RAZÕES
DE DEFESA
Recife, 17 de maio de 1969.
Ilmº. Sr. Abraão
Cordeiro
Presidente da Comissão de Inquérito
Sumário
Chamada a
defender-me perante essa Comissão no prazo de quarenta e oito horas,
sob a acusação de que teria, nessa Escola, cometido “infração
disciplinar”, não sei como articular as minhas razões, em face da
completa omissão dos fatos que teriam originado a instauração dessa
Comissão de Inquérito.
É
princípio fundamental de Direito que a acusação deve assentar-se em
fatos concretos para poder produzir efeitos. Ninguém pode defender-se
de acusações genéricas, secretas ou vagas.
No
processo administrativo, ainda que sumário, a denúncia deve conter uma
exposição narrativa e demonstrativa das infrações, com referência a
tempo e a lugar.
O
Código de Processo Penal brasileiro, que serve de modelo nos inquéritos
administrativos, (Art. 41) que “a denúncia ou queixa conterá a
exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias”.
Ora,
o ofício n.º 2, de 15 do corrente, dessa Comissão de Inquérito, é
completamente lacônico, não deixando margem para que eu possa
defender-me, uma vez que diz, textualmente, que eu cometi “infração
disciplinar”, sem acrescentar qual teria sido essa infração. Ao
mesmo tempo, o ofício não adianta em que lei fui eu enquadrada, se na
Lei Moniz de Aragão ou se no Decreto-lei n.º 477, de 26 de fevereiro
de 1969.
Como
posso eu, então, defender-me perante essa Comissão se não sei:
1º
- quais os fatos ou o fato cometido por mim, que teriam sido
considerados “infração disciplinar”;
2º
- em que dia e local teriam sido cometidos esses mesmos fatos;
3º
- em que lei seria eu enquadrada, no processo administrativo sumário.
Há,
no direito processual, um princípio que assegura a chamada
CONTRADITORIEDADE DO PROCESSO. Esse princípio é básico para garantir,
tanto a acusação, como a defesa. Portanto, quando a acusação não
assenta em fatos concretos, descritos com “todas as suas circunstâncias”,
e quando não descreve ou menciona a lei perante a qual o agente da
infração estaria passível de pena, essa acusação é NULA de pleno
direito, de vez que não possibilita os meios adequados de defesa.
Há
outro princípio jurídico que diz, soberanamente, que o ônus da prova
cabe a quem a alega. Se cometi “infração disciplinar”, devia,
antes, a Comissão fazer prova dessa irregularidade, e não eu fazer
prova de que não cometi a infração.
Por
aí se vê que todas as normas essenciais do Direito do Homem, a que o
Brasil aderiu espontaneamente, ao votar, como país membro da ONU, os
princípios que nela se contém. Na Declaração Universal dos Direitos
do Homem lá se diz, expressamente: “Todo homem acusado de um ato
delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua
culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei”.
Minha
culpabilidade não foi, sequer, insinuada no ofício dessa Comissão,
recebido por mim como peça inicial de acusação. Diz-se, apenas, nele
que eu teria cometido “infração disciplinar”. Isso não é o
bastante para acusar ninguém, de acordo com o Direito nacional ou
internacional.
Por
conseguinte, suscitando essas questões fundamentais de processo,
amparada, para tal, na chamada Carta da Organização das Nações
Unidas e nas próprias leis brasileiras, que asseguram ao acusado a
“plena defesa”, espero que essa Comissão de Inquérito julgue
improcedentes os fatos, secretos, sigilosos, ou fluidos, que há contra
mim, restabelecendo os meus direitos de frequentar aulas e continuar meu
curso.
Eleonora
Garcia Cardoso.
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