RAZÕES
DE DEFESA
“A escola de
um País em processo agudo de desenvolvimento, como a do Brasil
de nossos dias, deixa de ser entidade de tranquila transição da
cultura sedimentada, para constituir-se em um centro polêmico
da cultura de vanguarda. Ela não só se renova, como ainda irradia,
sobre a comunidade em que se integra uma consciência de transformação”.
(Hélio Pontes, “Educação para o Desenvolvimento”, 1969, pág. 35).
DA DENÚNCIA
Na denúncia que instrui a presente
ação penal movida contra o estudante JOSÉ MOURA E PONTES, da Escola
Superior de Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco,
o Ministério Público Militar incluiu fatos e pessoas, bem como
pretensos crimes, que não apresentam, entre si, a menor vinculação.
São dois os denunciados. A única circunstância que existe de comum
entre ambos é que são, os dois, alunos da Escola Superior de Veterinária.
Só e só. No mais, tanto os fatos apontados como delituosos, como
o tempo em que as infrações teriam sido cometidas, variam sensivelmente.
O estudante JOSÉ MOURA E PONTES é
submetido a processo, por exemplo, pelo fato de haver proferido,
segundo a Procuradoria Militar, “palavras ofensivas à dignidade
do Poder Constituído” na solenização do dia da Bandeira a 19 de
novembro do ano passado, no recinto da Escola; enquanto o outro
denunciado, VALMIR COSTA, também estudante, é incluído na peça
acusatória por haver, “no começo do ano letivo de 1968”, como
presidente do Diretório Acadêmico da Escola Superior de Veterinária,
“concitado o corpo discente daquela Escola a entrar em greve,
promovendo distribuição de panfletos subversivos, neste sentido,
em virtude da majoração da taxa de matrícula e do preço das refeições
cobradas no Restaurante Universitário”.
Pergunta-se: em que dispositivo de
lei ou em face de que norma de doutrina se inspirou o Ministério
Público Militar para ajuntar os dois estudantes numa mesma denúncia,
quando as circunstâncias de tempo e lugar, bem como os próprios
fatos, em se mesmos, não oferecem a menor identidade, o mais leve
ou longínquo nexo causal?
Somente se admite o agrupamento de
dois ou mais agentes numa mesma peça acusatória quando se trata
de crimes por co-autoria, que é, segundo BASILEU GARCIA, “a ciente
e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma infração
penal”. (“Instituições de Direito Penal”, vol. II, pág. 356).
Se os crimes não se comunicam, por
suas circunstâncias; se os agentes são diversificados; se o tempo
e o lugar da infração ou infrações não são iguais, como, pois,
cogitar-se de incluir, numa só denúncia, tantas disparidades?
Observe-se que, para BASILEU GARCIA,
como para outros mestres e criminalistas, como ANÍBAL BRUNO, a
co-autoria só se consuma, do ponto de vista de sua conceituação,
quando há um só crime – cometido por mais de uma pessoa.
No caso da denúncia, cada indiciado
responde por uma infração diferente: JOSÉ MOURA E FONTES pelo
que se contém no Art. 33, inciso III, Art. 38 e 39, inciso I,
da Lei de Segurança Nacional; VALMIR COSTA, incluso no Art. 39,
incisos I, IV e V, combinados com o parágrafo único do mesmo artigo,
também da Lei de Segurança Nacional.
O crime de VALMIR COSTA teria sido
cometido “no começo do ano letivo de 1968”; o de JOSÉ MOURA E
FONTES, no dia 19 de novembro do mesmo ano.
Nenhum pressuposto de cooperação
ou de interação poderia ligar uma infração a outra; tampouco se
vislumbraria qualquer relação de causalidade entre ambos.
Segundo o nosso Código Penal Brasileiro,
Art. 11, “o resultado, de que depende a existência do crime, somente
é imputável a quem lhe deu causa”.
A Procuradoria Militar, ao descrever
tanto o pretenso crime de JOSÉ MOURA E FONTES, como o atribuído
a VALMIR COSTA, não sublinha nem caracteriza nenhuma modalidade
de comparticipação, deixando claro que cada réu praticou delito
autônomo. Nem menciona nenhuma forma de comunicação de circunstâncias,
entre um crime e outro. Os fatos, de cada indiciado, são referidos
independentemente, em capítulos separados, sem concordância ou
correlação entre si. A própria capitulação dos delitos é diversa
para cada agente, o que acentua, mais ainda, o caráter intransferível
de cada infração.
– Por que, então, reunir, numa só
peça acusatória crimes e agentes tão díspares?
O princípio da INDIVISIBILIDADE DA
AÇÃO PENAL, recomendado pelo Código de Processo Penal no seu Art.
48, que expressa, aliás, uma norma inescusável de Direito, pressupõe
a existência de co-autoria, de concurso de agentes. É o próprio
Art. 48, acima citado, que esclarece essa condição, ao estatuir:
“A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo
de todos”.
Trata-se, pois, de um crime só, levado
a efeito por mais de dois agentes, é dever do Ministério Público
unificar a ação penal, denunciando-os a todos na mesma peça incriminatória.
A isso é que se chama de ECONOMIA PROCESSUAL, que também se opera,
ao capítulo da competência, havendo conexão de infrações ou continência
de causas.
Mas tanto a conexão como a continência
supõem concurso, não de crimes, mas de jurisdições.
No caso dos autos, o juízo é o mesmo
para apreciar os pretensos delitos de ambos os réus. E sendo diferentes
os seus delitos, inclusive por circunstâncias de pessoas, tempo
e lugar, JAMAIS se poderia invocar o princípio da economia processual
ou da indivisibilidade da ação penal com o fito de unificar numa
só denúncia duas infrações absolutamente diversas: uma, cometida
“no começo do ano letivo de 1968” e outra, no dia 19 de novembro
do mesmo ano. Uma, em virtude de “incitamento a greves”; outra,
“por palavras ofensivas à dignidade do Poder Constituído”.
O estudante VALMIR COSTA figura na
denúncia, na qualidade de presidente do Diretório Acadêmico de
Veterinária, por atividades consideradas ilícitas em sua gestão
de líder do grêmio estudantil da Escola; enquanto JOSÉ MOURA E
FONTES é nela incluído em face de proferir expressões tidas como
ofensivas quando dos festejos do Dia da Bandeira, numa solenidade
a que compareceu e durante a qual lhe deram a palavra, como representante
do corpo discente.
Estabelecer nexo entre as duas ações,
em circunstâncias de tempo e de lugar tão distantes; tentar fixar
relações de causalidade entre uma e outra – é forçar demais a
interpretação do texto legal e levar às últimas consequências
o princípio da economia processual, que não admite tamanhos elastérios.
O CRIME, SEGUNDO A DENÚNCIA
Em seu requisitório, a Procuradoria
Militar inculpa o estudante JOSÉ MOURA E FONTES de haver proferido
um discurso subversivo no Dia da Bandeira. Valendo-se do depoimento
de professores suspeitíssimos, acusados de “corruptos” pela quase
unanimidade dos estudantes da Rural, como veremos adiante, o órgão
do Ministério Público atribui ao nosso constituinte a autoria
de frases tais como “Assassino de estudantes”, “Governo de opressores”,
“Bandeira que não merece ser saudada”, “Antes tivesse sido roto
no campo de batalha, que servir a um povo de mortalha”.
Ouvido nesse Juízo, como testemunha
de acusação, o professor Cláudio Martiniano Ferreira Selva reiterou
incriminações anteriores segundo as quais o estudante JOSÉ MOURA
E PONTES proferira ofensas à Bandeira e às autoridades constituídas,
no dia 19 de novembro de 1968, além de atribuir-lhe a autoria
de cartazes ditos subversivos, no âmbito da Universidade Rural.
Já o professor Anísio Ferreira Davis,
que também é general da reserva do Exército, negando conhecer
qualquer atividade ilegal do outro acusado, o estudante VALMIR
COSTA, diz em seu depoimento perante essa Auditoria que compareceu
à solenidade do Dia da Bandeira e “ouviu quando o acusado José
Moura e Fontes disse as seguintes expressões ‘que os estudantes
não podiam naquele momento prestar uma homenagem ao governo porque
ela estava entregue a um governo de opressão e que somente quando
ele estivesse nas mãos do povo, merecia uma saudação estudantil”,
expressões estas, como se vêem, muito diferentes das contidas
tanto no corpo da denúncia, como no depoimento do professor Selva.
Se bem que envolvendo certas críticas ao governo, mas não a ponto
de pregar a luta por sua derrubada ou incitar os alunos a greves
ou movimentos semelhantes, as palavras do acusado não ofenderam
a Bandeira Nacional, no sentido de amesquinhá-la ou denegri-la.
À sua vez, o professor Sílvio Camerino
Paes Marreto, às fls. 153 dos autos, diz que ouviu comentários
sobre o discurso do acusado naquela solenidade, como tendo ele
dita as seguintes expressões: “antes tivesse sido rota no campo
da batalha, que servir a um povo de mortalha”. E nada disse sobre
ataques ao governo e às instituições.
É de toda importância, nesse processo-crime,
que se recorde haver o estudante JOSÉ MOURA E FONTES respondido
a inquérito administrativo na Escola Superior de Veterinária,
mediante representação do diretor, sobre os fatos aqui aludidos.
A ata circunstanciada de tudo quanto ocorreu nesse inquérito,
consta dos autos do presente processo, das fls. 52 às fls. 62.
E os acontecimentos ocorridos no Dia da Bandeira, naquela ocasião,
não representaram a mínima importância, tanto assim é que a Congregação
da Escola, por sete votos contra dois (entre estes o próprio diretor-denunciante)
ABSOLVEU o estudante JOSÉ MOURA E FONTES da acusação de haver
proferido palavras injuriosas ao pavilhão nacional ou às autoridades
do governo.
Em sua grande maioria, os membros
da Congregação da Escola isentaram o estudante JOSÉ MOURA E FONTES
da acusação de haver injuriado a Bandeira Nacional. À leitura
da ata dos trabalhos da Congregação, durante os quais o incidente
do Dia da Bandeira foi profundamente debatido, verifica-se que
o discurso do acusado não teve a gravidade que se quer dar no
presente processo. Tanto é assim que, contra apenas dois votos,
sendo um do próprio denunciante, a Congregação deliberou, segundo
a ata (pág. 61 dos autos) não aplicar nenhuma penalidade ao estudante
autor do mencionado discurso.
Meses depois, reabre-se a questão,
dessa vez na área da Justiça Militar, por iniciativa do mesmo
professor Cláudio Selva, contra cujo testemunho se ergueu a quase
totalidade dos membros do Conselho Universitário da Universidade
Federal Rural de Pernambuco, que havia rechaçado a tentativa de
enquadrar o estudante nas penas da lei.
Quando o assunto foi ventilado no
seio do Conselho Universitário Rural, o incidente do dia da Bandeira
ficou reduzido às suas mínimas proporções, chegando o professor
Luiz Geraldo de Araújo, organizador das festividades, a declarar
que a solenidade do dia 19 de novembro na Universidade Rural “foi
linda e de profunda emoção cívica” e que a oração do estudante
JOSÉ MOURA E FONTES, apesar de conter algumas críticas ao governo,
“não chegou a prejudicar o brilho da solenidade”. “Ata, pág. 61
dos autos).
Também foi dito, na mesma ocasião,
que o Prof. Eudes de Souza Leão Pinto, ex-Secretário de Agricultura
do Estado de Pernambuco, parabenizou o referido estudante “pela
sensatez de seu pronunciamento”. “Idem, pág. 58). Quem conhece
o Prof. Eudes de Souza Leão Pinto sabe muito bem de suas arraigadas
convicções anti-esquerdistas, de que, Aliás, nunca fez segredo.
Tendo sido, pois, consideradas irrelevantes
as palavras do acusado para a aplicação de qualquer tipo de pena
disciplinar, como é que, agora, pelos mesmos fatos, ou seja, pelas
mesmas palavras, ele é submetido a processo-crime na Justiça Militar,
para cumprimento de pena carcerária?
UM EPISÓDIO HISTÓRICO
Nos fins do século passado, estudava
na Faculdade de Direito do Recife um jovem baiano de pouco mais
de vinte anos de idade. O “Ginásio Literário”, que era, por assim
dizer, o Diretório Acadêmico dos alunos da Escola, organizou uma
grande festa cívica para comemorar o transcurso do dia 7 de Setembro,
data de nossa independência política, transcorria o ano de 1868.
À solenidade estavam presentes além de estudantes e professores
famosos da Faculdade, representantes do governo, do clero e das
forças armadas. Entre os estudantes, filhos de outros Estados,
lá estavam Rui Barbosa e Fagundes Varela, atraídos pelo renome
da nossa velha Escola de Direito. Testemunhas do fato eram, também,
Tobias Barreto, Vitoriano Palhares e tantos e tantos outros intelectuais
da nova geração, uns de Pernambuco, outros apenas residindo no
Recife, enquanto se preparavam para receber, um dia, o “canudo
de bacharel”.
Nessa época, o governo brasileiro
permitia, criminosamente, o tráfego de escravos negros, vindos
da África nos imundos porões de veleiros. A maioria dessas pobres
criaturas não chegava ao seu destino. As moléstias infecciosas,
os maus tratos, a fome, a nostalgia da terra do seu berço – reduziam
de muito as “encomendas” mandadas fazer em tribos africanas pelos
escravocratas e latifundiários brasileiros, com a cumplicidade
do Império. Nos porões inóspitos, infectos, anti-humanos, milhares
e milhares de negros, homens, mulheres e crianças, conheciam a
morte, antes de pisar o solo brasiliense.
Os salões da Faculdade de Direito
acolhiam o que havia de melhor na sociedade de então, para comemorar
o Dia da Independência, desconhecendo-se o drama lancinante dos
“navios negreiros” – nódoa de sangue e de lágrimas no colorido
da festividade patriótica.
Grandes oradores se fizeram ouvir,
no enaltecimento aos feitos e às glórias do movimento emancipador.
De repente, sobe à tribuna, depois
de haver falado o grande tribuno Joaquim Nabuco, o jovem baiano.
A assistência fez silêncio. Rosto pálido, alto para a sua idade,
quase imberbe, cabeleira farta e negra, como as dos moços de hoje,
“belo como um Deus”, segundo o depoimento de uma testemunha ocular,
o estudante baiano tira do bolso do jaleco inglês, com que habitualmente
se vestia, laudas e laudas de papel manuscrito, e declama, com
aquele timbre de voz que empolgava as multidões do tempo. E passava
a cantar, em versos que se tornaram imortais, a tragédia dos escravos
nos “navios negreiros”, perante uma assembléia, em sua grande
maioria, composta de senhores-de-engenho, conservadores e exploradores
do suor e do trabalho humano:
“Existe um povo que a bandeira empresta
Para cobrir tanta infâmia e covardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de Bacante fria!...
Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio! Musa! Chora, chora tanto,
Que o pavilhão se lave no teu pranto!”.
Rui Barbosa, também estudante, diria
depois, numa página de memória, sobre a pessoa e os versos daquele
conterrâneo seu, perdido nas lutas do amor e da liberdade, nas
ruas do Recife: “O mais íntimo de sua alma, impetuosamente apaixonada
pela verdade, pelo belo, pelo bem, comunicou sempre com as alturas
alpinas o seu gênio por um jato contínuo dessa lava sagrada, que
fazia dos seus lábios uma cratera incendiada em sentimentos sublimes"”
longos momentos viveu a platéia diante
do poema, a cada estrofe reagindo segundo suas convicções. A beleza
da forma, o equilíbrio dos versos, daqueles versos condoreiros
da mais pura criação artística, terminaram por dominar os circunstantes,
pela verdade irrespondível de suas denúncias e imprecações.
E o cruel sofrimento do escravo impregnava
de ardor o verdadeiro patriotismo do jovem baiano, de pouco mais
de vinte primaveras, nos versos finais do seu recitativo:
“Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvesse rôto na batalha,
Que servirem a um povo de mortalha!”.
Esse moço baiano não era outro senão
ANTÔNIO FREDERICO DE CASTRO ALVES, de quem se disse que, “se o
sol soubesse a hora em que ele ia nascer, teria esperado para
nascerem juntos”.
A HISTÓRIA SE REPETE
Das Universidade que funcionam no
Estado de Pernambuco, a Universidade Federal Rural de Pernambuco
é das mais atingidas pela crítica da imprensa e dos alunos pelos
desatinos que ali se vêm praticando há longos anos. Viagens a
outros Estados do país e ao estrangeiro regiamente pagas a determinados
professores; paralização à falta de verbas, desviadas para outros
fins; professor que se deslocou para o sul do Brasil, a pretexto
de “excursão científica”, levando consigo esposa e filha, utilizando
a caminhonete Rural Willys placa n.º 22734, pertencente à Universidade,
e dirigida por motorista dos quadros funcionais da Repartição,
apesar de receber, o citado professor, a gorda quantia de NCr.$
867,79 (oitocentos e sessenta e sete cruzeiros novos e setenta
e cinco centavos) a título de ajuda de custo, enquanto, por sua
vez, o motorista recebera NCr.$ 501,65 (quinhentos e um cruzeiros
novos e sessenta e cinco centavos), conforme consta do processo
n.º 2708/67; outro professor que, sob o mesmo pretexto, recebia
dos cofres da Universidade a quantia de NCr.$ 477,61 (quatrocentos
e setenta e sete cruzeiros novos e sessenta e um centavos), conforme
processo n.º 2745/67; outro, ainda, que, viajando “cientificamente”
para a França, Holanda, Alemanha e Inglaterra, recebia, de mãos
beijadas, a pingue importância de NCr.$ 6.390,00 (seis mil trezentos
e noventa cruzeiros novos), conforme processo n.º 2586/67; ausência
de auxílios, de pouca monta, a estudantes, para estágios em escolas
de agronomia e veterinária do país, “por falta de verbas”; fechamento
de restaurantes na Universidade, forçando os alunos a cotas e
“vaquinhas”, no sentido de que as suas refeições fossem preparadas
pelas lavadeiras do conjunto residencial da Universidade; professor
que, em simples polêmica com estudantes, sacou de arma de fogo
e atirou sobre os mesmos, impunemente; criação de cargos para
funcionários “inexistentes”, através da Ordem de Serviço n.º 48/66,
de 1º de abril do mesmo ano, conforme ficou apurado em processo
administrativo; cobrança irregular de taxas, sem prévia autorização
dos órgãos competentes, de acordo com denúncia feita no Conselho
de Curadores nos dias 30 de novembro e 19 de dezembro de 1966
e 1967, respectivamente, constando ditas denúncias das competentes
atas de sessão; “engavetamento”, pela direção da Universidade,
de processos, como os de números 2908/67, 2905/67 e 2235/67, nos
quais se revelam graves irregularidades ocorridas na Universidade;
emissão de cheques sem fundo por determinados professores e ações
de cobrança executiva, feitas judicialmente, contra outros, por
falta de pagamento de dívida líquida e certa; fechamento inexplicável
da Escola Agro-técnica de São Lourenço da Mata, com incalculáveis
prejuízos ao aprendizado dos alunos; retardamento de reinício
de aulas por conveniência de alguns professores; dupla remuneração,
a título de “ajuda de custo”, aos diretores que participaram da
VII Reunião da Associação das Escolas de Agronomia e Veterinária
do Brasil, realizada em Belo Horizonte, uma remuneração paga pela
Universidade, outra desembolsada pelo Escritório Técnico de Agricultura
(ETA); desvio de material do patrimônio da Universidade, no período
compreendido entre dezembro de 1966 a janeiro de 1967, pelo ex-prefeito
da UFRu de Pernambuco, Ádison Viana da Silva, conforme denúncia
do funcionário Antônio Pedro da Silva; recebimento de 35 diárias,
além dos vencimentos do mês, a um determinado professor da Escola
Superior de Agricultura, para que participasse de uma reunião
da Sociedade Botânica do Brasil, em julho de 1966, havendo o dito
professor deixado a cidade do Recife no dia 21 de janeiro e regressado
no dia 2 de fevereiro (vôos nºs. 713 e 710), consumindo, assim,
13 dias de excursão, mas não devolvendo aos cofres da Universidade
os 12 dias restantes – só o fazendo SEIS MESES DEPOIS, em face
de reiteradas denúncias do representante dos universitários no
Conselho de Curadores; descontos de contribuições previdenciárias
de empregados da Universidade, em regime de CLT, sem a devida
entrega das mesmas contribuições ao respectivo Instituto, conforme
se provou no processo n.º 3460/67, sendo relator o prof. Pedro
Corrêa de Oliveira; falta de aulas práticas, durante todo o ano
letivo, por professores obrigados por lei a ministrá-las; deficiência
ou ausência completa de alimentação ou ração a animais de raça
regiamente comprados no sul do país para o parque de animais da
Escola de Veterinária, o que provocou a morte de muitos deles;
inadequado pagamento, pelos cofres públicos, do regime de “tempo
integral” aos professores, sem cumprimento da parte deles do exigido
pelos regulamentos oficiais; punição de suspensão, por oito dias,
das atividades escolares, além de prisão pela Polícia Civil, de
um estudante que, como membro do Conselho de Curadores, teve a
coragem e o desassombro de denunciar tantas irregularidades; indiciamento,
como “subversivos” e expulsões, por três anos, da Universidade,
de dezenas de alunos cujos crimes eram o de trazer a público as
mazelas administrativas, cumprindo seu dever de cidadãos e de
patriotas – EIS O QUADRO MORAL EM QUE SE DEBATE, DESDE LONGOS
ANOS, A UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO, de cujo seio,
até hoje, somente foram expulsos jovens alunos, verdadeiros “bodes-expiatórios”
de tantos desatinos e imoralidades!
No dia 19 de novembro de 1968, consagrado
ao culto da Bandeira Nacional, reuniram-se professores, estudantes
e funcionários da Universidade para assinalar a passagem do acontecimento
cívico. Tal como o nome de Deus, o símbolo da Pátria tem servido,
nestas horas, para acobertar a esperteza dos oportunistas que,
em horas difíceis, de definições de idéias e de caráter, se colocam
“em cima do muro” – para usarmos de uma gíria muito própria da
época – à espera de que os acontecimentos se tornem mais claros,
a fim de, então, expressarem seus pontos de vista. Esses arrivistas
formam o grande bloco do “Viva quem venceu!”, na carnavalesca
existência das simulações e dos engodos.
Seríamos injustas e faltaríamos à
verdade se bitolássemos todos os professores da Universidade Federal
Rural de Pernambuco pelo estofo de meia dúzia de aproveitadores,
cujos êxitos, na carreira do Magistério, está na razão direta
de suas curvaturas e rapa-pés. Não! Ali, como em outras agremiações
de ensino, se encontram verdadeiros Mestres, na mais lídima acepção
da palavra, dedicados e honestos no trabalho anônimo de formar
gerações de especialistas.
Mas a Bandeira Nacional acobertava
todos, naquele dia de ardor patriótico.
Muitos usaram da palavra para decantá-la,
entoando louvores às autoridades presentes e ao governo. Somente
Deus, no íntimo do seu julgamento, poderia avaliar a sinceridade
dos oradores, seus propósitos e suas intenções.
Foi quando JOSÉ MOURA E FONTES, presidente
do Diretório Central dos Estudantes, foi convidado a fazer uso
da palavra. Seu verbo teria de expressar os sentimentos da coletividade
estudantil, os anseios da juventude, os ideais e os sonhos de
quantos batalham pelo progresso da pátria, por sua liberdade e
pelo seu florescimento material.
– Que disse o acusado, naquele instante?
A ata da sessão do Conselho Universitário,
às fls. 52 a 62 dos autos do processo, reproduz algumas de suas
expressões.
Disse o acusado que a mocidade de
hoje não se sentia muito à vontade para saudar a Bandeira Brasileira,
quando se lembrava que, poucas semanas antes, o Pavilhão Nacional
servira de mortalha ao corpo inanimado do estudante José Edson,
morto pela polícia Militar da Guanabara. Disse mais que esperava
ver a Bandeira de nossa Pátria nas mãos de todo o povo brasileiro,
e não na de meia dúzia de privilegiados, para cobertura de seus
desmandos – numa alusão direta, corajosa e consciente aos que
dirigem a Universidade Rural, insensíveis às críticas e denúncias
da mocidade estudiosa. Disse, ainda, que a Bandeira Brasileira
devia ser, na verdade, “o símbolo da unidade nacional e da luta
de todos pelo progresso, pela paz e pela liberdade”.
E concluiu sua oração, recitando,
como há cem anos, exatamente, em 1968, fê-lo o inolvidável CASTRO
ALVES, na reunião do “Ginásio Literário” da velha Faculdade de
Direito do Recife, naquele 7 de Setembro de opróbrio e negra escravidão:
“Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança,
ANTES TE HOUVESSE RÔTO NA BATALHA,
QUE SERVIREM A UM POVO DE MORTALHA!”
Aos que, intencionalmente, viram
no discurso do acusado qualquer delito contra as autoridades e
ao governo, JOSÉ MOURA E FONTES poderia ter respondido com estes
versos do mesmo CASTRO ALVES:
“Crime! Quem te falou, pobre Maria,
Desta olpalavra
estúpida?... Descansa!
Foram eles talvez! É zombaria...
Escarnecem de ti, pobre criança!”
FALTA DE JUSTA CAUSA
Tanto porque os fatos narrados na
denúncia do digno Procurador Militar já haviam sido objeto de
investigação, em inquérito administrativo, realizado pela própria
Universidade, e cujas conclusões optaram pela irrelevância do
incidente, absolvendo-se o acusado por SETE VOTOS CONTRA DOIS,
sendo que, entre os DOIS, se encontrava o voto do próprio diretor-denunciante,
que, a rigor, não deveria participar do escrutínio; tanto porque,
da peça acusatória, nesse processo-crime, os fatos descritos não
apresentam nenhum incitamento à luta contra o governo, à indisciplina
ou à chamada “subversão da ordem”, chegando o ilustrado membro
do Ministério Público a atribuir ao acusado palavras que não são
de sua autoria, mas constituem versos imortais de CASTRO ALVES
– é de reconhecer-se a absoluta FALTA DE JUSTA CAUSA para o procedimento
penal.
Em seu requisitório, a Procuradoria
Militar enquadra o acusado nos Arts. 33, inciso III, 38 e 39,
inciso I, do Decreto-lei n.º 510, de 20 de março de 1969, que
alterou a Lei de Segurança Nacional.
A Art. 33, inciso III, configura
o delito de Animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas
e as classes sociais ou as instituições sociais”.
O Art. 38, invocado pelo Ministério
Público, prevê o crime de “destruir ou ultrajar a Bandeira, emblemas
ou símbolos nacionais, quando expostos em lugar público”.
Por sua vez, o Art. 39, inciso I,
fala do delito de “utilização de quaisquer meios de comunicação
social, tais como jornais, revistas, periódicos, livros, boletins,
panfletos, rádio, televisão, cinema, teatro e congêneres, como
veículos de propaganda da guerra psicológica adversa ou de guerra
revolucionária”.
Nenhum de tais dispositivos penais
foi, na verdade, infringido pelo acusado. Seu discurso, no Dia
da Bandeira, não a ultrajou, muito menos a destruiu, ainda que
simbolicamente. Nenhuma palavra foi dita pelo acusado, em sua
oração cívica, para inimizar as Forças Armadas, entre si, ou elas
com a sociedade brasileira ou as suas classes integrantes.
Quanto à distribuição de jornais
e panfletos, nenhuma testemunha o incrimina de tê-lo visto distribuir
no recinto da Universidade. O que há, sobre o assunto, são meras
suposições e conjunturas, sobre as quais não se pode formar um
juízo condenatório.
A respeito dos precedentes do acusado,
falam eloquentemente os documentos apensos pela Defesa aos autos.
São testemunhos de professores, de diretores de Colégio, de comerciantes,
de funcionários públicos, de proprietários, de dirigentes de entidades
sociais – todos comprovando a boa conduta e a dignidade do estudante
JOSÉ MOURA E FONTES. Sacerdotes depõem em seu favor, como antigos
mestres, em educandários de ensono médio. É todo um acervo que
representa, num conjunto indivisível, um patrimônio moral indiscutível.
A isso se junta o seu currículo escolar,
dos melhores da Escola Superior de Veterinária, que honrou com
a sua dedicação ao estudo, antes de ser expulso pela diretoria,
através de ato divergente dos textos leis.
No Colégio Carneiro Leão, no Ginásio
de Limoeiro, no Colégio Padre Félix e em tantos outros estabelecimentos
de ensino, sua conduta moral e cívica foi ilibada, exceção feita
à Escola Superior de Veterinária, quando passou a denunciar as
graves irregularidades ali existentes.
UM ATENTADO AO FUTURO
A juventude, nas sociedades em transformação,
“é inquieta, inconformada e rebelde”, como acentua o grande educador
HÉLIO PONTES, no seu recente livro “Educação para o Desenvolvimento”.
A Escola é o instrumento através do qual a velha cultura, superada
pelo avanço da ciência e da técnica, procura abrir caminho na
direção do futuro. Esse processo de atualização do conhecimento
humano não é pacífico, do ponto de vista de sua aceitação pura
e simples. Ele termina por se afirmar pelos entrechoques de tendências,
uma que se apega obstinadamente ao passado, reagindo, com violência,
a tudo o que parecer “demolidor” de antigos conceitos e pressupostos;
outra, impulsionada pelo novo, forçando a adoção de fórmulas e
experiências audazes, inspiradas nas profundas modificações científicas
e culturais que o mundo moderno atravessa. “Esse processo de transmissão,
colocando frente a frente duas gerações, uma adulta e já formada,
outra jovem e em formação, não se realiza de maneira passiva.
Os valores que o professor absorveu e sedimentou e que compõem
seu universo de pensamento e ação, o jovem questiona, põe em dúvida
e rejeita, muitas vezes. Daí a relação pedagógica processar-se
em um sistema de pressão dos adultos e de resistência dos jovens”.
(Ob. cit., pág. 32 e 33).
Nos últimos dez anos, a Escola de
nível superior, no Brasil, perdeu as características de exclusividade
das minorias privilegiadas socialmente. A “expansão das oportunidades
educativas”, como a denominou ANÍSIO TEIXEIRA, alargou os horizontes
das classes e camadas sociais até então marginalizadas das elites
universitárias. As Universidades de hoje, se bem que ainda não
apresentem o espetáculo da verdadeira democratização só ensino,
atingindo o povo em suas mais ínfimas categorias sociais – refletem,
contudo, em estado de absorção de valores da classe média, cada
vez em maiores proporções.
Os jovens oriundos desses escalões
da sociedade chegam à Universidade com a marca dos seus sofrimentos
de origem, quase sempre impregnados de um ideal de ascensão social
que os redima, e aos seus familiares, da sujeição econômica sob
que viveram, até então.
A esse estado de espírito herdado
de gerações e gerações de classes e camadas para as quais a cultura
de nível superior era quase inacessível, associa-se a justa contaminação
dos mais acentuados avanços do pensamento humano, em todos os
setores da atividade, da sociologia à cibernéticas, da física
nuclear à economia política. e, de permeio com as inovações e
as seduções das leis que se recriam e dos conceitos que se modificam
a cada instante, há o contraste com a realidade nacional, ainda
carente de mudanças substanciais.
São os próprios órgãos de divulgação
do atual governo brasileiro que informam, lamentavelmente, que
um quinto do território brasileiro já está nas mãos de estrangeiros,
o que significa um brutal atentado e uma grave ameaça às bases
físicas da Pátria, que não é e nunca foi uma entidade abstrata,
referida tão somente em comemorações cívicas.
Recentemente, a 12 de agosto corrente,
os jornais de todo o Brasil noticiaram que o General Edmundo de
Macedo Soares, Ministro da Indústria e do Comércio, havia reconhecido
que 90% da população brasileira permanece marginalizada.
(...)
Em 1947, a dívida externa do Brasil
era da ordem de 625 milhões de dólares ao estrangeiro. “Hoje –
informa o economista João Pinheiro Neto, valendo-se de dados divulgados
pelo Ministério do Planejamento e pelo Ministério da Fazenda –
hoje, devemos quase 4 bilhões de dólares”.
Nos últimos 15 anos, o aumento do
volume das exportações brasileiras se elevou em cinco vezes. Pois
bem, nesse mesmo período o produto, em dinheiro, dessas exportações
passou, apenas, de 1 bilhão e quinhentos milhões de dólares para
1 bilhão e seiscentos milhões de dólares! Isso prova que são os
consórcios e grupos econômicos internacionais que influem no sentido
de reduzir, cada vez mais, os níveis de preço das matérias-primas
que vendemos ao exterior.
O minério de ferro do Brasil era
vendido, em 1957, a 14 dólares a tonelada. Em 1968, esse mesmo
minério – aliás um dos mais ricos, em seu teor, que se conhecem
no mundo – passou a ser vendido a pouco mais de 7 dólares, quase
se processando uma redução de cinquenta por cento no seu preço.
Segundo dados fornecidos pelo Ministério
do Planejamento, “em cada grupo de 100 pessoas, no Brasil, apenas
32 trabalham para sustentar mais 68”. (v. “Jornal do Brasil”,
edição de 18 de março de 1969).
Na IV Conferência Nacional de Educação,
que se realizou em São Paulo, em fins de junho passado, a professora
Nádia Franco da Cunha, do Ministério da Educação e Cultura, revelou
que “em 1968 o índice de escolarização não atingiu 2,4% da população
brasileira, compreendida na faixa de idade entre 10 a 24 anos”.
Dos 3.956 municípios brasileiros, apenas 888 possuem estabelecimentos
de ensino médio do 2º ciclo, ou seja, menos de 22% do total das
nossas comunas. E somente 2% da nossa juventude têm acesso à Universidade,
devendo-se recordar que, de acordo com os dados estatísticos do
Recenseamento de 1960 (o último que se efetuou no Brasil), mais
de cinquenta por cento da nossa população é composta de pessoas
menores de 25 anos. Isso quer dizer, em números insofismáveis,
que o Brasil é um país de jovens. E, apenas, 2% de toda a população
frequentam Universidades!
A vida média, no Brasil, é de 54
anos. E 50% das crianças morrem antes de completar 5 anos de vida.
Temos quase 30 milhões de analfabetos e menos de 180 mil universitários,
situação que, em números proporcionais, é superada pelo México,
Paraguai, Chile e Porto Rico, para não falar de nações mais desenvolvidas.
O “deficit” anual de médicos no Brasil
é da ordem de 160 mil, de conformidade com revelações feitas pelo
técnico Arnaldo Niskier, do governo brasileiro.
Para toda a Amazônia, compreendendo
os Estados e Territórios de Rio Branco, Rondônia, Amapá, Pará,
Amazonas e parte de Mato Grosso e cujo território é igual à metade
do território brasileiro e a um vinte avos do território mundial,
o número de médicos é de 35, apenas!
Em recentíssimo relatório apresentado
ao Ministério da Saúde pela senhora Iolanda Costa e Silva, digna
esposa do Presidente da República, a Legião Brasileira de Assistência
revela que, de cada mil criancinhas que nascem, 112, em média,
morrem antes de atingir o primeiro ano de idade. E morrem rigorosamente
de fome, segundo dona Iolanda. O “deficit” de leitos nos hospitais
infantis no país é de 21.200, ainda de acordo com as palavras
da esposa do Presidente Costa e Silva.
Enquanto nos Estados Unidos – diz
a presidente da LBA – os óbitos de 0 a 14 anos representam 3,3%,
em nossa Pátria esse índice de mortalidade, para o mesmo período
de idade, apresenta a elevada proporção de 17,9%.
Em São Paulo, o mais próspero Estado
da nossa Federação, as Forças Armadas constataram, há pouco, que
60% dos rapazes que se apresentaram para a prestação do serviço
militar, foram considerados incapazes fisicamente – diz o relatório
da Legião Brasileira de Assistência.
Noventa por cento dos grandes laboratórios
médico-farmacêuticos que operam no Brasil estão sob o controle
acionário de poderosos trustes norte-americanos. Essa é uma verdade
incontestável, reconhecida, igualmente, pelas autoridades sanitárias.
No setor das empresas nacionais,
mais de mil e duzentas, nestes últimos cinco anos, passaram às
mãos de patrões estrangeiros. Grandes órgãos da imprensa, da radiodifusão
e da televisão acham-se sob o controle do grupo Times-Life. A
nossa pernambucaníssima fábrica de Doce Marca Peixe, de tradicional
família do município de Pesqueira, é, hoje, propriedade da Light,
que, antes, operava somente no setor de eletricidade.
Esses fatos, doutos e honrados Julgadores,
que desafiam a menor contestação, inquietam a juventude brasileira,
que não encontra como discuti-los no circuito fechado da Arena,
do emérito Senador Vitorino Freire, e do MDB, do conspícuo Senador
F. Pessoa de Queiroz...
Não se pode exigir, a menos que se
cometa um crime contra o futuro, que a mocidade estudiosa se restrinja
aos estreitos limites dos seus estudos curriculares, aprendendo
que 2 mais 2 são 4, que Tóquio é a capital do Japão, que a fórmula
H2SO4 é a composição molecular do ácido
sulfúrico, enquanto toda a Nação brasileira – incluindo civis,
militares, sacerdotes, mulheres e jovens – se angustia ao peso
desse drama lancilante!
A UNESCO revelou, certa vez, que
o número de pesquisadores científicos, vivos no mundo de hoje,
no mundo dos nossos dias, é maior do que todos os pesquisadores
científicos que existiram nos últimos dois mil anos de nossa história.
Isso revela a participação maciça
de homens de todas as idades no processo de desenvolvimento da
cultura e do saber humanos. Essa participação não pode ser privilégio
de alguns em detrimento da inteligência de todos.
O progresso do Brasil depende dos
seus filhos. E dos filhos de todas as condições sociais – de batina,
de blusão, de japona ou “macacão”. Não é crível que se pretenda
isentar a mocidade dessa integração com os problemas gerais, tentando
reduzi-la à condição de meros espectadores, tutelados, das imensas
tragédias do presente e das enormes tarefas do futuro.
PERNAMBUCO, UMA TERRA À PARTE
Em nenhum Estado do Brasil a juventude
universitária vem sendo vítima de tantas pressões, como em Pernambuco.
Diz-se-ia que há grupos interessados em jogá-los no desespero
das atitudes radicais. Somos contra qualquer radicalismo, quer
na extrema esquerda, quer na extrema direita. Assim como não compartilhamos
com a chamada “esquerda festiva”, abominamos, de igual modo, a
“direita sinistra”.
Mas nem tudo é radicalismo.
O caso da Universidade Federal Rural
de Pernambuco, como o de outras Universidades locais, é produto,
não dizemos da prevenção contra os moços, mas da incompreensão
em relação aos moços.
Em comovente carta que nos dirigiu
particularmente, e que fizemos constar dos autos, o acusado JOSÉ
MOURA E FONTES diz dos seus motivos em não poder comparecer, para
defender-se, perante essa Justiça Militar. Pelo que denunciou,
pelas críticas que trouxe à baila, pela coragem de assumir atitudes
– sua vida corre perigo, tanto como a do saudoso Padre Henrique,
como a do brilhante engenheiro Cândido Pinto de Melo, um morto,
em condições selváticas, outro inutilizado pela paralisia dos
membros inferiores.
Não acusamos, nominalmente, ninguém
por esses bárbaros atentados, porque não dispomos de provas. Tão
somente por não dispormos de provas concretas. Mas é muita coincidência
que aqueles dois jovens atingidos pela fúria de celerados, tenham
sido, cada qual em seu setor de atividade, dos mais eficazes no
combate à corrupção nas Universidades e na sociedade brasileira,
porfiando por um Brasil melhor, de paz, de tolerância e de liberdade.
DOUTOS JULGADORES
Esse processo-crime contra um moço
de pouco mais de vinte anos é um processo contra toda a juventude,
simbolicamente. Tanto o meu constituinte, como o outro dito co-réu,
eram dos melhores alunos da Universidade Rural de Pernambuco.
Já foram expulsos de suas Escolas,
absurdamente. Estão em lugares incertos e não sabidos. Não os
empurremos, mais ainda, para o desfiladeiro da desesperação. “Nunca
usei palavras contra o pavilhão nacional, que, como brasileiro,
tenho o dever de honrar” – diz JOSÉ MOURA E FONTES, na missiva
apensa aos autos.
Entre o testemunho suspeito de um
professor, que confunde versos de CASTRO ALVES com os de OLAVO
BILAC (v. depoimento do prof. Cláudio Selva às fls. 26 dos autos...),
fiquemos com a pureza da confissão do estudante, que reitera,
dos esconderijos em que porventura se encontra: “Nunca usei palavras
contra o pavilhão nacional, que, como brasileiro, tenho o dever
de honrar”.
No âmago de sua solidão de perseguido
da Justiça, se cair sobre si a maldição das penas, esse moço há
de repetir, como aquele outro do ano de 1868, gênio mais do que
ele, mas patriota e idealista de igual quilate, os versos que
o prof. Cláudio Selva não soube decorar, nem lhes conhece a autoria:
“Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvesse rôto na batalha,
Que servirem a um povo de mortalha!”.
Fatalidade atroz que a mente esmaga!...
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga
omo um íris no pélago profundo!...
Mas é infâmia demais... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca esse pendão dos ares!...
Colombo! fecha a porta de teus mares!”
Recife,
Mércia de Albuquerque Ferreira –
Advogada.
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