DISCURSO
DE POSSE
Por:
Vera Duarte
Excelências
Senhor Primeiro-Ministro
Senhora Ministra da Justiça
Senhor Representante Residente
do PNUD
Senhoras e Senhores
É com grande honra e muita alegria
que recebo das mãos do Senhor Primeiro-Ministro
a incumbência de presidir a Comissão Nacional
para os Direitos Humanos e a Cidadania do
meu país, incumbência essa que entendo constituir
um grande desafio e estímulo.
Desafio porque sendo Cabo Verde um
ainda país em vias de desenvolvimento incumbe
a todos e a cada um de nós o dever solidário
de contribuir, a par do Estado, para criação
de condições morais e materiais que concorram
para a progressiva eliminação no nosso país
da pobreza e do subdesenvolvimento, assumindo
uma conduta de agente de mudança social
na construção de um país cada vez mais rico,
desenvolvido, de liberdade e de justiça
social.
Estímulo pois
sendo a essência da vida a luta pelas nossas
convicções pode estar certo, Sr. Primeiro-Ministro,
que é minha convicção profunda que só no
pleno gozo de seus direitos de cidadania
podem o homem e a mulher cabo-verdianos
ascender à felicidade e como desejo firmemente
a felicidade do povo cabo-verdiano, certamente
que me empenharei, na modéstia das minhas
forças mas ancorada na firmeza das minhas
convicções, em ajudar a contribuir para
esse ambiente propiciador ao pleno gozo
dos direitos.
Sr. Primeiro-Ministro
Depois da extraordinária evolução do Direitos Internacional dos Direitos Humanos, ilustrada pela
proliferação de documentos internacionais
relativos a sua protecção e da aceitação
pela maioria dos Estados da necessidade
de incorporar esses desenvolvimentos na
sua ordem jurídica interna como direitos
fundamentais, verifica-se que o momento
actual demanda não somente o incremento
de instrumentos jurídicos de protecção,
mas também de políticas públicas que possam
promover a implementação efectiva desses
direitos.
Nesse sentido, a República de Cabo
Verde além de ter aderido a grande parte
dos instrumentos internacionais de direitos
humanos e de ter dedicado parte considerável
da Lei Magna aos direitos fundamentais,
deu um passo importante na sua implementação
com a criação do Comité Nacional para os
Direitos Humanos que, de acordo com o Decreto-Lei
nº 19/2001, funcionou como uma instância
de promoção dos direitos humanos e do direito
internacional humanitário, tendo como principal
objectivo a elaboração das bases para a
institucionalização de políticas públicas
na área dos direitos humanos.
Com a aprovação do Plano Nacional da
Acção para os Direitos Humanos e Cidadania
em Julho do ano transacto essa meta foi
atingida. O Plano constitui um ponto de
chegada e um ponto de viragem na luta pela
afirmação dos direitos humanos em Cabo Verde
e contém um programa global de acção para
o Estados e a sociedade civil na consolidação
de uma parceria para fazer avançar a luta
pela garantia dos direitos humanos.
Dentro da lógica de um processo evolutivo
cabia então dar um novo passo nesse domínio
através da substituição do Comité Nacional
para os Direitos Humanos por uma outra instituição
mais autónoma e independente, dotada com
os meios humanos e matérias hábeis para
promover e proteger os direitos humanos,
o direito internacional humanitário e a
cidadania.
Este desiderato foi conseguido através
da criação da Comissão Nacional para os
Direitos Humanos e a Cidadania, pelo Decreto-Lei
nº 38/2004 de 11 de Outubro, Comissão essa
que assenta em dois grandes pilares, autonomia
e independência, e trabalha ao lado do Governo
na efectivação das políticas públicas da
área dos direitos humanos, sem prejuízo
de se materializar também como uma instância
de monitoramento das acções governativas
nesta matéria.
É através dessa forma, simultaneamente
próxima, independente e crítica do Governo
que se espera alicerçar o trabalho da Comissão,
adequando-a à nossa
realidade e às recomendações internacionais.
As atribuições da CNDHC foram divididas em três grandes áreas que, de
acordo com os Princípios de Paris constituem
os três grandes objectivos políticos da
criação de uma instituição desta natureza:
promoção, protecção e monitoramento.
A vertente da promoção será realizada
através de um projecto abrangente de educação
para os direitos humanos, projecto esse
que visa essencialmente a
introdução no currículo escolar do ensino
dos direitos humanos, cidadania e cultura
de paz, mas também abrange a formação nestas
matérias de diferentes agentes da administração
e não só.
Além disso, a Comissão terá um papel importante
na promoção de investigação e a realização
de acções que possam reverter positivamente
para a consciencialização da população para
a importância do respeito dos direitos humanos,
priveligiando a divulgação e popularização
dos instrumentos jurídicos internacionais
e regionaisde promoção e protecção dos direitos
humanos.
Uma segunda vertente do trabalho atribuído
à Comissão diz respeito ao seu papel de
auxiliar do Governo na promoção de políticas
públicas na área dos direitos humanos, devendo
servir como garante da boa aplicação dessas
medidas. Nesse sentido, a Comissão dará
especial atenção à política legislativa
e suas implicações na área dos direitos
humanos.
Além disso, a Comissão deverá funcionar
como ponte entre o Estado de Cabo Verde
e as instituições internacionais de monitoramento
dos direitos humanos com as quais Cabo Verde
mantém vínculos jurídicos. Assim sendo,
a Comissão irá reforçar o relacionamento
com os organismos internacionais e regionais
de protecção dos direitos humanos, principalmente
através da elaboração, apresentação e seguimento
dos relatórios periódicos devidos a essas
instituições.
Igualmente a Comissão irá privilegiar
o seu relacionamento com os organismos congéneres
a nível nacional, sobretudo dos PALOP, da
CPLP e da CEDEAO, e a nível internacional
com o ACNUDH e o CICR.
Relativamente à composição da Comissão
esta seguiu a fórmula adoptada para o extinto
Comité, mantendo a composição amparada em
dois grandes pilares, o Governo e a Sociedade
Civil. Com efeito, será necessário trabalhar
junto do primeiro a fim de assessorá-lo
e influenciá-lo na implementação de políticas
públicas, e com representantes da Sociedade
Civil com o objectivo de ver representados,
dentro de uma lógica do pluralismo sociológico
e político, todos os sectores da nossa sociedade.
Devemos contudo
dizer que face a recenticidade deste processo,
consideramos não estarmos perante uma solução
definitiva e estamos em crer que a importância
crescente que o respeito pelos direitos
humanos vem assumindo nas nossas sociedades
conduzirá, a seu tempo, a soluções outras
como seja a de conferir assento constitucional
à Comissão Nacional para os Direitos Humanos
e a Cidadania permitindo-lhe gozar assim
de uma mais ampla legitimação.
Senhos Primeiro Ministro,
Senhoras
e Senhores,
Quase poderíamos dizer que a batalha
pelos direitos humanos é uma batalha que
está a ser ganha no nosso país. Esta certeza
é-nos transmitida em primeiro lugar por
termos uma Constituição que consagra sem
restrições um formidável leque de direitos,
liberdades e garantias e que confere dignidade
constitucional aos instrumentos jurídicos
internacionais de promoção e protecção dos
direitos humanos ratificados por Cabo Verde.
Esta certeza é-nos transmitida por
sucessivos Governos que vêem ampliando o
seu comprometimento ético com o respeito
pelos direitos humanos e a eles vêem paulatinamente
consagrando políticas públicas, sendo certo
que os Objectivos de Desenvolvimento do
Milénio vêem sendo perseguidos com vigor.
Esta certeza é-nos transmitida por
uma Sociedade Civil que cada vez mais se
mobiliza na defesa e protecção dos direitos
humanos sobretudo
das camadas mais desfavorecidas da nossa
terra e que está atenta e denuncia as violações
que ocorrem.
Esta certeza é-nos também transmitida
de forma inequívoca pela apreciação que
os outros fazem de nós e não é de mais realçar
que Cabo Verde vem ocupando um lugar de
destaque na cena africana, e não só, pela
seu desempenho no âmbito da boa governação
e do respeito pelos direitos humanos.
Mas é evidente que quando digo que
é uma batalha está a ser ganha isto pressupõe
que temos de continuar a lutar para diminuir
cada vez mais o fosso que existe entre o
os direitos enunciados e a realidade vivida
por cada cidadão.
Enquanto tivermos cerca de 30% da nossa
população a viver em situação de pobreza,
enquanto tivermos crianças abandonadas,
enquanto tivermos mulheres violentadas,
enquanto tivermos um número elevado de cidadãos
a viverem no desemprego, enquanto houver
dificuldades no acesso à justiça e persistirem
situações de impunidade, não podemos cruzar
os braços.
Também é certo que apesar da liberdade
de imprensa proclamada haverá sempre que
estar atento às tentações de censura. Também
é certo que precisamos incrementar as bases
em que assenta o processo de aprofundamento
cultural e de aprimoramento da nossa cidadania.
Precisamos substituir cada vez mais uma
cultura de violência por uma cultura de
diálogo. E precisamos dar extrema atenção
à família célula base da nossa sociedade,
para que ela possa cumprir bem o seu papel
de centro formador por excelência, de cidadãos
não vulneráveis ao alcoolismo, à droga e
outros flagelos.
Sobre essas situações a CNDHC continuará a trabalhar, em permanente articulação com os poderes públicos,
as organizações da sociedade civil e organismos
internacionais.
Mas a certeza de que esta batalha é
uma batalha que está a ser ganha também
é-nos transmitida por nos encontrarmos em
presença de um Chefe de Governo que não
hesita em dizer aquilo que só agora começou
a ser dito na cena africana
mas que deve ser dito e repetido
para poder levar à inversão dos processos.
Disse o Sr. Primeiro-Ministro no encerramento do Simpósio de Amílcar
Cabral, e cito, que “na África independente,
em muitos casos, as condições de vida pioraram
significativamente em relação ao momento
da independência”. E que tal se deve “à
debilidade do Estado e dos mecanismos de
controlo do exercício do poder, a pobreza
dos países africanos e a dependência externa,
à corrida aos recursos naturais e o acesso
às prebendas que o exercício do poder propicia”.
E acrescentou “a boa governação – que é
condição fundamental para o desenvolvimento
em África – exige, antes de tudo, um forte
comprometimento ético e moral com os interesses
mais profundos das mulheres e homens deste
continente, cedentes de paz, de liberdade,
de democracia, de mais equidade da distribuição
das riqueza, de
mais solidariedade, de melhor qualidade
ambiental, enfim de uma vida decente e digna.”
Posso assegurar Sr.
Primeiro-Ministro que a nossa actuação enquanto
Presidente do CNDHC pautar-se-á por esses
princípios orientadores pois eles contêm
sem dúvida um autêntico manifesto para a
defesa e promoção dos direitos humanos.
Como disse “a extensão das manchas
de pobreza, a fome, as doenças, a grande
precariedade dos serviços de saúde e de
educação, os conflitos intestinos, os massacres,
a grande debilidade do Estado e a inconsistência
das políticas públicas demandam dos políticos
e dos governantes africanos um comprometimento
ético sem limites com a causa pública.”
A actuação da CNDHC situar-se-á sempre
no campo da luta contra os flagelos que
enuncia, pela promoção da qualidade de vida
de todos os cidadãos, por uma agenda para
a democracia e pela redução das desigualdades
sociais.
Sr. Primeiro-Ministro
A África precisa antes de mais e antes
de tudo para construir o desenvolvimento
de boa governação. E boa governação pressupõe
também o combate à corrupção, às tentações
hegemónicas, à perpetuação no poder e o
respeito pelos direitos humanos.
E
porque é necessário sonhar para que a vida
aconteça, ousamos pensar para lá das nossas
fronteiras nacionais e tendo como tela a
União Africana, queremos ajudar a contribuir
com a nossa acção ao estabelecimento de
climas mais propícios ao respeito dos direitos
humanos em África, por uma África mais democrática,
justa e livre.
Todos
sabemos que de há uns anos a esta parte
a boa governação e o respeito
pelos direitos humanos vêm sendo colocadas
como condição fundamental para ajuda ao
desenvolvimento.
Também
Koffi Annan, Secretário-Geral das Nações
Unidas, deixou claro a importância que essa
organização mundial atribui ao respeito
pelos direitos humanos ao declarar que os
direitos humanos estariam no coração de
cada actividade desenvolvida pelas Nações
Unidas.
É
esta importância fundamental que a comunidade
internacional vem dando ao respeito pelos
direitos humanos que também fez nascer em
nós a ambição de
ajudar a fazer de Cabo Verde um país modelo,
um país piloto em África em matéria de direitos
humanos.
Neste
sentido, e como já existe uma experiência
de “Cidades de Direitos Humanos” pensamos
trabalhar no sentido de uma cidade cabo-verdiana
se candidatar a esse estatuto ou então desenvolver
uma proposta de criação de um estatuto de
país modelo de direitos humanos e obviamente
desenvolver um trabalho no sentido de Cabo
Verde se candidatar a este estatuto e é
este o repto que gostaria de aqui lançar
a todos os nossos parceiros – fazer de Cabo
Verde um pais modelo
de direitos humanos.
São
objectivos ambiciosos
mas partem de dupla constatação de
que a África precisa de exemplos de boas
práticas em matéria de direitos humanos
sobretudo numa perspectiva Sul-Sul e que
Cabo Verde tem um desempenho satisfatório
nesta matéria e que pode e deve ser constantemente
melhorado.
O
nosso objectivo e a nossa ambição é assim
ajudar a fazer de Cabo Verde um país modelar,
onde os direitos humanos são respeitados,
onde a pessoa humana é dignificada e valorada
e onde cada cidadão exerce em pleno a sua
cidadania. Esta seria também com certeza
um grande contributo para contemporaneidade
africana onde sobejam a
ocorrência de situações de crise e desrespeito
aos direitos humanos.
Para
terminar gostaria de endereçar uma palavra
de especial apreço e agradecimento a Sra.
Ministra da Justiça e Presidente do Comité
cessante por todo apoio e atenção que ela
deu à afirmação do CNDH e que foi fundamental
para o trabalho desenvolvido para o mesmo.
Embora em novos moldes esperamos poder continuar
a merecer esse mesmo apoio e atenção sendo
certo que perseguiremos os mesmos objectivos
de respeito pela imanente dignidade da pessoa
humana.
Este
agradecimento estende-se aos organismos
internacionais que sempre nos deram o seu
apoio e em especial ao PNUD e a
todas as instituições, organizações não-governamentais
e associações da sociedade civil que connosco
trabalharam no Comité e com certeza irão
continuar a trabalhar com a Comissão.
Um
muito obrigado a todos e em especial a S.
Excia o Sr. Primeiro
Ministro de Cabo Verde.