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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 067 – 21/07/04

Documento da Marcha Mundial das Mulheres para a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres 

Auto-determinação e igualdade: os sentidos da mudança

A Marcha Mundial das Mulheres atua para que a Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres construa políticas que tenham no horizonte a auto-determinação das mulheres, a igualdade entre mulheres e homens, negros e brancos, e o fim de toda forma de opressão e exploração.

O ritmo em que as mudanças acontecem é produto da correlação de forças em cada momento para remover as barreiras que os setores dominantes colocam, impedindo a concretização de alternativas construídas por amplos setores da sociedade. No momento em que temos um governo cuja trajetória é parte do movimento democrático e popular espera-se que sua atuação seja em favor de inverter o sentido das políticas até agora desenvolvidas. Políticas estas que priorizaram os setores de elite e promoveram empobrecimento, desequilíbrios ecológicos e dependência ao capital internacional. Por isso nesse momento a ação do governo federal deve ter compromisso com o sentido da mudança: a distribuição da riqueza e do poder entre regiões, classe, raças e etnias, entre mulheres e homens .

A afirmação deste compromisso não é meramente retórica ou utópica, mas deve responder às urgências de nosso povo. Do ponto de vista das mulheres, destacamos três ordens de problemas, barreiras à sua auto-determinação: o desemprego e a falta de acesso à terra, a sobrecarga de trabalho e responsabilidades, as imposições e controles sobre nosso corpo.

 

Direito das mulheres ao emprego

A participação das mulheres no mercado de trabalho vem crescendo de forma contínua desde os anos 1970. Cresceu mais do que a participação dos homens e o aumento populacional. Porém, em 2002, a taxa de atividade das mulheres era de 44,4%, e a dos homens 67,8%. Ou seja, se a taxa de atividade de ambos os sexos fosse a mesma, quase dezessete milhões a mais de mulheres estariam no mercado de trabalho.

E elas querem. Não somente porque os rendimentos médios dos trabalhadores vêm caindo ou porque dificilmente será compensado pelo salário dos filhos e filhas, já que o desemprego dos jovens é altíssimo. Mas também por sua vontade de ter um emprego e uma renda própria. Mais mulheres chegam ao mercado de trabalho, maior é o desemprego das mulheres. Em 2002, a taxa de desemprego das mulheres foi de 11,6% e a dos homens 7,4%.

E como encontrar o emprego? A política econômica do Governo Lula está guiada por uma visão monetarista centrada no controle da inflação pelo controle da disponibilidade de moeda com juros altos. Por esta visão o mercado se ocupa sozinho do crescimento econômico e do emprego. Mas, ainda pior, é que esta política privilegia o capital dos que vivem de renda. O resultado desta política se faz sentir nos resultados da economia em 2003: PIB zero, o aumento do desemprego, queda da renda do trabalho. Os resultados foram tão ruins que pequenas alterações nos índices de 2004 são comemoradas como grandes feitos.
Esta política não é nova no Brasil. Ela vem sendo aplicada desde o governo Collor e foi a pedra de toque do governo Fernando Henrique Cardoso. No resto do mundo ela se tornou política pública nos governos do Bush pai nos Estados Unidos e na Inglaterra de Margareth Tachter. Foi lá que se cunhou a expressão TINA (There´s no alternative. Não há alternativa) para afirmar que esta é a única possibilidade de política macroeconômica. Esta política se estendeu para os países do Sul mediante os acordos com o FMI e empréstimos vinculados a programas do Banco Mundial.

Em 2003 as economias dos países emergentes cresceram. Argentina, Índia e China cresceram quase 10%. Estudar as opções feitas por estes países pode nos ajudar a definir nossos caminhos. De imediato sabemos que caminhos baseados na super exploração do trabalho com jornadas extensas e contratos precários e na destruição do meio ambiente não nos servem.

Se está difícil para todos, para as mulheres se soma o problema que o seu direito ao emprego ainda não é visto por lideranças sociais e governo como uma questão urgente e dramática. As iniciativas do governo federal de maior vulto para a geração de empregos foram a redução do IPI dos automóveis, que supostamente beneficiariam os operários do setor, e depois o aumento do contingente do Exército. Ou seja, preocupam-se com homens e rapazes desempregados.

Os concursos públicos aumentaram nesta gestão, iniciando uma recuperação da capacidade de atuação do Estado. Mas a política de superávit primário, e nos Estados e municípios a Lei de Responsabilidade Fiscal, amarra os gastos sociais e impede uma política agressiva de aumento nos quadros da saúde e educação que, além de melhorar os serviços à população, criam empregos que as mulheres têm maior facilidade de acesso.

As mulheres querem empregos com direitos e remuneração digna. Permanece a desigualdade salarial: mulheres recebendo em média 70% dos rendimentos recebidos pelos homens, e as mulheres negras recebendo em média 50% dos rendimentos das brancas. Esta é mais uma manifestação da enorme diferença entre o maior e o menor salário no Brasil, mais uma expressão da desigualdade de renda e da hierarquia que estrutura nossa sociedade. São necessárias políticas de elevação dos salários base, o que se faz com uma política de aumento constante do Salário Mínimo e seguro desemprego. São necessárias políticas de combate à diferenciação do trabalho por sexo que confinam as mulheres em guetos ou as registrando com funções que não correspondem ao trabalho que realizam. Sem contar as políticas de apoio à reprodução social, como creches, cuidado de idosos, que tornam as mulheres de fato livres, disponíveis para o trabalho.

A resistência em aceitar o direito das mulheres ao emprego revela o peso da divisão sexual do trabalho na estrutura de nossa sociedade. O discurso ideológico é de que aos homens cabe a produção e às mulheres, a reprodução. Ambos se complementam na família tradicional: pai – provedor, mãe – cuidadora. Na realidade, existem muitos outros arranjos familiares: mães com filhos, mulheres sozinhas, casais de lésbicas. Mas este modelo marca a inserção das mulheres no mercado de trabalho e sua relação com o Estado. É como se as mulheres trabalhassem em situações excepcionais, quando não têm um pai ou marido para provê-las por estarem desempregados ou por um salário complementar quando o do provedor é insuficiente.

Esta não é a percepção da maioria das mulheres. A pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostrou que sua expectativa para o futuro das filhas era estudarem e encontrarem um bom emprego, mais do que um bom casamento. É verdade que aumentou em muito o número de mulheres profissionais com um bom salário. Mas nesta faixa aumenta a diferenciação de salário entre mulheres e homens. E a maioria das mulheres trabalha no mercado informal e com remunerações de até dois Salários Mínimos. A ocupação que emprega mais mulheres e uma das que mais cresce é o emprego doméstico.

Enquanto permanecer a divisão sexual do trabalho e a responsabilização das mulheres pelo cuidado, as soluções individuais ganham uma dimensão social e se baseiam em uma nova faceta da desigualdade. Como diz Daniele Kergoat, “Vemos surgir, assim, pela primeira vez na história do capitalismo, uma camada de mulheres cujos interesses diretos (não mediados como antes pelos homens: pais, esposos, amantes, ...) se opõem frontalmente aos interesses daquelas tocadas pela generalização do tempo parcial, dos empregos de serviço muito mal-remunerados e não reconhecidos socialmente e, usualmente, mais atingidas pela precariedade.”

 

O acesso das mulheres à terra e aos recursos naturais

A terra é natureza, mas a forma como as pessoas se relacionam com a terra é sociedade e cultura. Indígenas, quilombolas, camponesas vêm na terra a existência de sua comunidade, a produção do alimento, a resistência de sua cultura. A sociedade capitalista vê a terra como uma mercadoria, recurso de produção para o agronegócio, reserva de valor frente às instabilidades no mercado financeiro. Para tornar a terra um bem foi necessário cercá-la e expulsar as pessoas que antes nela viviam ou por ali passavam.

A história do Brasil se confunde com a história da apropriação privada de nosso imenso território e de suas riquezas e das lutas de resistência e enfrentamento a este processo. Porém, até hoje, perdemos vários momentos em que havia maiores possibilidades de realização de uma ampla reforma agrária e de uma regularização fundiária favorável aos pequenos. Hoje no Brasil apenas 1% dos proprietários possuem 45% das melhores terras agricultáveis. Os estabelecimentos com menos de cem hectares são 89,3% do total de estabelecimentos e possuem 20% da área total.

Os movimentos das trabalhadoras rurais têm em sua pauta permanente o acesso das mulheres à terra e aos recursos naturais. Esta tem sido a pauta da Marcha das Margaridas de 2000 e 2003, dos acampamentos das trabalhadoras rurais desde 2001, das quebradeiras de côco lutando pelo acesso aos babaçuais cercados em terras de fazendeiros, assim como de tantas mulheres que enfrentam no cotidiano cercas e jagunços para apanhar lenha ou buscar água. Tivemos uma importante conquista com a titularidade conjunta obrigatória nos assentamentos de Reforma Agrária. Agora é fundamental a efetivação do Plano Nacional da Reforma Agrária e o cumprimento das metas acordadas.

É urgente a regularização fundiária de terras indígenas e quilombolas assegurando todo processo de demarcação, desintrusão e reassentamento de posseiros. E neste processo garantir a participação das mulheres para que a terra seja livre também para elas. Considerar a função social da terra nos remete também à necessidade urgente de uma Reforma Urbana. Na cidade de São Paulo 420 mil imóveis estão desocupados e cinco milhões de pessoas moram em situação irregular. Soma-se a isto a premência de investimentos em infra-estrutura de saneamento básico, transporte, equipamentos sociais. As mulheres organizadas nos movimentos de moradia estão na linha de frente das ocupações e dos mutirões e demandam com parte de uma política pública de moradia popular a concessão do título da casa em nome da mulher.

 

Sobrecarga de trabalho e responsabilidades

As mulheres se sentem pressionadas e sem tempo. Este sentimento tem uma base de realidade. Elas dedicam em média 40 horas semanais ao trabalho doméstico, que aumentam no caso dela viver com um companheiro.

O corte nos gastos sociais públicos foi tendo como contrapartida a transferência destas atividades para as mulheres no trabalho comunitário e doméstico. O que desaparece do orçamento público aparece na intensificação da jornada extensa das mulheres. Esta orientação aparece expressa nas recomendações e programas apoiados pelo Banco Mundial. Muitas vezes são impostas nos momentos de negociação com o Fundo Monetário Internacional ou na oportunidade de um dinheiro novo recebido acriticamente pelos governos nacionais com problemas de caixa.

Esta orientação é acompanhada por um discurso ideológico de exaltação da família, o familismo, e em última instância de responsabilização das mulheres. O ponto extremo deste discurso é de que a violência na sociedade aumenta porque as mulheres saíram de casa para trabalhar, não educaram bem seus filhos, são responsáveis pela dissolução da família e por uma crise de valores.

O que acontece é que neste momento do capitalismo os valores e métodos do capital rentista foram transferidos para a produção. Um investidor aplica seu dinheiro pela Internet e no dia seguinte pode conferir que seu capital cresceu, ele tem mais dinheiro. Não importa que este crescimento não tenha bases na realidade. Em um dia não se produziu mais mercadorias, não se criou mais valor real na proporção dos ganhos das Bolsas. Mas o que o capital manda é que a realidade corra atrás da ficção, produzam mais e mais rápido, com “eficiência” e “eficácia”. Assim, só conta o tempo de trabalho que se está em frente à máquina ou atrás do guichê. O tempo de transporte, o tempo de preparar a comida, lavar a roupa, o tempo do descanso devem ser reduzidos ao limite. E estamos sempre com a impressão de que o tempo não é suficiente.

O cuidado com as pessoas, a reprodução, conta muito pouco. A não ser que possa transformar-se em mercadoria e fazer o dinheiro circular e fazer mais dinheiro. Para quem não tem dinheiro ou para o que o dinheiro ainda não compra, só é possível contar com o trabalho não remunerado da mulher na família e na comunidade.

As cobranças para que as mulheres cumpram o que é considerado seu papel estão o tempo todo na sociedade e legitimam chantagens, violência psicológica e física. Uma das bases da violência doméstica é a coação para que as mulheres realizem gratuitamente o trabalho da reprodução, “o seu papel”. “Não estava em casa na hora que eu cheguei”, “queimou o feijão” e tantas outras justificativas são utilizados pelos agressores e desculpadas como se fossem um transtorno emocional.

 

Imposições e controle sobre nosso corpo

As mulheres têm vivido um enorme conflito com seu corpo justamente em um momento em que se apregoa, e muitas acreditam, ter liberdade de dispor dele segundo sua vontade. Nesta visão o que define liberdade é ter dinheiro para comprar as ofertas do mercado.


Há toda uma parafernália em nome da manutenção de um padrão de beleza associado à magreza e vinculado à promessa de eterna juventude, que por sua vez remete à imagem de realização, possibilidade de reconhecimento social e de obtenção de prazer e felicidade. O Brasil é o segundo país em cirurgias plásticas no mundo, apenas atrás dos Estados Unidos. A contrapartida é o aumento de enfermidades como bulimia e anorexia, e da depressão entre mulheres, e de uma constante insatisfação diante da vida.

Esta liberdade é ilusória, pois estas atitudes são menos para estar bem consigo mesma, e mais para agradar ao outro.
Outro campo de ofensiva sobre a autonomia das mulheres é a medicalização e intervenção sobre seu corpo e seus processos biológicos. A menstruação e a menopausa são processos naturais da vida. A desconstrução de nossa subordinação passa pela reconstrução de nossa auto-estima e de gostar de nosso corpo. Hoje o tempo todo a menstruação é apresentada como algo ruim que nos descontrola, produz TPM (Síndrome de Tensão Pré-menstrual) e inúmeras jovens vêm tendo uma vivência negativa da menstruação.

A resposta dada pela medicina, apoiada e divulgada pelos meios de comunicação, é de medicalização e intervenção sobre o corpo das mulheres, inclusive com a supressão da menstruação. Constrói-se uma justificativa ideológica para um efeito colateral dos métodos contraceptivos por implantes hormonais. Apesar de já terem sido tão denunciados os riscos à saúde da pílula anticoncepcional, outra vez recorrem a uma suposta modernização e dizem que agora já não oferecem mais riscos.

Essa é a mesma lógica que construiu todo o discurso em torno da chamada TRH (Terapia de Reposição Hormonal) para quando as mulheres estão próximas da menopausa. Para convencer as mulheres, apresentaram como algo que poderia evitar doenças cardiovasculares, osteoporose, os chamados sintomas da menopausa e ainda manter a juventude. Mas estudos posteriores demonstraram que as mulheres tratadas com os comprimidos a base de hormônios mostravam-se mais suscetíveis a derrames, infartos do coração, trombose e câncer de mama.

Mais uma vez o corpo e a vida das mulheres foi e continua sendo usado em nome dos interesses dos grandes laboratórios, que são, por sinal, os mesmos que industrializam e controlam a agricultura com os agroquímicos e sementes transgênicas.
É neste contexto também que tem se desenvolvido as novas tecnologias reprodutivas, não só redefinindo o corpo da mulher na reprodução, como estendendo a possibilidade reprodutiva para as mulheres pós-menopausa. Mas é na forma como esse tema tem sido tratado - no suposto discurso da modernidade - que se evidencia a hipocrisia em relação ao aborto. Na questão das novas tecnologias reprodutivas o suposto avanço científico não pauta a ética, nem os mesmos conceitos de origem da vida, como no caso do aborto.

A liberdade é ilusória porque há constrangimentos legais como a proibição do aborto, relações de poder dos homens sobre as mulheres - como na dificuldade de se negociar o uso da camisinha - e a maioria das mulheres não têm acesso à saúde integral pela ausência de serviços públicos de qualidade.

A medicalização caminha ao lado da mercantilização. Em 2003, os maiores lucros da indústria farmacêutica vieram dos remédios chamados comportamentais: anti-depressivos, drogas para “disfunções” sexuais, hormônios sintéticos, supressores de menstruação. É como se a felicidade e o bem-estar se comprasse em pílulas.
O mesmo se passa nas relações entre as pessoas ou com lugares que podem ser compradas sem que haja necessidade de outras contrapartidas ou compromissos. Segundo este modelo, o paraíso perdido nos países industrializados pode ser reencontrado nas praias do Nordeste ou no interior da Floresta Amazônica. Para eles, a chamada civilização dos países do Norte deixou frias as relações entre as pessoas. Na verdade esse discurso esconde uma recusa à autonomia das mulheres de expressarem seus desejos, fruto de muitos anos de luta do movimento feminista. E torna-se parte do paraíso a imagem de uma mulher submissa e quente, que é oferecida nos pacotes de turismo sexual. As mulheres são coisificadas a tal ponto que, se supõe, podem ser importadas como um “souvenir” mediante o tráfico de mulheres dos países do Sul para o Norte, do Leste para o Oeste.

A intensificação da migração tem sido uma alternativa para países da América Latina ampliarem o recebimento de dólares. São as empregadas domésticas equatorianas na Espanha, as trabalhadoras mexicanas que cruzam a fronteira dos Estados Unidos, trabalhadoras da indústria do entretenimento e da prostituição. É a divisão internacional e sexual do trabalho levada ao extremo. Frente a uma balança comercial que já define a priori nossos produtos valendo menos, nos resta exportar mulheres.

O mal-estar com nosso corpo e com o ser mulher, a baixa auto-estima, numa relação de dependência e subordinação nos deixa vulneráveis à violência sexista. Muitas mulheres têm noção do que é ser sujeito e como se relacionar com dignidade e respeito. Mas muitas vezes não têm as condições objetivas e subjetivas para vivenciar isto.

 

Aguçando a visão – olhando para a realidade

Olhar a realidade de todas as mulheres com a vontade de construir igualdade põe em xeque primeiro uma visão triunfalista: as mulheres chegaram lá. A primeira constatação é, em termos relativos, poucas o fizeram. E a idéia de chegar lá é uma miragem. A sociedade e a economia capitalista não se propõe a incorporar todas pois ela é fundada na desigualdade. O sentido da mudança deve ser transformar e superar os limites da sociedade de mercado.

Esta visão triunfalista é resultado de dois equívocos: uma visão estreita limitada às normas e tratados e o foco nas mulheres de classe média. Podemos enumerar os avanços nas Conferências e Documentos da ONU. Mas o que mudou na vida das mulheres de fato? As mudanças nas políticas públicas aconteceram pela pressão organizada das mulheres no movimento feminista (autônomo de mulheres) e nos movimentos mistos em vários países do mundo.

Também se expandiram como uma parte do patamar mínimo de direitos que estabelecem condições semelhantes entre os países de exploração da força de trabalho nos acordos comerciais internacionais. Mas sua origem primeira está na existência de um sujeito coletivo em luta: o movimento de mulheres.
A I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres será um marco no processo de elaboração de políticas públicas. Seus resultados darão diretrizes para a ação do atual governo federal que se consubstancia em planos de longo prazo até as práticas institucionais cotidianas.

Para a Marcha Mundial das Mulheres o desafio colocado para a Conferência é construir uma avaliação precisa da realidade das mulheres e os enfrentamentos necessários para a construção de uma política voltada para a igualdade no conjunto da sociedade. O trabalho deve se iniciar a partir de eixos estratégicos, que mexem no coração do sistema de dominação. É por esta razão que a Marcha elegeu o lema “somos mulheres e não mercadoria”, porque quer, a partir do questionamento global ao capitalismo - que também é machista, racista e homofóbico - construir a perspectiva feminista. Afirma o direito à autonomia e autodeterminação das mulheres e reivindica a igualdade como um princípio organizador do mundo que se quer construir.

A Conferência precisa construir um posicionamento em favor de políticas que promovam mudanças estruturais e que se orientem para uma ruptura com o livre comércio. É fundamental conter a expansão do mercado sobre a vida das pessoas e recuperar o papel do Estado como indutor do desenvolvimento voltado para o mercado interno e para o consumo de massas.

Isso exigirá debater com o conjunto da população o atual padrão de consumo que impõe um desenvolvimento insustentável ecológica e socialmente.
É necessária uma mudança global na atual política econômica, tanto em relação às metas de superávit primário, o pagamento da dívida, a taxa de juros, como também há a necessidade de estabelecer controle sobre os capitais que entram no país e, por fim, ter uma posição contra a chamada Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e de garantia de nossa soberania e biodiversidade.

 

Operando o sentido da mudança

Concretizar uma política voltada para conter a expansão do mercado sobre a sociedade, as relações inter-pessoais, a vida de cada pessoa deve:

1 - Combater a desigualdade e a hierarquia constitutiva da sociedade brasileira. A exploração da classe trabalhadora se assenta em desigualdades entre mulheres e homens, negros e brancos, e no aumento das desigualdades entre mulheres.
Menor desigualdade não será uma mera conseqüência do crescimento econômico.
Ela deve ser o motor do crescimento que seja:

  1. voltado para o mercado interno, para a constituição de uma mercado de consumo de massas;
  2. sustentável, com equilíbrio no uso dos recursos naturais;
  3. a natureza considerada como bem público: dizendo não às patentes, à privatização da biodiversidade, da água e das sementes e recuperando a função social do uso da terra;
  4. com equilíbrio entre produção e reprodução;
  5. decidido de forma soberana e democrática, rompendo a atual divisão internacional do trabalho e as relações desiguais Norte/Sul, Leste/Oeste.
    Para isto são necessárias medidas urgentes porém estruturais, que reorientem a transferência de renda dos mais ricos para os mais pobres como: aumento real progressivo do Salário Mínimo, Reforma Agrária e retirada da Medida Provisória que proíbe a desapropriação das áreas ocupadas, regularização de terras indígenas e quilombolas, Reforma Urbana e a criação do Fundo de Moradia Popular.

2 - Para garantir condições dignas de vida, o Estado deve ampliar a cobertura dos serviços públicos de saúde dentro dos pressupostos do SUS, educação, saneamento básico, moradia. na garantia de políticas sociais universais. A extensão da rede básica do SUS implicaria na contratação de profissionais de saúde e apoio. O aumento da cobertura da educação infantil e ensino médio implicaria na construção de escolas e contratação de profissionais de ensino. A construção de moradia popular e instalação em todos os municípios de rede de esgoto e água canalizada implicaria na criação de postos de trabalho.

3 - Romper com a suposta neutralidade de gênero do Estado e promover políticas concretas de promoção da igualdade das mulheres, vistas como sujeitos e não como apêndices da família, incorporando os seguintes eixos:

  • - Ampliar a autonomia pessoal e a auto-sustentação das mulheres, rompendo com o círculo de dependência e subordinação econômica e pessoal;
  • - Alterar a situação da divisão sexual do trabalho doméstico e da responsabilidade com o cuidado dos filhos e da família, o que significa que o Estado tem que assumir a socialização e o cuidado de todos os cidadãos e cidadãs, e não apenas as mulheres;
  • - Assegurar o exercício dos direitos reprodutivos e sexuais e o direito à saúde integral, através de políticas públicas que auxiliem na construção da autonomia e do direito à sexualidade e à livre orientação sexual;
  • - Combater todo tipo de violência e discriminação, em especial a violência sexual e doméstica, além da discriminação por orientação sexual;
  • - Fortalecer e ampliar os mecanismos de participação popular e maior presença das mulheres nos espaços de poder e de decisão;

Campanha pela valorização do Salário Mínimo

Propomos a elevação do Salário Mínimo em duas etapas. Na primeira etapa: dobrar o valor do mínimo em quatro anos. Isso deve ser feito de 2004 a 2007, promovendo a cada ano um aumento de 19% do valor real do Salário Mínimo. Segunda Etapa: elevar o valor do mínimo até R$ 730,00 em valores de hoje. Este valor é calculado da seguinte forma: pegamos o total de dinheiro que correspondeu a 60% do PIB em 2002 e dividimos pelo número de todos os que estão trabalhando, menos os de 10 a 14 anos. Isso deu R$ 730,00. Retiramos da conta os de 10 a 14 anos porque queremos eliminar o trabalho infantil.

 

Campanha contra a Alca – Área de Livre Comércio das Américas

A Alca (Área de Livre Comércio das Américas) é um acordo comercial apresentado pelos Estados Unidos aos países da América Latina para estabelecer “livre comércio” entre os Estados Unidos e 33 países pobres latino-americanos. É um jogo onde o país mais forte dita as regras e os mais fracos obedecem. Para as mulheres significará mais desemprego; perda de direitos como licença maternidade; privatização de serviços como saúde e educação.
A Marcha integra a campanha contra a Alca, que se posiciona contra os acordos de liberalização do comércio, tais como estão sendo negociados na OMC, Mercosul-União Européia.

  • - Que o governo brasileiro se retire das negociações sobre a Alca.
  • - Pela realização de um plebiscito oficial sobre a Alca em 3 de outubro de 2004.
  • - Auditoria das dívidas interna e externa.
  • - Não à tirania do livre comércio e denunciando a ilusão do desenvolvimento.

Campanha contra a mercantilização

Nós não nos envergonhamos do que somos e nossa beleza não se submete a padrões, por isso, a Marcha iniciou uma ofensiva contra a mercantilização do corpo e da vida das jovens! Porque compreendermos que só a mudança do sistema pode transformar de fato as nossas vidas para uma livre orientação sexual, de comportamento, de beleza, de corpo e de vida. A partir desse tema discutimos cultura, mídia e consumo; saúde (medicalização), corpo, reprodução (direito ao nosso corpo, legalizar o aborto) e livre orientação sexual; jornadas de trabalho duplas e triplas tão comuns, violência, questão racial e muitos outros aspectos da vida das mulheres.

Veja também:
- I CONFERÊNCIA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES (I CNPM)
- INFORMES DA I CNPM
- DOCUMENTOS DA I CNPM

- MAIS SOBRE A IX CONFERÊNCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (BRASÍLIA, 29/06-02/07)

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