinião pública é seriamente ameaçada pela
concentração dos meios de comunicação. Eu conheço bem os
Estados Unidos, estive lá no começo da guerra e vi com clareza
que naquele país se produziu um esvaziamento do sentido
da democracia: esta foi suplantada por uma visão religiosa
fundamentalista. Qualquer sistema de poder que se funde
numa religião é estruturalmente anti-democrático: Deus é absoluto, sua verdade é “A verdade”,
portanto não se discute. O que eu vejo é um movimento para atrás, as pessoas se preocupam cada vez menos com as liberdades
públicas e isso é terrível, porque sem elas não pode haver
direitos sociais, econômicos e culturais.
Qual é a ESSÊNCIA
da democracia, a que gostaria de ver e viver?
A
essência da democracia está no nome dela: “poder do povo”,
um sistema onde as decisões vêm de baixo, através de mecanismos participativos
nas instituições representativas, e se traduzem em orientações
da ação dos poderes públicos. A democracia é um processo,
e um processo precisa de atores. Se todo o mundo fica na
sua casa assistindo televisão, não há democracia porque
não há participação, não é o povo quem toma as decisões.
O primeiro passo e o mais decisivo da democracia é formar
as reivindicações, depois cobrá-las sei que não é simples
mas o mais importante é que a sociedade tenha consciência
do que quer, que formule suas demandas. Hoje ela é extremamente
fragmentada: a prioridade, nos dias atuais, é a formação
de atores democráticos, como no século XVIII surgiu a burguesia
para se contrapor à aristocracia. Aqui no Brasil se fala
muito nos movimentos rurais, mas e o problema urbano, a
falta de direitos nas grandes metrópoles? Lá, praticamente,
não há atores que levem adiante estas demandas. Então
a democracia, para ser efetiva, precisa disso: de participação,
ou seja, de atores sociais que formulem reivindicações e
exijam respostas.
Veja
também:
- A Conferência Internacional
Democracia, Participação Cidadã e Federalismo
terminou em Brasília alertando sobre o perigo de
des-legitimação dos regimes democráticos
se eles não souberem reduzir as desigualdades
-
ENTREVISTA Chacho Álvarez - Ex-Vice-Presidente de
Argentina - "La integración regional de América
Latina necesita de instituciones supranacionales que la
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- Campanha de apoio à
ação da Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Saúde pelo direito ao aborto
em caso de anecefalia fetal
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