Documento
da Marcha Mundial das Mulheres para a I Conferência Nacional
de Políticas para as Mulheres
Auto-determinação e igualdade:
os sentidos da mudança
A Marcha Mundial das Mulheres
atua para que a Conferência Nacional de Políticas Públicas
para as Mulheres construa políticas que tenham no horizonte
a auto-determinação das mulheres, a igualdade entre mulheres
e homens, negros e brancos, e o fim de toda forma de opressão
e exploração.
O ritmo em que as mudanças acontecem
é produto da correlação de forças em cada momento para remover
as barreiras que os setores dominantes colocam, impedindo
a concretização de alternativas construídas por amplos setores
da sociedade. No momento em que temos um governo cuja trajetória
é parte do movimento democrático e popular espera-se que
sua atuação seja em favor de inverter o sentido das políticas
até agora desenvolvidas. Políticas estas que priorizaram
os setores de elite e promoveram empobrecimento, desequilíbrios
ecológicos e dependência ao capital internacional. Por isso
nesse momento a ação do governo federal deve ter compromisso
com o sentido da mudança: a distribuição da riqueza e do
poder entre regiões, classe, raças e etnias, entre mulheres
e homens .
A afirmação deste compromisso
não é meramente retórica ou utópica, mas deve responder
às urgências de nosso povo. Do ponto de vista das mulheres,
destacamos três ordens de problemas, barreiras à sua auto-determinação:
o desemprego e a falta de acesso à terra, a sobrecarga de
trabalho e responsabilidades, as imposições e controles
sobre nosso corpo.
Direito das mulheres ao emprego
A participação das mulheres
no mercado de trabalho vem crescendo de forma contínua desde
os anos 1970. Cresceu mais do que a participação dos homens
e o aumento populacional. Porém, em 2002, a taxa de atividade
das mulheres era de 44,4%, e a dos homens 67,8%. Ou seja,
se a taxa de atividade de ambos os sexos fosse a mesma,
quase dezessete milhões a mais de mulheres estariam no mercado
de trabalho.
E elas querem. Não somente porque
os rendimentos médios dos trabalhadores vêm caindo ou porque
dificilmente será compensado pelo salário dos filhos e filhas,
já que o desemprego dos jovens é altíssimo. Mas também por
sua vontade de ter um emprego e uma renda própria. Mais
mulheres chegam ao mercado de trabalho, maior é o desemprego
das mulheres. Em 2002, a taxa de desemprego das mulheres
foi de 11,6% e a dos homens 7,4%.
E como encontrar o emprego?
A política econômica do Governo Lula está guiada por uma
visão monetarista centrada no controle da inflação pelo
controle da disponibilidade de moeda com juros altos. Por
esta visão o mercado se ocupa sozinho do crescimento econômico
e do emprego. Mas, ainda pior, é que esta política privilegia
o capital dos que vivem de renda. O resultado desta política
se faz sentir nos resultados da economia em 2003: PIB zero,
o aumento do desemprego, queda da renda do trabalho. Os
resultados foram tão ruins que pequenas alterações nos índices
de 2004 são comemoradas como grandes feitos.
Esta política não é nova no Brasil. Ela vem sendo aplicada
desde o governo Collor e foi a pedra de toque do governo
Fernando Henrique Cardoso. No resto do mundo ela se tornou
política pública nos governos do Bush pai nos Estados Unidos
e na Inglaterra de Margareth Tachter. Foi lá que se cunhou
a expressão TINA (There´s no alternative. Não há alternativa)
para afirmar que esta é a única possibilidade de política
macroeconômica. Esta política se estendeu para os países
do Sul mediante os acordos com o FMI e empréstimos vinculados
a programas do Banco Mundial.
Em 2003 as economias dos países
emergentes cresceram. Argentina, Índia e China cresceram
quase 10%. Estudar as opções feitas por estes países pode
nos ajudar a definir nossos caminhos. De imediato sabemos
que caminhos baseados na super exploração do trabalho com
jornadas extensas e contratos precários e na destruição
do meio ambiente não nos servem.
Se está difícil para todos,
para as mulheres se soma o problema que o seu direito ao
emprego ainda não é visto por lideranças sociais e governo
como uma questão urgente e dramática. As iniciativas do
governo federal de maior vulto para a geração de empregos
foram a redução do IPI dos automóveis, que supostamente
beneficiariam os operários do setor, e depois o aumento
do contingente do Exército. Ou seja, preocupam-se com homens
e rapazes desempregados.
Os concursos públicos aumentaram
nesta gestão, iniciando uma recuperação da capacidade de
atuação do Estado. Mas a política de superávit primário,
e nos Estados e municípios a Lei de Responsabilidade Fiscal,
amarra os gastos sociais e impede uma política agressiva
de aumento nos quadros da saúde e educação que, além de
melhorar os serviços à população, criam empregos que as
mulheres têm maior facilidade de acesso.
As mulheres querem empregos
com direitos e remuneração digna. Permanece a desigualdade
salarial: mulheres recebendo em média 70% dos rendimentos
recebidos pelos homens, e as mulheres negras recebendo em
média 50% dos rendimentos das brancas. Esta é mais uma manifestação
da enorme diferença entre o maior e o menor salário no Brasil,
mais uma expressão da desigualdade de renda e da hierarquia
que estrutura nossa sociedade. São necessárias políticas
de elevação dos salários base, o que se faz com uma política
de aumento constante do Salário Mínimo e seguro desemprego.
São necessárias políticas de combate à diferenciação do
trabalho por sexo que confinam as mulheres em guetos ou
as registrando com funções que não correspondem ao trabalho
que realizam. Sem contar as políticas de apoio à reprodução
social, como creches, cuidado de idosos, que tornam as mulheres
de fato livres, disponíveis para o trabalho.
A resistência em aceitar o direito
das mulheres ao emprego revela o peso da divisão sexual
do trabalho na estrutura de nossa sociedade. O discurso
ideológico é de que aos homens cabe a produção e às mulheres,
a reprodução. Ambos se complementam na família tradicional:
pai – provedor, mãe – cuidadora. Na realidade, existem muitos
outros arranjos familiares: mães com filhos, mulheres sozinhas,
casais de lésbicas. Mas este modelo marca a inserção das
mulheres no mercado de trabalho e sua relação com o Estado.
É como se as mulheres trabalhassem em situações excepcionais,
quando não têm um pai ou marido para provê-las por estarem
desempregados ou por um salário complementar quando o do
provedor é insuficiente.
Esta não é a percepção da maioria
das mulheres. A pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostrou
que sua expectativa para o futuro das filhas era estudarem
e encontrarem um bom emprego, mais do que um bom casamento.
É verdade que aumentou em muito o número de mulheres profissionais
com um bom salário. Mas nesta faixa aumenta a diferenciação
de salário entre mulheres e homens. E a maioria das mulheres
trabalha no mercado informal e com remunerações de até dois
Salários Mínimos. A ocupação que emprega mais mulheres e
uma das que mais cresce é o emprego doméstico.
Enquanto permanecer a divisão
sexual do trabalho e a responsabilização das mulheres pelo
cuidado, as soluções individuais ganham uma dimensão social
e se baseiam em uma nova faceta da desigualdade. Como diz
Daniele Kergoat, “Vemos surgir, assim, pela primeira vez
na história do capitalismo, uma camada de mulheres cujos
interesses diretos (não mediados como antes pelos homens:
pais, esposos, amantes, ...) se opõem frontalmente aos interesses
daquelas tocadas pela generalização do tempo parcial, dos
empregos de serviço muito mal-remunerados e não reconhecidos
socialmente e, usualmente, mais atingidas pela precariedade.”
O acesso das mulheres à terra
e aos recursos naturais
A terra é natureza, mas a forma
como as pessoas se relacionam com a terra é sociedade e
cultura. Indígenas, quilombolas, camponesas vêm na terra
a existência de sua comunidade, a produção do alimento,
a resistência de sua cultura. A sociedade capitalista vê
a terra como uma mercadoria, recurso de produção para o
agronegócio, reserva de valor frente às instabilidades no
mercado financeiro. Para tornar a terra um bem foi necessário
cercá-la e expulsar as pessoas que antes nela viviam ou
por ali passavam.
A história do Brasil se confunde
com a história da apropriação privada de nosso imenso território
e de suas riquezas e das lutas de resistência e enfrentamento
a este processo. Porém, até hoje, perdemos vários momentos
em que havia maiores possibilidades de realização de uma
ampla reforma agrária e de uma regularização fundiária favorável
aos pequenos. Hoje no Brasil apenas 1% dos proprietários
possuem 45% das melhores terras agricultáveis. Os estabelecimentos
com menos de cem hectares são 89,3% do total de estabelecimentos
e possuem 20% da área total.
Os movimentos das trabalhadoras
rurais têm em sua pauta permanente o acesso das mulheres
à terra e aos recursos naturais. Esta tem sido a pauta da
Marcha das Margaridas de 2000 e 2003, dos acampamentos das
trabalhadoras rurais desde 2001, das quebradeiras de côco
lutando pelo acesso aos babaçuais cercados em terras de
fazendeiros, assim como de tantas mulheres que enfrentam
no cotidiano cercas e jagunços para apanhar lenha ou buscar
água. Tivemos uma importante conquista com a titularidade
conjunta obrigatória nos assentamentos de Reforma Agrária.
Agora é fundamental a efetivação do Plano Nacional da Reforma
Agrária e o cumprimento das metas acordadas.
É urgente a regularização fundiária
de terras indígenas e quilombolas assegurando todo processo
de demarcação, desintrusão e reassentamento de posseiros.
E neste processo garantir a participação das mulheres para
que a terra seja livre também para elas. Considerar a função
social da terra nos remete também à necessidade urgente
de uma Reforma Urbana. Na cidade de São Paulo 420 mil imóveis
estão desocupados e cinco milhões de pessoas moram em situação
irregular. Soma-se a isto a premência de investimentos em
infra-estrutura de saneamento básico, transporte, equipamentos
sociais. As mulheres organizadas nos movimentos de moradia
estão na linha de frente das ocupações e dos mutirões e
demandam com parte de uma política pública de moradia popular
a concessão do título da casa em nome da mulher.
Sobrecarga de trabalho e responsabilidades
As mulheres se sentem pressionadas
e sem tempo. Este sentimento tem uma base de realidade.
Elas dedicam em média 40 horas semanais ao trabalho doméstico,
que aumentam no caso dela viver com um companheiro.
O corte nos gastos sociais públicos
foi tendo como contrapartida a transferência destas atividades
para as mulheres no trabalho comunitário e doméstico. O
que desaparece do orçamento público aparece na intensificação
da jornada extensa das mulheres. Esta orientação aparece
expressa nas recomendações e programas apoiados pelo Banco
Mundial. Muitas vezes são impostas nos momentos de negociação
com o Fundo Monetário Internacional ou na oportunidade de
um dinheiro novo recebido acriticamente pelos governos nacionais
com problemas de caixa.
Esta orientação é acompanhada
por um discurso ideológico de exaltação da família, o familismo,
e em última instância de responsabilização das mulheres.
O ponto extremo deste discurso é de que a violência na sociedade
aumenta porque as mulheres saíram de casa para trabalhar,
não educaram bem seus filhos, são responsáveis pela dissolução
da família e por uma crise de valores.
O que acontece é que neste momento
do capitalismo os valores e métodos do capital rentista
foram transferidos para a produção. Um investidor aplica
seu dinheiro pela Internet e no dia seguinte pode conferir
que seu capital cresceu, ele tem mais dinheiro. Não importa
que este crescimento não tenha bases na realidade. Em um
dia não se produziu mais mercadorias, não se criou mais
valor real na proporção dos ganhos das Bolsas. Mas o que
o capital manda é que a realidade corra atrás da ficção,
produzam mais e mais rápido, com “eficiência” e “eficácia”.
Assim, só conta o tempo de trabalho que se está em frente
à máquina ou atrás do guichê. O tempo de transporte, o tempo
de preparar a comida, lavar a roupa, o tempo do descanso
devem ser reduzidos ao limite. E estamos sempre com a impressão
de que o tempo não é suficiente.
O cuidado com as pessoas, a
reprodução, conta muito pouco. A não ser que possa transformar-se
em mercadoria e fazer o dinheiro circular e fazer mais dinheiro.
Para quem não tem dinheiro ou para o que o dinheiro ainda
não compra, só é possível contar com o trabalho não remunerado
da mulher na família e na comunidade.
As cobranças para que as mulheres
cumpram o que é considerado seu papel estão o tempo todo
na sociedade e legitimam chantagens, violência psicológica
e física. Uma das bases da violência doméstica é a coação
para que as mulheres realizem gratuitamente o trabalho da
reprodução, “o seu papel”. “Não estava em casa na hora que
eu cheguei”, “queimou o feijão” e tantas outras justificativas
são utilizados pelos agressores e desculpadas como se fossem
um transtorno emocional.
Imposições e controle sobre
nosso corpo
As mulheres têm vivido um enorme
conflito com seu corpo justamente em um momento em que se
apregoa, e muitas acreditam, ter liberdade de dispor dele
segundo sua vontade. Nesta visão o que define liberdade
é ter dinheiro para comprar as ofertas do mercado.
Há toda uma parafernália em nome da manutenção de um padrão
de beleza associado à magreza e vinculado à promessa de
eterna juventude, que por sua vez remete à imagem de realização,
possibilidade de reconhecimento social e de obtenção de
prazer e felicidade. O Brasil é o segundo país em cirurgias
plásticas no mundo, apenas atrás dos Estados Unidos. A contrapartida
é o aumento de enfermidades como bulimia e anorexia, e da
depressão entre mulheres, e de uma constante insatisfação
diante da vida.
Esta liberdade é ilusória, pois
estas atitudes são menos para estar bem consigo mesma, e
mais para agradar ao outro.
Outro campo de ofensiva sobre a autonomia das mulheres é
a medicalização e intervenção sobre seu corpo e seus processos
biológicos. A menstruação e a menopausa são processos naturais
da vida. A desconstrução de nossa subordinação passa pela
reconstrução de nossa auto-estima e de gostar de nosso corpo.
Hoje o tempo todo a menstruação é apresentada como algo
ruim que nos descontrola, produz TPM (Síndrome de Tensão
Pré-menstrual) e inúmeras jovens vêm tendo uma vivência
negativa da menstruação.
A resposta dada pela medicina,
apoiada e divulgada pelos meios de comunicação, é de medicalização
e intervenção sobre o corpo das mulheres, inclusive com
a supressão da menstruação. Constrói-se uma justificativa
ideológica para um efeito colateral dos métodos contraceptivos
por implantes hormonais. Apesar de já terem sido tão denunciados
os riscos à saúde da pílula anticoncepcional, outra vez
recorrem a uma suposta modernização e dizem que agora já
não oferecem mais riscos.
Essa é a mesma lógica que construiu
todo o discurso em torno da chamada TRH (Terapia de Reposição
Hormonal) para quando as mulheres estão próximas da menopausa.
Para convencer as mulheres, apresentaram como algo que poderia
evitar doenças cardiovasculares, osteoporose, os chamados
sintomas da menopausa e ainda manter a juventude. Mas estudos
posteriores demonstraram que as mulheres tratadas com os
comprimidos a base de hormônios mostravam-se mais suscetíveis
a derrames, infartos do coração, trombose e câncer de mama.
Mais uma vez o corpo e a vida
das mulheres foi e continua sendo usado em nome dos interesses
dos grandes laboratórios, que são, por sinal, os mesmos
que industrializam e controlam a agricultura com os agroquímicos
e sementes transgênicas.
É neste contexto também que tem se desenvolvido as novas
tecnologias reprodutivas, não só redefinindo o corpo da
mulher na reprodução, como estendendo a possibilidade reprodutiva
para as mulheres pós-menopausa. Mas é na forma como esse
tema tem sido tratado - no suposto discurso da modernidade
- que se evidencia a hipocrisia em relação ao aborto. Na
questão das novas tecnologias reprodutivas o suposto avanço
científico não pauta a ética, nem os mesmos conceitos de
origem da vida, como no caso do aborto.
A liberdade é ilusória porque
há constrangimentos legais como a proibição do aborto, relações
de poder dos homens sobre as mulheres - como na dificuldade
de se negociar o uso da camisinha - e a maioria das mulheres
não têm acesso à saúde integral pela ausência de serviços
públicos de qualidade.
A medicalização caminha ao lado
da mercantilização. Em 2003, os maiores lucros da indústria
farmacêutica vieram dos remédios chamados comportamentais:
anti-depressivos, drogas para “disfunções” sexuais, hormônios
sintéticos, supressores de menstruação. É como se a felicidade
e o bem-estar se comprasse em pílulas.
O mesmo se passa nas relações entre as pessoas ou com lugares
que podem ser compradas sem que haja necessidade de outras
contrapartidas ou compromissos. Segundo este modelo, o paraíso
perdido nos países industrializados pode ser reencontrado
nas praias do Nordeste ou no interior da Floresta Amazônica.
Para eles, a chamada civilização dos países do Norte deixou
frias as relações entre as pessoas. Na verdade esse discurso
esconde uma recusa à autonomia das mulheres de expressarem
seus desejos, fruto de muitos anos de luta do movimento
feminista. E torna-se parte do paraíso a imagem de uma mulher
submissa e quente, que é oferecida nos pacotes de turismo
sexual. As mulheres são coisificadas a tal ponto que, se
supõe, podem ser importadas como um “souvenir” mediante
o tráfico de mulheres dos países do Sul para o Norte, do
Leste para o Oeste.
A intensificação da migração
tem sido uma alternativa para países da América Latina ampliarem
o recebimento de dólares. São as empregadas domésticas equatorianas
na Espanha, as trabalhadoras mexicanas que cruzam a fronteira
dos Estados Unidos, trabalhadoras da indústria do entretenimento
e da prostituição. É a divisão internacional e sexual do
trabalho levada ao extremo. Frente a uma balança comercial
que já define a priori nossos produtos valendo menos, nos
resta exportar mulheres.
O mal-estar com nosso corpo
e com o ser mulher, a baixa auto-estima, numa relação de
dependência e subordinação nos deixa vulneráveis à violência
sexista. Muitas mulheres têm noção do que é ser sujeito
e como se relacionar com dignidade e respeito. Mas muitas
vezes não têm as condições objetivas e subjetivas para vivenciar
isto.
Aguçando a visão – olhando para
a realidade
Olhar a realidade de todas as
mulheres com a vontade de construir igualdade põe em xeque
primeiro uma visão triunfalista: as mulheres chegaram lá.
A primeira constatação é, em termos relativos, poucas o
fizeram. E a idéia de chegar lá é uma miragem. A sociedade
e a economia capitalista não se propõe a incorporar todas
pois ela é fundada na desigualdade. O sentido da mudança
deve ser transformar e superar os limites da sociedade de
mercado.
Esta visão triunfalista é resultado
de dois equívocos: uma visão estreita limitada às normas
e tratados e o foco nas mulheres de classe média. Podemos
enumerar os avanços nas Conferências e Documentos da ONU.
Mas o que mudou na vida das mulheres de fato? As mudanças
nas políticas públicas aconteceram pela pressão organizada
das mulheres no movimento feminista (autônomo de mulheres)
e nos movimentos mistos em vários países do mundo.
Também se expandiram como uma
parte do patamar mínimo de direitos que estabelecem condições
semelhantes entre os países de exploração da força de trabalho
nos acordos comerciais internacionais. Mas sua origem primeira
está na existência de um sujeito coletivo em luta: o movimento
de mulheres.
A I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres será
um marco no processo de elaboração de políticas públicas.
Seus resultados darão diretrizes para a ação do atual governo
federal que se consubstancia em planos de longo prazo até
as práticas institucionais cotidianas.
Para a Marcha Mundial das Mulheres
o desafio colocado para a Conferência é construir uma avaliação
precisa da realidade das mulheres e os enfrentamentos necessários
para a construção de uma política voltada para a igualdade
no conjunto da sociedade. O trabalho deve se iniciar a partir
de eixos estratégicos, que mexem no coração do sistema de
dominação. É por esta razão que a Marcha elegeu o lema “somos
mulheres e não mercadoria”, porque quer, a partir do questionamento
global ao capitalismo - que também é machista, racista e
homofóbico - construir a perspectiva feminista. Afirma o
direito à autonomia e autodeterminação das mulheres e reivindica
a igualdade como um princípio organizador do mundo que se
quer construir.
A Conferência precisa construir
um posicionamento em favor de políticas que promovam mudanças
estruturais e que se orientem para uma ruptura com o livre
comércio. É fundamental conter a expansão do mercado sobre
a vida das pessoas e recuperar o papel do Estado como indutor
do desenvolvimento voltado para o mercado interno e para
o consumo de massas.
Isso exigirá debater com o conjunto
da população o atual padrão de consumo que impõe um desenvolvimento
insustentável ecológica e socialmente.
É necessária uma mudança global na atual política econômica,
tanto em relação às metas de superávit primário, o pagamento
da dívida, a taxa de juros, como também há a necessidade
de estabelecer controle sobre os capitais que entram no
país e, por fim, ter uma posição contra a chamada Área de
Livre Comércio das Américas (Alca) e de garantia de nossa
soberania e biodiversidade.
Operando o sentido da mudança
Concretizar uma política voltada
para conter a expansão do mercado sobre a sociedade, as
relações inter-pessoais, a vida de cada pessoa deve:
1 - Combater a desigualdade
e a hierarquia constitutiva da sociedade brasileira. A exploração
da classe trabalhadora se assenta em desigualdades entre
mulheres e homens, negros e brancos, e no aumento das desigualdades
entre mulheres.
Menor desigualdade não será uma mera conseqüência do crescimento
econômico. Ela deve ser o motor do crescimento que seja:
- voltado para o mercado interno, para a constituição
de uma mercado de consumo de massas;
- sustentável, com equilíbrio no uso dos recursos
naturais;
- a natureza considerada como bem público: dizendo
não às patentes, à privatização da biodiversidade, da
água e das sementes e recuperando a função social do
uso da terra;
- com equilíbrio entre produção e reprodução;
- decidido de forma soberana e democrática,
rompendo a atual divisão internacional do trabalho e
as relações desiguais Norte/Sul, Leste/Oeste.
Para isto são necessárias medidas urgentes porém estruturais,
que reorientem a transferência de renda dos mais ricos
para os mais pobres como: aumento real progressivo do
Salário Mínimo, Reforma Agrária e retirada da Medida
Provisória que proíbe a desapropriação das áreas ocupadas,
regularização de terras indígenas e quilombolas, Reforma
Urbana e a criação do Fundo de Moradia Popular.
2 - Para garantir condições
dignas de vida, o Estado deve ampliar a cobertura dos serviços
públicos de saúde dentro dos pressupostos do SUS, educação,
saneamento básico, moradia. na garantia de políticas sociais
universais. A extensão da rede básica do SUS implicaria
na contratação de profissionais de saúde e apoio. O aumento
da cobertura da educação infantil e ensino médio implicaria
na construção de escolas e contratação de profissionais
de ensino. A construção de moradia popular e instalação
em todos os municípios de rede de esgoto e água canalizada
implicaria na criação de postos de trabalho.
3 - Romper com a suposta neutralidade
de gênero do Estado e promover políticas concretas de promoção
da igualdade das mulheres, vistas como sujeitos e não como
apêndices da família, incorporando os seguintes eixos:
- - Ampliar a autonomia pessoal e a auto-sustentação
das mulheres, rompendo com o círculo de dependência
e subordinação econômica e pessoal;
- - Alterar a situação da divisão sexual do
trabalho doméstico e da responsabilidade com o cuidado
dos filhos e da família, o que significa que o Estado
tem que assumir a socialização e o cuidado de todos
os cidadãos e cidadãs, e não apenas as mulheres;
- - Assegurar o exercício dos direitos reprodutivos
e sexuais e o direito à saúde integral, através de políticas
públicas que auxiliem na construção da autonomia e do
direito à sexualidade e à livre orientação sexual;
- - Combater todo tipo de violência e discriminação,
em especial a violência sexual e doméstica, além da
discriminação por orientação sexual;
- - Fortalecer e ampliar os mecanismos de participação
popular e maior presença das mulheres nos espaços de
poder e de decisão;
Campanha pela valorização do
Salário Mínimo
Propomos a elevação do Salário
Mínimo em duas etapas. Na primeira etapa: dobrar o valor
do mínimo em quatro anos. Isso deve ser feito de 2004 a
2007, promovendo a cada ano um aumento de 19% do valor real
do Salário Mínimo. Segunda Etapa: elevar o valor do mínimo
até R$ 730,00 em valores de hoje. Este valor é calculado
da seguinte forma: pegamos o total de dinheiro que correspondeu
a 60% do PIB em 2002 e dividimos pelo número de todos os
que estão trabalhando, menos os de 10 a 14 anos. Isso deu
R$ 730,00. Retiramos da conta os de 10 a 14 anos porque
queremos eliminar o trabalho infantil.
Campanha contra a Alca – Área
de Livre Comércio das Américas
A Alca (Área de Livre Comércio
das Américas) é um acordo comercial apresentado pelos Estados
Unidos aos países da América Latina para estabelecer “livre
comércio” entre os Estados Unidos e 33 países pobres latino-americanos.
É um jogo onde o país mais forte dita as regras e os mais
fracos obedecem. Para as mulheres significará mais desemprego;
perda de direitos como licença maternidade; privatização
de serviços como saúde e educação.
A Marcha integra a campanha contra a Alca, que se posiciona
contra os acordos de liberalização do comércio, tais como
estão sendo negociados na OMC, Mercosul-União Européia.
- - Que o governo brasileiro se retire das negociações
sobre a Alca.
- - Pela realização de um plebiscito oficial
sobre a Alca em 3 de outubro de 2004.
- - Auditoria das dívidas interna e externa.
- - Não à tirania do livre comércio e denunciando
a ilusão do desenvolvimento.
Campanha contra a mercantilização
Nós não nos envergonhamos do que somos e nossa beleza não
se submete a padrões, por isso, a Marcha iniciou uma ofensiva
contra a mercantilização do corpo e da vida das jovens!
Porque compreendermos que só a mudança do sistema pode transformar
de fato as nossas vidas para uma livre orientação sexual,
de comportamento, de beleza, de corpo e de vida. A partir
desse tema discutimos cultura, mídia e consumo; saúde (medicalização),
corpo, reprodução (direito ao nosso corpo, legalizar o aborto)
e livre orientação sexual; jornadas de trabalho duplas e
triplas tão comuns, violência, questão racial e muitos outros
aspectos da vida das mulheres.
Veja
também:
-
I CONFERÊNCIA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA AS MULHERES (I CNPM)
- INFORMES DA I CNPM
- DOCUMENTOS DA I CNPM
- MAIS SOBRE A IX CONFERÊNCIA
NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (BRASÍLIA, 29/06-02/07)