Escrito 01
Jarbas Pereira Marques
Granja São Bento
Jarbas
Pereira Marques
Eudaldo Gomes da Silva
Evaldo Luiz Ferreira
José Manuel da Silva
Soledad Barret Viedma
José Moura e Fonte
Muito
cedo dirigi-me à residência
de Dona Rosalia Pereira Marques, mas já
havia saído. Comuniquei o fato à
irmã de Jarbas. Em seguida, localizei
a esposa, quase uma menina, que me acompanhou
com uma filhinha de uns nove meses. Tercia
Maria não falava, apenas apertava
fortemente a minha mão. Passamos
na casa mortuária, lá tomamos
conhecimento que já haviam providenciado
o caixão.
Segui
para o necrotério, cem metros começamos
as sentir o odor forte de carne em decomposição.
Tercia entregou-me dois botões de
rosa e retirou-se. Segui, fora do necrotério
Dona Rosália chorava, médicos
e enfermeiros lamentavam a tragédia.
Aconselharam-me a não entrar, entrei.
Uma nuvem de moscas cobriam os corpos deformados,
que mortos estavam desde o dia 8 fora da
geladeira. Jarbas tinha os olhos arregalados-
a boca aberta, língua para fora perfurações
no tórax, manchas escuras pelo corpo,
e uma marca contornando o pescoço.
Coloquei os botões sobre o corpo
desnudado, a calça usada chegava
até a altura dos joelhos, vestia
uma cueca azul de malha. Era filho de Rosalia
e Antônio Pereira Marques. Nascera
em 27/08/48-Recife.
Eudaldo Gomes da Silva
e Evaldo Luiz Ferreira estavam despidos,
em ereção, com manchas escuras
pelo corpo, várias perfurações,
e também com marcas, vergões
pelo pescoço.
José Manuel da Silva
seminu; Soledad Barret Viedna inteiramente
despida com o ventre cres...
Hoje
estou triste. Triste e melancólica,
apesar da ternura que envolve hoje esta
casa.
Fui visitar José
Moura e Fonte, um jovem estudante condenado
a dois anos porque declamara os famosos
versos de Castro Alves sobre a bandeira,
assim diz a sentença:
"A condenação deve-se
ao fato de ter chocado os interesses dos
professores Andrade, Vicente? e Silvio Carneiro".
O meu trabalho não se restringe soa
aos autos, vou mais além, vou até
o âmago do cliente e sinto que as
minhas visitas que se tornam mais intensas
quando os familiares se distanciam do réu,
trazem um imenso conforto.
Preocupa-me o futuro desse rapaz, injustamente
encarcerado. Como reagirá?
De minha parte só tenho concorrido
para ajudá-lo.
Os juízes são pessoas, a maioria
coloca como primeiro plano, como a maioria
dos homens, os seus interesses.
Nem
bem o dia amanheceu, Dona Rosalia, chorando,
me perguntava pelo filho. Já não
animei-a e falei-lhe dos meus temores, das
minhas angústias. Então a
velhinha me deu uma lição:
"Dra., a senhora não pode fracassar,
a senhora precisa se controlar para ajudar
a nós". Fez-me prometer que
acharia o filho, vivo ou morto, o que cumpri.
Durante toda a tarde procurei o rapaz, então
tomei conhecimento que mais cinco pessoas
estavam desaparecidas.
Consegui saber que um homem louro saíra
da livraria com Jarbas, e este revelara
a um colega que temia ser morto.
A noite recebi um telefonema, a pessoa não
se identificou, reconheci a voz, fui ao
encontro, era uma amigo que me disse: "Jarbas
está morto, o repórter via
noticiar". E falei: "E os outros?",
ao que me respondeu: "Todos estão
mortos". Entristeci com o impacto e
regressei para casa, melancólica
e infeliz, principalmente pela velha Rosalia.
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