Inconsciente
ressuscito o espaço arquivado pelo tempo.
Maria
Eponina Coutinho
Edifício
Ouro - Apto, 52.
Carlucio
fora preso. D. Hélder precisava saber. Como? Eu estava sendo
seguida, o telefone censurado.
De
repente Eponina Coutinho adentra a sala. Pulei da cadeira
e disse-lhe você vai comungar amanhã. Olhou-me assustada.
Por que? “Tenho um recado para Deus , é você quem vai levar.
Passe amanhã aqui às seis horas, é urgente”.
No
dia seguinte nem bem o sol despontou, a emissária de Deus
chegou. Entreguei-lhe o bilhete. Orientei-a para ir a igrejinha
da rua da fronteira e na hora da comunhão entregasse a mensagem
a D. Hélder.
Confundida.
Borbulhavam as lágrimas. Olhou-me e perguntou-me: “Este sofrimento
não finda”. Tremia, fingi não ter percebido. Partiu. Cumpriu
a tarefa.
Eponina,
mulher símbolo de ingenuidade e bravura, mulher mistério,
mulher triste, mulher só. Gostaria de encontrá-la, com as
tristezas resolvidas.
(Eponina,
esposa de ex-preso político Ivanildo Sampaio Xavier. Residente
atualmente em Ipueiras - Distrito do Município de Serrita-PE.)
Ivo
Valença
O
sonho misterioso do passado renasce a cada momento acalentando
as minhas saudades.
Edifício
Ouro – Apto 52
A
anciã de cabelos brancos e suaves como espumas do mar, vestida
de lua, olhava-me e ia falando sem pressa derramando as mensagens
dos presos.
O
filho amado, o predileto, o fruto primeiro de um grande amor
estava incomunicável, e corria risco de vida, mas ela não
estava desesperada, procurava não me afligir.
Disse-lhe:
o tempo não existe. Este é o segredo dos videntes, o que tiver
de acontecer já aconteceu.
Olhou-me
disfarçando a amargura e falou: Você que traz a maternidade,
sem ter ainda nos braços o filho, não pode entender a extensão
da minha tristeza. Salvei o meu Ivo.
Falava-me
com a suavidade de um regato, mas com a força de uma tempestade.
Trêmula
e insegura, no nono mês de gestação, redigi a petição de habeas corpus, em favor
de Ivo, noite a dentro.
No
dia dois de abril sentindo as primeiras contrações, encaminhei
o habeas corpus em favor de Ivo, cheia de esperança.
Ao entardecer, meu filho continuava lutando pela liberdade,
e eu não podia lhe conceder a liberdade, dependia de uma força
maior.
Às
dozes horas do dia 03 de abril de 1965, Aradin, exaurido,
ofegante, ganhava a liberdade com um h. c. cirúrgico, deixando
a prisão biológica.
Antes
de sair da maternidade, Ivo deixava a prisão da ditadura,
para continuar a luta política que tanto acreditava. Eu tinha
ganhado o h. c.
Na
calma deste momento, procuro Aradin e não acho, Ivo não sei
onde se esconde, Pepe é apenas saudades (Ivo Valença - militante
do PCB).