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Pareceres

Recife, 09 de setembro de 1999.

Ilmo. Sr.
Dr. FREDERICO C. BARBOSA
MD. Ouvidor Geral da
SECRETARIA DA JUSTIÇA E CIDADANIA
Nesta

PROCESSO N.º 122/99

"Não há prisão no mundo onde o amor não consiga penetrar, mesmo que seja através da força." (Fls. 170 - Oscar Wilde - De Profundis).

Senhor Ouvidor,

Antes de entrar na apreciação do objeto deste parecer, é necessário ressaltar que o Brasil é um Estado leigo, não é um Estado teocrático.
Logo os princípios que devem nortear este parecer, estão fundamentados na razão e no direito.

Há muito que a Organização Mundial de Saúde - OMS, retirou do CID (Código Internacional de Doença) o homossexualismo como doença.

Discriminação das minorias, é violação dos Direitos Humanos, é crime.
Na parte especial do Código Penal Brasileiro, que trata dos crimes contra os costumes, não disciplina entre os crimes o homossexualismo. Daí se entender de logo que qualquer repressão, a mais leve que seja, à pessoas homossexuais, aí sim, seria crime, pois não se pode punir ou apenar conduta não prescrita em lei.

A figura do homossexual, remonta ao início da humanidade, exemplo mais patente do que se afirma, pode-se encontrar lendo a Bíblia Sagrada. Em tais escrituras, já há discriminação, entretanto isto do ponto de vista religioso, e não como punição penal ou atitude criminosa.

Também devemos observar desde a História Antiga a Contemporânea, que sempre existiu a figura do homossexual preponderante, é que vários líderes (faraós, reis, guerreiros, intelectuais, políticos etc.) são citados como tais.
Muitas das vezes, inclusive, são motivo de elogios pela sua liderança e condução de seus subordinados, ofuscando a opção sexual, que não lhe tirou qualidades virtuais, para o cargo que ocupava.

Se no alto comando dos destinos da humanidade, tal prática existiu e existe, como se querer atualmente, quando se prega DEMOCRACIA com letra maiúscula, querer punir-se atitude não criminosa.

Pergunta:
Como querer esmagar os mais fracos, trancafiados em celas imundas, em condições subumanas a mercê de uma sociedade capitalista?
Para o apenado, já existe a negação de que tudo, não lhe restando quase nada. E agora além de tudo isso, também lhe deve ser negado o exercício de sua opção sexual?

Por ter uma conduta diferenciada lhe deve ser negado o direito de amar e ser correspondido?

Aos heterossexuais, que também quando encarcerados, sofrem as mesmas angústias do cárcere, ainda lhe resta o direito de exercer a sua sexualidade, de forma que funcione como lazer, evasão das tensões, ou a consagração plena do amor, o único momento unidos pelo sentimento supremo os seres humanos se unificam, em um momento mágico quando o ser se desprende da realidade para a fantasia.

A Constituição Brasileira garante ao seu povo:
"ART. 1º - A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - A cidadania
III - A dignidade da pessoa humana.
ART. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
Daí se concluir que qualquer disciplinarmente discrepante inconstitucional, motivo de punição.
O Interessado AGNALDO GUILHERMINO DOS SANTOS, tem ao seu entender garantido na Constituição, Carta Magna do Brasil, o direito de ir e vir, à cidadania, à dignidade da pessoa humana, à igualdade perante a lei, à liberdade, à indenização por dano moral decorrente de sua violação.
Negar o pleito do suplicante é violar a Carta Magna, que orienta e determina o equilíbrio da lei que compõe o Estado, e rege a sociedade civil, na indissolúvel soberania do nosso povo, mais sério matar Aphrodite (Afrodite), a deusa e senhora do amor e da fertilidade, assassinar Eros, o eterno mensageiro do amor, que representa a energia inesgotável de tudo que significa união, construção, unidade do próprio universo, pois o amor é desprovido do genital, que por sua vez é realidade finita e mortal da cultura judaico-cristã que vestiu os corpos e reprimiu os sentimentos, a liberdade, hoje garantida a todos em nossa democracia, com um único propósito: o poder e alienação das massas.
Agora temos que evocar outros referenciais: primeiro, a cultura clássica greco-romana Herr Freud e a psiquiatria moderna.
Os gregos, em especial os espartanos, não observavam ato sexual como conceito que entendemos hoje, a família era constituída através do casamento obrigatório, sem ser autorizado a vida familiar, pois o único sentido entre o homem e a mulher era que seus corpos fossem sadios e vigorosos para que pudessem gerar herdeiros aptos a serem habitantes de Esparta, o ciúme era proibido entre o casal. O casamento poderia ser dissolvido quando o homem tinha sua saúde comprometida, tendo que doar sua esposa a um outro homem mais robusto, a fim de manter a raça preservada em seu estado físico, as crianças eram propriedade do Estado sendo legado sua educação a ele.
Sua atividade sexual, a dos guerreiros, tinha o apoio do conservador mundo onde Esparta teve seu desenvolvimento sócio-político-econômico que gerou a oligarquia.
A relação genital entre os guerreiros era estimulada, legalizada e legitimada pelo Estado que via sua própria existência e conservação baseada na união corpórea-genital dos seus soldados, exército. E o exército era o componente de toda e qualquer expressão das atividades desse notável povo belicoso, viril do Peloponeso; em seu imaginário coletivo a força e a unidade existia materializada na figura do guerreiro fisicamente superior comprovando que nem sempre a eleição do objeto amado depende da genética, e sim, da construção da subjetividade que não reconhece o genital.
Freud, em 1905, escreveu os três ensaios sobre a teoria da sexualidade humana, em suas primeiras páginas coloca que:
"A teoria sobre a pulsão sexual tem seu mais belo equivalente na fábula poética da divisão do ser humano em duas metades - homem e mulher - que aspiram a unir-se de novo no amor. Por isso causa grande surpresa tomar conhecimento de que há homens cujo objeto sexual não é a mulher, mas o homem e mulheres para quem não o homem, e sim a mulher, representa o objeto sexual. Diz-se dessas pessoas que são 'de sexo contrário', ou melhor, 'invertidas', e chama-se o fato de inversão. O número de tais pessoas é bastante considerável, embora haja dificuldades em apurá-las com precisão." (Freud, pág. 252-253).
... a) É preciso considerar que nos povos antigos, no auge de sua cultura, a inversão era um fenômeno frequente, quase que uma instituição dotada de importantes funções." (Freud, pág. 254)
... b) A substituição do problema psicológico pelo anatômico é tão inútil quanto injustificada." (Freud, pág. 255)
... c) A pulsão sexual e o objeto sexual se encontram próximas: a pulsão sexual independe de seu objeto e sua origem provavelmente não se deve aos atrativos de seu objeto." (Rzezinski, pág. 149).
A psicanálise não atende os padrões comportamentais, por isso, declara-se o instrumento de estudo que tem seu objeto de investigação no inconsciente, sendo assim, a problemática é deslocada do campo moral para a subjetividade humana e o homossexualismo só encontra quadro patológico nos conflitos criados pela civilização. Quando os conflitos são exarcebados na eterna luta-pulsional entre o desejo e a defesa.
A psiquiatria moderna trata do assunto da seguinte forma:
"No DSMIII como homossexualidade ego-distônico, era definido como um desejo de adquirir ou aumentar a excitação heterossexual, de modo que pudesse ser um relacionamento deste tipo."
Tendo tal definição sido abolida no DSM-III-R, por sugerir que pelo fato da orientação sexual em si ser um distúrbio e a própria comunidade científica não ter usado tal diagnóstico a nível clínico, e só raríssimos trabalhos terem se valido do diagnóstico homossexualidade ego-distônica (Kaplan e Sadock, pág. 391), já no CID-10 - classificação de transtornos mentais e de comportamento na página 216 em nota expressa:

"A orientação sexual por si só é para ser considerada como um transtorno;" pois o conflito psíquico não atende aos ditames da opção, e sim, do sistema repressor usado no desenvolvimento psicossexual das crianças, adolescentes que serão um dia adultos cegos pela neurose coletiva.

Assim, fazemos nossa as palavras eternas de Oscar Wilde sobre a matéria: "O único objetivo do amor é amar", a isso nem o direito, o Estado ou o código moral poderá negar sem incidir em gravíssimo erro, pois estará negando a Carta Magna e vitimizando pelo preconceito o amor, que não deve ser maculado pela culpa ou incompreensão do sistema.
O ministro da Justiça, José Carlos Dias, declara em 25 de agosto de 1999, ao desembarcar em Brasília:

"Ao desembarcar em Brasília, cinco semanas atrás, José Carlos Dias defendeu a união civil entre homossexuais." (Doc. 1).
A Resolução do Conselho Federal de Psicologia de n.º 01/99, de 23 de março de 1999 estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão de Orientação Sexual:
"Considerando que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão." (Doc. 2).
A Penitenciária Lemos de Brito, pioneira no Brasil na liberação dos encontros conjugais entre homossexuais. (Docs. 3-4).
O diretor da Lemos de Brito, Dr. Osvaldo Alves, permitiu a visita íntima do homossexual com base na Resolução n.º 01, de 30 de março de 1999, do CNPCQ (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária).
A lucidez e a coragem do Dr. Osvaldo Alves merece nossa homenagem, pela ação destemida rasgando o disfarce dos moralistas.
Na Alemanha, Suécia, Dinamarca, Holanda e outros países há tempo que existe a liberação sexual nas prisões entre homossexuais.
Não tenho intenção de chocar a sociedade ou ferir conceitos religiosos, pois tenho sempre presente Mateus 18, v 7:
"Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem."
O escândalo vem sendo cometido nas prisões deste país, estupros violentos entre os internos com a cruel indiferença dos responsáveis, em fazer cumprir as leis dentro dos cárceres.
O escândalo surgiu através da imprensa para o público, não falo de escândalo o homossexualismo, mas como é praticado, com tabelas de preço, e de maneira brutal (Doc. 5).
A maioria dos encarcerados, sem instrução, se submetem a prática do amor, com companheiros portadores de AIDS (Doc. 5).
Será que os internos estão condenados à pena de morte?
Acredito que liberado o encontro conjugal entre homossexuais Natasha, Negona, Fofa, Marquesa, Maravilha, Parmalat entendam a profundidade do meu pensamento.
"Os pecados da carne não têm nenhuma importância, só os pecados da alma são vergonhosos."
Sempre que entro nas prisões, procuro encher-me de amor e respeito porque:
"Onde quer que haja sofrimento, o terreno é sagrado."
Que medidas médicas e sanitárias sejam adotadas, inclusive a distribuição de preservativos, gratuitamente, como prática adotada pelo Ministério da Saúde e Secretaria de Saúde Estadual e Municipal.
Que tenham seus locais de encontros conjugais, iguais aos reservados aos heterossexuais.
Isto posto, opino pelo deferimento do pleito de ARNALDO GUILHERMINO DOS SANTOS, extensivo a todos que desejarem se beneficiar, pois o direito do gay deve ser não só garantido, como respeitado.
"É preciso reencontrar a vida. O travesti que eu vi ser imolado queria viver. Vamos deixar que os outros vivam. Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância, afirma Jesus!" - D. Mauro Morelli, Bispo da Baixada Fluminense (J. B., 19.09.1998).

À consideração superior,

Mércia de Albuquerque Ferreira
Defensora Pública.

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