DECLARAÇÃO
Eu, Maria do Carmo Moreira Serra
Azul, brasileira, solteira, Registro Geral: 455.254 – SSP/CE ,
CPF: 162510593-20, residente e domiciliada à Rua João Cordeiro
1095, Aldeota, Fortaleza/Ce, CEP 60 110-300 venho declarar o que
se segue:
Em
meados de maio de 1974, minha irmã Iracema Serra Azul da Fonsêca
e meu cunhado Manoel Dias da Fonsêca Neto, juntamente com meus
sobrinhos Luís Ernesto Serra Azul da Fonsêca (3 anos) e Andréia
Serra Azul da Fonsêca (2 anos), fugindo de perseguições políticas
no Estado do Ceará, encontravam-se em Abreu e Lima, na região
metropolitana de Recife-Pernambuco, quando foram presos.
Durante
cerca de 40 dias que permaneceram encarcerados, meus sobrinhos
ficaram em poder dos órgãos repressivos em local incerto e não
sabido por seus familiares. É importante frisar que não existiam
parentes residindo naquele Estado, porém eram conhecidos seus
endereços no Ceará. Ocorre que não avisaram da prisão de seus
pais e nós familiares só soubemos do ocorrido quando Iracema foi
liberada e comunicou o fato.
Quando
a família tomou conhecimento viajou para Pernambuco já em julho
de 1974 e trouxe as crianças, totalmente traumatizadas, para o
Ceará. Quando aqui chegaram fui ao encontro dos meus sobrinhos
e me revoltei com o estado em que as encontrei, principalmente
o Luís Ernesto, que devido ser um ano mais velho que Andréia,
estava totalmente confuso e revoltado. Até hoje não encontro desculpas
para o que fizeram, as crianças não tiveram o direito de escolha,
foram sequestradas, separadas dos pais e separadas entre si, sendo
inocentes, pois nem tinham idade para fazerem oposição ao regime
de exceção e, no entanto, tiveram o mesmo tratamento dos adultos,
quando poderiam ter ficado com seus avós paternos ou maternos
no Ceará.
Luís
Ernesto, de 3 anos, que estava com a cabeça raspada e marcas de
uma possível internação hospitalar, encontrava-se com sérios
problemas respiratórios (antes era uma criança saudável), falou
que “uns homens” disseram que seu pai havia matado sua mãe, repetia
que ninguém gostava dele e que ele não gostava de ninguém. Chorava
constantemente, tinha pavor a carros porque dizia que tinham levado
sua mãe em um deles, só aceitava viajar de ônibus, tinha crises
nervosas quando entrava em hospital, falava em uma “Tia Zeza”
e que lá onde tinha estado havia uma” Tia Cacau” ruim, Cacau é
meu apelido familiar, constatei que tentaram confundi-lo. Dizia,
também, que o tinham separado de sua irmã e de seus pais.
Andréia
de 2 anos, muito nova, não tinha consciência do que lhe havia
acontecido, estava completamente carente e insegura, chorava com
facilidade, tinha um apego exagerado com o irmão, como se tivesse
medo de perdê-lo novamente, queria ficar constantemente no colo.
Até
hoje os dois carregam marcas dos traumas sofridos.
É
oportuno salientar que nessa época Fonsêca continuava preso em
Pernambuco e Iracema ficava dividida entre cuidar dos filhos e
visitar o esposo.
Hoje,
quando se lê o Estatuto da Criança e do Adolescente e a proteção
jurídica à criança brasileira, é que se pode medir a barbaridade
cometida contra duas crianças indefesas e sem culpa, vitimas das
atrocidades da Ditadura e que carregarão por toda a vida as marcas
deixadas em suas pequenas vidas.
Fortaleza,
23/07/2001
Maria
do Carmo Moreira Serra Azul
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