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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 020 – 11/02/04

O julgamento dos assassinos de Gilson Nogueira: histórico de uma farsa

O advogado Gilson Nogueira de Carvalho foi assassinado em 20 de outubro de 1996 na entrada da sua casa, um sítio na comunidade Ferreiro Torto em Macaíba (RN), na região metropolitana de Natal. Gilson era, junto com Roberto Monte, coordenador do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) e estava investigando os crimes do grupo de extermínio "Meninos de Ouros", ativo no Rio Grande do Norte, e o envolvimento do então Secretário Adjunto de Segurança Pública e atual Sub-Secretário da Defesa Social, Maurílio Pinto de Medeiros, na formação e os homicídios deste esquadrão da morte.

Em junho de 1997, apesar de uma série de evidências do envolvimento de policiais no homicídio, as investigações sobre o assassinato de Gilson Nogueira foram encerradas a pedido do promotor de Justiça José Augusto Peres Filho, que solicitou o arquivamento do inquérito policial mesmo sem a indicação de nenhum indiciado. Este pedido foi acatado pela juíza Talita de Borba Maranhão e Silva e o inquérito policial foi arquivado em 19 de junho de 1997.

Indignadas com desta decisão, organizações de Direitos Humanos apresentaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) uma petição contra o Governo brasileiro por sua responsabilidade no assassinato de Gilson Nogueira. Em 14 de novembro de 2000, a Comissão Interamericana informou aos peticionários que declarara o caso admissível.

Em 1998, James Cavallaro, então diretor da Human Rights Watch e atual diretor do Centro de Justiça Global, e John Maier, jornalista-fotógrafo em trabalho para a revista Time e para a BBC de Londres, entraram em contato com um ex-policial atuante no esquadrão da morte "Meninos de Ouro", que revelou detalhes sobre dezenas de assassinatos e ocultação dos cadáveres das vítimas. O ex-policial informou que o assassinato de Gilson Nogueira tinha sido encomendado por Maurílio Pinto de Medeiros e realizado por quatro membros do grupo de extermínio: Maurílio Pinto Jr. (filho do atual Sub-Secretário da Defesa Social), Otávio Ernesto, Jorge Luis Fernandes (conhecido pelo sinistro apelido de Jorge Abafador) e Admilson Fernandes.

Com base em novas provas fornecidas pelo ex-policial, a Polícia Federal indiciou o policial civil aposentado Otávio Ernesto Moreira como um dos pistoleiros que mataram o advogado do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular. Apesar dos indícios do envolvimento dos outros agentes policiais no assassinato de Gilson, Otávio Ernesto foi o único responsabilizado pelo crime. Os outros citados confidencialmente pela fonte como partícipes do assassinato não foram presos nem indiciados. Jorge Abafador, principal suspeito do assassinato, não foi indiciado porque na época do crime se encontrava sob prisão preventiva por dois outros homicídios.

Porém, o policial tinha tránsito livre na Delegacia onde estava preso, recebendo ordem judicial para se ausentar da prisão duas vezes por semana para "manter relações sexuais com sua esposa", coisa não permitida pela lei. No dia do assassinato de Gilson Nogueira, Jorge Abafador tinha recebido autorização para deixar a prisão sob o pretexto de necessitar de um médico. O próprio Maurílio Pinto Jr. o tinha escoltado para fora da Delegacia.

Após quase seis anos da morte de Gilson Nogueira e quase três anos da tramitação da ação penal contra Otávio Ernesto Moreira, o julgamento do ex policial foi designado para o dia 6 de junho de 2002 pelo Tribunal do Júri de Macaíba, cidade onde ocorreu o crime.

No entanto, naquele mesmo mês, a defesa do acusado solicitou a transferência do local da realização do julgamento de Macaíba para Natal, pedido que terminou sendo acatado. O pedido e a decisão de desaforamento, porém, apresentavam vícios de nulidade absoluta, pois violavam princípios constitucionais. De fato, apesar do pedido de desaforamento ter sido formulado pelo réu, nem o Tribunal de Justiça do Estado, nem a juíza da Comarca de Macaíba abriram oportunidade para o representante do Ministério Público da Comarca de origem ou para o advogado da assistência de acusação, Daniel Alves Pessoa, se manifestarem ao respeito do pedido.

A decisão foi questionada pelo advogado Daniel Pessoa, que interpôs ação de nulidade do processo de desaforamento em 5 de junho de 2002, juntamente com um pedido liminar de adiamento do julgamento. Porém, esta solicitação não foi apreciada em tempo hábil pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Assim, apesar da nulidade gerada gerada pela violação dos princípios constitucionais do contraditório e do devido processo legal, o julgamento do policial Otávio Ernesto começou em 6 de junho de 2002.

Entre outros fatos, a acusação demonstrou, através de exame de balística realizado em 1999, que uma das balas utilizadas para matar Gilson Nogueira pertencia à espingarda calibre 12 encontrada em uma granja de propriedade de Otávio Ernesto.

Ao todo, o processo durou mais de 25 horas. Por volta das oito da manhã do dia 7 de junho de 2002, o juíz da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Natal leu a decisão do Júri. Apesar das numerosas provas contra o réu, o Júri composto por sete jurados decidiu absolvê-lo.

O esquadrão da morte "Meninos de Ouro" é responsável também pelo assassinato do decorador Antônio Lopes, um travesti conhecido como Carla, em 3 de março de 1999, na porta da sua residência em Macaíba, com dez tiros disparados por dois desconhecidos que passaram de motocicleta.

Carla era amiga pessoal de Gilson e uma testemunha importante do seu assassinato. Estava realizando uma investigação paralela sobre o assassinato e tinha acumulado diversas informações ao longo dos meses, inclusive gravadas em fita, que foram entregues às autoridades policiais. Seu empenho contribuiu na reabertura do processo de apuração do homicídio, que já tinha sido encerrado pela Polícia.

Diversas páginas da agenda de Carla, onde anotava informações sobre suas investigações, foram rasgadas. As investigações sobre seu homicídio perduram até hoje.

Fonte: Centro de Justiça Global e Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH)

Veja também:
- (IN)JUSTIÇA. O Tribunal de Justiça do RN negou o recurso contra o desaforamento do julgamento dos assassinos de Gilson Nogueira de Macaíba para Natal
- BARBÁRIE ANUNCIADA. Texto do OPINIO IURIS - Instituto de Pesquisas Jurídicas sobre o assassinato dos fiscais do Ministério do Trabalho

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