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RAZÕES DE DEFESA

Exmo. Sr.

Presidente da Comissão Sumária de Inquérito

Nesta

 

Apresento a V. Exa. as razões de minha defesa, no prazo estipulado, quanto aos fatos que deram motivo à instauração dessa Comissão Sumária de Inquérito.

De antemão, peço vênia para lamentar que a vida universitária, hoje em dia, esteja sujeita à insânia de pessoas inteiramente irresponsáveis, as quais, por mero espírito de vindita ou despeito, cheguem a produzir a interrupção do ritmo normal das atividades escolares, tomando o precioso tempo dos professores e dos alunos, além dos funcionários dedicados ao seu mister.

Os fatos que originaram a formação dessa douta Comissão de inquérito não passam, como veremos em seguida, de supostas e imaginárias acusações, sem base e sem conteúdo, destituídos de qualquer fundamentação, por mais leve que seja – embora, lamentavelmente, tenha dado motivo à suspensão preventiva do aluno que estas razões de defesa subscreve, com real prejuízo ao seu aprendizado.

As inúmeras testemunhas ouvidas por essa colenda Comissão destruíram, a uma voz, todas as acusações irrogadas ao indiciado, não havendo, sequer, quem as tivesse compreendido sob outro prisma, senão o do equívoco, na melhor das hipóteses.

Inicialmente apontado como tendo realizado, a 11 de março próximo passado, uma reunião clandestina na sala do Diretório Acadêmico, o indiciado, que estas razões apresenta e assina, conclui, após o encerramento do sumário do inquérito, que tudo não passou de mal-entendido, a envolver a boa-fé das autoridades responsáveis pelo bom andamento da disciplina interna e externa da vida universitária.

Examinemos, à ligeira, o depoimento das várias pessoas, funcionários e alunos, ouvidas no decorrer das investigações.

Comecemos pelo estudante Cláudio César de Andrade, na época Vice-presidente do Diretório Acadêmico. Respondendo às perguntas formuladas por essa Comissão, o estudante em apreço declarou que “nenhuma reunião foi realizada no dia 11 de março de 1969 por uma impossibilidade total, uma vez que a sala do D. A. se encontrava em pintura, sem mesas, cadeiras ou qualquer outro móvel, apenas com uma escada, o que impossibilitaria qualquer reunião; que a chave do D. A. se encontrava, nesse dia, com o funcionário da Escola José Paulo, encarregado da referida pintura”.

Em documento apenso aos autos, a pedido do D. A., verifica-se que, efetivamente, no dia apontado como tendo sido o da “reunião clandestina”, os trabalhos de pintura e envernizamento estavam sendo encerrados, não sendo crível que, por essa ocasião e nessas circunstâncias, pudesse ter havido qualquer reunião de estudantes – o que não foi materialmente possível, segundo o D. A., até o fim do mencionado mês de março, dados os motivos já invocados.

A testemunha Murilo de Albuquerque Carneiro Lacerda, funcionário da Escola, ouvido por essa douta Comissão, esclareceu que, efetivamente, compareceu ao serviço no dia 11 de março, adiantando que “não tem conhecimento de nenhuma reunião realizada no recinto do Diretório Acadêmico; que não se lembra do D. A. ter estado de luz acesa naquele dia”.

Por sua vez, o funcionário da Escola Pedro Xavier da Rocha, que confessa haver comparecido à Escola no dia e pelas horas em que a dita “reunião secreta” se teria realizado, diz no seu depoimento que “pode asseverar, positivamente, sem nenhuma dúvida, não ter havido qualquer reunião no recinto da Faculdade, no Diretório Acadêmico pré-falado, no dia 11, uma vez que, quando existe qualquer reunião ele é sabedor, porque as chaves da Faculdade ficam com o funcionário Severino Antônio Pessoa; que nunca viu o indiciado Marcelo Santa Cruz Oliveira distribuir panfletos e fazer agitação política, nunca tendo ouvido o mesmo fazer qualquer proselitismo”.

Sucessivamente, os funcionários ouvidos pela Comissão, negaram, coincidentemente, terem tomado conhecimento “de qualquer reunião no D. A. no dia 11”, adiantando, um e outro, “que as salas permaneceram às escuras, não tendo havido nenhum movimento no interior da sala do D. A.”.

O Inspetor de Alunos do 4º ano, José Leopoldino Cavalcanti Filho, também funcionário da Escola, diz em seu depoimento que conhece o indiciado e que o mesmo costuma comparecer às aulas no turno da manhã, nada sabendo sobre suas inclinações políticas”, “pois nunca o viu com proselitismo político”. Termina dizendo que, “nem mesmo por informação, ouviu falar na mesma (reunião)”.

Outro Inspetor de Alunos, este do 5º ano, Gilberto Azevêdo Vanderlei, interrogado pela Comissão, disse que trabalha numa sala contígua à do D. A. e que “não se lembra de ter visto a referida sala acesa”, no dia 11 de março último. Disse mais que “não se lembra de movimentação de pessoas no dia 11; que não conhece nem de vista o estudante Marcelo”.

Mesma a única testemunha que admite a possibilidade material da “reunião clandestina”, ou seja, o funcionário José Paulo Soares, diz este que “não sabe se houve reunião de pessoas no D. A.”. Outro funcionário, Amaro Constantino Fernandes, servente da Escola, apesar de dizer que, no dia 11, o serviço de pintura estava terminado no recinto do D. A., “as mesas estavam desarrumadas”, não sabendo informar “se o estudante Marcelo Santa Cruz Oliveira fez reunião no D. A.”.

Um depoimento importante é o do vigia Severino Antônio Pessoa, que trabalha na Escola, costumeiramente, de 9 da noite às 7 da manhã. Posto diante da Comissão de Inquérito, esse funcionário declara que, “nesse dia relacionado, passou várias vezes no D. A.; que o D. A. se encontrava apagado e fechado e que pode asseverar não ter havido nenhuma reunião no D. A., naquela data”. E conclui afirmando, enfaticamente, que assina o seu depoimento “a bem da verdade e sem coação”.

Dispensamo-nos, douta Comissão, de tecer comentários ao depoimento das testemunhas por nós indicadas. É que, em face das outras, ouvidas por iniciativa da Comissão de Inquérito, suas declarações apenas servem como reforço das provas de inocência do indiciado. Do ponto de vista da insuspeição, as primeiras, por serem funcionários da Escola, e não colegas do indiciado, valem mais do que quaisquer outras, a fim de que se possa formar um quadro real, positivo e veraz da situação.

DOUTA COMISSÃO

Nenhuma testemunha, absolutamente NENHUMA TESTEMUNHA, confirma, no inquérito, as acusações iniciais. Isso demonstra, farta e concludentemente, que essas acusações improcedem, por não se revestirem, sequer, de verossemelhança.

Como indiciado, mantenho-me tranquilo quanto às conclusões do Inquérito. Não acredito, nem por hipótese, que, sem provas, sem indícios, sem conteúdo e sem substância, um inquérito desse gênero possa medrar diante da consciência jurídica dos mestres que compõem a velha Casa de Tobias Barreto.

Peço Justiça!

Recife,    de abril de 1969.

Mércia de Albuquerque Ferreira

(Ass) Marcelo Santa Cruz Oliveira.

 

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