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 RAZÕES DE DEFESA

“A escola de um País em processo agudo de desenvolvimento, como a do Brasil de nossos dias, deixa de ser entidade de tranquila transição da cultura sedimentada, para constituir-se em um centro polêmico da cultura de vanguarda. Ela não só se renova, como ainda irradia, sobre a comunidade em que se integra uma consciência de transformação”. (Hélio Pontes, “Educação para o Desenvolvimento”, 1969, pág. 35). 

 

DA DENÚNCIA 

Na denúncia que instrui a presente ação penal movida contra o estudante JOSÉ MOURA E PONTES, da Escola Superior de Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco, o Ministério Público Militar incluiu fatos e pessoas, bem como pretensos crimes, que não apresentam, entre si, a menor vinculação. São dois os denunciados. A única circunstância que existe de comum entre ambos é que são, os dois, alunos da Escola Superior de Veterinária. Só e só. No mais, tanto os fatos apontados como delituosos, como o tempo em que as infrações teriam sido cometidas, variam sensivelmente.

O estudante JOSÉ MOURA E PONTES é submetido a processo, por exemplo, pelo fato de haver proferido, segundo a Procuradoria Militar, “palavras ofensivas à dignidade do Poder Constituído” na solenização do dia da Bandeira a 19 de novembro do ano passado, no recinto da Escola; enquanto o outro denunciado, VALMIR COSTA, também estudante, é incluído na peça acusatória por haver, “no começo do ano letivo de 1968”, como presidente do Diretório Acadêmico da Escola Superior de Veterinária, “concitado o corpo discente daquela Escola a entrar em greve, promovendo distribuição de panfletos subversivos, neste sentido, em virtude da majoração da taxa de matrícula e do preço das refeições cobradas no Restaurante Universitário”.

Pergunta-se: em que dispositivo de lei ou em face de que norma de doutrina se inspirou o Ministério Público Militar para ajuntar os dois estudantes numa mesma denúncia, quando as circunstâncias de tempo e lugar, bem como os próprios fatos, em se mesmos, não oferecem a menor identidade, o mais leve ou longínquo nexo causal?

Somente se admite o agrupamento de dois ou mais agentes numa mesma peça acusatória quando se trata de crimes por co-autoria, que é, segundo BASILEU GARCIA, “a ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal”. (“Instituições de Direito Penal”, vol. II, pág. 356).

Se os crimes não se comunicam, por suas circunstâncias; se os agentes são diversificados; se o tempo e o lugar da infração ou infrações não são iguais, como, pois, cogitar-se de incluir, numa só denúncia, tantas disparidades?

Observe-se que, para BASILEU GARCIA, como para outros mestres e criminalistas, como ANÍBAL BRUNO, a co-autoria só se consuma, do ponto de vista de sua conceituação, quando há um só crime – cometido por mais de uma pessoa.

No caso da denúncia, cada indiciado responde por uma infração diferente: JOSÉ MOURA E FONTES pelo que se contém no Art. 33, inciso III, Art. 38 e 39, inciso I, da Lei de Segurança Nacional; VALMIR COSTA, incluso no Art. 39, incisos I, IV e V, combinados com o parágrafo único do mesmo artigo, também da Lei de Segurança Nacional.

O crime de VALMIR COSTA teria sido cometido “no começo do ano letivo de 1968”; o de JOSÉ MOURA E FONTES, no dia 19 de novembro do mesmo ano.

Nenhum pressuposto de cooperação ou de interação poderia ligar uma infração a outra; tampouco se vislumbraria qualquer relação de causalidade entre ambos.

Segundo o nosso Código Penal Brasileiro, Art. 11, “o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”.

A Procuradoria Militar, ao descrever tanto o pretenso crime de JOSÉ MOURA E FONTES, como o atribuído a VALMIR COSTA, não sublinha nem caracteriza nenhuma modalidade de comparticipação, deixando claro que cada réu praticou delito autônomo. Nem menciona nenhuma forma de comunicação de circunstâncias, entre um crime e outro. Os fatos, de cada indiciado, são referidos independentemente, em capítulos separados, sem concordância ou correlação entre si. A própria capitulação dos delitos é diversa para cada agente, o que acentua, mais ainda, o caráter intransferível de cada infração.

– Por que, então, reunir, numa só peça acusatória crimes e agentes tão díspares?

O princípio da INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL, recomendado pelo Código de Processo Penal no seu Art. 48, que expressa, aliás, uma norma inescusável de Direito, pressupõe a existência de co-autoria, de concurso de agentes. É o próprio Art. 48, acima citado, que esclarece essa condição, ao estatuir: “A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos”.

Trata-se, pois, de um crime só, levado a efeito por mais de dois agentes, é dever do Ministério Público unificar a ação penal, denunciando-os a todos na mesma peça incriminatória. A isso é que se chama de ECONOMIA PROCESSUAL, que também se opera, ao capítulo da competência, havendo conexão de infrações ou continência de causas.

Mas tanto a conexão como a continência supõem concurso, não de crimes, mas de jurisdições.

No caso dos autos, o juízo é o mesmo para apreciar os pretensos delitos de ambos os réus. E sendo diferentes os seus delitos, inclusive por circunstâncias de pessoas, tempo e lugar, JAMAIS se poderia invocar o princípio da economia processual ou da indivisibilidade da ação penal com o fito de unificar numa só denúncia duas infrações absolutamente diversas: uma, cometida “no começo do ano letivo de 1968” e outra, no dia 19 de novembro do mesmo ano. Uma, em virtude de “incitamento a greves”; outra, “por palavras ofensivas à dignidade do Poder Constituído”.

O estudante VALMIR COSTA figura na denúncia, na qualidade de presidente do Diretório Acadêmico de Veterinária, por atividades consideradas ilícitas em sua gestão de líder do grêmio estudantil da Escola; enquanto JOSÉ MOURA E FONTES é nela incluído em face de proferir expressões tidas como ofensivas quando dos festejos do Dia da Bandeira, numa solenidade a que compareceu e durante a qual lhe deram a palavra, como representante do corpo discente.

Estabelecer nexo entre as duas ações, em circunstâncias de tempo e de lugar tão distantes; tentar fixar relações de causalidade entre uma e outra – é forçar demais a interpretação do texto legal e levar às últimas consequências o princípio da economia processual, que não admite tamanhos elastérios. 

O CRIME, SEGUNDO A DENÚNCIA 

Em seu requisitório, a Procuradoria Militar inculpa o estudante JOSÉ MOURA E FONTES de haver proferido um discurso subversivo no Dia da Bandeira. Valendo-se do depoimento de professores suspeitíssimos, acusados de “corruptos” pela quase unanimidade dos estudantes da Rural, como veremos adiante, o órgão do Ministério Público atribui ao nosso constituinte a autoria de frases tais como “Assassino de estudantes”, “Governo de opressores”, “Bandeira que não merece ser saudada”, “Antes tivesse sido roto no campo de batalha, que servir a um povo de mortalha”.

Ouvido nesse Juízo, como testemunha de acusação, o professor Cláudio Martiniano Ferreira Selva reiterou incriminações anteriores segundo as quais o estudante JOSÉ MOURA E PONTES proferira ofensas à Bandeira e às autoridades constituídas, no dia 19 de novembro de 1968, além de atribuir-lhe a autoria de cartazes ditos subversivos, no âmbito da Universidade Rural.

Já o professor Anísio Ferreira Davis, que também é general da reserva do Exército, negando conhecer qualquer atividade ilegal do outro acusado, o estudante VALMIR COSTA, diz em seu depoimento perante essa Auditoria que compareceu à solenidade do Dia da Bandeira e “ouviu quando o acusado José Moura e Fontes disse as seguintes expressões ‘que os estudantes não podiam naquele momento prestar uma homenagem ao governo porque ela estava entregue a um governo de opressão e que somente quando ele estivesse nas mãos do povo, merecia uma saudação estudantil”, expressões estas, como se vêem, muito diferentes das contidas tanto no corpo da denúncia, como no depoimento do professor Selva. Se bem que envolvendo certas críticas ao governo, mas não a ponto de pregar a luta por sua derrubada ou incitar os alunos a greves ou movimentos semelhantes, as palavras do acusado não ofenderam a Bandeira Nacional, no sentido de amesquinhá-la ou denegri-la.

À sua vez, o professor Sílvio Camerino Paes Marreto, às fls. 153 dos autos, diz que ouviu comentários sobre o discurso do acusado naquela solenidade, como tendo ele dita as seguintes expressões: “antes tivesse sido rota no campo da batalha, que servir a um povo de mortalha”. E nada disse sobre ataques ao governo e às instituições.

É de toda importância, nesse processo-crime, que se recorde haver o estudante JOSÉ MOURA E FONTES respondido a inquérito administrativo na Escola Superior de Veterinária, mediante representação do diretor, sobre os fatos aqui aludidos. A ata circunstanciada de tudo quanto ocorreu nesse inquérito, consta dos autos do presente processo, das fls. 52 às fls. 62. E os acontecimentos ocorridos no Dia da Bandeira, naquela ocasião, não representaram a mínima importância, tanto assim é que a Congregação da Escola, por sete votos contra dois (entre estes o próprio diretor-denunciante) ABSOLVEU o estudante JOSÉ MOURA E FONTES da acusação de haver proferido palavras injuriosas ao pavilhão nacional ou às autoridades do governo.

Em sua grande maioria, os membros da Congregação da Escola isentaram o estudante JOSÉ MOURA E FONTES da acusação de haver injuriado a Bandeira Nacional. À leitura da ata dos trabalhos da Congregação, durante os quais o incidente do Dia da Bandeira foi profundamente debatido, verifica-se que o discurso do acusado não teve a gravidade que se quer dar no presente processo. Tanto é assim que, contra apenas dois votos, sendo um do próprio denunciante, a Congregação deliberou, segundo a ata (pág. 61 dos autos) não aplicar nenhuma penalidade ao estudante autor do mencionado discurso.

Meses depois, reabre-se a questão, dessa vez na área da Justiça Militar, por iniciativa do mesmo professor Cláudio Selva, contra cujo testemunho se ergueu a quase totalidade dos membros do Conselho Universitário da Universidade Federal Rural de Pernambuco, que havia rechaçado a tentativa de enquadrar o estudante nas penas da lei.

Quando o assunto foi ventilado no seio do Conselho Universitário Rural, o incidente do dia da Bandeira ficou reduzido às suas mínimas proporções, chegando o professor Luiz Geraldo de Araújo, organizador das festividades, a declarar que a solenidade do dia 19 de novembro na Universidade Rural “foi linda e de profunda emoção cívica” e que a oração do estudante JOSÉ MOURA E FONTES, apesar de conter algumas críticas ao governo, “não chegou a prejudicar o brilho da solenidade”. “Ata, pág. 61 dos autos).

Também foi dito, na mesma ocasião, que o Prof. Eudes de Souza Leão Pinto, ex-Secretário de Agricultura do Estado de Pernambuco, parabenizou o referido estudante “pela sensatez de seu pronunciamento”. “Idem, pág. 58). Quem conhece o Prof. Eudes de Souza Leão Pinto sabe muito bem de suas arraigadas convicções anti-esquerdistas, de que, Aliás, nunca fez segredo.

Tendo sido, pois, consideradas irrelevantes as palavras do acusado para a aplicação de qualquer tipo de pena disciplinar, como é que, agora, pelos mesmos fatos, ou seja, pelas mesmas palavras, ele é submetido a processo-crime na Justiça Militar, para cumprimento de pena carcerária? 

UM EPISÓDIO HISTÓRICO 

Nos fins do século passado, estudava na Faculdade de Direito do Recife um jovem baiano de pouco mais de vinte anos de idade. O “Ginásio Literário”, que era, por assim dizer, o Diretório Acadêmico dos alunos da Escola, organizou uma grande festa cívica para comemorar o transcurso do dia 7 de Setembro, data de nossa independência política, transcorria o ano de 1868. À solenidade estavam presentes além de estudantes e professores famosos da Faculdade, representantes do governo, do clero e das forças armadas. Entre os estudantes, filhos de outros Estados, lá estavam Rui Barbosa e Fagundes Varela, atraídos pelo renome da nossa velha Escola de Direito. Testemunhas do fato eram, também, Tobias Barreto, Vitoriano Palhares e tantos e tantos outros intelectuais da nova geração, uns de Pernambuco, outros apenas residindo no Recife, enquanto se preparavam para receber, um dia, o “canudo de bacharel”.

Nessa época, o governo brasileiro permitia, criminosamente, o tráfego de escravos negros, vindos da África nos imundos porões de veleiros. A maioria dessas pobres criaturas não chegava ao seu destino. As moléstias infecciosas, os maus tratos, a fome, a nostalgia da terra do seu berço – reduziam de muito as “encomendas” mandadas fazer em tribos africanas pelos escravocratas e latifundiários brasileiros, com a cumplicidade do Império. Nos porões inóspitos, infectos, anti-humanos, milhares e milhares de negros, homens, mulheres e crianças, conheciam a morte, antes de pisar o solo brasiliense.

Os salões da Faculdade de Direito acolhiam o que havia de melhor na sociedade de então, para comemorar o Dia da Independência, desconhecendo-se o drama lancinante dos “navios negreiros” – nódoa de sangue e de lágrimas no colorido da festividade patriótica.

Grandes oradores se fizeram ouvir, no enaltecimento aos feitos e às glórias do movimento emancipador.

De repente, sobe à tribuna, depois de haver falado o grande tribuno Joaquim Nabuco, o jovem baiano. A assistência fez silêncio. Rosto pálido, alto para a sua idade, quase imberbe, cabeleira farta e negra, como as dos moços de hoje, “belo como um Deus”, segundo o depoimento de uma testemunha ocular, o estudante baiano tira do bolso do jaleco inglês, com que habitualmente se vestia, laudas e laudas de papel manuscrito, e declama, com aquele timbre de voz que empolgava as multidões do tempo. E passava a cantar, em versos que se tornaram imortais, a tragédia dos escravos nos “navios negreiros”, perante uma assembléia, em sua grande maioria, composta de senhores-de-engenho, conservadores e exploradores do suor e do trabalho humano:

“Existe um povo que a bandeira empresta
Para cobrir tanta infâmia e covardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de Bacante fria!...
Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio! Musa! Chora, chora tanto,
Que o pavilhão se lave no teu pranto!”.

Rui Barbosa, também estudante, diria depois, numa página de memória, sobre a pessoa e os versos daquele conterrâneo seu, perdido nas lutas do amor e da liberdade, nas ruas do Recife: “O mais íntimo de sua alma, impetuosamente apaixonada pela verdade, pelo belo, pelo bem, comunicou sempre com as alturas alpinas o seu gênio por um jato contínuo dessa lava sagrada, que fazia dos seus lábios uma cratera incendiada em sentimentos sublimes"”

longos momentos viveu a platéia diante do poema, a cada estrofe reagindo segundo suas convicções. A beleza da forma, o equilíbrio dos versos, daqueles versos condoreiros da mais pura criação artística, terminaram por dominar os circunstantes, pela verdade irrespondível de suas denúncias e imprecações.

E o cruel sofrimento do escravo impregnava de ardor o verdadeiro patriotismo do jovem baiano, de pouco mais de vinte primaveras, nos versos finais do seu recitativo:

“Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvesse rôto na batalha,
Que servirem a um povo de mortalha!”. 

Esse moço baiano não era outro senão ANTÔNIO FREDERICO DE CASTRO ALVES, de quem se disse que, “se o sol soubesse a hora em que ele ia nascer, teria esperado para nascerem juntos”.

A HISTÓRIA SE REPETE

Das Universidade que funcionam no Estado de Pernambuco, a Universidade Federal Rural de Pernambuco é das mais atingidas pela crítica da imprensa e dos alunos pelos desatinos que ali se vêm praticando há longos anos. Viagens a outros Estados do país e ao estrangeiro regiamente pagas a determinados professores; paralização à falta de verbas, desviadas para outros fins; professor que se deslocou para o sul do Brasil, a pretexto de “excursão científica”, levando consigo esposa e filha, utilizando a caminhonete Rural Willys placa n.º 22734, pertencente à Universidade, e dirigida por motorista dos quadros funcionais da Repartição, apesar de receber, o citado professor, a gorda quantia de NCr.$ 867,79 (oitocentos e sessenta e sete cruzeiros novos e setenta e cinco centavos) a título de ajuda de custo, enquanto, por sua vez, o motorista recebera NCr.$ 501,65 (quinhentos e um cruzeiros novos e sessenta e cinco centavos), conforme consta do processo n.º 2708/67; outro professor que, sob o mesmo pretexto, recebia dos cofres da Universidade a quantia de NCr.$ 477,61 (quatrocentos e setenta e sete cruzeiros novos e sessenta e um centavos), conforme processo n.º 2745/67; outro, ainda, que, viajando “cientificamente” para a França, Holanda, Alemanha e Inglaterra, recebia, de mãos beijadas, a pingue importância de NCr.$ 6.390,00 (seis mil trezentos e noventa cruzeiros novos), conforme processo n.º 2586/67; ausência de auxílios, de pouca monta, a estudantes, para estágios em escolas de agronomia e veterinária do país, “por falta de verbas”; fechamento de restaurantes na Universidade, forçando os alunos a cotas e “vaquinhas”, no sentido de que as suas refeições fossem preparadas pelas lavadeiras do conjunto residencial da Universidade; professor que, em simples polêmica com estudantes, sacou de arma de fogo e atirou sobre os mesmos, impunemente; criação de cargos para funcionários “inexistentes”, através da Ordem de Serviço n.º 48/66, de 1º de abril do mesmo ano, conforme ficou apurado em processo administrativo; cobrança irregular de taxas, sem prévia autorização dos órgãos competentes, de acordo com denúncia feita no Conselho de Curadores nos dias 30 de novembro e 19 de dezembro de 1966 e 1967, respectivamente, constando ditas denúncias das competentes atas de sessão; “engavetamento”, pela direção da Universidade, de processos, como os de números 2908/67, 2905/67 e 2235/67, nos quais se revelam graves irregularidades ocorridas na Universidade; emissão de cheques sem fundo por determinados professores e ações de cobrança executiva, feitas judicialmente, contra outros, por falta de pagamento de dívida líquida e certa; fechamento inexplicável da Escola Agro-técnica de São Lourenço da Mata, com incalculáveis prejuízos ao aprendizado dos alunos; retardamento de reinício de aulas por conveniência de alguns professores; dupla remuneração, a título de “ajuda de custo”, aos diretores que participaram da VII Reunião da Associação das Escolas de Agronomia e Veterinária do Brasil, realizada em Belo Horizonte, uma remuneração paga pela Universidade, outra desembolsada pelo Escritório Técnico de Agricultura (ETA); desvio de material do patrimônio da Universidade, no período compreendido entre dezembro de 1966 a janeiro de 1967, pelo ex-prefeito da UFRu de Pernambuco, Ádison Viana da Silva, conforme denúncia do funcionário Antônio Pedro da Silva; recebimento de 35 diárias, além dos vencimentos do mês, a um determinado professor da Escola Superior de Agricultura, para que participasse de uma reunião da Sociedade Botânica do Brasil, em julho de 1966, havendo o dito professor deixado a cidade do Recife no dia 21 de janeiro e regressado no dia 2 de fevereiro (vôos nºs. 713 e 710), consumindo, assim, 13 dias de excursão, mas não devolvendo aos cofres da Universidade os 12 dias restantes – só o fazendo SEIS MESES DEPOIS, em face de reiteradas denúncias do representante dos universitários no Conselho de Curadores; descontos de contribuições previdenciárias de empregados da Universidade, em regime de CLT, sem a devida entrega das mesmas contribuições ao respectivo Instituto, conforme se provou no processo n.º 3460/67, sendo relator o prof. Pedro Corrêa de Oliveira; falta de aulas práticas, durante todo o ano letivo, por professores obrigados por lei a ministrá-las; deficiência ou ausência completa de alimentação ou ração a animais de raça regiamente comprados no sul do país para o parque de animais da Escola de Veterinária, o que provocou a morte de muitos deles; inadequado pagamento, pelos cofres públicos, do regime de “tempo integral” aos professores, sem cumprimento da parte deles do exigido pelos regulamentos oficiais; punição de suspensão, por oito dias, das atividades escolares, além de prisão pela Polícia Civil, de um estudante que, como membro do Conselho de Curadores, teve a coragem e o desassombro de denunciar tantas irregularidades; indiciamento, como “subversivos” e expulsões, por três anos, da Universidade, de dezenas de alunos cujos crimes eram o de trazer a público as mazelas administrativas, cumprindo seu dever de cidadãos e de patriotas – EIS O QUADRO MORAL EM QUE SE DEBATE, DESDE LONGOS ANOS, A UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO, de cujo seio, até hoje, somente foram expulsos jovens alunos, verdadeiros “bodes-expiatórios” de tantos desatinos e imoralidades!

No dia 19 de novembro de 1968, consagrado ao culto da Bandeira Nacional, reuniram-se professores, estudantes e funcionários da Universidade para assinalar a passagem do acontecimento cívico. Tal como o nome de Deus, o símbolo da Pátria tem servido, nestas horas, para acobertar a esperteza dos oportunistas que, em horas difíceis, de definições de idéias e de caráter, se colocam “em cima do muro” – para usarmos de uma gíria muito própria da época – à espera de que os acontecimentos se tornem mais claros, a fim de, então, expressarem seus pontos de vista. Esses arrivistas formam o grande bloco do “Viva quem venceu!”, na carnavalesca existência das simulações e dos engodos.

Seríamos injustas e faltaríamos à verdade se bitolássemos todos os professores da Universidade Federal Rural de Pernambuco pelo estofo de meia dúzia de aproveitadores, cujos êxitos, na carreira do Magistério, está na razão direta de suas curvaturas e rapa-pés. Não! Ali, como em outras agremiações de ensino, se encontram verdadeiros Mestres, na mais lídima acepção da palavra, dedicados e honestos no trabalho anônimo de formar gerações de especialistas.

Mas a Bandeira Nacional acobertava todos, naquele dia de ardor patriótico.

Muitos usaram da palavra para decantá-la, entoando louvores às autoridades presentes e ao governo. Somente Deus, no íntimo do seu julgamento, poderia avaliar a sinceridade dos oradores, seus propósitos e suas intenções.

Foi quando JOSÉ MOURA E FONTES, presidente do Diretório Central dos Estudantes, foi convidado a fazer uso da palavra. Seu verbo teria de expressar os sentimentos da coletividade estudantil, os anseios da juventude, os ideais e os sonhos de quantos batalham pelo progresso da pátria, por sua liberdade e pelo seu florescimento material.

– Que disse o acusado, naquele instante?

A ata da sessão do Conselho Universitário, às fls. 52 a 62 dos autos do processo, reproduz algumas de suas expressões.

Disse o acusado que a mocidade de hoje não se sentia muito à vontade para saudar a Bandeira Brasileira, quando se lembrava que, poucas semanas antes, o Pavilhão Nacional servira de mortalha ao corpo inanimado do estudante José Edson, morto pela polícia Militar da Guanabara. Disse mais que esperava ver a Bandeira de nossa Pátria nas mãos de todo o povo brasileiro, e não na de meia dúzia de privilegiados, para cobertura de seus desmandos – numa alusão direta, corajosa e consciente aos que dirigem a Universidade Rural, insensíveis às críticas e denúncias da mocidade estudiosa. Disse, ainda, que a Bandeira Brasileira devia ser, na verdade, “o símbolo da unidade nacional e da luta de todos pelo progresso, pela paz e pela liberdade”.

E concluiu sua oração, recitando, como há cem anos, exatamente, em 1968, fê-lo o inolvidável CASTRO ALVES, na reunião do “Ginásio Literário” da velha Faculdade de Direito do Recife, naquele 7 de Setembro de opróbrio e negra escravidão:

“Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra,

E as promessas divinas da esperança...

Tu, que da liberdade após a guerra

Foste hasteado dos heróis na lança,

ANTES TE HOUVESSE RÔTO NA BATALHA,

QUE SERVIREM A UM POVO DE MORTALHA!”

Aos que, intencionalmente, viram no discurso do acusado qualquer delito contra as autoridades e ao governo, JOSÉ MOURA E FONTES poderia ter respondido com estes versos do mesmo CASTRO ALVES:

“Crime! Quem te falou, pobre Maria,

Desta olpalavra estúpida?... Descansa!

Foram eles talvez! É zombaria...

Escarnecem de ti, pobre criança!” 

FALTA DE JUSTA CAUSA

Tanto porque os fatos narrados na denúncia do digno Procurador Militar já haviam sido objeto de investigação, em inquérito administrativo, realizado pela própria Universidade, e cujas conclusões optaram pela irrelevância do incidente, absolvendo-se o acusado por SETE VOTOS CONTRA DOIS, sendo que, entre os DOIS, se encontrava o voto do próprio diretor-denunciante, que, a rigor, não deveria participar do escrutínio; tanto porque, da peça acusatória, nesse processo-crime, os fatos descritos não apresentam nenhum incitamento à luta contra o governo, à indisciplina ou à chamada “subversão da ordem”, chegando o ilustrado membro do Ministério Público a atribuir ao acusado palavras que não são de sua autoria, mas constituem versos imortais de CASTRO ALVES – é de reconhecer-se a absoluta FALTA DE JUSTA CAUSA para o procedimento penal.

Em seu requisitório, a Procuradoria Militar enquadra o acusado nos Arts. 33, inciso III, 38 e 39, inciso I, do Decreto-lei n.º 510, de 20 de março de 1969, que alterou a Lei de Segurança Nacional.

A Art. 33, inciso III, configura o delito de Animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições sociais”.

O Art. 38, invocado pelo Ministério Público, prevê o crime de “destruir ou ultrajar a Bandeira, emblemas ou símbolos nacionais, quando expostos em lugar público”.

Por sua vez, o Art. 39, inciso I, fala do delito de “utilização de quaisquer meios de comunicação social, tais como jornais, revistas, periódicos, livros, boletins, panfletos, rádio, televisão, cinema, teatro e congêneres, como veículos de propaganda da guerra psicológica adversa ou de guerra revolucionária”.

Nenhum de tais dispositivos penais foi, na verdade, infringido pelo acusado. Seu discurso, no Dia da Bandeira, não a ultrajou, muito menos a destruiu, ainda que simbolicamente. Nenhuma palavra foi dita pelo acusado, em sua oração cívica, para inimizar as Forças Armadas, entre si, ou elas com a sociedade brasileira ou as suas classes integrantes.

Quanto à distribuição de jornais e panfletos, nenhuma testemunha o incrimina de tê-lo visto distribuir no recinto da Universidade. O que há, sobre o assunto, são meras suposições e conjunturas, sobre as quais não se pode formar um juízo condenatório.

A respeito dos precedentes do acusado, falam eloquentemente os documentos apensos pela Defesa aos autos. São testemunhos de professores, de diretores de Colégio, de comerciantes, de funcionários públicos, de proprietários, de dirigentes de entidades sociais – todos comprovando a boa conduta e a dignidade do estudante JOSÉ MOURA E FONTES. Sacerdotes depõem em seu favor, como antigos mestres, em educandários de ensono médio. É todo um acervo que representa, num conjunto indivisível, um patrimônio moral indiscutível.

A isso se junta o seu currículo escolar, dos melhores da Escola Superior de Veterinária, que honrou com a sua dedicação ao estudo, antes de ser expulso pela diretoria, através de ato divergente dos textos leis.

No Colégio Carneiro Leão, no Ginásio de Limoeiro, no Colégio Padre Félix e em tantos outros estabelecimentos de ensino, sua conduta moral e cívica foi ilibada, exceção feita à Escola Superior de Veterinária, quando passou a denunciar as graves irregularidades ali existentes.

UM ATENTADO AO FUTURO

A juventude, nas sociedades em transformação, “é inquieta, inconformada e rebelde”, como acentua o grande educador HÉLIO PONTES, no seu recente livro “Educação para o Desenvolvimento”. A Escola é o instrumento através do qual a velha cultura, superada pelo avanço da ciência e da técnica, procura abrir caminho na direção do futuro. Esse processo de atualização do conhecimento humano não é pacífico, do ponto de vista de sua aceitação pura e simples. Ele termina por se afirmar pelos entrechoques de tendências, uma que se apega obstinadamente ao passado, reagindo, com violência, a tudo o que parecer “demolidor” de antigos conceitos e pressupostos; outra, impulsionada pelo novo, forçando a adoção de fórmulas e experiências audazes, inspiradas nas profundas modificações científicas e culturais que o mundo moderno atravessa. “Esse processo de transmissão, colocando frente a frente duas gerações, uma adulta e já formada, outra jovem e em formação, não se realiza de maneira passiva. Os valores que o professor absorveu e sedimentou e que compõem seu universo de pensamento e ação, o jovem questiona, põe em dúvida e rejeita, muitas vezes. Daí a relação pedagógica processar-se em um sistema de pressão dos adultos e de resistência dos jovens”. (Ob. cit., pág. 32 e 33).

Nos últimos dez anos, a Escola de nível superior, no Brasil, perdeu as características de exclusividade das minorias privilegiadas socialmente. A “expansão das oportunidades educativas”, como a denominou ANÍSIO TEIXEIRA, alargou os horizontes das classes e camadas sociais até então marginalizadas das elites universitárias. As Universidades de hoje, se bem que ainda não apresentem o espetáculo da verdadeira democratização só ensino, atingindo o povo em suas mais ínfimas categorias sociais – refletem, contudo, em estado de absorção de valores da classe média, cada vez em maiores proporções.

Os jovens oriundos desses escalões da sociedade chegam à Universidade com a marca dos seus sofrimentos de origem, quase sempre impregnados de um ideal de ascensão social que os redima, e aos seus familiares, da sujeição econômica sob que viveram, até então.

A esse estado de espírito herdado de gerações e gerações de classes e camadas para as quais a cultura de nível superior era quase inacessível, associa-se a justa contaminação dos mais acentuados avanços do pensamento humano, em todos os setores da atividade, da sociologia à cibernéticas, da física nuclear à economia política. e, de permeio com as inovações e as seduções das leis que se recriam e dos conceitos que se modificam a cada instante, há o contraste com a realidade nacional, ainda carente de mudanças substanciais.

São os próprios órgãos de divulgação do atual governo brasileiro que informam, lamentavelmente, que um quinto do território brasileiro já está nas mãos de estrangeiros, o que significa um brutal atentado e uma grave ameaça às bases físicas da Pátria, que não é e nunca foi uma entidade abstrata, referida tão somente em comemorações cívicas.

Recentemente, a 12 de agosto corrente, os jornais de todo o Brasil noticiaram que o General Edmundo de Macedo Soares, Ministro da Indústria e do Comércio, havia reconhecido que 90% da população brasileira permanece marginalizada.

(...)

Em 1947, a dívida externa do Brasil era da ordem de 625 milhões de dólares ao estrangeiro. “Hoje – informa o economista João Pinheiro Neto, valendo-se de dados divulgados pelo Ministério do Planejamento e pelo Ministério da Fazenda – hoje, devemos quase 4 bilhões de dólares”.

Nos últimos 15 anos, o aumento do volume das exportações brasileiras se elevou em cinco vezes. Pois bem, nesse mesmo período o produto, em dinheiro, dessas exportações passou, apenas, de 1 bilhão e quinhentos milhões de dólares para 1 bilhão e seiscentos milhões de dólares! Isso prova que são os consórcios e grupos econômicos internacionais que influem no sentido de reduzir, cada vez mais, os níveis de preço das matérias-primas que vendemos ao exterior.

O minério de ferro do Brasil era vendido, em 1957, a 14 dólares a tonelada. Em 1968, esse mesmo minério – aliás um dos mais ricos, em seu teor, que se conhecem no mundo – passou a ser vendido a pouco mais de 7 dólares, quase se processando uma redução de cinquenta por cento no seu preço.

Segundo dados fornecidos pelo Ministério do Planejamento, “em cada grupo de 100 pessoas, no Brasil, apenas 32 trabalham para sustentar mais 68”. (v. “Jornal do Brasil”, edição de 18 de março de 1969).

Na IV Conferência Nacional de Educação, que se realizou em São Paulo, em fins de junho passado, a professora Nádia Franco da Cunha, do Ministério da Educação e Cultura, revelou que “em 1968 o índice de escolarização não atingiu 2,4% da população brasileira, compreendida na faixa de idade entre 10 a 24 anos”. Dos 3.956 municípios brasileiros, apenas 888 possuem estabelecimentos de ensino médio do 2º ciclo, ou seja, menos de 22% do total das nossas comunas. E somente 2% da nossa juventude têm acesso à Universidade, devendo-se recordar que, de acordo com os dados estatísticos do Recenseamento de 1960 (o último que se efetuou no Brasil), mais de cinquenta por cento da nossa população é composta de pessoas menores de 25 anos. Isso quer dizer, em números insofismáveis, que o Brasil é um país de jovens. E, apenas, 2% de toda a população frequentam Universidades!

A vida média, no Brasil, é de 54 anos. E 50% das crianças morrem antes de completar 5 anos de vida. Temos quase 30 milhões de analfabetos e menos de 180 mil universitários, situação que, em números proporcionais, é superada pelo México, Paraguai, Chile e Porto Rico, para não falar de nações mais desenvolvidas.

O “deficit” anual de médicos no Brasil é da ordem de 160 mil, de conformidade com revelações feitas pelo técnico Arnaldo Niskier, do governo brasileiro.

Para toda a Amazônia, compreendendo os Estados e Territórios de Rio Branco, Rondônia, Amapá, Pará, Amazonas e parte de Mato Grosso e cujo território é igual à metade do território brasileiro e a um vinte avos do território mundial, o número de médicos é de 35, apenas!

Em recentíssimo relatório apresentado ao Ministério da Saúde pela senhora Iolanda Costa e Silva, digna esposa do Presidente da República, a Legião Brasileira de Assistência revela que, de cada mil criancinhas que nascem, 112, em média, morrem antes de atingir o primeiro ano de idade. E morrem rigorosamente de fome, segundo dona Iolanda. O “deficit” de leitos nos hospitais infantis no país é de 21.200, ainda de acordo com as palavras da esposa do Presidente Costa e Silva.

Enquanto nos Estados Unidos – diz a presidente da LBA – os óbitos de 0 a 14 anos representam 3,3%, em nossa Pátria esse índice de mortalidade, para o mesmo período de idade, apresenta a elevada proporção de 17,9%.

Em São Paulo, o mais próspero Estado da nossa Federação, as Forças Armadas constataram, há pouco, que 60% dos rapazes que se apresentaram para a prestação do serviço militar, foram considerados incapazes fisicamente – diz o relatório da Legião Brasileira de Assistência.

Noventa por cento dos grandes laboratórios médico-farmacêuticos que operam no Brasil estão sob o controle acionário de poderosos trustes norte-americanos. Essa é uma verdade incontestável, reconhecida, igualmente, pelas autoridades sanitárias.

No setor das empresas nacionais, mais de mil e duzentas, nestes últimos cinco anos, passaram às mãos de patrões estrangeiros. Grandes órgãos da imprensa, da radiodifusão e da televisão acham-se sob o controle do grupo Times-Life. A nossa pernambucaníssima fábrica de Doce Marca Peixe, de tradicional família do município de Pesqueira, é, hoje, propriedade da Light, que, antes, operava somente no setor de eletricidade.

Esses fatos, doutos e honrados Julgadores, que desafiam a menor contestação, inquietam a juventude brasileira, que não encontra como discuti-los no circuito fechado da Arena, do emérito Senador Vitorino Freire, e do MDB, do conspícuo Senador F. Pessoa de Queiroz...

Não se pode exigir, a menos que se cometa um crime contra o futuro, que a mocidade estudiosa se restrinja aos estreitos limites dos seus estudos curriculares, aprendendo que 2 mais 2 são 4, que Tóquio é a capital do Japão, que a fórmula H2SO4 é a composição molecular do ácido sulfúrico, enquanto toda a Nação brasileira – incluindo civis, militares, sacerdotes, mulheres e jovens – se angustia ao peso desse drama lancilante!

A UNESCO revelou, certa vez, que o número de pesquisadores científicos, vivos no mundo de hoje, no mundo dos nossos dias, é maior do que todos os pesquisadores científicos que existiram nos últimos dois mil anos de nossa história.

Isso revela a participação maciça de homens de todas as idades no processo de desenvolvimento da cultura e do saber humanos. Essa participação não pode ser privilégio de alguns em detrimento da inteligência de todos.

O progresso do Brasil depende dos seus filhos. E dos filhos de todas as condições sociais – de batina, de blusão, de japona ou “macacão”. Não é crível que se pretenda isentar a mocidade dessa integração com os problemas gerais, tentando reduzi-la à condição de meros espectadores, tutelados, das imensas tragédias do presente e das enormes tarefas do futuro.

PERNAMBUCO, UMA TERRA À PARTE 

Em nenhum Estado do Brasil a juventude universitária vem sendo vítima de tantas pressões, como em Pernambuco. Diz-se-ia que há grupos interessados em jogá-los no desespero das atitudes radicais. Somos contra qualquer radicalismo, quer na extrema esquerda, quer na extrema direita. Assim como não compartilhamos com a chamada “esquerda festiva”, abominamos, de igual modo, a “direita sinistra”.

Mas nem tudo é radicalismo.

O caso da Universidade Federal Rural de Pernambuco, como o de outras Universidades locais, é produto, não dizemos da prevenção contra os moços, mas da incompreensão em relação aos moços.

Em comovente carta que nos dirigiu particularmente, e que fizemos constar dos autos, o acusado JOSÉ MOURA E FONTES diz dos seus motivos em não poder comparecer, para defender-se, perante essa Justiça Militar. Pelo que denunciou, pelas críticas que trouxe à baila, pela coragem de assumir atitudes – sua vida corre perigo, tanto como a do saudoso Padre Henrique, como a do brilhante engenheiro Cândido Pinto de Melo, um morto, em condições selváticas, outro inutilizado pela paralisia dos membros inferiores.

Não acusamos, nominalmente, ninguém por esses bárbaros atentados, porque não dispomos de provas. Tão somente por não dispormos de provas concretas. Mas é muita coincidência que aqueles dois jovens atingidos pela fúria de celerados, tenham sido, cada qual em seu setor de atividade, dos mais eficazes no combate à corrupção nas Universidades e na sociedade brasileira, porfiando por um Brasil melhor, de paz, de tolerância e de liberdade.

DOUTOS JULGADORES

Esse processo-crime contra um moço de pouco mais de vinte anos é um processo contra toda a juventude, simbolicamente. Tanto o meu constituinte, como o outro dito co-réu, eram dos melhores alunos da Universidade Rural de Pernambuco.

Já foram expulsos de suas Escolas, absurdamente. Estão em lugares incertos e não sabidos. Não os empurremos, mais ainda, para o desfiladeiro da desesperação. “Nunca usei palavras contra o pavilhão nacional, que, como brasileiro, tenho o dever de honrar” – diz JOSÉ MOURA E FONTES, na missiva apensa aos autos.

Entre o testemunho suspeito de um professor, que confunde versos de CASTRO ALVES com os de OLAVO BILAC (v. depoimento do prof. Cláudio Selva às fls. 26 dos autos...), fiquemos com a pureza da confissão do estudante, que reitera, dos esconderijos em que porventura se encontra: “Nunca usei palavras contra o pavilhão nacional, que, como brasileiro, tenho o dever de honrar”.

No âmago de sua solidão de perseguido da Justiça, se cair sobre si a maldição das penas, esse moço há de repetir, como aquele outro do ano de 1868, gênio mais do que ele, mas patriota e idealista de igual quilate, os versos que o prof. Cláudio Selva não soube decorar, nem lhes conhece a autoria:

“Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvesse rôto na batalha,
Que servirem a um povo de mortalha!”.

Fatalidade atroz que a mente esmaga!...
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga
omo um íris no pélago profundo!...
Mas é infâmia demais... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca esse pendão dos ares!...
Colombo! fecha a porta de teus mares!”

Recife,

Mércia de Albuquerque Ferreira – Advogada.

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