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Dez anos sem Mércia Albuquerque
Advogada de presos políticos de Pernambuco e do Nordeste

"Tudo que fiz, foi em nome da liberdade"

Homenagem de militantes dos Direitos Humanos a grande advogada pernambucana Mércia Albuquerque Ferreira que em 29.01.2013 acontece os 10 anos de seus falecimento.

 

Para uma arqueologia da dor e da coragem

Prof. Ms. Flávio José de Oliveira Silva*

Conheci o acervo de MÉRCIA ALBUQUERQUE FERREIRA advogada de presos e torturados políticos da 7ª região militar, localizado em Recife, por intermédio do amigo Roberto Monte e sua esposa Maise, quando fui convidado pelo casal para fazer uma leitura de alguns arquivos da ditadura militar, assim que se iniciou o processo de organização do Comitê Estadual de Educação para os Direitos Humanos e do Comitê pela Verdade, Memória e Justiça RN. Foi um momento ímpar na minha vida de militante e pesquisador, pois tive acesso a um acervo inigualável e de extrema importância para a reconstrução de um capítulo da história recente do nosso país.

O Acervo de Dra. Mércia é um relicário de fontes escritas e contém 638 correspondências entre cartas, cartões, bilhetes e telegramas, enviados por presos políticos, clientes, familiares e amigos, de diversas regiões do Brasil e do mundo. Expressa em sua totalidade, um conjunto epistolar de grande relevância, pois são correspondências guardadas com o apreço de quem por muito tempo, conheceu e acompanhou as agruras de pessoas que dedicaram suas vidas a uma utopia de liberdade e ao sonho de uma sociedade possível. As correspondências foram colecionadas, acondicionadas e guardadas em um cuidadoso arquivo com encadernações e anotações devidamente enumeradas e catalogadas por Dra. Mércia. São em sua maioria súplicas, notícias de presos, agradecimentos, pedidos de acompanhamento de processos penais, alguns escritos de dentro dos presídios e outras traçadas no seio das famílias que buscavam em seu trabalho, apoio para a liberdade.

Recheadas de sentimentos de temor, de esperanças e até mesmo de sonhos, as correspondências expiram metáforas e aforismos, denotam caminhadas intimistas por um mundo desconhecido por alguns e descobertos por outros. Ricas em informações e subjetividades, as correspondências descortinam um cotidiano dos presos e das famílias que sofreram por anos a fio, na espera de uma liberdade almejada e pelo fim de uma época de dor e de perseguição. Por dias, debruçado sobre estas cartas, fiquei indignado, admirado, sensibilizado e inspirado, descobrindo e entrecruzando fatos e pessoas, configurando cenas e as projetando em diversas possibilidades, me espelhado sempre no trabalho de Ginzburg, quando em seu livro “O queijo e os vermes” descortinou a vida cotidiana do moleiro friulano Menocchio. Daí, percebi a importância de Dra. Mercia Albuquerque para a humanidade reprimida naquele micro espaço de relações sociais em plena ditadura militar. Não busquei entender o gênero textual das cartas, porém, o encontro com o arquivo, a manipulação do material, produziu no meu universo mental, a materialidade de sentimentos expostos, o encontro com saberes construídos nas relações travadas no cotidiano do sofrimento instaurado por um Estado totalitário e impiedoso.

Pensei daí, a propor uma adjetivação para o fato que me cercava e acabei por concluir que estava frente a frente com uma espécie de Arqueologia da dor e da coragem. Percebi-me num campo intocado de pegadas, rastros e gestas de pessoas comuns, que ambientadas num mesmo contexto sócio-histórico cultural e mediados pela coragem de quem enfrenta um monstro secular, num determinado tempo, pessoas diversas escreveram sua própria relação com a vida e com a utopia de um momento presente.

Nas minhas inquietações investigativas me questiono sempre: Como Dra Mercia conseguiu guardar por tanto tempo, sob tantos cuidados, gritos de sofrimento, lágrimas de torturas e clamores por justiça? Somente uma coragem épica e um extremado comprometimento com a causa dos perseguidos justifica atitudes reveladas nos escritos de seu arquivo.

Essa história começa a ser contada agora, com a devida reparação do tempo e pela luta de quem não conseguiu sepultar os seus nem calar a memória da dor. Foram os FONSECA NETO, ALBUQUERQUE, GUEDES, CAVALCANTI BARROS, DOMINGOS SOBRINHO, FERNANDES, LOPES DE LIMA, MEDEIROS, SILVA, SANTA CRUZ, e tantos outros, os atores desse capítulo que ganha cenários e começa se descortinar. E como dizia o notório Walter Benjamin “nada do que aconteceu deve se dar como perdido para a história” e nesse sentido, Dra. Mercia Albuquerque deu sua grande contribuição ao mundo.

*Professor, pesquisador, membro do Comitê de Educação em Direitos Humanos.

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