Espanhol
Italiano
Inglês

Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 058 – 01/07/04

ENTREVISTA

NILMÁRIO MIRANDA
Sub-Secretário Especial de Direitos Humanos da Presidência da República

"O Sistema vai contribuir para que a democracia brasileira tenha uma dimensão não apenas civil e política, mas econômica, social e cultural"

Por Antonino Condorelli (condor_76@hotmail.com)

Pergunta: Atualmente, a ação do Estado na garantia dos direitos da pessoa é fragmentada e de caráter essencialmente socorrista. O Sistema Nacional vai dar organicidade e caráter estrutural a esta ação?

Resposta: Nós temos um sistema de garantia dos direitos criado no país: não estamos propondo criar estruturas novas, estamos querendo que funcionem as estruturas e as leis existentes. Eu acredito que o Brasil é um país democrático, temos uma democracia avançada a partir da mobilização que foi feita em torno da Constituinte e depois, nestes 16 anos, com a legislação que foi elaborada e que garantiu todos os direitos... no papel.

O problema é a efetivação destes direitos. Do ponto de vista da garantia dos direitos, acabamos de prover à sociedade do Disque Direitos Humanos, ao qual todo o mundo pode acessar discando o número 100, para estimular as denúncias de todas as formas de violações dos direitos fundamentais. E o que é estimular as denúncias? É estimular a pessoa a exercitar os seus direitos. Isso vai nos obrigar a testar continuamente, quotidianamente o sistema de garantia destes direitos: as polícias, as Promotorias, o Ministério Público Federal, os Conselhos Tutelares, os Conselhos Estaduais e Municipais de Direitos Humanos, as Comissões das Câmaras Legislativas estaduais e municipais, enfim, toda a estrutura criada ao longo destes 16 anos pós-Constituinte.

Do ponto de vista da promoção, o desafio é relacionado às políticas públicas, que devem ser integradas: município, Estado e União. A Constituição nos deu um indicativo: descentralização das políticas públicas, desconcentração do poder. É assim na educação fundamental, por exemplo: das 200.000 escolas do país, só três são federais, todas as outras são estaduais ou municipais. A Lei Orgânica da Assistência Social descentralizou a execução da assistência social, o Sistema Único de Saúde é também um sistema descentralizado que reparte responsabilidade, e daí pra frente.

O rumo que o Brasil escolheu foi este: o povo vive nos municípios e é ali onde pode e deve participar, monitorar, fiscalizar a concretização das políticas públicas. O ponto mais grave, a meu ver, é a violação dos direitos: é ali que reina a mais completa impunidade, a ponto das pessoas sequer denunciarem as violações que sofrem por não confiar no Estado. Por isso, acho que o nosso primeiro desafio é fazer funcionar o sistema de garantia dos direitos.

P: Qual será o papel da sociedade civil na implementação do Sistema?

R: A sociedade civil ficou sozinha durante muito tempo na luta pelos Direitos Humanos, a novidade agora é que o Estado está entrando nela. O desafio é buscar fazer isso em cada lugar: no município, no Estado e na União. Quero também deixar claro que não se trata de criar uma camisa de força para ninguém: o Sistema não é mais uma burocracia, ele é uma rede. Portanto, ele é descentralizado e concebido para atuar em sinergia, colocando para dialogar os diversos temas existentes.

Hoje temos um sistema da criança e do adolescente, um sistema da mulher, um sistema anti-racista, um sistema de educação, um sistema de saúde, etc., alguns dele profundamente democráticos, mas não dialogam entre si. Chegou a hora da gente procurar um relacionamento disso tudo. Minha preocupação com novas leis e novas instituições é mínima: toda instituição, obviamente, pode ser modificada, mas o mais importante é que elas sejam fortalecidas. Por exemplo, é lógico que as Ouvidorias de Polícias são fundamentais, mas em muitos Estados elas estão reduzidas à mais completa impotência por falta de recursos, de apoio institucional, porque as pessoas não atendem às suas requisições de informação etc. Portanto, é claro que tem que haver Ouvidorias em todos os Estados, mas o que é ainda mais importante é que elas tenham condições de funcionar de verdade.

Os Conselhos Tutelares são fundamentais para identificar crianças em situações de violação, exploração e violência, mas milhares de cidades não têm Conselhos Tutelares ou têm Conselhos só formais, sem estarem informatizados nem estarem capacitados para cumprir suas missão. Uma instituição tem que ser expandida, fortalecida e capacitada para cumprir suas funções. Este é um processo cujos resultados veremos provavelmente só a médio ou longo prazo, o que importa é que abrimos o caminho, que abrimos uma marcha em direção à efetivação dos direitos. Não podemos admitir uma democracia meramente formal, com direitos reconhecidos só no papel.

Temos 55 milhões de brasileiros que vivem à margem da cidadania em todos os níveis: nossa missão é incluí-los. Milhões de brasileiros são analfabetos, milhões não têm documentos civis ou documentos básicos para poder entrar na política de crédito, de habitação popular, poder registrar suas propriedades, poder intitular um quilombo, etc. Estas pessoas estão, com toda evidência, fora da cidadania: só votar, só ter liberdade de expressão não é suficiente. Acho que a democracia verdadeira tem uma dimensão civil, política, econômica, social e cultural. O Sistema Nacional de Direitos Humanos quer contribuir para isso.

Veja também:
- CONTINUAM OS TRABALHOS DA CONFERÊNCIA ENTRE ANIMADAS DISCUSSÕES
- REUNIÃO DO FÓRUM DE CONSELHOS ESTADUAIS DE DIREITOS HUMANOS
- PROPOSTAS DO RN - JUDICIÁRIO
- CARTA AO MINISTRO NILMÁRIO MIRANDA

Adquira o CD-ROM Enciclopédia Digital Direitos Humanos II
O maior acervo sobre DH em língua portuguesa, revisto e atualizado

www.dhnet.org.br